domingo, 4 de outubro de 2020

Escrito por em 4.10.20 com 0 comentários

Esportes a Cavalo

No já longínquo ano de 2013, eu fiz aqui um post sobre equitação, no qual mencionei que a Federação Equestre Internacional (FEI) regula dez esportes disputados a cavalo, oito como órgão máximo, dois em conjunto com outras federações - e um deles não é o polo, sobre o qual eu já havia falado. Naquele post, eu falei sobre os oito que são da FEI mesmo, deixando os outros dois pra depois. No mesmo ano, falei sobre um deles, o horseball. Do outro, eu me esqueci. Mas eis que, quando escrevia o post sobre as lutas de submissão, um fato acabou me trazendo à tona esse esquecimento, e decidi que antes tarde do que nunca. Como eu já estava com vontade de falar sobre mais um esporte que usa cavalos, resolvi mais uma vez fazer um post com uma trinca, de forma que hoje é dia de esportes a cavalo no átomo!

Vamos tirar logo o elefante (ou o cavalo) da sala e falar sobre o esporte que ficou faltando lá em 2013, o tent pegging, que, até onde eu consegui averiguar, não tem nome em português. As origens do tent pegging podem ser traçadas até o século IV a.C., de quando datam os primeiros registros de que cavaleiros da região onde hoje se encontra o Paquistão competiam entre si para ver quem tinha a maior habilidade para recolher estacas de madeira fincadas no chão usando suas lanças e espadas enquanto vinham a galope. Segundo a lenda, o esporte teria se originado da prática de atacar acampamentos à noite, usando as lanças e espadas para remover as estacas que seguravam as barracas do inimigo no lugar, causando pânico e confusão; embora o nome do esporte venha dessa lenda - tent significa "tenda" ou "barraca", e peg significa "estaca", então tent pegging seria algo como "remover as estacas das barracas" - não há nenhum registro histórico nem de exércitos que utilizassem essa prática, nem daqueles que teriam caído nela, apenas das competições esportivas. A teoria tida como oficial pela FEI é a de que os cavaleiros, na verdade, treinavam para atingir os pés dos elefantes do exército inimigo, mas esta também não pode ser comprovada.

Seja como for, o tent pegging sempre foi um esporte extremamente popular no Paquistão, e, no início do século XX, começou a se espalhar para os vizinhos, especialmente para o Irã e o Afeganistão, onde também alcançou grande popularidade. Ele acabaria sendo levado por imigrantes para o Reino Unido, e, de lá, para Canadá, África do Sul e Austrália. A partir da década de 1970, o tent pegging se espalharia pelo mundo, se tornando especialmente popular nos países árabes. Ele seria reconhecido como esporte pelo Conselho Olímpico da Ásia em 1982, e pela FEI em 2004; a fundação de uma federação internacional, porém, só ocorreria em 2013, com a criação da Federação Internacional de Tent Pegging (ITPF), que hoje conta com 29 membros dos cinco continentes - sendo que o Brasil não é membro. Pouco após sua fundação, a ITPF procurou a FEI e costurou com ela o mesmo acordo que a FEI possui com a FIHB, a Federação Internacional de Horseball: a ITPF é responsável pelas regras do tent pegging e pela organização de torneios internacionais, mas se compromete a seguir as regras da FEI no tocante à organização de torneios e tratamento dos cavalos, com a FEI atuando como fiscal para saber se seus padrões estão sendo cumpridos, e ambas atuando em conjunto pela promoção e divulgação do tent pegging no mundo.

Desde bem antes da fundação da ITPF, já eram disputados torneios internacionais de tent pegging, organizados por várias entidades nacionais e internacionais. Sua criação foi uma tentativa por parte de 17 federações nacionais, lideradas pela Federação Equestre da Índia, que organizou os Campeonatos Mundiais de 2010, 2012 e 2013, de unificar as regras e facilitar a difusão do esporte. Vale citar que nem todos os países que praticam o tent pegging são membros da ITPF, seja por não concordar com as regras oficiais da entidade, por motivos políticos, ou por ambos - o mais forte deles é a Arábia Saudita, que tem até um disputado campeonato nacional, mas não concorda com a participação de mulheres no esporte, nem com o fato de a ITPF ser sediada no Omã.

Pelas regras da ITPF, o tent pegging é disputado no individual, em duplas e por equipes, no masculino e no feminino - mas sem duplas ou equipes mistas. Cada equipe é composta por quatro membros, mais um reserva, sendo que a substituição só pode ocorrer por razões médicas, e um competidor substituído não pode mais retornar naquela competição. Pelas regras da ITPF, o reserva é "opcional", podendo uma equipe competir normalmente sem ele, mas sendo desclassificada caso não tenha quatro membros em condições de competir no dia do evento - o mesmo valendo para uma equipe na qual já ocorreu uma substituição. Cada competidor deve ter seu próprio cavalo, só sendo permitido trocar de cavalo em caso de contusão do animal - e, mesmo assim, cada equipe só pode ter um único cavalo reserva, sendo a equipe desclassificada caso mais de um animal não possa competir. Cada cavalo só pode fazer, no máximo, oito passagens por dia, devendo as provas ser adiadas se esse limite for ser superado por culpa da organização.

Competições da ITPF usam dois tipos de armas, a lança e a espada - competições nacionais também usam outros tipos de arma, como ganchos e até pistolas. A lança deve ter entre 2,2 e 2,75 m de comprimento, e sua ponta deve ser de metal e lisa, sem partes serrilhadas ou espetos; o cabo pode ser de qualquer material, e pode contar com elementos que deem mais firmeza na pegada, como uma faixa de borracha. Já a espada deve ter no máximo 1,1 m de comprimento, com a lâmina devendo ter entre 81 e 90 cm, e também devendo ser lisa, sem rebarbas ou espetos; a espada deve ser integralmente feita de metal, sem partes de outro material. O único item de uniforme obrigatório pelas regras da ITPF é um capacete de proteção próprio para equitação, sendo o restante do uniforme totalmente livre. Competidores de países que têm tradição no tent pegging, como Paquistão, Omã, Irã e Afeganistão, costumam usar roupas típicas tradicionais que lembram as dos beduínos do deserto, inclusive com um turbante por cima do capacete (o que é permitido pela ITPF), enquanto competidores de países como África do Sul, Estados Unidos, Índia e Austrália costumam usar uniformes que lembram o do polo, com calças e botas de montaria e camisas de mangas curtas com gola dobrada. No feminino, sempre é usado o uniforme "moderno", com as competidoras de religião islâmica podendo usar mangas compridas e véu para esconder os cabelos (por baixo do capacete).

Os alvos, chamados pegs, são estacas de madeira, preferencialmente de palmeira, com 30 cm de altura, 2,5 cm de espessura, e largura dependendo da prova. Os alvos são colocados a 70 m da linha de partida, parcialmente enterrados em ângulo de 60 graus com o solo, de forma que exatamente 17 cm do alvo fiquem na superfície. Caso a pista seja de terra batida, os alvos não serão enterrados diretamente no chão, e sim colocados em peg holes, buracos de 75 cm de comprimento, 30 cm de largura e 30 cm de profundidade, preenchidos com areia. Para fazer com que seja mais difícil um alvo se quebrar, eles são embebidos em água antes de serem enterrados, e dois arames são amarrado em volta deles, um a 2 cm do topo e outro a 4 cm do solo. Os alvos são pintados de branco ou de outra cor que facilite sua visualização pelos competidores e pelo público, mas não podem ter qualquer tipo de desenho. Embora eles nunca sejam usados em competições oficiais, a ITPF permite alvos de papelão, feitos de duas ou mais camadas coladas até que se alcance a espessura de 2,5 cm. Vale dizer também que, se o competidor for canhoto, o alvo é enterrado do lado esquerdo da pista, e não do direito.

A pontuação é contada da seguinte forma: um alvo que seja recolhido (espetado e tirado do chão) pela arma e carregado até a linha de chegada vale 6 pontos; se o alvo se quebrar ou partir assim que for atingido pela arma, sem que o competidor consiga recolhê-lo, também vale 6 pontos. Um alvo que seja recolhido, mas que caia antes de o competidor cruzar a linha de chegada, vale 4 pontos. Um alvo que seja tocado pela arma mas não recolhido vale 2 pontos, desde que a arma deixe uma marca clara na face do alvo; se a arma se quebrar ao tocar o alvo ou após recolhê-lo, o competidor também ganha 2 pontos. Alvos que não sejam tocados pela arma, que sejam tocados na lateral ou que sejam tocados na face mas não tenham marcas não valem pontos; caso o competidor deixe sua arma cair ou caia do cavalo, mesmo que isso ocorra após recolher o alvo, também não ganhará pontos naquela passagem. Em cada passagem, cada competidor tenta recolher apenas um alvo.

A competição de tent pegging é oficiada por um órgão chamado ground jury, composto por um árbitro principal, um secundário, um responsável por marcar o placar, um responsável por cronometrar o tempo, e um responsável por autorizar a partida dos competidores - após o competidor ter sua saída autorizada, ele tem 120 segundos para cruzar a linha de partida, ou será desclassificado; um competidor que cruze a linha de partida sem ser autorizado também é desclassificado. A maioria das competições de tent pegging hoje usa cronometragem eletrônica, que se inicia automaticamente quando o cavalo passa pela linha de partida e se interrompe quando ele cruza a linha de chegada, sendo o árbitro de cronometragem usado apenas por razões de segurança - caso a eletrônica falhe, por exemplo. Além do ground jury, há uma equipe chamada track party, que confere as condições da pista antes e depois de cada passagem, arruma os alvos em seus lugares, e encaminha cada competidor para sua pista apropriada.

A área de competição do tent pegging é feita de terra batida ou areia - o que permite sua prática na praia - e deve ter entre 120 e 200 m de comprimento. São montadas quatro pistas paralelas, mas somente uma é usada a cada passagem; o intuito é não precisar arrumar cada pista entre um competidor e outro - enquanto um está competindo, a track party está inspecionando e arrumando a pista que acabou de ser usada - o que dá mais dinamismo à competição. Cada pista deve ter entre 20 e 25 m de largura, delimitados por muretas de madeira de no mínimo 1,5 m de altura. O espaço entre uma pista e outra deve ser de no máximo 20 m - não há mínimo, sendo permitido pistas "coladinhas", que compartilham a mesma mureta. É importante dizer que nem toda a extensão da pista é cronometrada, apenas um trecho de 80 metros, que corresponde ao espaço entre a linha de partida e a de chegada; antes da linha de partida há um trecho de no mínimo 30 e no máximo 50 m usado para o cavalo ganhar velocidade, e depois da linha de chegada há um trecho de no mínimo 10 m para que ele desacelere.

Cada competidor tem um tempo-limite para fazer o percurso entre a linha de partida e a linha de chegada. Terminar o percurso acima desse tempo resulta em uma penalidade de meio ponto perdido para cada segundo a mais - mas é impossível ter pontuação negativa, ou seja, um competidor que marque zero ponto e estoure o tempo continua com zero. Também é importante registrar que, caso um empate entre dois ou mais competidores precise ser quebrado, é disputada mais uma passagem por cada um; caso o empate persista, é usado o tempo de cada competidor empatado nessa segunda passagem, e, caso persista, o tempo da primeira passagem de cada. É raríssimo que ocorra, mas, caso ainda assim o empate persista, eles terminam empatados e pronto.

A ITPF regula oito provas diferentes do tent pegging. As duas individuais são as da lança individual e da espada individual. Nelas, cada competidor faz três passagens, as duas primeiras com alvos de 6 cm de largura e a terceira com um alvo de 4 cm de largura, sendo somados os pontos das três passagens (e descontadas as penalidades por tempo) para se determinar a pontuação final de cada um. O tempo-limite nas provas individuais é de 6,4 segundos. As duas provas por equipes são a lança por equipes e a espada por equipes; cada um dos quatro membros da equipe usa uma das quatro pistas, mas, como já foi dito, um de cada vez, e seus pontos das doze passagens (três de cada) são somados para determinar a pontuação final da equipe. O tempo-limite para cada membro da equipe é de sete segundos, mas as demais regras são idênticas às das provas individuais. Se houver empate entre duas equipes, toda a equipe precisa fazer uma nova passagem. A quinta prova é a de duplas, na qual cada um dos membros da dupla faz uma passagem, um usando a lança e um usando a espada, ambas com alvos de 6 cm e tempo-limite de 6,4 segundos, sendo os pontos das duas passagens somados para se determinar a pontuação final da dupla, e, em caso de empate, apenas um dos membros da dupla faz uma nova passagem, usando a espada. Todas as passagens de desempate, nessas cinco provas, usam alvos de apenas 2,5 cm de largura.

A partir daqui as coisas começam a ficar diferentes: na prova do revezamento, quatro alvos são enterrados na mesma pista, o primeiro a 70 m da linha de partida, os outros a 1,5 m do anterior cada. A prova do revezamento é disputada por equipes, e cada membro da equipe faz duas passagens, uma usando a lança e a outra usando a espada. Os alvos são de 6 cm, e cada competidor tem seu próprio alvo (o primeiro a entrar na pista deve recolher o primeiro alvo, e assim sucessivamente). A principal característica do revezamento é a de que não somente todos os membros da equipe usam a mesma pista, mas também todos "ao mesmo tempo" - ou quase, já que é preciso respeitar uma distância mínima de 11 metros entre um cavalo e outro. De qualquer forma, diferentemente das provas por equipes, uma vez que o primeiro seja autorizado, os demais não precisam esperar uma nova autorização, partindo assim que a distância de 11 m para o anterior se estabeleça; por causa disso, o tempo-limite, de 10 segundos, começa a contar quando o primeiro competidor passa pela linha de partida, mas só para quando o quarto membro da equipe cruza a linha de chegada. Como há quatro alvos na pista ao mesmo tempo, há algumas regras diferentes: caso um competidor derrube o alvo de outro, o que teve o alvo derrubado ainda poderá recolhê-lo, ganhando os pontos normalmente; um competidor que recolha o alvo errado não pontua, e o que teve o alvo recolhido erradamente também não; se um competidor não conseguir recolher seu alvo, ele se tornará um "alvo morto", e os seguintes devem ignorá-lo, não ganhando pontos caso o recolham; e, caso um competidor recolha dois alvos ao mesmo tempo, ele só pontuará por um, e os que tiveram seus alvos erradamente recolhidos não pontuarão. Em caso de empate, é feita uma nova passagem de toda a equipe, usando lanças e com alvos de 2,5 cm.

A sétima prova é a do rings and peg, disputada de forma individual, com a lança, tempo-limite de 7 segundos e duas passagens, uma com alvo de 6 cm e uma com alvo de 4 cm, sendo uma passagem com alvo de 2,5 cm usada em caso de desempate. Mas a principal diferença dessa prova para a da lança individual é que, a 35 m e a 50 m da linha de partida há dois suportes em formato de T, com um anel de 60 mm de diâmetro pendendo a 2,6 m de altura de cada um deles; o competidor deve recolher esses dois anéis com sua lança antes de recolher o alvo, ganhando 6 pontos por cada se conseguir levá-los à linha de chegada ou 4 caso eles caiam no meio do caminho. Finalmente, temos a prova do lemons and peg, que usa as mesmas regras, mas os competidores usam a espada, e, ao invés de anéis, são limões, pendurados a 2,2 m de altura, que devem ser cortados no sentido horizontal, o primeiro com a lâmina se afastando do competidor, o segundo no sentido contrário, com cada limão cortado corretamente valendo 6 pontos.

Além dessas oito provas, a ITPF regula a competição do overall, disputada em equipes e composta de três etapas, normalmente uma por dia. Na primeira etapa, os quatro membros da equipe disputam a prova da lança individual, lança por equipes e duplas; na segunda etapa, espada individual e espada por equipes; e na terceira, rings and peg, lemons and peg e revezamento, nessa ordem. Os pontos de todas as oitenta passagens (vinte de cada um dos quatro competidores) são somados para se determinar a pontuação final da equipe. Se for necessário desempate, é feita uma nova passagem na prova do revezamento, com lanças e alvos de 2,5 cm. Na maioria dos torneios, são usados os resultados das provas "normais" para o overall, ao invés de serem disputadas provas novas.

Como curiosidade, vale dizer que essas não são as únicas provas possíveis no tent pegging, com outras, algumas com regras bastante diferentes, sendo disputadas em competições nacionais e regionais - há uma prova que não é regulada pela ITPF na qual o objetivo é acertar com a lança um manequim, que representa um soldado inimigo, antes de recolher o alvo, por exemplo.

O principal campeonato do tent pegging é a Copa do Mundo, disputada a cada quatro anos desde 2014. A Copa do Mundo é disputada no sistema overall, sem distribuição de medalhas separadamente por prova, com a equipe que somar mais pontos sendo coroada campeã mundial; na primeira edição, disputada em 2014 no Omã, a campeã foi a África do Sul, e na segunda, disputada em 2018 nos Emirados Árabes Unidos, o campeão foi o Egito. A Copa do Mundo até agora foi exclusivamente masculina; a primeira competição feminina está prevista para ser realizada em 2022, quando a Copa do Mundo será disputada na África do Sul. Antes da fundação da ITPF, o principal campeonato era o Campeonato Mundial de Tent Pegging, disputado em intervalos irregulares de 1982 a 2013, mas praticamente com cada edição sendo organizada por uma entidade diferente e usando regras diferentes; o Mundial ainda existe, sendo realizado pela ITPF anualmente desde 2015 (exceto em ano de Copa do Mundo), e distribui medalhas nas oito provas masculinas e em três femininas (as duas individuais e a de duplas). 

Para terminar, ITPF e FEI tentaram incluir o tent pegging como esporte de demonstração nos Jogos Equestres Mundiais de 2014, disputados na França, mas, como não conseguiram chegar a um acordo, só ocorreram palestras e demonstrações do esporte, e não uma competição com provas. A ITPF tem ambição de incluir o tent pegging nas Olimpíadas como parte da equitação, mas o baixo número de países praticantes no momento é o maior entrave.

Vamos passar agora para o er enish, esporte que surgiu na região onde hoje fica localizado o Quirguistão, mas ganhou suas regras e se popularizou na Mongólia - "er enish", inclusive, é uma expressão mongol, que significa algo como "à vitória"; no Quirguistão, até o fim da União Soviética, o esporte era conhecido pelo nome de oodarysh. Assim como outras lutas da Ásia Central, o er enish começou como uma disciplina militar, no caso um treinamento para que os soldados conseguissem derrubar seus oponentes de seus cavalos; o er enish, portanto, é nada mais, nada menos, que uma luta desportiva na qual ambos os lutadores estão montados a cavalo, por mais incrível que isso possa parecer.

Infelizmente, não é uma luta no estilo caratê, na qual os cavalos também podem dar patadas e coices no oponente; é uma luta de submissão, e os cavalos ficam dando voltas em torno um do outro enquanto os cavaleiros tentam derrubar seu oponente do cavalo. Fazer com que qualquer parte do oponente toque o chão é vitória automática, como uma queda na luta olímpica, um nocaute no boxe ou um ippon no judô, mas não vale simplesmente derrubar o oponente, por exemplo, puxando seu braço ou dando um empurrão com o pé; assim como todas as lutas desportivas, o er enish tem seus movimentos válidos, e é preciso fazer o oponente cair do cavalo usando um golpe válido.

Se não conseguir derrubar o oponente do cavalo, o lutador ainda poderá ganhar a luta por pontos: um lutador que consiga manter a mão do oponente em contato com o pescoço do cavalo do oponente ou com a sela do oponente durante 3 segundos ganha 1 ponto; e um lutador que consiga forçar o oponente a segurar na sela ou no pescoço do cavalo para não cair, ou que consiga virar o braço do oponente para trás, encostando o dorso de sua mão em suas costas, ganha 2 pontos. Caso um lutador tenha conduta passiva, por exemplo, fugindo dos golpes do oponente ou saindo da área de luta de propósito, caso segure o cavalo do oponente pelas rédeas, ou caso invista contra o oponente com seu cavalo, cometerá uma falta, e seu oponente ganhará 1 ponto. Conduta antidesportiva, usar golpes inválidos, e colocar a vida ou integridade física do oponente em risco não resultam em pontos para o oponente, mas em desclassificação do lutador faltoso - lutar em cima de um cavalo já é perigoso por si só, então não se pode aliviar com quem não quer seguir as regras. Um lutador que cometa três faltas em uma mesma luta também é desclassificado.

Uma luta de er enish dura 6 minutos. O relógio não para, exceto em um único caso: se um dos lutadores ou dos cavalos precisar de atendimento médico ou de tempo para ajustar seu equipamento - como, por exemplo, recolocar a sela no lugar apropriado - terá direito a 2 minutos, divididos por todas as vezes em que pedir para parar a luta; um lutador que ultrapasse esses dois minutos é automaticamente desclassificado. Caso a luta esteja empatada ao final dos 6 minutos, é disputada uma prorrogação de 2 minutos, na qual cada lutador já começa com as mãos na faixa da cintura do oponente; a prorrogação é disputada no sistema de morte súbita, ou seja, o primeiro a pontuar ganha, e o primeiro a cometer uma falta ou tirar ambas as mãos da faixa do oponente perde.

O er enish é disputado em um círculo de terra batida de 30 m de diâmetro, rodeado por uma área de segurança, na qual não pode ficar nenhuma pessoa estranha à luta (como repórteres ou espectadores) com entre 25 e 30 m - ou seja, toda a área de competição tem entre 55 e 60 m de diâmetro. A superfície da área de luta deve ser o mais lisa possível, sem buracos ou calombos. A luta é oficiada por um árbitro, que usa um uniforme típico e acompanha os lutadores de dentro do círculo, ele também montado a cavalo, e por três jurados, que acompanham a luta sentados na área de segurança, e podem alertar o árbitro caso ele deixe passar alguma falta ou pontuação. Esses jurados também escolhem um vencedor caso a prorrogação chegue ao final ainda empatada.

O er enish é um esporte exclusivamente masculino. O uniforme consiste de uma calça de tecido resistente (os preferidos, atualmente, são jeans, sarja e brim), botas de couro de cano alto, e duas faixas de tecido, chamadas kushaks, uma amarrada em volta da cintura, a outra na cabeça, como se fosse uma bandana ou turbante. Um dos lutadores sempre usa kushaks de cor azul, enquanto o outro usa de cor vermelha. Os cavalos podem ser de qualquer raça e qualquer altura, mas devem ser dóceis, não se cansar facilmente, nem realizar movimentos bruscos que possam colocar a vida ou a integridade física dos lutadores em perigo.

O er enish tem cinco categorias de peso (até 60 kg, até 70 kg, até 80 kg, até 90 kg e acima de 90 kg), que dizem respeito apenas ao lutador, sem levar em conta o cavalo, e é regulado pela Federação Mundial de Er Enish (EEWF), fundada em 1992 pelas federações de Quirguistão, Mongólia, Cazaquistão, Rússia, China, Afeganistão e Hungria, e que de lá pra cá não ganhou muitos outros membros, já que hoje conta apenas com 17, todos da Ásia e Europa; seu principal campeonato internacional é os Jogos Mundiais Nômades, realizados a cada dois anos desde 2014.

Para terminar por hoje, vamos ver o jereed, também conhecido como cirit, palavra que, em turco, significa "dardo", e, na verdade, é o nome do implemento usado pelos jogadores. O jereed também surgiu na Ásia Central como um treinamento militar, no qual os soldados tinham de avançar até as linhas inimigas, acertar um oponente com uma lança e fugir de volta para seu próprio lado antes que os perseguidores oponentes o alcançassem. Ele se tornaria esporte por volta do século XIV, na Turquia, na época do Império Otomano, quando os sultões promoveriam torneios visando medir e aperfeiçoar a habilidade de seus principais soldados. Alguns sultões otomanos eram conhecidos por serem exímios jogadores de jereed, como Bayezid I e Mehmed I, que criou uma elite da cavalaria, composta apenas por soldados que se destacavam no jereed.

O auge da popularidade do jereed seria no final do século XVIII e início do XIX, quando ele se tornaria o esporte mais popular do Império Otomano, contando, inclusive, com um prestigiado campeonato entre todos os territórios controlados pelos otomanos. Na época, porém, eram usadas lanças de verdade, mas com a ponta cega, o que causava inúmeros acidentes, inclusive mortes. Isso levaria o sultão Mahmud II a banir o jereed em todo o território otomano em 1826, inclusive dissolvendo a cavalaria de elite. Mahmud II faleceria em 1839, e seu sucessor, Abdulmejid I, revogaria a proibição, mas o jereed jamais recuperaria sua popularidade.

Na década de 1990, porém, principalmente nas províncias turcas de Erzurum e Bayburt, o jereed começou a experimentar um renascimento, graças aos esforços de organizações que buscam preservar os elementos culturais e folclóricos da Turquia. Desde 1996, ele é um dos nove esportes regulados pela Federação Turca de Esportes Tradicionais (GSDF, da sigla em turco), e hoje já conta com mais de 50 clubes espalhados pela Turquia, que disputam campeonatos regionais e um nacional. O renascimento na Turquia faria com que ele também voltasse a ser disputado em países como Cazaquistão, Paquistão e Rússia; a Federação Mundial de Jereed (JWF), entretanto, é bem recente, tendo sido fundada no ano passado (2019), contando atualmente com apenas 8 membros (os quatro já citados mais Afeganistão, Turcomenistão, Quirguistão e Irã), e ainda não tendo organizado nenhum torneio internacional. O jereed foi esporte de demonstração nos Jogos Mundiais Nômades de 2014, e fez parte do programa oficial dos de 2016, mas ficou de fora dos de 2018 - como a próxima edição será na Turquia, há a chance de que ele volte.

Para evitar os acidentes do passado, a GSDF tomaria várias providências em nome da segurança dos jogadores e cavalos, a começar pelo dardo, que, hoje, ao invés de ser uma lança, é um instrumento fabricado especialmente para a prática do jereed. O dardo é um bastão de madeira, feita de uma árvore chamado choupo, com entre 70 cm e 1 m de comprimento e entre 2 e 3 cm de diâmetro. O exato tamanho e a cor do dardo são de livre escolha do jogador (normalmente todo um time usa bastões da mesma cor, para facilitar sua recuperação e a contagem dos pontos), mas todos eles devem ter uma coisa em comum: uma "tampinha" de borracha em uma das extremidades, para evitar que os jogadores atingidos se machuquem. O uniforme do jereed é basante simples, e conta com uma camiseta semelhante, por exemplo, à do futebol, calças compridas, e botas e capacete de montaria. Os cavalos usam um "uniforme" nas mesmas cores do time, que inclui um adorno na cabeça; podem ser de qualquer raça ou altura, mas devem ter no mínimo 4 anos de idade e passar por um treinamento especial certificado pela GSDF.

O campo no qual é disputado o jereed é de terra batida, tem 70 m de largura e 130 m de comprimento. No final de cada lado, há três áreas de 10 m de comprimento cada, que são, da linha de fundo para o meio, a zona de espera dos jogadores, a zona neutra e a zona de ataque; os outros 70 m são a zona de perseguição. Uma partida é oficiada por quatro árbitros, posicionados ao longo das linhas laterais, dois de cada lado, mais dois oficiais, um que registra os pontos, outro que conta o tempo. Uma equipe de jereed tem 7 jogadores, cada um montando seu próprio cavalo, mas não conta com reservas; em caso de lesão, de jogador ou cavalo, a equipe fica com um a menos, sendo que uma equipe que fique com 4 ou menos jogadores é desclassificada. Dentro de sua zona de espera, os jogadores devem se se posicionar de frente para o time oponente e paralelos a seus colegas de time, com um espaço de cerca de 10 m entre um jogador e outro.

No início da partida, um dos jogadores do time que vai começar sai de sua zona de espera, cruza sua zona neutra, a zona de ataque, a zona de perseguição, e, ao chegar à outra zona de ataque, joga seu dardo na direção de um dos jogadores oponentes. Assim que o dardo sai de suas mãos, um dos jogadores oponentes, que não precisa ser aquele que ele tentou acertar com o dardo, sai de sua zona de espera para persegui-lo. O que fez o ataque, então, volta a toda velocidade pela zona de perseguição, tentando chegar à sua zona neutra sem ser atingido pelo dardo do que o está perseguindo - que pode arremessá-lo de qualquer lugar durante a perseguição, não precisando ser de dentro da zona de ataque. Quando o jogador que estava sendo perseguido retorna à sua zona neutra, o que o estava perseguindo volta em direção à sua zona de espera, e um dos colegas do que estava sendo perseguido, então, pode sair de sua zona de espera e persegui-lo, tentando atingi-lo. Quando ele chega à sua zona neutra, ocorre o mesmo, com o perseguidor dando meia-volta e se tornando o perseguido. Esse esquema se repete até o final da partida.

Existem três formas de se pontuar: caso o dardo arremessado por um jogador acerte um oponente, seja no ataque ou na perseguição, o time do jogador que arremessou ganha um ponto. Se, após o arremesso, o jogador contra o qual o dardo foi arremessado conseguir pegar o dardo no ar com uma de suas mãos, será seu time que ganhará um ponto. E, se, durante a perseguição, o jogador que está sendo perseguido alcançar sua zona neutra antes de seu perseguidor, seu time ganhará um ponto - não basta que ele se livre de ser atingido pelo dardo do perseguidor, ele tem que chegar na zona neutra antes do perseguidor; caso o perseguidor o ultrapasse e chegue na zona neutra antes dele, ninguém pontua. Caso um dardo arremessado acerte a um cavalo ao invés de a um jogador, o time do jogador que arremessou o dardo perde um ponto. Também podem ser marcadas penalidades, por atos como arremessar o dardo de dentro da zona neutra, acertar um jogador que está dentro da zona neutra, colocar os colegas de time ou oponentes em perigo, maltratar o cavalo, "direção perigosa" (em ziguezague durante a perseguição, por exemplo) e outras a cargo dos árbitros; normalmente, uma penalidade gera apenas uma advertência, mas, em caso de reincidência, ou a critério dos árbitros, podem ser conferidos pontos ao oponente, ou o jogador faltoso ser excluído da partida.

Uma partida dura dois tempos de 45 minutos cada, com os times trocando de lado no início do segundo tempo, e cada um dos times começando em cada um dos tempos; o relógio não para nunca, a menos que os árbitros decidam confabular entre si. Para evitar ter de ficar "recarregando" com frequência, cada jogador leva dois dardos, um na mão, outro em um local próprio na sela; alguns torneios permitem que o jogador arremesse ambos durante a perseguição.

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