Estranho foi uma criação de Steve Ditko, o artista que desenhou a hoje lendária Amazing Fantasy 15, na qual o Homem-Aranha fez sua estreia, se tornando co-criador do Cabeça de Teia e responsável por seu visual, considerado hoje um dos mais icônicos dos quadrinhos. Ditko criou, sem ninguém pedir, uma história de cinco páginas, na qual introduzia um personagem diferente no Universo Marvel: um feiticeiro, que vivia aventuras não no mundo da ciência, como parecia ser o caso de todos os heróis Marvel até então, mas no mundo da magia. Ele mostrou a história a Stan Lee, que, apesar de achá-la fraca, viu potencial no personagem, e intercedeu junto ao editor da Marvel na época, Jerry Balls, para que ele fosse lançado. Ditko daria ao personagem o nome de Sr. Estranho, mas, como já havia um Sr. Fantástico, Lee sugeriria que ele mudasse para Dr. Estranho. E, talvez de forma picareta, Lee também decidiria que o "nome civil" do personagem - à sua maneira, repetindo a primeira letra do nome e do sobrenome (Reed Richards, Bruce Banner, Peter Parker, Scott Summers etc.) - seria Stephen Strange, fazendo com que "Dr. Strange" (seu nome original em inglês) fosse não um codinome, mas seu próprio nome e título - mais ou menos como ocorre com o Dr. Destino, que em inglês se chama Dr. Doom, e tem como nome verdadeiro Victor von Doom. Aliás, caso alguém esteja imaginando, "Strange" é um sobrenome que realmente existe na língua inglesa, embora seja um tanto raro. Já "Doom", não, foi inventado mesmo.
Enfim, o Dr. Estranho faria sua estreia, muito apropriadamente, na revista Strange Tales ("histórias estranhas") número 110, de julho de 1963, com a tal história de cinco páginas, intitulada "Dr. Estranho, o Mestre da Magia Negra" - como outras revistas da época, a Strange Tales trazia mais de uma história por mês, no caso quatro, sendo a principal estrelada pelo Tocha Humana (que estampava a capa, na qual o Dr. Estranho sequer era mencionado), e as demais reservadas para personagens secundários ou one-shots, histórias com começo meio e fim cujos personagens podiam jamais voltar a aparecer no futuro. Não foi essa a sorte do Dr. Estranho, porém, e ele retornou na edição 111, novamente com uma história escrita e desenhada por Ditko. Ele se tornaria uma atração mensal da revista a partir da edição 114, que trouxe uma história escrita por Lee e desenhada por Ditko, dupla que se manteve nas histórias do personagem até a edição 146, de julho de 1966, quando Ditko foi substituído nos desenhos por Bill Everett.
A origem do Dr. Estranho seria criada por Lee, e contada na Strange Tales 115: originalmente um cirurgião arrogante, que se recusava a prestar caridade e vivia pelo dinheiro, o Dr. Stephen Strange viu sua vida mudar após um acidente de carro, no qual os nervos de suas mãos foram severamente afetados. Incapaz de operar novamente, e sem querem nem saber fazer mais nada da vida, Strange se entregou à depressão e ao desespero, se agarrando às mais tênues chances de ter sua vida de volta. Uma dessas chances, por mais absurda que a premissa soasse a seus ouvidos, estava na magia: um dia, Strange ficou sabendo de um homem extremamente idoso e supostamente detentor de poderes mágicos, conhecido apenas como Ancião, e que, supostamente, poderia devolver os movimentos plenos a suas mãos. Após uma busca tormentosa e incessante, ele finalmente encontrou o Ancião, que, entretanto, se recusou a curá-lo, alegando que ele voltaria ao seu estilo de vida egoísta anterior ao acidente. Vendo, porém, que ainda havia um rastro de decência no coração do médico, e, portanto, a chance de fazê-lo mudar de vida, o Ancião se ofereceu para tomá-lo como seu pupilo, lhe ensinando as artes místicas e transformando-o em um poderoso mago - desde que ele prometesse usar sua magia apenas para a defesa da Terra. Strange concordaria, evidentemente planejando usar sua magia para curar a si mesmo, mas, ao longo do treinamento, descobriria a bondade, o altruísmo e a abnegação. Ao concluí-lo, ele decidiria, voluntariamente, devotar a vida a proteger nosso planeta das ameaças místicas, invisíveis aos cidadãos comuns, mas que frequentemente colocam a Terra em grande perigo.
Os principais vilões do Dr. Estranho, evidentemente, estavam ligados à magia: o Pesadelo, vilão da primeiríssima história de Estranho, é uma entidade sobrenatural que governa uma dimensão paralela, e leva humanos para lá durante seu sono, para atormentá-los. Já o Barão Mordo, criado por Ditko para a segunda história do personagem, era um antigo pupilo do Ancião, que, com seu treinamento incompleto, se revelou maligno e tentou, sem sucesso, destruir seu mestre, partindo, então, para usar seus poderes para dominar a Terra; ele tem inveja de Estranho, e faz de tudo para destruí-lo, mas seus poderes não são páreo para os do herói. Mas o mais perigoso é Dormammu, criado por Lee e Ditko em 1964, um ser místico de poder quase infinito, governante da Dimensão Negra, e que planeja anexar a Terra a seus domínios, sendo impedido de fazer isso apenas por um juramento que fez a Estranho após sua primeira derrota nas mãos do feiticeiro - e que tenta quebrar através de ardis, como aumentar os poderes de Mordo, já que está misticamente impedido de fazê-lo pessoalmente. E também podemos citar Shuma-Gorath, talvez o mais conhecido do grande público, devido às suas participações na série Marvel vs. Capcom, um ser cósmico imortal superpoderoso e mais antigo que a Terra, que tentou dominá-la e acabou aprisionado em outra dimensão pelo Dr. Estranho, da qual tenta fugir regularmente. Shuma-Gorath foi, na verdade, uma criação de Robert E. Howard, criador do Conan, que o introduziu em um conto estrelado por outro de seus personagens, Kull; a decisão de incluí-lo no Universo Marvel como oponente do Dr. Estranho caberia a Steve Englehart e Frank Brunner, em 1972.
Ditko criaria a aparência do Dr. Estranho baseado na de Vincent Price, ator famoso por interpretar magos e feiticeiros nos anos 1950 e 1960, principalmente em filmes de terror, enquanto Lee se inspiraria em diversos magos e feiticeiros de histórias pulp para compor sua personalidade. Um dos que mantém mais traços em comum com Estranho é Chandu, personagem de radionovelas de grande sucesso nas décadas de 1930 e 1940. Originalmente chamado Frank Chandler, Chandu era um homem branco norte-americano que havia aprendido com um guru indiano os segredos das artes místicas, que incluíam levitação, teleporte, projeção astral e projeção de ilusões, e prometeu usar esses poderes - todos também possuídos pelo Dr. Estranho - para combater os magos malignos e proteger a humanidade. Assim como Chandu, Estranho também fazia uso de encantamentos, palavras místicas e frases encantadas inventadas por Lee que, na essência, não significavam absolutamente nada, mas davam um ar de mistério e misticismo ao personagem. Lee também criaria um monte de nomes próprios que soavam orientais e arcanos para uma suposta cosmologia respeitada por Estranho - Vishanti, Agamotto, Cyttorak e Hoggoth, dentre outros - o que ajudava a imergir o leitor no universo criado por ele e Ditko.
Ao contrário do que muitos pensam, aliás, o misticismo e a psicodelia não estavam em voga na época do lançamento do Dr. Estranho, embora tenham vindo com força total nos anos seguintes - com muitos estudiosos até mesmo teorizando que o personagem havia contribuído para sua popularidade. O visual, criado por Ditko, das dimensões paralelas visitadas pelo Dr. Estranho, por exemplo, antecede a psicodelia, embora já use elementos desse movimento - e embora algumas dessas dimensões se pareçam com quadros de Salvador Dalí, com objetos derretidos e de ponta-cabeça. Outro dos personagens criados por Ditko e que se tornaria popular nas histórias do Dr. Estranho, chamado Eternidade, possui um universo dentro de si mesmo, sendo apresentado como uma silhueta humana ocupada por planetas e estrelas no vácuo sideral - conceito que, pouco depois, seria explorado pelo misticismo pop na forma da teoria de que cada ser vivo possui um universo dentro de si. Muitos leitores do Dr. Estranho chegavam a acreditar que Lee e Ditko usavam drogas antes de criar as histórias do feiticeiro, e chegaram até mesmo a escrever para a Marvel perguntando quais drogas eram essas e como eles as consumiam, fato que acabou fazendo com que ambos se posicionassem publicamente contra o uso de drogas.
Na edição 150, a Strange Tales seria renomeada para Strange Tales featuring Nick Fury Agent of S.H.I.E.L.D. and Doctor Strange (Fury havia substituído o Tocha Humana como personagem principal da revista na edição 135), na 166 passaria a ser apenas Strange Tales featuring Doctor Strange, com o Dr. Estranho finalmente se tornando o personagem principal, e, na 169, de junho de 1968, mudaria de nome para Doctor Strange, mantendo a numeração, com roteiros de Roy Thomas e arte de Gene Colan, que decidiria mudar radicalmente o visual psicodélico criado por Ditko e mantido por todos os artistas que o sucederam desde então, fazendo com que as dimensões paralelas fossem apenas cheias de escuridão e fumaça. Talvez por isso, a primeira revista batizada com o nome do Dr. Estranho duraria pouco, sendo cancelada na edição 183, de novembro de 1969, devido às baixas vendas.
A última história de Estranho ficaria incompleta, porém, e Thomas aproveitaria para concluí-la em dois títulos dos quais também era roteirista, The Incredible Hulk e Sub-Mariner (esta última estrelada por Namor). Em sua última história, Estranho tentava impedir que a Terra fosse invadida por seres interdimensionais lovecraftianos conhecidos como Imortais, liderados por um demônio chamado Inominado. Sem conseguir fazê-lo sozinho, ele pediria primeiro a ajuda de Namor, em Sub-Mariner 22, de fevereiro de 1970, e então do Hulk, em The Incredible Hulk 126, de abril de 1970; com as forças combinadas dos três heróis, os Imortais seriam derrotados. A história faria um inesperado sucesso, e a Marvel decidiria lançar o trio como uma equipe, com a primeira história ficando a cargo de Thomas. Thomas queria batizar a equipe como Os Três Titãs - nome que já havia usado para uma outra formação, que continha Namor, o Hulk e o Surfista Prateado, em uma história em duas partes publicada em Sub-Mariner 34 e 35, de fevereiro e março de 1971 - mas Stan Lee não gostou desse nome, e decidiu que a equipe se chamaria Os Defensores - nome que, por sua vez, não agradou a Thomas, que o achava "passivo demais", mas acabou aceitando.
Os Defensores fariam sua estreia em uma nova revista, a Marvel Feature, cuja primeira edição foi lançada em dezembro de 1971. Sua primeira aventura teve três partes, com roteiros de Thomas e arte de Ross Andru, publicadas nas três primeiras edições da Marvel Feature, e, nela, os heróis se uniam para enfrentar o tecno-mago Yandroth. Cada uma dessas três edições trazia, ainda, uma reimpressão de uma história antiga de Namor e uma história inédita solo do Dr. Estranho - as primeiras desde o cancelamento da revista com seu nome. Os Defensores fariam tanto sucesso que a Marvel decidiria lançar uma revista própria do grupo, The Defenders, em agosto de 1972 - com a Marvel Feature passando a ser estrelada, a partir da edição 4, pelo Homem-Formiga. Agora editor da Marvel, Thomas não pôde continuar a cargo dos roteiros, que passariam para Steve Englehart, com a arte ficando a cargo de Sal Buscema. A revista teria vida longa, durando 152 edições e sendo publicada até fevereiro de 1986; a formação da equipe, porém, mudaria bastante ao longo dos anos, com o Dr. Estranho apenas ocasionalmente fazendo parte dela.
Como a revista dos Defensores traria apenas histórias da equipe, a Marvel decidiria mover as histórias solo do Dr. Estranho para outra revista, a Marvel Premiere, onde o feiticeiro faria sua estreia na edição 3, de julho de 1972 - as duas primeiras edições seriam estreladas por Adam Warlock. Estranho permaneceria na publicação até a edição 14, de março de 1974, após a qual ela passaria a ser estrelada pelo Punho de Ferro. Em julho do mesmo ano, ele ganharia mais uma vez sua própria revista, novamente chamada Doctor Strange, e com numeração começando do 1. Essa segunda revista seria mais bem sucedida que a primeira, durando 81 edições, até fevereiro de 1987. Paralelamente a isso, Estranho voltaria a aparecer nas páginas da Strage Tales - que realmente seria relançada, em setembro de 1973, e bizarramente com a numeração recomeçando do 169 - mas não com histórias inéditas, e sim com republicações de suas primeiras histórias, entre a edição 182, de novembro de 1975, e 188, de novembro de 1976 - que também seria a última edição da Strange Tales.
A segunda Doctor Strange seria cancelada não por baixas vendas, mas de propósito, para que Estranho pudesse ser o protagonista de mais um relançamento da Strange Tales, que ocorreria em abril de 1987, com numeração recomeçando do 1. Essa nova Strange Tales trazia duas histórias, uma estrelada por Estranho e outra pela dupla Manto e Adaga - que, curiosamente, também teve sua revista própria, Cloak and Dagger, cancelada após apenas 11 edições para que eles pudessem fazer parte da nova publicação. Com roteiro de Peter Gills e arte de Chris Warner, as aventuras de Estranho na Strange Tales continuavam exatamente de onde haviam parado na Doctor Strange, e traziam um Dr. Estranho menos poderoso, enfraquecido após um ataque que destruiu seu santuário e inutilizou grande parte de seus pergaminhos e artefatos místicos - inclusive um que protegia a humanidade dos ataques de vampiros e outro que impedia o deus egípcio Set de retornar à Terra. Grande parte das histórias, portanto, mostrava o feiticeiro em busca de soluções para a falta desses objetos místicos, ou tentando obter outros de igual poder.
A nova Strange Tales duraria apenas 19 edições, sendo cancelada em outubro de 1988; depois disso, Manto e Adaga passaria a estrelar The Mutant Misadventures of Cloack and Dagger (que também duraria apenas 19 edições), e Estranho ganharia uma nova revista, Doctor Strange: Sorcerer Supreme, cuja primeira edição seria lançada em novembro de 1988, com roteiros de Peter B. Gillis e arte de Richard Case e Randy Emberlin. Durando 90 edições, até junho de 1996, esta seria a última revista estrelada por Estranho, que, depois disso, passaria a aparecer apenas em participações especiais em outros títulos e em minisséries, como Doctor Strange: The Flight of Bones, em quatro edições publicadas entre fevereiro e maio de 1999 como parte do selo Marvel Knights, com roteiro de Dan Jolley e arte de Tony Harris, na qual o feiticeiro investiga uma série de combustões espontâneas aparentemente causadas por seu arqui-inimigo Dormammu.
Ao longo dos anos 2000, Estranho participaria principalmente de histórias do Homem-Aranha e dos Vingadores, e estrelaria as minisséries Strange, publicada em seis partes entre novembro de 2004 e abril de 2005, na qual teria sua origem recontada por J. Michael Straczynski e Samm Barnes; Defensores: Indefensáveis, de J.M. DeMatteis, Keith Giffen e Kevin Maguire, publicada em cinco partes entre setembro de 2005 e dezembro de 2006, na qual os Defensores novamente se reúnem para evitar que Dormammu absorva os poderes de Eternidade e recrie o universo; e O Juramento, de Brian K. Vaughan e Marcos Martin, publicada entre dezembro de 2006 e abril de 2007 em cinco partes, na qual ele tenta descobrir quem estaria tentando assassiná-lo, enquanto se recorda de sua época como médico. Após os eventos de Guerra Civil, ele se uniria aos Novos Vingadores, fazendo parte da equipe durante todas as 34 edições da revista The New Avengers, publicadas entre agosto de 2010 e janeiro de 2013.
Ainda é incerto qual será o papel do Mestre das Artes Místicas no novo Universo Marvel, que surgiu após os eventos da segunda saga Guerras Secretas. O fato é que, se ainda não conseguiu um lugar no patamar principal de vendas da editora, ninguém pode negar que, no panteão dos heróis Marvel, ele certamente tem um lugar dentre os maiores.
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