terça-feira, 16 de setembro de 2008

Escrito por em 16.9.08 com 0 comentários

Dominó

Eu já falei sobre baralhos. Eu já falei sobre Mahjong. Eu já falei sobre diversos jogos de tabuleiro. Hoje é dia de falar sobre dominó.

um conjunto mini e um tradicionalNas escalas de diversão e curiosidade, até que eu não sou tão fã assim de dominó - prefiro baralhos. Ainda assim, gosto muito de jogar dominó com meus amigos, e sou dono de pelo menos três conjuntos. Como os baralhos, dominós podem ser usados para uma variedade infinita de jogos, e, como praticamente tudo o que existe, algumas curiosidades sobre sua origem e aparência não são de conhecimento geral - fato mais do que suficiente para se justificar que eles sejam tema de um post.

Diferentemente do que acontece com baralhos, dominós costumam ser vistos como brinquedos de crianças, tanto que algumas versões, ao invés das bolinhas que representam os números, trazem figuras de bichinhos ou de personagens famosos - quando eu era pequeno, eu adorava um dos Duck Tales, que ganhei de Natal do meu padrinho, e hoje infelizmente não existe mais. Em sua origem, porém, dominós eram essencialmente passatempo de adultos, algo que de certa forma se reflete hoje em diversos torneios e competições que os utilizam.

Assim como o baralho, ninguém sabe quem inventou o dominó, nem quando. A teoria mais aceita é a de que eles teriam sido inventados na China, por volta do século X. Esta primeira versão do jogo tinha "peças" feitas de papel, e cada uma delas representava uma combinação possível em uma jogada de dois dados. Como existem 21 combinações possíveis ao se lançar dois dados, 21 eram as peças do conjunto, que acabaria conhecido como ku pai.

Imagina-se que, inicialmente, o ku pai não era usado "sozinho", mas em conjunto com outros jogos, sendo que o jogador sorteava uma das cartas e ela influenciava alguma característica do jogo dependendo de seu valor, exatamente como se o jogador tivesse rolado dois dados. Para tornar as cartas mais atraentes, cada fabricante também adicionava um belo desenho no meio, que também servia para dividir a carta. Estas decorações teriam motivado os jogadores a querer transformar o ku pai em um jogo por si só, para aproveitar melhor as cartas, e poder admirar suas figuras enquanto jogavam.

ku paiUma vez que o ku pai começou a ser usado como um jogo independente, surgiu um novo problema: o papel da época não era conhecido por ser exatamente durável, o que fazia com que as cartas tivessem vida curta de tanto serem manuseadas. Alguns fabricantes, visando criar peças mais resistentes, começaram a fazê-las de ossos de animais ou de marfim, pintando as bolinhas com tinta ou fazendo-as de ébano - provavelmente dependendo do poder aquisitivo do destinatário. Ku pai, inclusive, significa "cartas de osso", provavelmente uma referência ao material do qual a maioria dos conjuntos era feito. Como as peças feitas de osso ou marfim eram mais difíceis de se trabalhar, elas acabaram sofrendo algumas modificações: primeiro, evidentemente, perderam as belas decorações que traziam em seu centro; além disso, enquanto as cartas de papel traziam o resultado de dois dados em cada uma de suas pontas, as peças mais "modernas" só trariam o resultado de um dado em cada ponta, talvez para economizar tinta ou ébano, mas mantendo a tradição de cada peça representar um resultado possível em uma jogada de dois dados. Finalmente, a ausência das figuras e a presença de menos bolinhas acabou fazendo com que as peças ficassem menores em relação às cartas, finas e compridas.

Estima-se que os primeiros dominós com este novo formato e aparência tenham sido criados por volta do ano 1120, mas apenas no início do século XVIII eles começaram a chegar à Europa, entrando no Velho Continente através da Itália, provavelmente trazidos por marinheiros. Lá, eles ganharam seu nome, uma corruptela de domini, nome pelo qual era conhecido um tipo de máscara do carnaval de Veneza, que era branca com bolinhas pretas, exatamente como as primeiras peças a chegar na Itália; estas máscaras, por sua vez, ganharam este nome por ter o formato parecido com o de um chapéu usado pelos padres franceses da época, sendo que a própria palavra domini viria de dominus, que significa "senhor" em latim, e é uma palavra normalmente associada à Igreja.

Ao longo do tempo, os dominós europeus sofreram duas modificações que os tornaram bem diferentes de seus antepassados chineses. A primeira e mais simples delas foi a adição de uma linha, pintada, vazada ou em alto-relevo, no meio da peça, para separar os conjuntos de bolinhas. A segunda foi a adição das peças com um dos lados "vazio", representando um "resultado zero", algo impossível em uma jogada de dados, que foi o que originou o dominó chinês, mas que tornou muitos jogos europeus mais interessantes e disputados. Esta segunda alteração, inclusive, aumentou o número de peças para 28, já que foram adicionadas sete novas peças, do 0-0 ao 0-6.

Um conjunto tradicional de dominós, portanto, possui 28 peças, em combinações que vão do 0-0 ao 6-6. Cada peça recebe o nome do número de bolinhas nela, então uma peça com duas bolinhas de um lado e cinco do outro é a 2-5 ("dois-cinco"). Embora o normal seja nomear as peças em ordem numérica, durante o jogo, para facilitar, elas podem ser nomeadas com o número maior primeiro, o que transformaria a peça de nosso exemplo na 5-2 ("cinco-dois"). Peças que tenham números diferentes em cada ponta, como a 2-5, a 3-4 e a 1-6, são chamadas de simples, enquanto peças com o mesmo número em ambas as pontas, como a 2-2, a 3-3 ou a 5-5, são chamadas de duplas. As duplas costumam ser chamadas de "duplo-alguma coisa", como duplo-dois, duplo-três ou duplo-cinco.

efeito dominóAs peças do dominó costumam ser divididas em famílias, ou grupos. Pertencem a uma mesma família todas as peças que tenham um determinado número em uma de suas pontas; assim, as peças 0-2, 1-2, 2-2, 2-3, 2-4, 2-5 e 2-6 pertencem à família do 2. Como cada peça tem dois números nela, cada peça pertence a duas famílias (a 2-5, por exemplo, pertence à família do 2 e à família do 5), exceto, evidentemente, os duplos, que só pertencem a uma família cada - curiosamente, alguns jogadores consideram que todos os duplos pertencem à "família dos duplos", e não às suas famílias numéricas.

Peças de dominó também costumam ter valores, obtidos pela soma de todas as suas bolinhas - a 2-5, portanto, teria valor 7. Evidentemente, várias peças podem ter o mesmo valor - a 1-6 e a 3-4 também têm valor 7, por exemplo - e não existe nenhum sistema universal para "desempatar" peças de mesmo valor, ficando isso, se necessário, ao cargo das regras de cada jogo. Sem dúvida, entretanto, a peça de maior valor do jogo é a 6-6 (única que soma 12), e a menos valiosa a 0-0 (que soma zero), embora em alguns jogos a 0-0 valha muito mais que 12 pontos, geralmente 50 ou 100, atuando como um elemento que adiciona emoção às partidas.

Atualmente, as peças de dominó costumam ser feitas de madeira, metal, cerâmica, resina ou plástico, sendo as peças de osso ou marfim artigos para colecionadores. O branco ainda é a cor mais famosa para conjuntos "profissionais", embora o preto também seja um favorito, principalmente entre conjuntos para crianças, e algumas cores mais exóticas sejam usadas de vez em quando - eu tenho um conjunto vermelho, com bolinhas brancas. As bolinhas podem ser todas de uma única cor - normalmente preto para peças brancas e branco para peças pretas - ou de cores diferentes dependendo do valor - por exemplo, o 1 com uma bolinha azul, o 2 com duas verdes, o 3 com três vermelhas etc. Algumas peças trazem decorações em metal, como a linha que divide o meio das peças ou uma bolinha dourada no meio desta linha; outras trazem decorações no verso de cada peça, normalmente relacionadas ao fabricante, mas sempre a mesma em todas as peças, como ocorre com o baralho. As peças também podem ser encontradas em vários tamanhos, sendo as mais tradicionais as de 5 cm de comprimento por 2,5 cm de largura e 0,8 cm de altura. Outros tamanhos populares são o mini (3 cm por 1,5 cm por 0,15 cm) e o jumbo (6 cm por 3 cm por 1,25 cm).

A partir da metade do século XX, alguns fabricantes começaram a produzir dominós com mais peças que o tradicional, para permitir jogos entre um maior número de jogadores, ou apenas para criar jogos mais desafiantes e emocionantes. Atualmente, são vendidos cinco tipos de conjuntos, embora aqui no Brasil os três maiores sejam difíceis de serem encontrados: o tradicional, de 28 peças; um de 55 peças, do 0-0 ao 0-9; um de 91 peças, do 0-0 ao 0-12; um de 136 peças, do 0-0 ao 0-15; e um exagerado de 190 peças, do 0-0 ao 0-18. Cada conjunto é conhecido pelo nome de sua peça de maior valor, ou seja, duplo-seis, duplo-nove, duplo-doze, duplo-quinze e duplo-dezoito. Em todos eles, as peças do 1 ao 6 têm suas bolinhas arrumadas para se parecer com os lados de um dado; as do 7 ao 9 são do mesmo tamanho, com mais bolinhas na fila do meio; e daí por diante as bolinhas começam a ficar menores, para permitir um maior número delas em cada peça.

dominós chinesesCuriosamente, não foi só no ocidente que o dominó continuou se desenvolvendo: na China, os dominós originais também sofreram algumas modificações, e hoje em dia conjuntos de dominós chineses são bastante diferentes não só dos ocidentais, mas também dos originais. Talvez as diferenças mais marcantes sejam o fato de que o preto é a cor predominante, e que as bolinhas sejam brancas nos números 2, 3, 5 e 6, vermelhas nos números 1 e 4, e metade vermelhas e metade brancas na peça 6-6. Esta escolha de cores combina com os dados chineses, onde as bolinhas dos números 1 e 4 realmente costumam ser pintadas na cor vermelha.

Apesar de não ter o zero, um conjunto chinês não tem 21 peças, mas 32. As peças são divididas em dois "naipes", as peças "militares" e as "civis", sendo que existem duas cópias de cada peça civil, por isso o número elevado de peças. Curiosamente, não existe qualquer identificação na peça para dizer se ela é militar ou civil, sendo que os jogadores devem decorar qual peça é de qual naipe. As peças civis também possuem nomes, e uma ordem de valor sem qualquer razão aparente. As peças civis, com seus nomes, da mais para a menos valiosa são a 6-6 (céu), 1-1 (terra), 4-4 (homem), 1-3 (harmonia), 5-5 (flor), 3-3 (longa), 2-2 (prancha), 5-6 (machadinha), 4-6 (partição), 1-6 (sete de perna comprida) e 1-5 (seis cabeçudo).

As peças militares são as que sobraram (1-2, 1-4, 2-3, 2-4, 2-5, 2-6, 3-4, 2-5, 3-6 e 4-5). Elas não têm nome, e são ranqueadas de acordo com seu valor. Apesar de só existir uma de cada peça militar, elas também são consideradas como se estivessem em duplas, com cada peça sendo uma "duplicata" da outra que tem o mesmo valor que ela - 1-4 e 2-3 (5), 2-5 e 3-4 (7), 2-6 e 3-5 (8), 3-6 e 4-5 (9). As peças 1-2 e 2-4, apesar de não terem o mesmo valor, também são consideradas duplicatas uma da outra. Assim como ocorre com o dominó ocidental, o dominó chinês pode ser utilizado para jogar uma infinidade de jogos, e as exatas diferenças entre as civis e militares e entre um par e outro dependerão das regras de cada jogo.

Além de ser um passatempo muito divertido, o dominó é considerdo esporte, regulado pela Federação Internacional de Dominó (FIDO), com sede na Alemanha, que organiza campeonatos europeus e mundiais anualmente. Algumas federações locais também costumam organizar campeonatos, sendo que o campeonato norte-americano de vez em quando pode ser assistido por aqui na ESPN.

duplo-dezoitoAlém de passatempo e esporte, o dominó também costuma ser usado para fazer arte - em vários sentidos. Um dia, alguém descobriu que se você fizer uma fila bem grande de dominós e derrubar o primeiro, todos os outros caem junto. Por causa disso, algumas pessoas se dedicam a fazer fileiras incontáveis de dominós, que demoram vários minutos para cair, e, no processo, "desenham" figuras, acionam máquinas, acendem fogos de artifício, e outras proezas. Verdadeiros profissionais do dominó como forma de arte, estas pessoas podem se encontrar anualmente no Domino Day, um festival realizado na Holanda desde 1986, onde vários grupos trabalham juntos para tentar quebrar o recorde de maior número de dominós derrubados para se formar uma obra de arte - e também para exercitar sua criatividade e arrumar os dominós da forma mais impressionante possível. O recorde atual é de 4.079.381 dominós, derrubados em 17 de novembro de 2006. Embora pareça relativamente fácil quebrar este recorde - afinal, basta arrumar mais peças do que no ano anterior - em nenhuma das edições do Domino Day todas as peças arrumadas caíram; em 2006, por exemplo, foram arrumadas 4.400.000 peças, enquanto no ano passado foram arrumadas 4.500.000, das quais caíram "apenas" 3.671.465, o que acabou levando o evento a ser considerado um fracasso. Este ano eles tentarão novamente com 4 milhões e meio, e tomarão precauções extras para que caia o maior número possível.

Por sua natureza de cair derrubando seus irmãos, o dominó acabou dando nome ao "efeito dominó", expressão usada quando um pequeno evento acaba desencadeando outro, que desencadeia mais um, e assim por diante, até um resultado catastrófico. O efeito dominó é considerado de relevância teórica, principalmente no campo da amplificação de sinais digitais.

Esta não é a única ligação do dominó com a ciência, porém: para a matemática, ele faz parte do grupo dos poliominós, formas encontradas quando dois ou mais quadrados se unem enconstando totalmente um de seus lados. O nome poliominó foi inventado por Solomon W. Golomb em 1953, e veio do fato de que se um dominó é formado por dois quadrados, então um formado por três seria um trominó, um por quatro seria um tetrominó, por cinco seria um pentominó, e assim por diante. Quanto maior o número de quadrados, maior a possibilidade de combinações e, conseqüentemente, de formas - um dominó só tem uma forma possível, mas um tetrominó tem sete, e um heptominó tem 108.

Portanto, da próxima vez em que você olhar para um dominó e vir um joguinho de criança, mais respeito por favor. É um joguinho importante.

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