sábado, 6 de setembro de 2025

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Contos de Fadas BLOGuil (IX)

Sem maiores delongas, vamos a mais um dos Contos de Fadas BLOGuil.





O Gato de Botas

Era uma vez um jovem muito pobre, cujo pai morreu, e a única herança que lhe deixou fora um gato. Seu primeiro pensamento foi transformá-lo em um tamborim para tentar uma vaga na bateria da Mangueira, mas o gato, prevendo o triste destino que lhe acometeria, decidiu fazer-lhe uma proposta: se lhe desse um saco velho e um par de botas, faria dele o homem mais rico de todo o Reino.

O jovem achou um disparate aquilo tudo, mas pensou que, na pior das hipóteses, poderia levar seu gato falante ao Programa do Faustão e ganhar um bom dinheiro, e decidiu pagar para ver: deu ao felino seu único par de botas e um saco velho de batatas que costumava usar como cobertor. O gato então iniciou seu sórdido plano. Colocando dentro do saco um pedaço de cenoura, fingiu-se de morto em um trigal próximo, esperando que algum coelho caísse em sua armadilha. Após ter de se esconder de um caminhão do lixo que por pouco não parou para recolher sua carcaça, o gato conseguiu atrair um coelhinho para sua armadilha, que, imaginando que o gato estivesse morto, entrou no saco para comer a cenoura e acabou capturado.

O jovem dono do gato ficou maravilhado, crente que naquela noite iriam comer coelho, mas o bichano o garantiu que o coelho fazia parte de seu plano. No dia seguinte, o gato levou o coelho para o Rei, identificando-se como emissário do Marquês de Rabicó, e dizendo que tal coelho era uma caça com a qual seu amo pretendia presentear o monarca. O Rei adorava coelho, de forma que aceitou o presente de bom grado, e pôs-se a imaginar quem seria tal Marquês, de quem ele nunca ouvira falar.

Mas o plano do gato não acabava por aí. Dia após dia ele arrumava novas caças com a ajuda de sua armadilha. No dia seguinte, presenteou o Rei com uma perdiz. Em seguida, com uma preá. No quarto dia, com um cervo. Quando já havia uma semana que o gato caçava com seu saco e entregava a caça ao Rei, seu jovem dono já estava desesperado, sem entender por que o gato não se utilizava de seus talentos para levar comida para casa, e sim para dá-la a um Rei que já tinha um bando de caçadores à sua disposição. O jovem chegou a ameaçar comer o gato se ele fizesse isso novamente, mas, para sorte do felídeo, a última etapa de seu plano já estava em andamento.

O ardiloso gato, além de bom caçador, era um excelente repórter investigativo. Perguntando aqui e ali, ele tomou conhecimento de um castelo que pertencia a um ogro, que tinha o poder mágico de se transformar em qualquer animal vertebrado não-extinto. Tal ogro também era um usineiro, dono de terras até onde a vista alcança, onde plantava cana, e se tornava cada vez mais rico devido à alta do álcool combustível e à exploração dos pobres bóias-frias que para ele trabalhavam. Por fim, o gato descobriu que o Rei iria fazer um passeio de carruagem com sua filha, a Princesa, passeio este que passaria por um lago e pelas fronteiras das terras do ogro, do qual o Rei não tinha conhecimento. Imediatamente, o gato viu ali a oportunidade perfeita, e pôs-se a trabalhar.

O primeiro passo foi oferecer uma refeição a cada bóia-fria, para que, quando o Rei os perguntasse de quem eram aquelas terras, respondessem que pertenciam ao Marquês de Rabicó. Como eles não faziam a menor idéia de quem fosse o dono daquelas terras, já que o ogro jamais saía de seu castelo, e ainda ganhariam comida de graça, aceitaram. O segundo passo foi fazer um complicado cálculo matemático para descobrir a que hora exata a comitiva real passaria pelo lago. Daí bastava apenas se livrar do ogro, coisa para a qual o gato também já tinha um plano.

Isto posto, o gato levou seu amo para o lago, e pediu para que ele tirasse a roupa e entrasse na água. Como estava precisando mesmo de um banho, o jovem obedeceu. Quando a comitiva real se aproximou, o gato correu para a estrada fazendo um grande escândalo, dizendo que o Marquês de Rabicó tivera suas vestes roubadas enquanto se banhava. O Rei, reconhecendo aquele gato tão gentil que lhe levara tantos presentes, ordenou que seus guardas o ajudassem. O jovem então foi arrastado para fora do lago por seis guardas reais, sem entender o que estava acontecendo, e achando que o gato tinha aprontado alguma e que o levariam para a cadeia para enchê-lo de porrada. Qual não foi sua surpresa ao se ver sendo vestido com as roupas mais finas que já vira na vida, as quais o Rei tinha enviado um batedor ao castelo especialmente para apanhá-las de sua pilha de roupas velhas. Depois disso, o jovem foi saudado e cumprimentado pelo Rei, que o convidou a entrar em sua carruagem, sentar-se ao lado de sua filha, e aproveitar o passeio. O jovem não estava entendendo nada, mas sem dúvida aquilo era melhor do que ir para a prisão, então aceitou.

Enquanto isso, o gato foi ao lado do cocheiro, e o convenceu a passar pelas terras do ogro. O Rei ficou encantado com tamanha plantação de cana, e de vez em quando perguntava a quem ela pertencia, ao que era respondido que as terras eram do Marquês de Rabicó, fazendo com que o Rei, impressionado, cumprimentasse o jovem, que cada vez entendia menos o que acontecia. Para completar seu plano, o gato correu para o castelo do ogro, ao qual iria pedir para se transformar em um camundongo e comê-lo. Um plano perfeito.

Lá chegando, o gato pôs-se a conversar com o ogro, dizendo que duvidava que ele tivesse tal poder de se transformar em animais. Irritado, o ogro pegou um machado para matar o gato, mas depois reconsiderou e achou que seria bom se transformar em uns dois ou três animaizinhos para desenferrujar, já que não fazia isso há muito tempo. O ogro então perguntou que tipo de animal o gato gostaria de ver, ao que o felino respondeu um camundongo. Mas o ogro retrucou que camundongo era muito sem graça, e se transformou em um elefante. O gato retrucou que elefante era fácil, e que ele queria ver uma lagartixa. O ogro disse que não gostava de se transformar em répteis, pois eles tinham os pés gelados, e se transformou em hipopótamo. O gato riu e disse que qualquer um se transformava em hipopótamo, que ele queria ver o ogro se transformar em canário. O ogro replicou que canário era coisa de frutinha, e que ele ia se transformar em dodô, que na época ainda não estava extinto. Nisto, estava passando por ali um nobre inglês, que, ao ver o dodô, não pensou duas vezes, sacou de sua espingarda e o matou, para fazer um lindo troféu.

Assim, quando a comitiva real chegou ao castelo, o gato anunciou que aquele era o castelo do Marquês de Rabicó. O Rei, maravilhado, aceitou entregar a mão de sua única filha em casamento ao jovem amo do gato, que até hoje não sabe como aquilo aconteceu, nem quem seria esse tal de Marquês de Rabicó. Mas todos viveram felizes para sempre.
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sábado, 30 de agosto de 2025

Escrito por em 30.8.25 com 0 comentários

A Muralha

Como eu disse aqui recentemente, em 2020 eu fiz uma série sobre novelas, que não foi planejada, no sentido de que eu não escolhi antecipadamente sobre quais novelas eu iria falar a cada mês, as escolhendo quando estava na hora de escrever cada post. Mas eu me lembro que, em determinado momento, eu cogitei falar sobre A Muralha e A Casa das Sete Mulheres, que não foram novelas, mas minisséries, marcando os posts na categoria Novelas mesmo assim. Não me lembro bem o porquê de eu ter desistido, provavelmente eu lembrei de novelas sobre as quais eu gostaria mais de falar do que dessas minisséries, mas o fato é que, como eu não falei mais sobre novelas, também não cogitei mais falar sobre as minisséries.

Quando eu estava escrevendo o post sobre Pantanal, entretanto, eu me lembrei desse fato, e achei que seria legal se, no próximo espaço disponível - ou seja, na primeira semana em que eu não tivesse um assunto escolhido com antecedência - eu realmente fizesse um post sobre A Muralha, uma minissérie que eu adorei, mesmo que realmente o colocasse na categoria Novelas. Pois bem, como vocês devem estar imaginando, o primeiro espaço disponível desde que eu tive essa ideia caiu no dia de hoje, que é dia de A Muralha no átomo!

No início da década de 1980, a Globo passaria a produzir minisséries, que seriam exibidas na faixa das 22h, substituindo séries e filmes norte-americanos que costumavam ocupar o horário, visando não somente economia, já que as taxas de licenciamento e os gastos com dublagem desses importados crescia a cada ano, mas também uma maior produção de material nacional que pudesse reverter em lucro e notoriedade para a emissora. As minisséries se diferenciariam das novelas não somente por terem bem menos capítulos - algumas têm apenas 4 ou 5, a maioria tem entre 20 e 30, enquanto uma novela pode ter mais de 200 - mas também por serem obras fechadas: uma novela vai sendo escrita e filmada enquanto seus capítulos estão indo ao ar, não sendo incomum que mudanças sejam feitas na história ou até mesmo no elenco no decorrer da exibição, motivadas por aceitação ou rejeição do público, ou aumento ou declínio dos índices de audiência; uma minissérie, por outro lado, já tem seu roteiro pronto quando as filmagens começam, e normalmente só vai ao ar depois que todos os episódios já foram filmados.

A primeira minissérie produzida pela Globo seria Lampião e Maria Bonita, de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, estrelada por Nelson Xavier e Tânia Alves, com 8 capítulos exibidos entre 26 de abril e 5 de maio de 1982. Um grande sucesso de audiência e vencedora da medalha de ouro no Festival Internacional de Cinema e Televisão de Nova York, Lampião e Maria Bonita seria a primeira de três minisséries que a emissora havia programado para aquele ano, com Avenida Paulista, de Daniel Más e Leilah Assumpção, com 17 capítulos, estreando em 10 de maio, e Quem Ama Não Mata, de Euclydes Marinho, com 20 capítulos, estreando em 12 de julho, ambas também tendo boa audiência. Graças a elas, a produção de minisséries nos anos 1980 seria profícua, com uma média de três a cinco delas sendo exibidas por ano, dentre elas os grandes sucessos Rabo de Saia (1984), O Tempo e o Vento, Tenda dos Milagres, Grande Sertão: Veredas (as três de 1985) e Anos Dourados (1986). Como se pode notar, nem todas eram textos originais, com algumas sendo adaptações para a TV de clássicos da literatura brasileira.

A década de 1990 subiria ainda mais a barra: como as minisséries de sucesso eram mais facilmente vendidas para o exterior que as novelas, principalmente por terem menos capítulos, a Globo decidiria caprichar ainda mais em sua produção, com as minisséries dessa década, na qual as novelas ainda eram um produto, digamos, artesanal, não devendo em nada a grandes produções internacionais. Se destacam na década de 1990 as minisséries Desejo, Riacho Doce (ambas de 1990), O Sorriso do Lagarto (1991), As Noivas de Copacabana, Anos Rebeldes (ambas de 1992), Agosto (1993), Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados (1995), Guerra de Canudos (1997), Dona Flor e Seus Dois Maridos, Hilda Furacão (ambas de 1998) e Chiquinha Gonzaga (1999). Algumas das minisséries da década de 1990 também eram quase "mininovelas", já que tinham bem mais capítulos que o normal para esse tipo de produção - Hilda Furacão teve 32, Chiquinha Gonzaga, 38, Riacho Doce, 40, e a mais longa da década foi O Sorriso do Lagarto, com 52.

Aqui chegamos no ponto que interessa, já que Chiquinha Gonzaga, exibida entre 12 de janeiro e 19 de março de 1999, inauguraria uma espécie de "faixa fixa de minisséries", entre janeiro e março, no que eram consideradas as "férias" da programação da Globo - desde meados da década de 1980, a faixa das 22h já não era majoritariamente ocupada por importados, e sim por programas produzidos pela própria Globo, a maioria deles humorísticos, que, entre janeiro e março, não eram exibidos, para que seus atores e equipes de produção não precisassem trabalhar 12 meses por ano. A Muralha, sobre a qual eu prometo que vou começar a falar daqui a pouco, seria a segunda a ocupar essa faixa, em 2000; nos anos seguintes, teríamos Os Maias (2001), O Quinto dos Infernos (2002), A Casa das Sete Mulheres (2003), Um Só Coração (2004), Mad Maria (2005), JK (2006) e Amazônia, de Galvez a Chico Mendes (2007). Como precisavam ficar no ar por três meses, essas minisséries também eram mais longas que o normal, tendo em torno de 50 capítulos cada; e é importante salientar que sua produção não implicava que outras minisséries também não fossem produzidas com outros destaques da década sendo Presença de Anita (2001, 16 capítulos), Hoje é Dia de Maria (2005, 8 capítulos), A Pedra do Reino (2007, 5 capítulos) e Aquarela do Brasil, que teve nada menos que 60 capítulos, sendo a mais longa minissérie da história e ocupando quase todo o segundo semestre de 2000, quando foi exibida entre 22 de agosto e 1 de dezembro.

Em 2001, com a estreia do programa Big Brother Brasil na faixa das 22h, as minisséries seriam definitivamente movidas para uma faixa ainda mais tarde, a das 23h, já ocupada por algumas minisséries que estrearam entre abril e dezembro em anos anteriores. Em 2008, com o grande sucesso do BBB e um declínio na audiência das minisséries de janeiro-março, a Globo reformularia a faixa, com Queridos Amigos tendo apenas 25 capítulos e sendo exibida entre 18 de fevereiro e 28 de março; essa seria a última minissérie produzida especificamente para ocupar as férias da programação, encargo que recairia somente sobre o BBB nos anos seguintes, com a minissérie de 2009, Maysa: Quando Fala o Coração, tendo apenas 9 capítulos, exibidos entre 5 e 16 de janeiro. Desde então, a Globo produz minisséries de forma esparsa, sempre as levando ao ar na faixa das 23h, podendo ser citadas como destaques Som & Fúria (2009), O Canto da Sereia (2013), e Justiça (2016). Desde 2011, também é comum a Globo pegar um filme do qual foi co-produtora e dividi-lo em 4 episódios, exibindo-o como uma minissérie, como, por exemplo, Chico Xavier (2011), Xingu (2012), O Tempo e o Vento (2013), Tim Maia: Vale o que Vier (2015), Elis - Viver é Melhor que Sonhar (2019) e Marighella (2023).

Pois bem, A Muralha, de Maria Adelaide Amaral, que teve 51 capítulos exibidos entre 4 de janeiro e 31 de março de 2000, foi produzida para comemorar os 500 anos do então chamado Descobrimento do Brasil. A minissérie seria inspirada em um livro também chamado A Muralha, escrito por Dinah Silveira de Queiroz, publicado em 1954, e que, por sua vez, originalmente foi publicado em capítulos semanais na revista O Cruzeiro, que contratou a autora para escrevê-lo em homenagem aos 400 anos da cidade de São Paulo. A minissérie da Globo seria a quinta adaptação desse livro para a televisão, com as outras quatro sendo novelas, cada uma produzida por uma emissora diferente: a primeira, ainda de 1954, pela TV Record, a segunda, de 1958, pela TV Tupi, a terceira, de 1963, pela TV Cultura, e a quarta, de 1968 e escrita por Ivani Ribeiro, pela TV Excelsior.

A muralha que dá título ao livro, às novelas e à minissérie é a Serra do Mar, cadeia montanhosa que se estende por cerca de 1500 km desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul, que podia ser vista pelos portugueses que estavam desembarcando de seus navios, e era considerada um obstáculo intransponível para a colonização do interior do Brasil até bandeirantes que se aliaram a indígenas, liderados por Borba Gato, encontrarem uma trilha, que levou à descoberta de ouro e à Guerra dos Emboabas, um dos episódios mais sangrentos da história de nosso país, na qual centenas de indígenas morreram em um conflito travado de 1707 a 1709 entre dois grupos diferentes de colonizadores, um formado pelos bandeirantes paulistas que descobriram o caminho e outro por portugueses que vieram depois de olho nas riquezas recém-descobertas e se aliaram a colonos que viviam no nordeste. Muitos detalhes da Guerra dos Emboabas são obscuros devido à falta de registros, incluindo o próprio nome do conflito - sendo a teoria mais aceita a de que emboaba seria uma corruptela do termo em tupi para "invasores".

A Muralha é ambientada pouco antes da Guerra dos Emboabas, e narra os eventos que levaram ao conflito, mas de forma fictícia, usando apenas personagens inventados e situações que não temos como saber se realmente aconteceram ou não. A trama gira em torno da família do bandeirante Dom Braz Olinto, que mora na fazenda Lagoa Serena, já após transpor a Muralha, na então Vila de São Paulo dos Campos de Piratininga, que viria a evoluir até se tornar a cidade de São Paulo. Por opção da autora do livro, as verdadeiras protagonistas da histórias eram as mulheres; o papel das mulheres na colonização do Brasil jamais foi verdadeiramente abordado em nenhuma produção, o que fez com que o livro fosse considerado revolucionário na época, se tornando objeto de estudos das ciências sociais.

Na minissérie, Dom Braz (Mauro Mendonça) tem como principal negócio a captura e venda de indígenas como escravos, e, para isso, ele conseguiu fazer aliança com uma das tribos, que o guia pelos caminhos da floresta até terras jamais visitadas pelos colonizadores, onde ele ataca e sequestra indígenas que jamais tiveram contato com a chamada civilização. Dom Braz é casado com Mãe Cândida (Vera Holtz), que assume a administração da fazenda quando os homens estão fora; afetuosa porém contida, ela busca atender a todas as necessidades do marido e dos filhos, colocando as prioridades dos homens da fazenda acima de tudo, até mesmo da justiça e da religião, pois crê que essa é a única forma pela qual os Olinto conseguirão triunfar nessa terra inóspita.

Dom Braz e Mãe Cândida possuem quatro filhos. O mais velho, Leonel (Leonardo Medeiros), tem o pai como herói, segue todos os seus passos e acredita que essa é a chave para que a família tenha prosperidade; Leonel é casado com a meiga e sensível Margarida (Maria Luísa Mendonça), que tem saúde frágil e se ressente por não conseguir engravidar, já que, por seus critérios, seu casamento só será completo quando o casal tiver um filho. A segunda filha de Dom Braz, Basília (Deborah Evelyn), é mais forte e decidida, mas carrega uma mágoa muito maior: seu filho, Pedro, desapareceu na floresta quando tinha 13 anos de idade, acompanhando Dom Braz numa expedição; Basília culpa o pai pelo infortúnio, e, mesmo já tendo se passado muito tempo, acredita que o filho está vivo e será encontrado. Basília é casada com Afonso Góis (Celso Frateschi), melhor amigo de Leonel e que também acha que o método de Dom Braz é o melhor para obter sucesso na colônia. Já a caçula de Dom Braz, Rosália (Regiane Alves), é uma adolescente romântica e sem nada na cabeça, que não se importa com indígenas ou colônias, e quer viver um grande amor.

O filho que eu deixei por último é Tiago (Leonardo Brício), de certa forma o mais importante para a história. Educado pelos Jesuítas, Tiago tem pensamentos renascentistas e é contra a exploração dos indígenas, frequentemente entrando em conflito com o pai. Tiago também acredita que o futuro da família está na exploração do ouro, que ninguém nunca viu na colônia, sendo considerado, portanto, uma lenda e uma busca desnecessária. Com medo de que Tiago se case com uma mestiça, ou, pior ainda, com uma indígena, Dom Braz manda vir uma noiva para ele de Portugal, a doce Beatriz (Leandra Leal), que desembarca cheia de sonhos e completamente apaixonada pelo noivo que nunca viu - e que a despreza, vendo no casamento mais uma imposição estúpida de seu pai. Inicialmente pouco talhada à vida na colônia, ao longo da minissérie Beatriz vai se mostrando uma mulher de muita fibra, disposta a tudo para alcançar seus objetivos.

A família de Dom Braz se completa com Isabel (Alessandra Negrini), considerada por todos como sua sobrinha, mas com a suspeita de que seja sua filha. Mestiça de um português com uma indígena, Isabel é linda, forte e muito brava, se vestindo de armadura e indo para a floresta acompanhar Dom Braz, que a considera "seu melhor soldado", mais valente e competente que qualquer um dos homens do grupo. Isabel é apaixonada por Tiago, com quem tem uma relação de amor e ódio, já que, livre das amarras da sociedade, ela não se importa em demonstrar que quer ter relações sexuais com ele, que, a vendo como prima (e talvez irmã) e mulher solteira, fica incomodado com esse comportamento. Também merecem ser citados o indígena Apingorá (André Gonçalves), melhor amigo de Tiago e líder da tribo que fez aliança com os Olinto, que sabe ler e escrever em português e serve como guia de Dom Braz em suas expedições; e Aimbé (Enrique Diaz), mestiço e meio-irmão de Isabel por parte de mãe, que trabalha para Dom Braz mas se ressente de não ser tratado como branco como ela.

No mesmo navio que traz Beatriz (no primeiro capítulo) também vêm três outros personagens importantes: a prostituta Antônia (Cláudia Ohana), o ingênuo padre Miguel (Matheus Nachtergaele) e Ana (Letícia Sabatella), uma doce e meiga cristã-nova (nasceu judia mas se converteu ao cristianismo) que vem ao Brasil cumprir uma promessa e se casar com Dom Jerônimo (Tarcísio Meira), homem muito mais velho que ela e extremamente religioso. Vilão e um dos destaques da minissérie, Dom Jerônimo é um riquíssimo comerciante rival de Dom Braz, que, hipócrita, usa sua religiosidade como escudo para cometer todo tipo de perversão e ato indizível, sem que jamais suspeitas recaiam sobre ele. Em suas mãos, Ana sofrerá todo tipo de tortura, já que ele não acredita em sua conversão - de fato, o pai da moça se converteu e a entregou em casamento apenas para não ser queimado na fogueira - e planeja testar sua fé de formas que só a Inquisição sabe fazer, auxiliado por sua governanta, Leonor (Ada Chaseliov), tão cruel quanto ele.

Quando Ana chega ao Brasil, é recepcionada por Dom Guilherme (Alexandre Borges), dono de um engenho de açúcar que faz comércio com Dom Jerônimo e a abriga em sua casa antes de levá-la ao futuro marido; os dois se apaixonam, e, com a ajuda de Antônia, se encontram em segredo e tramam uma forma de libertar a moça de seu cativeiro. Antônia, que veio para a colônia achando que iria conseguir um bom casamento, já que aqui havia mais homens que mulheres brancas, consegue nada menos que cinco pretendentes: Mestre Davidão (Pedro Paulo Rangel), rico comerciante a quem ela rejeita por também ser cristão-novo; Dom Bartolomeu (Cecil Thiré), o ouvidor da capitania, enviado pela Coroa Portuguesa, que se orgulha de ter cursado Letras em Coimbra; Dom Gonçalo (Edwin Luisi), o barbeiro e dentista da Vila de São Paulo; Dom Cristóvão (Sérgio Mamberti), vereador que acredita que sua posição política lhe garante privilégios; e Dom Falcão (Emiliano Queiroz), o alfaiate e fofoqueiro local.

Enquanto não decide com quem vai se casar, Antônia se engraça com Bento Coutinho (Caco Ciocler), que vende os indígenas que Dom Braz captura; cafajeste e sedutor, Bento tem inveja da fortuna de Dom Braz, infiltra em sua equipe um espião (Irving São Paulo) e se aproveita de sua posição social para fazer negócios escusos com Frei Carmelo (Cacá Carvalho), religioso que adora mais ao dinheiro do que a Deus. Para desespero de Mãe Cândida, Rosália é perdidamente apaixonada por Bento, vendo nele seu príncipe no cavalo branco, que a levará para sua tão sonhada vida de princesa na colônia. Essa paixão faz com que a moça rejeite seu pretendente oficial, Vasco Antunes (Ângelo Antônio), filho de João Antunes (Carlos Eduardo Dolabella), bandeirante rival de Dom Braz, que planeja o casamento para unir as duas famílias; Vasco, porém, é apaixonado por Beatriz, e vive tentando convencê-la a abandonar Tiago, com o argumento de que ele não lhe dá atenção.

Já o Padre Miguel, que começa a trabalhar ao lado do mais velho e experiente Padre Simão (Paulo José), logo vê que sua ideia de como era a vida na colônia e a catequização dos indígenas estava em choque com a realidade, e acaba se apaixionando por Moatira (Maria Maya), indígena capturada durante uma das expedições de Dom Braz, vendida a Dom Jerônimo, que a estuprou seguidamente, e salva pelos padres, que a levaram para morar na igreja, onde planejavam ensiná-la a ler e escrever. No núcleo indígena, também merecem ser citados os personagens Genoveva (Ewriges Ribeiro), indígena que trabalha como empregada dos Olinto; os jovens Parati (João Pedro Roriz) e Tuiú (Patrick de Oliveira), que vivem em Lagoa Serena; e Caraíba (Stênio Garcia), pajé mitológico que viaja pelo Brasil visitando várias tribos e agindo como oráculo. Participações especiais incluem José de Abreu como o Inquisidor-Mór; José Wilker como Dom Diogo, governador geral da capitania; e Luís Melo como Dom Manuel Nunes Viana, português que vem ao Brasil lutar pelo fim da escravização dos indígenas, inspirado em um personagem real de nossa história.

Escrita por Maria Adelaide Amaral com colaboração de Vincent Villari e João Emanuel Carneiro, direção de núcleo de Denise Saraceni, e dirigida por Alexandre Avancini, Luiz Henrique Rios e Carlos Araújo, A Muralha contaria, em sua produção, com o apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), com diversos indígenas participando como figurantes e extras, e pajés e caciques atuando como consultores, principalmente para a confecção de objetos cênicos, de adereços e das ocas. A minissérie seria quase que integralmente filmada nos estúdios da Globo no Projac, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, onde seriam contruídas a Vila de São Paulo, que ocuparia uma área de 10 mil km2, com mais de 450 caminhões de terra sendo usados para corrigir um desnível no terreno, e três aldeias indígenas, uma delas com quatro ocas totalmente funcionais - para construir as ocas, teria de ser recuperada a técnica da taipa de pilão, usada na época para fazer as paredes desse tipo de construção, hoje em dia não mais encontrada.

Lagoa Serena, considerada o mais trabalhoso de todos os cenários, seria construída em uma fazenda no município de Cachoeira de Macacu, no interior do estado do Rio de Janeiro; seriam construídos lá, do zero, um depósito de munições, uma senzala e a casa da família Olinto, que ocupava 320 m2. Para cenas envolvendo animais da fauna nativa, como araras, capivaras, onças, macacos e cobras, a produção contaria com o apoio do Ibama, que disponibilizaria uma bióloga e um veterinário que acompanhavam os animais durante as gravações. A cena da caravela que traz Beatriz, Antônia, Ana e o Padre Miguel de Portugal para o Brasil, exibida no primeiro capítulo, seria gravada em Pensacola, Estados Unidos, onde se localiza a Fundação Colombo, voltada à construção de réplicas de embarcações usadas na época das Grandes Navegações; a nau usada na minissérie, considerada a mais perfeita de todas as réplicas, também havia sido usada no filme 1492: A Conquista do Paraíso, de 1992.

Originalmente, Tarcísio Meira seria convidado para interpretar Dom Braz, mas, após ler alguns capítulos, pediria para interpretar Dom Jerônimo, pela oportunidade de interpretar um vilão, algo raro em sua carreira. Tarcísio acabaria fazendo um vilão memorável, que entraria para a galeria dos mais detestáveis da história da televisão. Outros atores extremamente elogiados seriam Alessandra Negrini, Leonardo Brício, Matheus Nachtergaele, que, no ano anterior, já havia conquistado a crítica com sua interpretação de João Grilo em O Auto da Compadecida, e Maria Maya, inicialmente alvo de boatos de que só havia sido escolhida para o papel de Moatira por ser filha do diretor Wolf Maya, depois criticada por, aos 18 anos, estar em um papel de forte apelo sexual, já que aparecia em três quartos de suas cenas com os seios à mostra, mas que, ao final, seria incensada e reconhecida como atriz de talento, infelizmente conseguindo poucos papéis de destaque depois de A Muralha.

A opção de Tarcísio pelo papel do vilão levaria a Globo a chamar Mauro Mendonça, que já havia interpretado Dom Braz na versão da TV Excelsior, de 1968, o que levaria à diferença de que, na versão da Excelsior, Dom Braz e Mãe Cândida seriam bem mais jovens, já que Mendonça tinha 37 anos e Fernanda Montenegro, que então interpretava sua esposa, 38, enquanto, na versão da Globo, Mendonça tinha 68 anos, e Vera Holtz, 46. Vale citar também como curiosidade que, na versão da Excelsior, Isabel era interpretada pela atriz Rosamaria Murtinho, na época com 35 anos (Alessandra Negrini na versão da Globo tinha 29), que era esposa de Medonça na vida real desde 1959. Outros nomes famosos da versão da Excelsior foram Gianfrancesco Guarnieri como Leonel, Nicette Bruno como Margarida, Nathalia Thimberg como Basília, Paulo Goulart como Bento Coutinho, Paulo Celestino como Mestre Davidão, Cláudio Corrêa e Castro como Dom Manuel, e Stênio Garcia, único além de Mendonça a participar de ambas as versões, como Aimbé.

A trilha sonora, inteiramente instrumental, seria composta por Sérgio Saraceni especialmente para a minissérie, com exceção da música de abertura, Floresta do Amazonas, de Heitor Villa-Lobos - a abertura, aliás, era bastante simples, mostrando um sobrevoo da Serra do Mar enquanto os nomes do elenco "passavam voando" em ordem alfabética; o logotipo mostrava a Serra do Mar conforme vista do litoral de São Paulo, com o nome "A Muralha" acompanhando a cadeia de montanhas. De forma incomum para uma trilha instrumental de uma minissérie, a trilha sonora de A Muralha seria lançada pela Som Livre, com o logotipo da minissérie na capa.

A Muralha superaria todas as expectativas da Globo em termos de repercussão e audiência, e acabaria vendida para Costa Rica, Chile, Guatemala, Letônia, Moçambique, Nicarágua, Paraguai, Peru, Portugal, República Dominicana e Venezuela. Em 2002, como parte de um teste da Globo para o formato, que acabaria não vingando, seria oferecida on demand em serviço de pay per view; no mesmo ano, seria lançada, de forma compactada, em DVD. A minissérie seria reexibida três vezes, a primeira em 2004, na própria Globo, em um compacto de 39 capítulos, e as outras duas, na íntegra, no canal Viva, em 2011 e 2013. Desde 2023, ela também se encontra na íntegra no catálogo do Globoplay.
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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Escrito por em 22.8.25 com 0 comentários

Aniversário da Tori Amos (XXIII)

Hoje é dia de manter mais uma das tradições do átomo, o post no dia do aniversário da Tori Amos. E esse ano tivemos o lançamento de um álbum novo!

Lançamento, aliás, que foi feito na surdina, com um propósito muito específico: no final de 2024, Tori anunciaria que, no início de 2025, lançaria um livro infantil, chamado Tori and the Muses, sobre uma menina que recebe a visita de musas que a ajudam a compor músicas. O livro de fato seria lançado, em 4 de março, mas, antes disso, em 28 de fevereiro, sem que ninguém da imprensa soubesse que ela estava trabalhando nele, ela lançaria o álbum The Music of Tori and the Muses, com canções que complementavam a história do livro - sendo assim, portanto, o que é conhecido em inglês como um companion.

É a última faixa de The Music of Tori and the Muses a música que veremos hoje. E, para manter a tradição: parabéns, Tori, muitos anos de vida! \o/

S'Magic Day
Letra e música: Tori Amos

So the way things started today
I wasn't really really sure it could turn out this way
And I guess it is fair to say
I can be Scited
Scared and Excited
But now we've all turned the page

It's a S'Magic
S'Magic
Fantabulous-tastic
It's a S'Magic
S'Magic
Just a S'Magic Day

Anna was baking
Scrumpdileicious
Magic Cupcakes
Blake had his box of
Bugs that were Dancing
An Insect Ballet
Insect Ballet

So the way things started today
I wasn't really really sure it could turn out this way
And I guess it is fair to say
I can be Scited
Scared and Excited
But now we've all turned the page

It's a S'Magic
S'Magic
Fantabulous-tastic
It's a S'Magic
S'Magic
Fantabulous-tastic
It's a S'Magic
S'Magic
Just a S'Magic Day

Then came the clouds
Then I thought that
Spike wouldn't find his Muses
Well, I guess not today
And then the rains chased me back home
Now Dad has found his
Numbers are Muses
Magic Infusion
Music so Fun to Play

I can be Scited
Scared and Excited
But now we've all turned the page

It's a S'Magic
S'Magic
Fantabulous-tastic
It's a S'Magic
S'Magic
Strawberry-bombastic
It's a S'Magic
S'Magic
Fantabulous-tastic
It's a S'Magic
S'Magic
Just a S'Magic Day
S'Magic Day
S'Magic Day
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sábado, 16 de agosto de 2025

Escrito por em 16.8.25 com 0 comentários

Studio Ghibli (V)

Seguindo com a série sobre as produções do Studio Ghibli, chegando hoje ao seu primeiro vencedor do Oscar!

Meus Vizinhos, os Yamadas
Hohokekyo Tonari no Yamada-kun
1999

Nono-Chan é uma das tirinhas em quadrinhos mais famosas do Japão. Criada por Hisaichi Ishii, ela acompanha a vida da família Yamada, composta pelo pai, Takashi, a mãe, Matsuko, a avó, Shige, o filho mais velho, Noboru, e a filha mais nova, Nonoko, apelido Nono-Chan. Publicada até hoje na revista Asahi Shimbun, onde estreou em de outubro de 1991, originalmente a tirinha se chamava Tonari no Yamada-kun, e acompanhava as desventuras da família como um todo. Nonoko, entretanto, era a personagem mais popular dentre os leitores, e, querendo capitalizar sobre essa popularidade, em abril de 1997 Ishii mudaria o nome da tirinha para Nono-chan e faria dela a personagem principal - o estilo das histórias, na verdade, continuaria o mesmo, mas agora elas eram narradas sob a ótica de Nonoko, sem que fossem publicadas novas tirinhas nas quais ela não estava presente.

Seria justamente em 1997 que Isao Takahata decidiria que seu próximo projeto no Studio Ghibli seria uma adaptação de Tonari no Yamada-kun. A ideia não surgiria do nada, já que, depois de Pom Poko, Takahata queria trabalhar em um filme com a temática de família, mas que não fosse de drama, e achou que a comédia nonsense da tirinha era justamente o que ele estava procurando. Ele inclusive faria questão de que os personagens tivessem o mesmo visual caricato da tirinha, com o estilo de Ishii sendo imitado pelos animadores do Studio Ghibli, ao invés de fazer versões dos personagens mais de acordo com o visual das produções anteriores do estúdio.

Os Yamadas são uma estereotípica família de classe média japonesa: Takashi trabalha em um escritório, tem de pegar o trem para chegar ao trabalho, ao chegar em casa quer ler seu jornal, fumar um cigarro e fazer suas refeições em paz, e é viciado em pachinko. Matsuko é dona de casa e não trabalha fora; infelizmente ela não é muito competente em nenhuma de suas tarefas, com a casa normalmente estando bagunçada e as refeições frequentemente sendo arroz com curry. Shige, que é mãe de Matsuko, tem 70 anos e é bastante ativa, mas igualmente teimosa e conservadora. Noboru, que tem cerca de 15 anos, não é muito brilhante na escola, não gosta de esportes, e está começando a se interessar por garotas. E Nonoko, que tem cerca de 10 anos, é um espírito livre, cheia de imaginação e criatividade, extremamente simpática e sociável. A família também tem um cachorro, Pochi, que parece estar sempre emburrado, mas aparece pouco no filme.

O filme é dividido em vários episódios (chamados pelo Studio Ghibli de "vinhetas"), cada um deles adaptação de uma ou mais tirinhas de Tonari no Yamada-kun publicadas até então, com o roteiro ficando a cargo do próprio Takahata. Antes de cada episódio aparece na tela um título, e ao final um haikai, um poema japonês curto, sempre relacionado ao tema do episódio. No início do filme, que inclui a abertura e o episódio mais comprido, no qual Nonoko se perde no shopping, Nonoko atua como narradora, em uma referência ao estilo de Nono-Chan, mas, no restante da produção, o narrador é um observador onipresente sem relação com a família. Vale citar que um dos episódios faz referência a um antigo e popular super-herói da TV japonesa, Gekko Kamen.

Meus Vizinhos, os Yamadas costuma ser citado como "o primeiro filme do Studio Ghibli a ser 100% produzido por computação gráfica", mas isso não é verdade. Tonari no Yamada-kun, assim como muitas outras tirinhas japonesas, é desenhada e pintada com aquarelas, e Takahata queria que o filme tivesse a mesma aparência. Para que o efeito fosse obtido, os animadores teriam de produzir o triplo de ilustrações de uma animação comum, já que cada frame precisava de três ilustrações quase idênticas, que então seriam digitalizadas, combinadas e coloridas por computação gráfica, ao invés de filmadas usando a técnica tradicional - vindo daí a confusão e a informação de que o filme não teria usado desenhos feitos à mão. Meus Vizinhos, os Yamadas seria até então a produção do Studio Ghibli com o maior número de ilustrações produzidas, e também a segunda mais cara, ficando atrás apenas de Princesa Mononoke; a maior parte dos custos seria coberta pela Walt Disney Japan, que, sabedora do sucesso da tirinha, tinha fé no potencial do filme.

Por incrível que pareça, entretanto, o filme, que estrearia em 17 de julho de 1999, foi um grande fracasso de bilheteria: com orçamento de 2 bilhões de ienes, renderia somente 1,56 bilhão, e não se pagaria nem mesmo com a renda do home video e do merchandising associado. Ao ser perguntado sobre as razões do fracasso, o produtor Toshio Suzuki diria que a bilheteria estava dentro do esperado, e que a sensação de fracasso veio de uma "má impressão" causada por "expectativas altas demais". A crítica, pelo menos, elogiaria bastante o filme, destacando seu estilo visual, sua "sensação de tranquilidade" e seu humor típico das tirinhas japonesas.

Um dos motivos para a baixa bilheteria apontados pela imprensa especializada seria que, na época, a Tokuma Shoten, a quem o Studio Ghibli pertencia, estava em uma disputa comercial com a Toho, que havia distribuído todos os filmes do estúdio desde Memórias de Ontem, e não queria que eles distribuíssem mais esse; a Toei, opção mais óbvia, alegaria já estar com muitos filmes para distribuir e não saber se daria conta de mais um, o que faria com que a distribuição coubesse à Shochiku, responsável pela distribuição dos filmes da Bandai-Namco, que teria metido os pés pelas mãos ao fazer seu trabalho - por exemplo, muitos espectadores relataram que as salas dos cinemas estavam muito vazias, o que pode ter se revertido em propaganda boca a boca negativa, mas, segundo Suzuki, pode ter sido resultado de a Shochiku ter programado o filme para salas grandes demais, diferentemente da Toho, que preferia programar os filmes do Studio Ghibli para um número maior de salas, mas todas de pequena ou média capacidade.

Bizarramente, Meus Vizinhos, os Yamadas seria um grande sucesso fora do Japão, se tornando inclusive a única animação japonesa selecionada para o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). O diretor francês Armandine Fourdon e o roteirista norte-americano Michael Arndt declarariam terem sido bastante influenciados pelo filme, com Arndt chegando a declarar que Pequena Miss Sunshine e Toy Story 3 não existiriam se ele não tivesse assistido Meus Vizinhos, os Yamadas. Por causa do fracasso nos cinemas japoneses, o filme não seria lançado nos cinemas em mais lugar nenhum; nos Estados Unidos, ele seria lançado em DVD em 2005 pela Disney, em um combo com Pom Poko, e na Europa seria lançado em DVD e Blu-ray em 2010 pela Buena Vista - vale citar também que Meus Vizinhos, os Yamadas seria o primeiro filme do Studio Ghibli a ser lançado em DVD no Japão, em 2000, com os anteriores somente tendo sido lançados até então em VHS. A dublagem da Disney conta com James Belushi como Takashi, Molly Shannon como Matsuko, Daryl Sabara como Noboru, Liliana Mumy como Nonoko, Tress MacNeille como Shige, e David Ogden Stiers como o narrador.

Além de ser adaptada para um filme do Studio Ghibli, Nono-Chan daria origem a uma série em anime produzida pela Toei, exibida pela TV Asahi entre 7 de julho de 2001 e 28 de setembro de 2002, para um total de 61 episódios, alguns deles adaptando tirinhas famosas, outros trazendo histórias inéditas. Talvez provando que o sucesso em quadrinhos não garante o sucesso em mídia audiovisual, a série também não teria boa audiência.

A Viagem de Chihiro
Sen to Chihiro no Kamikakushi
2001

Quando criança, Hayao Miyazaki morou próximo a uma casa de banhos, a qual ele via como um local mágico e cheio de segredos, principalmente porque, ao lado de cada banheira, havia uma pequena porta, que ele sempre imaginou onde iria dar. Após Princesa Mononoke, ele pensaria em escrever uma história ambientada em uma casa de banhos, mas suas duas primeiras tentativas, uma delas uma adaptação do livro Kiri no Muko no Fushigi na Machi, de Sachiko Kashiwaba, seriam rejeitadas por Suzuki, que acharia que as histórias não atrairiam o interesse do público.

Todo verão, entretanto, Miyazaki viajava para uma casa de sua propriedade nas montanhas, com a esposa, filhos e, por vezes, amigos dos filhos. Em 1999, ele levaria com a família cinco amigas de sua filha, todas por volta dos dez anos de idade, e decidiria escrever um filme com cuja protagonista elas pudessem se identificar. Para buscar inspiração, ele leria várias das revistas que elas levariam para a viagem, como a Nakayoshi e a Ribon, mas ficaria frustrado ao perceber que todas as histórias eram de romance, que ele imaginava não ser o estilo preferido das meninas. Ele, então, decidiria escrever uma história de aventura, pontuada por elementos da cultura japonesa, protagonizada por uma menina de dez anos - e ambientado em uma casa de banhos.

A Viagem de Chihiro é um isekai, história na qual o protagonista vai parar em um mundo estranho e tem de se adaptar às suas regras - sendo o melhor exemplo no Ocidente Alice no País das Maravilhas. Sua protagonista é a menina Chihiro, que está se mudando de cidade com os pais, e não está nada satisfeita com isso. Quando seu pai erra o caminho, os três se veem diante de um antigo templo, que decidem explorar, indo parar, sem saber, no mundo espiritual. Os pais de Chihiro são feitos prisioneiros, e a menina recebe a ajuda do dragão Haku, que consegue para ela um emprego na casa de banhos da bruxa Yubaba, para que ela não tenha o mesmo destino. A princípio revoltada, Chihiro acaba descobrindo uma grande força interior, e decide tentar resgatar seus pais para que a família possa retornar ao mundo material.

A produção começaria em fevereiro de 2000, com orçamento de 1,9 bilhão de ienes, o padrão na época para uma nova produção, já que, com o uso cada vez maior da computação gráfica, os filmes de animação haviam ficado bem mais caros. Todos os personagens do filme seriam desenhados à mão, depois passados para o computador e então aprimorados, o que faria com que o resultado final fosse belíssimo, diferente de tudo o que já havia se visto em animação japonesa desde então. Uma preocupação de Miyazaki seria que a computação gráfica "roubasse o show", então ele coordenaria pessoalmente o processo, para garantir que, mesmo com o uso da computação, o filme se parecesse com uma animação totalmente tradicional; ele também evitaria que o filme tivesse personagens, cenários ou outros elementos apenas por sua beleza, querendo que tudo tivesse uma função na história, para não desviar o foco das plateias - até mesmo Chihiro deveria ser uma menina totalmente normal, sem beleza acima da média ou qualquer coisa em sua aparência que chamasse atenção.

Outra preocupação de Miyazaki seria com a duração do filme: ele se empolgaria com o roteiro, e, durante as filmagens, concluiria que, se fizesse toda a história do jeito que estava, o filme teria mais de três horas. Ele cortaria várias cenas e condensaria outras durante as filmagens, sempre tentando manter o que já estava pronto e descartar o que ainda não havia sido produzido. Mesmo com todos esses esforços, o filme ainda terminaria com 125 minutos, menos que Princesa Mononoke, mas ainda assim mais que o normal para um filme de animação, principalmente para o mercado internacional.

Falando nisso, a Disney concordaria em financiar 10% do filme em troca do "direito de primeira recusa" para sua distribuição nos Estados Unidos - o que significava que o Studio Ghibli só poderia negociar com outro distribuidor após a Disney dizer que não iria fazê-lo. O primeiro executivo da Disney a assistir o filme seria John Lasseter, animador da Pixar que havia ficado amigo pessoal de Miyazaki, e tinha como principal função encontrar "elementos problemáticos" em produções estrangeiras que a Disney quisesse lançar nos Estados Unidos. Após assistir A Viagem de Chihiro, Lasseter ficaria boquiaberto, e diria ao CEO da Disney, Michael Eisner, que eles tinham de lançar o filme o mais rápido possível. Eisner nomearia Lasseter produtor executivo para a versão em inglês do filme, e ele reuniria uma equipe jamais vista antes para uma dublagem, que incluía Kirk Wise, co-diretor de A Bela e a Fera, Donald W. Ernst, produtor de Aladdin, e os roteiristas Cindy Davis Hewitt e Donald H. Hewitt, que tinham duas missões ingratas: "americanizar" o filme o menos possível e fazer com que os diálogos em inglês se encaixassem com as bocas dos personagens falando em japonês, para que erros de sincronia, comuns nesses casos, não distraíssem a atenção do público. Os dois fariam um trabalho elogiadíssimo, com o roteiro sendo considerado um dos pontos altos da versão em inglês. O elenco da versão dublada conta com Daveigh Chase como Chihiro, Jason Marsden como Haku, Susan Egan como Lin, e, como Yubaba, Suzanne Pleshette, em seu último trabalho antes de sua morte, além dos regulares da Disney David Ogden Stiers e John Ratzenberger, respectivamente como Kamaji e Aniyaku.

A Viagem de Chihiro é fortemente inspirado pelo folclore xinto-budista. Seu principal cenário é uma casa de banhos frequentada por várias criaturas folclóricas japonesas, incluindo kami, os espíritos que, segundo o xintoísmo, habitam todas as coisas, vivas ou não. O fato de Chihiro ter de se adequar ao ritmo do mundo espiritual serve como um rito de passagem, com a personagem amadurecendo, como se deixasse de ser criança e se tornasse adulta. O filme também faz uma crítica à influência do ambiente sobre as pessoas, com personagens como os pais de Chihiro, o Sem-Face e até mesmo, de uma certa maneira, Yubaba, se comportando de forma contrária à sua verdadeira natureza apenas por estarem cercados de más influências ou por se verem em situações nas quais imaginam que as regras sociais não se aplicam. O consumismo ocidental também é fortemente criticado no filme, com o dinheiro tendo o poder de mudar a forma de agir das pessoas e a maneira como elas veem o mundo - o pai de Chihiro fala para ela várias vezes que eles não vão ter nenhum problema explorando o templo abandonado porque ele "tem cartões de crédito e dinheiro".

Dois princípios fundamentais da sociedade japonesa também podem ser identificados no filme: o mottainai, ou "arrependimento pelo desperdício", segundo o qual todos os recursos devem ser utilizados plenamente, sem que nada ainda útil seja descartado; e o on, a "dívida moral", segundo o qual uma pessoa se sente obrigada a retribuir quando alguém a ajuda - mesmo Yubaba sendo uma péssima chefe, Chihiro tenta ajudá-la de várias formas. Yubaba se veste com roupas ocidentais e seu escritório é decorado como se fosse europeu, em contraste com o restante da casa de banhos, tradicionalmente japonesa; isso é visto como uma crítica à influência europeia na sociedade japonesa, principalmente em relação ao capitalismo e à exploração econômica - ao contratar Chihiro, Yubaba decide chamá-la de Sen, que significa "mil", e é uma outra forma de se ler o ideograma que representa a primeira sílaba de seu nome, chi, palavra ligada à evolução espiritual, o que é visto como uma alegoria do pensamento capitalista de que tudo deve ter um valor. Mudando o nome da menina, a bruxa também obtém poder sobre ela, o que é outra crença japonesa.

Miyazaki é conhecido por ser radicalmente contra a ocidentalização da cultura japonesa, e muitos dos elementos do filme podem ser vistos como um posicionamento do autor nesse sentido, como os letreiros em neon próximos à casa de banho, e o fato de o pai de Chihiro dirigir um Audi e vestir camisas polo. Finalmente, o filme mais uma vez possui um forte apelo ecológico, criticando a poluição das águas, o descarte indiscriminado de lixo, e a destruição de áreas naturais para a expansão das cidades.

A Viagem de Chihiro estrearia nos cinemas japoneses em 20 de julho de 2001, distribuído pela Toho. Somente nos primeiros três dias, renderia 1,6 bilhão de ienes, um recorde até hoje. Ele também seria recordista no número de semanas seguidas em primeiro lugar nas bilheterias japonesas, ficando onze (16 no total), e o primeiro filme japonês a render mais de 200 milhões de dólares em bilheteria internacional sem contar os Estados Unidos. Somando a bilheteria do mundo inteiro, ele renderia 31,68 bilhões de ienes, sendo até hoje o filme de maior bilheteria internacional da história do Japão. Além de nos Estados Unidos e Canadá, a Disney distribuiria o filme na França, Hong Kong, Cingapura e Taiwan; ele também estrearia em diversos outros países da Europa, Ásia e América do Sul, se tornando o filme do Studio Ghibli a ser exibido nos cinemas de mais países diferentes - no Brasil, ele estrearia em 18 de julho de 2003, distribuído pela Europa Filmes. A Viagem de Chihiro também seria o segundo filme do Studio Ghibli a estrear nos cinemas da China, em 21 de junho de 2019.

O filme também seria aclamado pela crítica, sendo hoje considerado um dos melhores e mais bonitos filmes de animação de toda a história. Uma de suas características que mais chama atenção é que ele pode ser aproveitado, com igual intensidade tanto por crianças quanto por adultos. A Viagem de Chihiro venceria os prêmios de Melhor Filme e Melhor Filme Animado no festival de cinema da Mainichi Shimbun e o de Melhor Filme da Academia de Cinema Japonesa, mas a que é considerada sua maior conquista e principal responsável pelo seu sucesso internacional foi o Oscar de Melhor Filme de Animação, na segunda vez em que o prêmio foi conferido (na primeira, quem ganhou foi Shrek), derrotando A Era do Gelo, Spirit: O Corcel Indomável, e duas produções Disney, Planeta do Tesouro e Lilo & Stitch.

Ainda hoje, mais de 20 anos após seu lançamento, A Viagem de Chihiro é considerado um trabalho de qualidade tamanha, em termos de roteiro e animação, que nenhum outro estúdio no planeta conseguiu igualar. John Lasseter confessaria que ele se tornaria uma de suas maiores inspirações, influenciando Valente e Frozen; Harley Jessup declararia ter usado o filme como inspiração para o mundo espiritual de Viva: A Vida é uma Festa, e Domee Shi o citaria como a principal influência de Red: Crescer é uma Fera - até mesmo os roteiristas Ken e Ryan Firpo citariam A Viagem de Chihiro como sua principal fonte de inspiração para abordar questões de moralidade e dualidade humana em Eternos, da Marvel. O maior mérito do filme, entretanto, foi ele ter sido lançado numa época em que, no ocidente, filmes de animação ainda eram vistos como algo exclusivamente para crianças, que os adultos iriam assistir apenas para acompanhá-las - "animações para adultos" costumavam ser desastrosas, cheias de alusão a sexo e cenas eróticas. Se hoje temos filmes da Pixar que são grandes sucessos tanto dentre crianças quanto adultos, A Viagem de Chihiro pode ser considerado o maior responsável.

O Reino dos Gatos
Neko no Ongaeshi
2002

Em 1999, um parque de diversões japonês entrou em contato com o Studio Ghibli, querendo encomendar um curta-metragem, de cerca de 20 minutos de duração, que seria exibido como parte de uma de suas atrações; a única exigência que o parque faria seria que o curta deveria ser estrelado por gatos. Imediatamente, Miyazaki se lembrou de Sussurros do Coração, que contava com os gatos Moon e Barão - esse último, na verdade, uma estátua de gato presente numa loja de antiguidades. Ao invés de criar uma história original com os personagens, Miyazaki entraria em contato com Aoi Hiiragi, autora de Mimi wo Sumaseba, mangá que deu origem a Sussurros do Coração, e perguntou se ela poderia escrever uma nova história, protagonizada por Moon e Barão. Embora nem Mimi wo Sumaseba, nem Sussurros do Coração tivessem qualquer elemento fantástico, Hiiragi decidiria que essa nova história seria de fantasia, escrevendo o mangá Baron the Cat, publicado em março de 2002 pela Tokuma Shoten.

Enquanto Hiiragi estava escrevendo o mangá, Miyazaki daria a Hiroyuki Morita, que havia sido um dos animadores de Meus Vizinhos, os Yamadas, a tarefa de transformar a história que ela estava escrevendo em storyboards que seriam usados na produção do filme. Ao longo de nove meses, Morita criaria 525 storyboards, suficientes para a produção de um filme de 45 minutos. Enquanto esses storyboards estavam em produção, o parque de diversões, alegando dificuldades financeiras, cancelaria o projeto; Miyazaki e Suzuki, entretanto, gostaram tanto do trabalho de Hiiragi e Morita, principalmente da protagonista Haru, que decidiram não só bancar o projeto, mas também transformá-lo em um longa-metragem para lançamento nos cinemas, incumbindo Morita da direção e Reiko Yoshida de escrever o roteiro.

Assim, O Reino dos Gatos se tornaria não somente o primeiro longa-metragem do Studio Ghibli a ser continuação de outro de seus longa-metragens, mas também o primeiro longa-metragem para os cinemas do estúdio a não contar nem com Miyazaki, nem com Takahata, nem no roteiro, nem na direção - Sussurros do Coração foi dirigido por Yoshifumi Kondo, mas tinha roteiro de Miyazaki, e Eu Posso Ouvir o Oceano, dirigido por Tomomi Mochizuki com roteiro de Keiko Niwa, foi produzido para a televisão. Um detalhe interessante é que, além de creditar Yoshida como roteirista, os créditos iniciais do filme trazem a frase "uma história de Shizuku Tsukishima", a protagonista de Sussurros do Coração, motivo pelo qual o Studio Ghibli considera O Reino dos Gatos como uma sequência ou continuação deste, enquanto, no ocidente, ele costuma ser descrito como um spin-off.

A protagonista de O Reino dos Gatos é a tímida estudante do ensino médio Haru Yoshioka, que, um dia, salva um gato de ser atropelado, e tem a impressão de que ele falou com ela e a agradeceu. Acontece que esse gato que ela salvou era ninguém menos que Lune, Príncipe do Reino dos Gatos, o que faz com que o Rei dos Gatos em pessoa vá com uma comitiva até sua casa presenteá-la com itens de muito valor, como ratos mortos e erva de gato, e ofereça a ela a mão de Lune em casamento. Pensando se tratar de um sonho, Haru dá uma resposta confusa, interpretada por Natori, secretário do Rei, como um "sim".

Cada vez mais interpelada pelos gatos, que não param de lhe dar presentes e começam os preparativos de seu casamento, Haru se desespera, até que ouve uma voz que a guia até o gato Muta, que, por sua vez, a leva até o Barão Humbert von Gikkingen, uma estátua de gato animada por poderes mágicos que mora em uma loja de antiguidades, à frente da qual há uma estátua de corvo que, graças aos mesmos poderes, se transforma no melhor amigo do Barão, Toto. O Barão aconselha Haru a não ir até o Reino dos Gatos de forma nenhuma, mas ela é sequestrada por Natori, o que faz com que o Barão, Toto e Muta também tenham de ir ao Reino dos Gatos para salvá-la - já que, se ela ficar lá tempo demais, se transformará em um gato.

O Reino dos Gatos estrearia nos cinemas japoneses em 20 de julho de 2022; com orçamento de 750 milhões de ienes, renderia 2,55 bilhões, se tornando o filme nacional mais assistido no país naquele ano, e sétimo mais assistido se forem considerados os internacionais. A crítica o consideraria "charmoso e lindamente animado", e consideraria que Morita quis "fazer uma homenagem a Miyazaki", já que o filme guarda muitas semelhanças com A Viagem de Chihiro, embora seja mais realístico e menos denso. Falando nisso, O Reino dos Gatos estrearia nos cinemas do Brasil em 13 de fevereiro de 2004, pegando carona no sucesso de Chihiro, sendo exibido também nos cinemas de vários países da Ásia e Europa.

Nos Estados Unidos, entretanto, ele seria lançado diretamente em DVD, em fevereiro de 2005, junto com Nausicaä do Vale do Vento e Porco Rosso, pela Disney. Sua dublagem contaria com um elenco estelar, trazendo Anne Hathaway como Haru, Cary Elwes como o Barão, Peter Boyle como Muta, Elliott Gould como Toto, Tim Curry como o Rei dos Gatos, Judy Greer como a gata Yuki, René Auberjonois como Natori, Kristen Bell como a amiga de Haru, Hiromi, e Kristine Sutherland como a mãe de Haru, Naoko.

Para terminar, vale citar que existem diferenças entre a história do mangá e a do filme, algumas causadas pelo fato de que Hiiragi ainda estava escrevendo o mangá enquanto Yoshida escrevia o roteiro, algumas por decisão de Yoshida; a principal é que, no mangá, o Reino dos Gatos é como se fosse o céu dos felinos, para onde os gatos vão quando morrem, sendo os súditos do Rei dos Gatos todos espíritos, e, se ficar lá, além de virar gato, Haru também vai virar espírito, jamais sendo capaz de retornar ao plano terreno, enquanto no filme o Reino dos Gatos é uma dimensão paralela, da qual os gatos podem sair e entrar à vontade. Também foram feitas mudanças no Barão (apenas estéticas, já que, no mangá, ele tem a mesma aparência que tinha em Mimi wo Sumaseba, mas, no filme, por uma questão de coerência, tem que ter a mesma aparência de Sussurros do Coração) e em Muta - que é o gato Moon de Mimi wo Sumaseba e Sussurros do Coração: em Sussurros do Coração ele tem apenas um papel coadjuvante, sem participação ativa na história, mas, em Mimi wo Sumaseba, ele é um vilão, o que motivou uma cena em O Reino dos Gatos na qual ele revela que Muta é uma alcunha, e seu nome verdadeiro é Lunardo Moon, procurado criminoso internacional.
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sábado, 9 de agosto de 2025

Escrito por em 9.8.25 com 0 comentários

Quarteto Fantástico (II)

Recentemente, estreou o filme do Quarteto Fantástico no MCU, sobre o qual eu provavelmente vou falar aqui no átomo, se algum dia eu fizer uma série de posts falando sobre a Fase 6. Esse já é o quinto filme do Quarteto, que, apesar de terem sido os primeiros super-heróis da Marvel nos quadrinhos, realmente não vinham dando sorte no cinema. A razão pela qual vocês estão lendo esse post, porém, é que, mesmo com grande parte da parcela mundial os considerando ruins, eu adoro os filmes do Quarteto Fantástico da Fox, especialmente o primeiro, que eu acho super divertido e bastante fiel aos quadrinhos - exceto o Dr. Destino, já que não tem cabimento o maior vilão da Marvel ganhar superpoderes e ainda assim ser tão patético. Por causa disso, depois que eu falei sobre os filmes dos X-Men, talvez influenciado pela estreia do novo, me deu vontade de falar sobre os do Quarteto também. Assim, hoje, mais uma vez, é dia de Quarteto Fantástico no átomo!

A primeira tentativa de se fazer um filme do Quarteto Fantástico ocorreria lá na década de 1980: em 1983, o produtor alemão Bernd Eichinger, dono da Constantin Film, iria até a casa de Stan Lee em Los Angeles negociar pessoalmente uma licença para a produção de um filme da equipe para o cinema. A negociação duraria três anos, e somente em 1986 a Constatin obteria a licença, por um valor que Eichinger descreveu como "não sendo enorme", e noticiado na época como 250 mil dólares, uma verdadeira pechincha. Com a tecnologia da época, entretanto, duplicar os poderes do Quarteto Fantástico em um filme seria caríssimo, e a Constatin preferiria negociar com um grande estúdio, cedendo os direitos em troca de participação na bilheteria. A Warner Bros. e a Columbia se diriam interessadas, mas ambas recuariam após o orçamento do filme ser calculado - segundo a Columbia, havia a possibilidade de o filme ser o mais caro de todos os tempos.

O contrato assinado entre a Marvel e a Constantin previa que, se o filme não entrasse em produção até 31 de dezembro de 1992, os direitos voltariam para a Marvel e a Constantin perderia o dinheiro já investido. Para que isso não acontecesse, Eichinger procuraria o famoso diretor de filmes B Roger Corman, que concordaria em produzir o filme com orçamento máximo de 1 milhão de dólares, e distribuí-lo através de sua empresa, a New Horizons Pictures. A produção começaria em 28 de dezembro de 1992, três dias antes do fim do prazo, com direção de Oley Sassone, que, até então, só havia dirigido videoclipes, e roteiro de Craig J. Nevius e Kevin Rock, contratados por Corman. O filme seria integralmente filmado nos estúdios da Concorde Pictures, em Venice, Califórnia, também de propriedade de Corman, exceto pela cena da queda da nave após o Quarteto ganhar seus poderes, filmada na cidade vizinha, Agoura; a cena da explosão do laboratório de Victor Von Doom, filmada na Universidade de Loyola-Marymount; e da cena final, filmada no antigo prédio da Pacific Stock Exchange, em Los Angeles.

Ao todo, as filmagens durariam apenas 21 dias - embora algumas fontes digam 25. Apesar da produção mambembe e a toque de caixa, tudo seria feito com muito cuidado: os figurinos ficariam a cargo do interessantemente chamado Réve Richards, que não conhecia o Quarteto, e, enquanto estava comprando dezenas de revistas em quadrinhos para usar como inspiração, deixaria escapar que estava trabalhando no filme, sendo cercado por fãs que queriam saber se ele seria fiel aos quadrinhos. O dublê Carl Ciarfalio, que vestia uma roupa de borracha para interpretar o Coisa, trabalharia junto ao ator Michael Bailey Smith, que interpretava Ben Grimm, para que seus maneirismos fossem os mesmos. Os efeitos de computação ficariam a cargo de Scott Billups e da empresa Optic Nerve, e a maquiagem ficaria a cargo de John Vulich e Everett Burrell. E os produtores musicais David e Eric Wurst pagariam 6 mil dólares do próprio bolso para que a trilha sonora contasse com uma orquestra de 48 instrumentos.

A data de estreia do filme seria inicialmente marcada para setembro de 1993, com trailers sendo exibidos nos cinemas em julho, mas nem a Constantin nem a New Horizons queriam gastar um centavo em publicidade, com os próprios atores decidindo pagar de seus bolsos para que o filme fosse discutido na Comic-Con de 1993, após a qual ele seria matéria de capa da revista Film Threat, e a data de "estreia mundial" seria confirmada pela Constantin como 19 de janeiro de 1994. No final de 1993, entretanto, os atores receberiam uma ordem judicial para parar de promover o filme, todos os negativos seriam confiscados pela Constantin, e Eichinger informaria Sassone que o filme jamais seria lançado. Várias publicações especializadas começariam a especular que, na verdade, a produção seria uma ashcan copy, um filme produzido sem nenhuma intenção de ser lançado, apenas para que o estúdio não perdesse os direitos. Somente em 2005 Lee confirmaria essa tese, dizendo numa entrevista que Eichinger o havia colocado a par do plano, dizendo que "ninguém jamais veria o filme", mas que, como Corman havia decidido não informar nem o elenco, nem a equipe, que acharam que haveria um lançamento, acabou acontecendo uma promoção jamais programada, o que tornou o "cancelamento" do lançamento mais escandaloso do que deveria ser.

No mesmo ano, Corman, em uma entrevista, desmentiria Lee, dizendo que o contrato que assinou previa o lançamento nos cinemas, mas também previa que ele teria de vender o filme para Eichinger caso ele pagasse o valor da produção, o que o produtor fez no final de 1993, deixando Corman sem escolha. Eichinger, por sua vez, culparia Avi Arad, na época diretor executivo da Marvel, que, temendo que o filme fosse uma bomba e isso afetasse as vendas dos quadrinhos do Quarteto, já extremamente baixas na época, teria dado a Eichinger o dinheiro para que ele comprasse o filme de volta, e ordenado que ele destruísse todos os negativos. Arad não somente confirmaria essa versão, como também diria que, até um fã abordá-lo na rua em 1993 e dizer estar aguardando ansiosamente a estreia, não estava sabendo que um filme do Quarteto estava sendo produzido, que jamais assistiu a esse filme para saber se ele era bom ou não, e que pagou Eichinger em dinheiro vivo. Muitas dessas histórias estariam no documentário Doomed!: The Untold Story of Roger Corman's The Fantastic Four, que fala sobre a produção do filme, lançado diretamente em home video em 2015.

Pelo menos uma cópia do filme sobreviveria, porém, sendo exibida para uma plateia seleta em Los Angeles em 31 de maio de 1994, e podendo ser encontrada no YouTube, no Daily Motion e em torrents. Críticos que viram o filme diriam que, realmente, ele era bem ruim, mas por lembrar uma novela de baixo orçamento com atores iniciantes, não por problemas da produção ou do roteiro. Segundo alguns críticos, com um orçamento maior e um elenco mais experiente, o filme poderia até mesmo ter sido um grande sucesso. No filme, o Quarteto ganha seus poderes ao ser exposto a raios cósmicos durante uma viagem para estudar um cometa, sem saber que sua nave não tinha a proteção adequada devido à remoção de um diamante, que acaba sendo o ponto central da história, já que o Dr. Destino quer usá-lo para energizar um canhão laser que destruirá a cidade de Nova Iorque. O elenco conta com Alex Hyde-White como Reed Richards / Sr. Fantástico, Rebecca Staab como Susan Storm / Mulher Invisível, Jay Underwood como Johnny Storm / Tocha Humana, Michael Bailey Smith como Ben Grimm, Carl Ciarfalio como o Coisa, Joseph Culp como Victor Von Doom / Dr. Destino, Kat Green como Alicia Masters, e Ian Trigger como o vilão Joalheiro, que rouba o diamante da nave do Quarteto - vale citar também Mercedes McNab, posteriormente famosa pelas séries Buffy, a Caça-Vampiros e Angel, que interpreta Sue Storm quando criança.

Retendo os direitos, e com os efeitos especiais ficando mais realísticos e mais baratos a cada ano que se passava, Eichinger seguiria com a intenção de fazer um filme do Quarteto de grande orçamento e com elenco famoso, conseguindo assinar um contrato de financiamento com a Fox em 1995. A Fox conversaria com os diretores Chris Columbus, Peyton Reed e Peter Segal; Columbus seria contratado ainda em 1995, escrevendo um roteiro em parceria com Michael France, mas, em 1996, decidiria deixar o cargo de diretor e ficar apenas como produtor, conseguindo um acordo para que o filme fosse co-produzido pela Constantin e pela 1492 Pictures, da qual Columbus era o dono. Segal concordaria em substituí-lo, sendo contratado em abril de 1997, mas "diferenças criativas" fariam com que ele deixasse o projeto no fim do ano, sendo substituído por Sam Wiseman. Em 1998, a Fox contrataria o roteirista Sam Hamm para reescrever o roteiro de Columbus e France, estimado em 165 milhões de dólares, um absurdo na época.

Pelos termos do contrato original assinado por Eichinger, o "segundo" filme do Quarteto teria que ser produzido até 31 de dezembro de 1999, ou os direitos voltariam para a Marvel; seria em 1999, porém, que ocorreria o já famoso leilão dos personagens da Marvel para os grandes estúdios de cinema, o que daria a Eichinger uma oportunidade: ele abriria mão dos direitos, desde que seguisse como produtor do filme, que seria co-produzido pela Constantin, para que a Fox arrematasse o Quarteto Fantástico no leilão, conseguindo, assim, uma extensão do prazo. Após fazer isso, a Fox daria início à pré-produção do filme, estabelecendo julho de 2001 como data de estreia e contratando Raja Gosnell como diretor. Gosnell, entretanto, deixaria o projeto em outubro de 2000, para dirigir Scooby-Doo, e Reed seria contratado em abril de 2001, trazendo com ele o roteirista Mark Frost, para uma nova revisão. Reed deixaria o projeto em 2003, alegando que a Fox não gostava de nenhuma de suas ideias; segundo ele, várias dessas ideias seriam reaproveitadas para Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, de 2023.

Ao saber que Reed havia pedido demissão, o ator Sean Astin (o Sam de O Senhor dos Anéis) se ofereceria para o cargo; mesmo sem nunca ter dirigido um longa-metragem, e assumindo não conhecer os quadrinhos do Quarteto, ele queria se lançar como diretor, e achava que o filme do Quarteto poderia ser uma catapulta para essa carreira. Astin chegaria a conversar com a Fox - e uma de suas ideias era escalar Christina Aguilera como Sue Storm - mas sua falta de experiência acabariam fazendo com que os executivos do estúdio temessem um fracasso. Outra curiosidade é que o favorito da Fox para interpretar o Dr. Destino era Robert Downey Jr., descartado após pesquisas com grupos de opinião mostrarem que ele ainda tinha má fama devido a seus problemas com drogas no final dos anos 1990.

Em abril de 2004, Tim Story seria oficialmente anunciado como diretor, após a Fox saber que ele era fã dos quadrinhos do Quarteto, e alguns executivos do estúdio se impressionarem com Taxi. Após assistir Os Incríveis, Story pediria que Simon Kinberg, que não seria creditado, reescrevesse partes do roteiro, que ele estava achando muito parecidas com o filme da Disney. Após essa nova revisão, tudo finalmente estaria pronto para o filme entrar em produção, co-produzido pela Constantin Films, 20th Century Fox, Marvel Enterprises e 1492 Pictures, com Eichinger, Arad e Ralph Winter como produtores, roteiro creditado a France e Frost, e orçamento final de 90 milhões de dólares.

O filme tenta ser o mais fiel possível aos quadrinhos, mas erra em colocar Von Doom na nave que é atingida por raios cósmicos e dá poderes ao Quarteto; ao voltar para a Terra, enquanto Johnny se torna uma celebridade e Sue passa por momentos constrangedores com sua invisibilidade, Reed decide devotar todo seu tempo a criar uma máquina que extraia os raios cósmicos do Coisa - que engata um romance com a escultora cega Alicia - para que ele possa voltar a ser Ben Grimm. Paralelamente a isso, a pele de Von Doom começa a descascar, revelando uma estranha segunda pele metálica, e ele descobre ser capaz de lançar raios elétricos pelas mãos; suas empresas começam a perder milhões devido à falha na missão que deu os poderes ao "quinteto", e, culpando Reed, ele bola um plano para usar sua inteligência, seu dinheiro e seus novos poderes para destruí-lo. O elenco conta com Ioan Gruffud como Reed Richards, Jessica Alba como Sue Storm, Chris Evans como Johnny Storm, Michael Chiklis como Ben Grimm, Julian McMahon como Victor Von Doom, e Kerry Washington como Alicia Masters. Exceto por Von Doom, que, no final do filme, passa a se referir a si mesmo como Destino (sem o "Doutor"), nenhum dos personagens usa os codinomes dos quadrinhos no filme, com os nomes Sr. Fantástico, Mulher Invisível, Tocha Humana e Coisa sendo usados sempre em contextos satíricos. Stan Lee faz uma participação como o carteiro Willie Lumpkin, personagem recorrente nas histórias do Quarteto.

A escalação do elenco seria bastante questionada, com Gruffud e Evans sendo considerados muito crus para seus personagens, McMahon sendo considerado muito canastrão, e duas questões raciais: Alba, descendente de dinamarqueses, galeses, alemães e franceses por parte de mãe, mas de mexicanos por parte de pai, e vista nos Estados Unidos como latina, seria alvo da ira de fãs que não se conformaram com sua escolha para interpretar a loura de olhos azuis Sue, e debocharam quando as primeiras imagens do filme mostraram que ela havia tingido o cabelo e estava usando lentes de contato; Washington, que é negra, receberia críticas semelhantes, já que Alicia, nos quadrinhos, é branca. Em versões preliminares do roteiro, o pai de Alicia, o vilão Mestre dos Bonecos, também estaria no filme, assim como o Homem-Toupeira, cujo ataque faria com que o Quarteto agisse pela primeira vez como uma equipe, mas as revisões removeriam esses personagens para que o antagonismo ficasse todo com Destino.

As filmagens ocorreriam majoritariamente no Canadá, nas cidades de Surrey, Toronto e Vancouver, com a Universidade da Columbia Britânica sendo um dos locais onde foram gravadas mais cenas; algumas cenas seriam gravadas em Nova Orleans, Estados Unidos, mas, curiosamente, nenhuma seria filmada em Nova Iorque, onde o filme é ambientado. Os efeitos especiais ficariam a cargo das empresas Giant Killer Robots, Meteor Studios, SW Digital, Soho VFX e Pixel Magic; ainda temendo que o filme pudesse ser comparado a Os Incríveis, Story pediria por um aumento no número de cenas com efeitos especiais em relação ao inicialmente previsto, o que aumentaria o orçamento em cerca de 15 milhões de dólares. Ele faria, entretanto, uma exigência no sentido contrário: Story não queria que o Coisa fosse um personagem digital, como o Hulk do filme de 2003, e optaria por uma roupa de borracha vestida por Chiklis e aprimorada na pós-produção, criada pela empresa Spectral Motion, responsável também por outras maquiagens e próteses do filme, como a pele metálica de Destino.

Quarteto Fantástico estrearia em 8 de julho de 2005, em 3602 salas apenas nos Estados Unidos - número que aumentaria para 3619 na semana seguinte, devido à grande procura - e seria um grande sucesso de público, rendendo 56 milhões de dólares apenas no primeiro fim de semana e 154,7 milhões no total considerando apenas os Estados Unidos - somando o resto do planeta, a bilheteria total seria de 330,6 milhões, tornando-o o filme mais rentável a ser dirigido por um afro-americano até ser ultrapassado por Pantera Negra em 2018. A crítica, por outro lado, o colocaria abaixo dos cachorros, considerando o elenco fraco (com Chiklin sendo o maior destaque, "mesmo soterrado em maquiagem") o roteiro bobo e o final decepcionante; muitos críticos chegaram a dizer que ele era mais um filme B do Quarteto, e que, comparado aos do Homem-Aranha e dos X-Men, parecia "algo esquecido dos anos 1960". Curiosamente, ao longo dos anos, principalmente após o lançamento do filme de 2015, o filme passaria a ter críticas mais favoráveis, embora nunca seja considerado um sucesso.

Outra curiosidade é que, para o lançamento em home video, a Fox alteraria duas cenas do filme, uma na qual Reed e Sue estão no depósito do Edifício Baxter, e, em uma das estantes, pode ser visto o robô H.E.R.B.I.E., que não estava lá nos cinemas, e outra na qual Reed e Sue discutem seu relacionamento, que ficou completamente diferente: nos cinemas, o casal está olhando para a Estátua da Liberdade, mas, em home video, eles estão em um planetário e, ao invés de mudar seu rosto para ficar com o queixo quadrado, Reed imita o rosto de Wolverine. Segundo a Fox, essa cena buscava mostrar que os filmes do Homem-Aranha, dos X-Men e do Quarteto eram ambientados no mesmo universo, com Hugh Jackman indo ao set de filmagens e gravando-a durante a produção; quando uma participação de Jackman como Wolverine em Homem-Aranha 2 foi cancelada, a Fox decidiu remover a cena do filme do Quarteto, gravando a nova com Gruffud e Alba durante a pós-produção, mas depois voltaria atrás e decidiria incluí-la no home video.

Aqui no Brasil, a versão em DVD e Blu-ray é idêntica à dos cinemas, com a cena com Jackman estando presente apenas na "Versão do Diretor", lançada apenas em DVD em 2007. Essa versão traz 20 minutos a mais de cenas originalmente descartadas, nenhuma delas relevante para a história, mas que aprofundam o relacionamento do Coisa com Alicia, mostram estratagemas de Von Doom para separar a equipe, e que o comportamento irresponsável de Johnny nem sempre sai impune.

Mesmo com o fracasso de crítica, a Fox daria a luz verde para uma sequência, aproveitando que os seis atores do elenco principal, mais o diretor Story e o roteirista Frost, tinham todos assinado contrato para três filmes. Frost queria que o filme contasse com dois dos mais famosos personagens das histórias do Quarteto, Galactus e o Surfista Prateado, mas, conhecendo pouco das histórias clássicas da equipe, pediria para que a Fox contratasse um co-roteirista, com o escolhido sendo Don Payne, famoso por ser roteirista da série Os Simpsons, mas que era fã do Quarteto, e decidiu basear o filme em três histórias: a trilogia de Galactus, um arco no qual o Dr. Destino rouba os poderes do Surfista Prateado, e a saga Extinção Suprema, da linha Ultimate. Payne também incluiria no filme o Fantasticarro, e cuidaria para que Alicia tivesse uma participação maior no segundo filme do que teve no primeiro.

Apesar de muita gente achar que o Surfista Prateado era um personagem totalmente digital, Story mais uma vez pediria para que ele, assim como o Coisa, fosse um efeito prático aprimorado. Assim, o Surfista seria interpretado pelo ator Doug Jones vestindo uma roupa prateada especialmente confeccionada pela Spectral Motion, aprimorada na pós-produção pela Weta Digital. Nas primeiras versões do roteiro, o Surfista era mudo, não proferindo uma única palavra durante todo o filme, mas os executivos da Fox não gostaram dessa ideia, pedindo para que ele tivesse diálogos e fosse dublado pelo ator Lawrence Fishburne; segundo boatos, durante as filmagens Jones não sabia que seria dublado, interpretando todas as falas como se sua voz fosse ser usada, somente descobrindo que o Surfista teria a voz de Fishburne ao ler uma matéria sobre o filme em uma revista.

Frost e Payne queriam que Nick Fury estivesse no filme, e convidaram o ator Andre Braugher para interpretá-lo, o que faria com que ele saísse da série ER: Plantão Médico, já que não conseguiria conciliar as filmagens da série com as do filme. Ao contrário do que os roteiristas imaginaram, entretanto, a Fox não tinha os direitos sobre Fury, e a Marvel, já pensando em usá-lo em produções futuras, se recusaria a cedê-los, o que faria com que o personagem de Braugher fosse mudado para o General Hager, um antigo conhecido de Reed, mas com a exata mesma função que Fury teria - algumas falas de Hager no filme, inclusive, são idênticas a falas de Fury em Extinção Suprema.

As filmagens começariam em agosto de 2006 em Vancouver, onde seriam gravadas a maior parte das cenas; outras cidades canadenses nas quais ocorreram filmagens seriam Pemberton e Burnaby. Após críticas ao primeiro filme, a Fox decidiria gravar também algumas cenas em Nova Iorque, chegando a fechar o famoso Lincoln Tunnel para filmá-las. Cenas internacionais seriam gravas na Baía de Suruga, Japão, em Gizé, no Egito, e na Geleira de Russell, na Groenlândia. Além da Spectral Motion e da Weta, trabalharim nos efeitos digitais nada menos que outras 25 empresas, incluindo Hydraulx, The Orphanage, Giant Killer Robots, Hammerhead Productions e Lola Visual Effects. O aumento no número de efeitos especiais e as locações internacionais também aumentariam para 130 milhões de dólares o orçamento final do filme, que seria uma co-produção entre Constantin Film, 20th Century Fox, Marvel Entertainment, 1492 Pictures, Ingenious Film Partners e Dune Entertainment.

A roupa do Coisa seria refeita para que tivesse uma melhor ventilação e para que Chiklis conseguisse tirá-la sozinho nos intervalos das gravações, e um episódio durante as filmagens viraria manchete por motivos inusitados: em uma cena na qual Sue chora, Story teria dito a Alba que a cara dela estava muito feia, e pedido para que ela "chorasse mais bonita", acrescentando que não havia problema se não houvesse lágrimas, pois elas poderiam ser incluídas por computação gráfica na pós-produção. A atriz daria uma entrevista se dizendo horrorizada com o comentário, e que chegaria a questionar se deveria seguir atuando depois disso; o diretor, por outro lado, diria que foi tudo um mal-entendido, e que ele tinha achado que a cena havia ficado "muito real e muito dolorosa para um filme para toda a família", e que sua intenção era que Alba a fizesse mais suave.

Outro incidente bizarro envolvendo o filme foi que a Fox fez um acordo com a Franklin Mint, empresa privada localizada no estado da Pensilvânia que tem um contrato com o governo para fabricar moedas, para que um lote de 40 mil moedas de 25 cents, ao invés de trazerem no verso (o lado da "cara") sua figura tradicional, trouxessem o Surfista Prateado em sua prancha e a URL do site oficial do filme. As moedas foram fabricadas, entraram em circulação em maio de 2007, e logo se tornaram cobiçados itens de colecionador, mas, poucos dias depois, a Franklin Mint seria notificada pela U.S. Mint, órgão do governo que cuida da fabricação de moedas e cédulas em todo o território dos Estados Unidos, de que existe uma lei federal que proíbe "transformar dinheiro encomendado oficialmente pelo governo em propaganda de empresas privadas". A U.S. Mint, contudo, jamais aplicou qualquer punição à Franklin Mint, e essas moedas, se ainda estiverem em circulação, possuem valor legal de 25 cents normalmente.

Apesar de a Fox ter reservado a data de estreia para julho de 2007, em março de 2007 a aparência final de Galactus ainda não estava definida. A Weta chegaria a criar um humanoide de 30 metros de altura, que poderia receber a face de qualquer ator que fosse contratado para interpretar o Devorador de Planetas, ou uma máscara, para que não tivesse face alguma, mas os executivos da Fox acharam que "um gigantão aparecendo no meio de Nova Iorque para comer o planeta" deixaria mais uma vez a produção com cara de filme B, e exigiriam que Galactus não fosse uma pessoa, mas "uma força da natureza". A Weta, então, optaria por fazê-lo como uma tempestade cósmica com uma sombra que lembrasse vagamente o capacete do Galactus dos quadrinhos, e o roteiro seria alterado para que ela jamais alcançasse a Terra, sendo detida ainda no espaço. Essa seria uma das principais reclamações dos fãs, que prefeririam ver mesmo o gigantão comendo o planeta.

No filme, Reed e Sue estão prestes a se casar quando o governo entra em contato com o cientista, pedindo sua ajuda para identificar um misterioso objeto no espaço que ruma em alta velocidade para a Terra. Esse objeto é nada menos que o Surfista Prateado, que está guiando Galactus até o planeta para que ele o devore. Sem saber desse fato e imaginando que o Surfista é uma ameaça cósmica, o Quarteto passa a trabalhar em conjunto com Destino para detê-lo, até o vilão roubar os poderes do Surfista para si e o alienígena revelar que ele não é a verdadeira ameaça. A missão do Quarteto, então, passa a ser recuperar os poderes do Surfista antes que Destino os use para destruí-los, e usá-los para encontrar uma forma de interromper a trajetória de Galactus antes que a Terra seja destruída.

Do primeiro filme retornam Gruffud, Alba, Evans, Chiklis, McMahon e Washington, se unindo a eles Doug Jones como o Surfista Prateado, Laurence Fishburne como a voz do Surfista Prateado, Andre Braugher como o General Hager, e Beau Garrett como Frankie Raye - que, no filme, é capitã do exército, mas nos quadrinhos era uma intérprete da ONU que teve um namoro com Johnny e foi transformada por Galactus em uma arauto chamada Nova, para substituir o Surfista em sua missão de encontrar planetas para o Devorador. Participações especiais incluem Brian Posehn como o celebrante do casamento de Reed e Sue; Vanessa Minnillo como a acompanhante de Johnny para o casamento; Zach Grenier como o Sr. Sherman; e Patricia Harras como a recepcionista do prédio do Quarteto, Roberta. Stan Lee faz uma participação como um convidado barrado no casamento.

Com o nome de Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado (Fantastic Four: Rise of the Silver Surfer, no original), o filme estrearia em 15 de julho de 2007 e seria mais uma vez um sucesso de público - renderia 58 milhões de dólares apenas no primeiro fim de semana, dois a mais que o anterior, mas, no total, renderia menos que o primeiro: 131,9 milhões nos Estados Unidos, 301,9 milhões quando somado o mundo inteiro. A crítica seria levemente mais favorável, considerando-o melhor que seu antecessor, mas ainda com pouco a oferecer além de seus efeitos especiais.

Pouco após a estreia, Story teria uma reunião com os executivos da Fox para discutir ideias para um terceiro filme, sugerindo a introdução de Franklin Richards, a transformação de Raye em Nova, e uma participação do Pantera Negra, indicando o ator Djimon Hounsou para o papel. Payne, em uma entrevista, diria não ter conversado nada com a Fox, mas que o universo do Quarteto era vasto de possibilidades para um terceiro filme, que poderia incluir os Inumanos, os Skrulls, e até mesmo o Aniquilador e a Zona Negativa. Conforme a bilheteria do segundo filme se mostrava inferior à do primeiro, entretanto, Story começaria a sentir que a Fox relutava em dar a luz verde para a sequência, até que, em dezembro de 2007, o estúdio declararia que não estava buscando um roteiro no momento. Em uma entrevista de 2008, Evans diria que nada de oficial foi comunicado, mas que o elenco sabia que o segundo filme havia sido o último.

Em agosto de 2009, a Fox anunciaria sua intenção de fazer um reboot do Quarteto Fantástico, contratando o produtor Akiva Goldsman e o roteirista Michael Green. Goldsman queria um elenco estelar, e chegaria a conversar com Adrien Brody e Jonathan Rhys Meyers para o papel de Reed Richards, e considerar Kiefer Sutherland para o de Ben Grimm. Em 2011, alegando que Green era incapaz de escrever um roteiro que o agradasse, Goldsman decidiu contratar Zack Stentz e Ashley Edward Miller, de X-Men: Primeira Classe para escrever um novo, e começar a procurar um diretor. Devido a seu trabalho em Poder sem Limites, Josh Trank seria contratado em julho de 2012, junto com o roteirista Jeremy Slater, que traria ideias ousadas, como abrir o filme com a chegada de Galactus e fazer de Von Doom um espião da Latvéria morando nos Estados Unidos, que conseguiria enganar Galactus para se tornar seu novo arauto, e terminaria o filme usando os poderes concedidos pelo Devorador para se tornar ditador de seu país natal.

Trank rejeitaria todas as ideias de Slater, que reclamaria que o diretor dizia para todo mundo que era fã do Quarteto, mas, para ele, havia confessado que jamais havia lido os quadrinhos, somente assistido ao desenho produzido para a Fox em 1994, e que não tinha interesse em dirigir um filme de super-heróis convencional, achando impossível se identificar com as situações que ocorriam nos quadrinhos. Trank decidiria escrever o roteiro ele mesmo, e acabaria isolando Slater, retendo todas as informações que o estúdio passava para a dupla, até o roteirista se demitir no final de 2012. No início de 2013, a Fox demitiria também Goldsman, trazendo Matthew Vaughn para substituí-lo e Seth Grahame-Smith para "polir" o roteiro de Trank. Em outubro de 2013, achando que o projeto já estava muito atrasado, o estúdio traria também Simon Kinberg, para ser co-produtor e co-roteirista, e tentar agilizar a produção.

Em uma entrevista no final de 2013, Trank diria que o filme teria uma "grande influência" de David Cronenberg, especialmente das obras Scanners: Sua Mente Pode Destruir e A Mosca, e que planejava fazer "uma mistura de Steven Spielberg com Tim Burton". Ele também optaria por um elenco mais jovem, convidando Michael B. Jordan, com quem havia trabalhado em Poder sem Limites para interpretar Johnny Storm - como Jordan é negro, logo começariam as discussões sobre se Sue também seria negra ou se Johnny seria adotado, com as expectativas sendo subvertidas após o anúncio de Reg E. Cathey para o papel do Dr. Storm, pai de Sue e Johnny, e de Kate Mara para o de Sue, o que indicava que ela é que seria a adotada. A escalação de Jordan seria justificada por Trank como "uma forma de fazer com que a adorada equipe dos quadrinhos ficasse mais fiel à demografia do mundo real", mas causaria revolta entre os fãs, com o diretor chegando a receber ameaças de morte, e revelando em entrevistas que dormia com um revólver 38 na mesa de cabeceira, que teria devolvido à loja ao final da produção. Trank também diria em entrevistas que discutiu com a Fox para que não somente Johnny, mas também Sue e um eventual Franklin Richards em um segundo filme fossem negros, com os executivos do estúdio sendo inflexíveis quanto a "manter a etnia de Sue". Ele também diria ter pensado em abandonar o projeto após não conseguir uma Sue negra, mas que teria decidido tocá-lo até o final sem aceitar a renovação para um segundo filme caso fosse proposta.

Reed, Ben e Von Doom também seriam interpretados por atores jovens; achando "Von Doom" um nome ridículo (embora seja um sobrenome que existe no mundo real), Trank mudaria o nome do personagem para Victor Domashev, com "Dr. Doom" sendo um apelido que Sue deu a ele por ser muito pessimista. Essa mudança também causaria revolta entre os fãs, mas, como não foi amplamente divulgada, só foi descoberta pela maioria nos cinemas, ao assistir o filme. Diante da repercussão negativa, a Fox chamou os atores de volta para regravar algumas cenas e redublar outras, para que o nome do personagem voltasse a ser Victor Von Doom. Como algumas cópias já haviam sido vendidas para o mercado internacional antes disso, ele acabou sendo Domashev em alguns países - incluindo aqui no Brasil; eu me lembro que tomei um susto no cinema, e foi a primeira coisa que comentei no Twitter quando cheguei em casa, que tinham mudado o nome do Dr. Destino.

Pela primeira vez, o Coisa seria um personagem totalmente digital, ficando até bem diferente dos quadrinhos, já que a Fox não queria "um humano gigante de pedra, e sim uma criatura que lembrasse uma pedra viva". Também diferentemente dos outros filmes, o Coisa nesse é pelado - mas, felizmente, não tem genitais aparentes. A criação do Coisa ficaria a cargo da empresa Moving Pictures Company, que também cuidaria das chamas do Tocha Humana; os efeitos elásticos de Reed ficariam a cargo da Weta. Outras empresas que trabalhariam no filme seriam a Pixomondo, responsável pelos poderes de Sue e do Dr. Destino, e a Rodeo FX. A Fox planejava converter o filme para 3D durante a pós-produção, mas Trank foi terminantemente contra, alegando que desejava que o filme ficasse "o mais puro possível para as plateias".

Querendo um filme mais grandioso que os dois anteriores, a Fox reservaria um orçamento de 155 milhões de dólares, e determinaria que as filmagens ocorressem no estado da Louisiana, devido a isenções fiscais que permitiriam que sobrasse mais desse dinheiro para outras coisas. Durante as filmagens, que começariam em maio de 2014, Hutch Parker (que acabaria não creditado) e Kinberg, sem o conhecimento de Trank, reescreveriam o roteiro e mudariam várias coisas das quais os executivos da Fox não haviam gostado, mudando, inclusive, o final. Ao ver a primeira versão editada, a Fox exigiria mais mudanças, alegando que o filme parecia uma continuação de Poder sem Limites, o que levaria aos atores serem chamados para gravar novas cenas em janeiro de 2015. O final seria mudado tantas vezes que acabaria sendo uma colagem de cenas das versões originais do roteiro com outras escritas por Kinberg enquanto elas estavam sendo gravadas; Trank daria várias sugestões para o final, todas ignoradas pela Fox.

Trank, evidentemente, ficaria extremamente irritado com as mudanças, que, segundo ele, mexeram em pontos centrais de sua história, descaracterizando totalmente o filme; o diretor acabaria renegando o filme, jamais o incluindo em sua filmografia oficial - nem mesmo editar o filme após a primeira edição a Fox permitiria que Trank fizesse, com a edição final ficando a cargo de Stephen E. Rivkin, que Trank diria ser "o verdadeiro diretor do filme". Ainda segundo Trank, uma "versão do diretor" seria impossível, já que muitas das cenas originalmente escritas por ele sequer seriam filmadas, e outras seriam destruídas após a segunda edição; o ator Toby Kebbell declararia em entrevistas que a primeira edição era muito melhor que a versão final, mas que ninguém jamais iria vê-la. Kate Mara também reclamaria após a estreia do filme, dizendo que cada refilmagem o deixava pior, e lamentando que ela não teve coragem de se opor às mudanças cada vez que o estúdio a chamava novamente.

Na versão final do filme, Reed é um jovem e talentoso cientista que, desde a adolescência, trabalha em um projeto de teletransporte com seu amigo Ben. Ele acaba chamando a atenção do Dr. Storm, que o contrata para um de seus projetos, onde ele trabalhará com sua filha adotiva, Sue, e seu jovem protegido Victor - seu filho Johnny é um bon vivant que só quer saber de gastar dinheiro e irritar o pai. O projeto do Dr. Storm visa se teleportar não para outro local da Terra, mas para uma dimensão paralela que ele chama de Planeta Zero (e que seria equivalente à Zona Negativa dos quadrinhos). Reed e Victor imaginam que estarão dentre os escolhidos para a primeira viagem, mas a NASA, que financia o projeto, decide mandar astronautas experientes; assim, Reed, Victor, Johnny e Ben, muito inteligentemente, decidem invadir o laboratório na calada da noite e fazer a primeira viagem por conta própria - e, evidentemente, dá tudo errado, eles têm de ser salvos por Sue, e Victor fica preso no Planeta Zero. Após retornarem, os três descobrem que manifestaram estranhos poderes, e até passaram alguns para Sue; Reed se torna um fugitivo, caçado pelo governo, enquanto Ben e os irmãos Storm se tornam cobaias de inúmeros testes. Mas os quatro têm de se unir quando Victor retorna, também com superpoderes e querendo vingança por ter sido deixado para trás.

O elenco conta com Miles Teller como Reed Richards / Sr. Fantástico, Michael B. Jordan como Johnny Storm / Tocha Humana, Kate Mara como Sue Storm / Mulher Invisível, Jamie Bell como Ben Grimm / o Coisa, Toby Kebbell como Victor Von Doom / Dr. Destino, Reg. E. Cathey como o Dr. Franklin Storm, e Tim Blake Nelson como o Dr. Harvey Allen, que trabalha para a NASA no projeto do Dr. Storm - Harvey Allen, nos quadrinhos, é o nome do Homem Toupeira, um indicativo de que ele também poderia ganhar poderes no Planeta Zero e se tornar o vilão do segundo filme. Dan Castellaneta faz uma participação especial como um professor de Reed; os pais de Reed são interpretados por Tim Heidecker e Mary Rachel Dudley; e Chet Hanks interpreta o irmão mais velho e abusivo de Ben, Jimmy Grimm.

Com roteiro creditado a Trank, Slater e Kinberg, co-produzido por Vaughn, Kinberg, Gregory Goodman, Hutch Parker e Robert Kulzer, oficialmente uma co-produção entre 20th Century Fox, Constantin Film, Marvel Entertainment, Marv Films, Kinberg Genre, TSG Entertainment e Moving Picture Company, e com o bizarro nome original de Fant4stic Four, Quarteto Fantástico (que aqui no Brasil não tem número nenhum no título) estrearia em 4 de agosto de 2015 e seria um imenso fracasso de publico e crítica. Nas bilheterias, ele renderia apenas 56,1 milhões nos Estados Unidos e 167,9 milhões ao somar o mundo inteiro, dando prejuízo para a Fox; a crítica o consideraria insosso e triste, e uma tentativa equivocada de se adaptar para um filme de super-heróis cínicos uma equipe que sempre foi famosa nos quadrinhos pelo clima de família. Até mesmo os efeitos especiais seriam considerados sem imaginação e abaixo da média se comparados a outros filmes de super-heróis da época.

Até o lançamento do filme, a Fox planejava fazer uma sequência, que estrearia em 2017, com os cinco atores principais tendo assinado para dois filmes; a baixa bilheteria, as críticas pesadas e, principalmente, as baixas vendas do home video - que alguns executivos da Fox ainda tinham esperança de salvar a situação - levariam o estúdio a suspender a produção por tempo indeterminado - oficialmente, ela ainda seria feita, só não se sabia quando. Vaughn diria em entrevistas estar disposto a dirigir um novo reboot, com o mesmo elenco ou não, para desfazer a má impressão deixada pelo último filme. Tudo isso deixaria de ser relevante, porém, em março de 2019, quando a Disney comprou a Fox e os direitos sobre o Quarteto Fantástico voltaram para os Marvel Studios, que finalmente puderam colocá-los no Universo Cinematográfico Marvel. Mas isso, como eu disse lá no primeiro parágrafo, é assunto para outro post.
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