sábado, 9 de novembro de 2024

Escrito por em 9.11.24 com 0 comentários

Invasores de Cítia

Vou começar esse post confessando que, quando esse jogo saiu, eu torci o nariz. Eu achava feia a arte de outros da mesma editora, pelo título achei que seria mais um com a dinâmica "você tem que impedir um bando de invasores de chegar onde você está" (acho até que pensei que fosse cooperativo), e achei até que estava caro demais. Um dia, porém, acabei vendo um review meio que acidentalmente (começou a passar sozinho quando eu entrei num canal do YouTube) e eu acabei descobrindo que não somente a mecânica era o exato oposto do que eu tinha pensado (com os jogadores estando no papel dos invasores) como também a arte era lindíssima. Depois disso, esperei por uma promoção, comprei, e não me arrependi, porque o jogo também é muito divertido. Tão divertido que me deu vontade de fazer um post sobre ele. E, assim, hoje é dia de Invasores de Cítia no átomo!

Com o título original de Raiders of Scythia, Invasores de Cítia é uma criação de Shem Phillips, que pode ser considerado um dos mais prolíficos criadores de jogos de tabuleiro na atualidade. Nascido em Waikanae, Nova Zelândia, quando criança Phillips tinha como passatempos favoritos jogar Age of Empires II no PC e brincar de Lego, principalmente com conjuntos de temática medieval, de piratas ou de Robin Hood. Sua infância, adolescência e início da vida adulta não teriam nada a ver com jogos de tabuleiro, até que, em 2008, enquanto ele estava na faculdade de administração, vendo que jogos de tabuleiro faziam grande sucesso na Nova Zelândia, e que o mercado local estava aquecido, ele decidiria criar um.

Phillips não tinha nenhuma experiência prévia com jogos de tabuleiro modernos - inclusive, seria somente após ele criar seu primeiro jogo que um amigo o chamaria para conhecer e jogar Catan, e ele decidiria comprar um Carcassonne e um Family Business - mas, mesmo assim, ele conseguiria criar Linwood, um jogo no qual o objetivo dos jogadores era explorar uma floresta encantada em busca de quatro pedras mágicas, sendo que cada uma tinha um poder que poderia ser usado por aquele jogador para afetar o desenrolar do jogo, que tinha um tabuleiro customizável, formado por peças hexagonais que se combinavam de forma diferente a cada partida. Phillips ofereceria o jogo a várias editoras, mas, como nenhuma delas se interessaria, ele decidiria criar a sua própria, que chamaria de Garphill Games, em homenagem a seu pai, Gary Phillips.

Lançado em 2009, Linwood faria um sucesso moderado, e permitiria que a Garphill permanecesse no mercado, publicando mais dois jogos, Capek, de 2011, e Plethora, de 2012. Ele também colocaria Phillips no radar da White Goblin Games, pela qual ele lançaria Saqqara, também em 2012, no qual os jogadores eram nobres do Egito Antigo que tentavam influenciar o Faraó. Como a White Goblin tinha mais dinheiro que a Garphill, Saqqara era mais elaborado e com componentes mais luxuosos que os outros três jogos que Phillips havia lançado até então; Phillips evidentemente planejava lançar jogos mais complexos, mas simplesmente não tinha capital para isso. Foi aí que entrou um componente que vocês já devem estar imaginando, pois vem sendo usado cada vez mais por editoras de jogos de tabuleiro: o financiamento coletivo.

Quando foi lançar Plethora, Phillips experimentou criar uma campanha no site PledgeMe, para ver se um financiamento coletivo era viável na Nova Zelândia. Não somente o financiamento foi um sucesso, como também, das 100 cópias financiadas, 16 foram compradas por gente de fora da Nova Zelândia, dentre cerca de 60 compradas por "desconhecidos", pessoas que não tinham nenhuma relação com Phillips, nem com seus parentes, amigos ou colegas. Esse desempenho animaria Phillips a, em 2014, tentar algo ainda mais ambicioso e colocar no Kickstarter uma campanha para Shipwrights of the North Sea, jogo cheio de componentes ambientado na época dos vikings, no qual os jogadores competem para ver quem será o responsável pela criação da maior frota do Mar do Norte. Para que uma tiragem de 100 cópias pudesse ser produzida, a Garphill precisaria de 8 mil dólares neozelandeses. Acabaria arrecadando 73.642 de 1.301 apoiadores. Além disso, o jogo seria um grande sucesso de público, com boas vendas quando distribuído para as lojas em geral, em dezembro de 2015.

A Garphill continuaria lançando outros jogos mais simples por conta própria, mas, na hora de tentar seu segundo financiamento coletivo, Phillips decidiria colocar em prática um ideia ousada: seus principais jogos seriam lançados em trilogias, com todos os três sendo ambientados no mesmo cenário e seguindo a mesma história - mas com cada um sendo um jogo completamente independente, e tendo suas próprias expansões. Assim nasceria Raiders of the North Sea (lançado no Brasil pela MeepleBR com o nome de Invasores do Mar do Norte, mas atualmente esgotado), financiado em 2015, no qual os jogadores são vikings que, usando os navios construídos no jogo anterior, invadem e saqueiam várias cidades em outros países. A trilogia se completaria com Explorers of the North Sea, de 2016, no qual os jogadores são capitães vikings que procuram novas terras para explorar e pilhar.

Em 2018, Phillips se uniria a S J Macdonald, um dos principais criadores de jogos da Garphill, autor de Circadianos: Primeira Luz, que, assim como ele, era fã de Age of Empires II. Os dois seriam co-autores de uma segunda trilogia, apelidada Reino Ocidental, que seria a mais famosa e a de maiores vendas na história da Garphill, composta de Arquitetos do Reino Ocidental (2018), Paladinos do Reino Ocidental (2019) e Viscondes do Reino Ocidental (2020), ambientados na Europa no final do Século IX, mesma época da trilogia Mar do Norte. A terceira trilogia, Sul do Tigre, também de co-autoria de Phillips e Macdonald, seria composta por Viajantes do Sul do Tigre (2022), Estudiosos do Sul do Tigre (2023) e Inventores do Sul do Tigre (2024), ambientados também no século IX, mas no Califado de Bagdá. Todos esses jogos (exceto Inventores, mas que já está programado) foram lançados no Brasil pela Mosaico.

Além dessas três trilogias, Phillips seria o autor de quatro de uma série de cinco jogos que ficariam conhecidos como The Ancient Anthologies, três deles sendo O Legado de Yu (2023), jogo para apenas um jogador ambientado na China Antiga, onde o objetivo é construir uma série de canais antes que uma inundação destrua um povoado (também já lançado no Brasil pela Mosaico); Ezra e Nehemiah (2024, de co-autoria de Mcdonald), ambientado na Pérsia nos tempos bíblicos, no qual os jogadores competem pra construir um templo (previsto para ser lançado ainda esse ano pela Mosaico); e Skara Brae (previsto para ser lançado em 2025), ambientado na Escócia no período Neolítico, no qual cada jogador deve coletar recursos que garantam a sobrevivência de seu clã. O quinto jogo da série, Muralha de Adriano (2021, também já lançado aqui pela Mosaico), é de autoria de Bobby Hill, ambientado na época em que o Império Romano controlava a Inglaterra, e eu gostaria de citá-lo porque ele vem com 200 tabuleiros de papel comum, já que os jogadores, responsáveis pela guarda da tal Muralha, que impedia a invasão dos Pictos, devem fazer marcações a caneta no tabuleiro, inutilizando-o para as partidas seguintes.

Lançado em 2020 diretamente pela Garphill, sem financiamento coletivo, Invasores de Cítia seria justamente o primeiro dos jogos dessa série. Com arte de Sam Phillips (que não é parente de Shem Phillips, sendo o nome apenas uma coincidência - ainda maior porque o primeiro nome de S J Macdonald também é Sam) e evidentemente também já lançado no Brasil pela Mosaico, Invasores de Cítia coloca os jogadores no papel dos bárbaros de Cítia, que têm como missão saquear a Ciméria, a Assíria, a Pérsia e a Grécia, retornando a seus acampamentos com o maior número de tesouros possível.

Os componentes do jogo são 1 tabuleiro principal, 4 tabuleiros de jogador (1 para cada), 4 marcadores de pontuação (1 para cada jogador), 32 pratas, 32 kumis, 32 provisões, 14 ouros, 20 equipamentos, 20 carroças, 26 rebanhos, 32 ferimentos, 31 trabalhadores (13 vermelhos, 11 cinza, 7 azuis), 6 dados (2 brancos, 2 vermelhos e 2 amarelos), 1 bolsa de pilhagem, 8 cartas de herói, 76 cartas de horda, 36 cartas de animais, 26 peças de missão e, para o modo solo, 14 tramas de IA e 2 hordas de IA. Os ouros, equipamentos, carroças e rebanhos são conhecidos coletivamente como pilhagens, e são hexágonos de madeira, respectivamente nas cores amarela, cinza, marrom e preta; ferimentos, kumis, provisões, trabalhadores e marcadores de pontuação também são de madeira, mas as pratas são de papelão. Os jogadores podem escolher dentre as cores azul, laranja, preta ou roxa.

Durante a preparação, o tabuleiro principal é colocado no meio da mesa. As missões são embaralhadas e uma delas é colocada com a face para cima em cada espaço correspondente, com a face para cima em Cítia, e com a face para baixo na Ciméria, Assíria e Pérsia; alguns espaços somente serão utilizados se no mínimo 3 ou 4 jogadores estiverem jogando, ficando vazios se não for o caso, e missões que não sejam colocadas no tabuleiro são devolvidas para a caixa, não sendo usadas nessa partida. As pilhagens (ouros, equipamentos, carroças e rebanhos) são colocados na bolsa e sorteados aleatoriamente, sendo colocada a quantidade indicada no tabuleiro em cada um dos espaços na Ciméria, Assíria, Pérsia e Grécia; as pilhagens que não forem colocadas no tabuleiro formam uma reserva geral, junto com as pratas, kumis, provisões, ferimentos e dados. Um trabalhador da cor indicada é colocado sobre cada espaço correspondente no tabuleiro, e um trabalhador azul é colocado em cada um dos espaços correspondentes em Cítia; trabalhadores cinza e vermelhos que não sejam posicionados no tabuleiro vão para a caixa e não serão usados nessa partida. As cartas de heróis, hordas e animais são embaralhadas separadamente, formando três baralhos; o baralho de animais é colocado ao lado do tabuleiro, e dele são reveladas três cartas, formando uma linha de cartas com a frente para cima a seu lado.

Cada jogador recebe seu tabuleiro de jogador, 3 pratas, 1 provisão, 1 trabalhador azul e seu marcador de pontuação, que é colocado deitado sobre o espaço 0 da trilha de pontuação no tabuleiro principal - caso um jogador ultrapasse os 50 pontos, ele deve retornar seu marcador para o 0, mas em pé, para indicar que deverá somar 50 ao seu total. Do baralho de heróis, deverá ser revelada uma quantidade de cartas igual ao número de jogadores mais um; então uma igual quantidade de cartas é revelada do baralho de hordas, formando pares, cada par com uma carta de herói e uma de horda. Após escolher o jogador inicial, começando pelo último a jogar (aquele à direita do inicial) e seguindo em sentido anti-horário (o que fará com que o inicial seja o último), cada jogador escolherá um desses pares e colocará suas cartas em seu tabuleiro de jogador, a de herói no espaço mais à direita, a de horda no primeiro espaço da linha correspondente. As demais cartas de herói, incluindo a que não foi escolhida, voltam para a caixa, e não serão utilizados nessa partida. O baralho de hordas é colocado ao lado do tabuleiro principal, com a carta de horda que não foi escolhida a seu lado, formando a pilha de descartes de horda. Cada jogador então pega 5 cartas do topo do baralho, escolhe 3 para manter em sua mão e coloca as 2 restantes na pilha de descartes.

Começando pelo jogador inicial e seguindo em sentido horário, cada jogador deverá escolher se vai trabalhar ou invadir, realizar as ações correspondentes e passar a vez. Uma regra importante é que, ao final de seu turno (ou seja, ao passar a vez), um jogador nunca pode ter mais de 8 cartas em sua mão, nem mais de 8 kumis, 8 pratas ou 8 provisões em seu estoque pessoal; caso tenha, deverá escolher cartas para descartar e devolver kumis, pratas e provisões à reserva geral antes que o turno do jogador seguinte comece. O número de pilhagens é limitado apenas pelo número de componentes no jogo - ou seja, se todas as 20 carroças já estiverem no tabuleiro ou com os jogadores, um jogador não pode escolher receber mais uma.

Se o jogador escolher trabalhar, ele usará os espaços em Cítia. Primeiro, ele deverá escolher um espaço que não tenha nenhum trabalhador lá, colocar nele um dos trabalhadores de seu estoque pessoal e realizar a ação do espaço. Após realizar essa ação, o jogador deverá escolher um espaço diferente daquele onde colocou seu trabalhador, que tenha um trabalhador nele, pegar esse trabalhador e colocá-lo em seu estoque pessoal; após fazer isso, ele também poderá realizar a ação do local de onde o trabalhador foi retirado - o que significa que, ao trabalhar, cada jogador pode realizar até duas ações por turno. Todas as ações de trabalhar são opcionais, ou seja, o jogador pode colocar ou retirar um trabalhador e não realizar a ação correspondente se não quiser.

Ao todo, Cítia possui oito espaços que podem ser escolhidos pelos jogadores; o Centro da Cidade, a Barraca de Reunião e o Mercado já começam com um trabalhador azul neles (sendo, portanto, as únicas opções para o jogador inicial retirar um trabalhador). Se um jogador escolher o Centro da Cidade (para colocar ou tirar um trabalhador de lá, tanto faz), ele poderá descartar uma carta de horda de sua mão, colocando-a na pilha de descartes e realizando sua ação secundária, descrita na parte inferior direita da carta; utilizar a habilidade de seu herói, descrita na parte inferior da carta; ou usar uma águia para realizar a ação secundária da carta de horda que estiver imediatamente abaixo dela. Se escolher a Barraca de Reunião, poderá comprar 2 cartas do baralho de horda para a sua mão ou comprar 1 carta e receber 2 kumis. Se escolher o Mercado, o jogador poderá descartar uma carta de sua mão para receber 2 pratas, ou descartar 2 cartas de sua mão para escolher entre receber 1 carroça ou 1 equipamento.

Ao colocar um trabalhador na Caserna, o jogador pode escolher entre duas ações. A primeira é jogar uma carta de horda: o jogador escolhe uma carta de sua mão, paga a quantidade de pratas impressa na carta e a coloca em qualquer um dos espaços disponíveis em seu tabuleiro de jogador. Como tem cinco espaços no tabuleiro, o jogador pode ter no máximo 5 cartas de horda, contando com aquela com a qual ele começa o jogo - mas não com o herói. Uma vez colocada em um espaço, uma carta de horda não pode ser movida, mas pode ser descartada voluntariamente para fazer espaço para uma nova carta, mesmo que o jogador ainda não tenha 5 cartas. É possível um jogador ter duas cartas de horda com o mesmo nome ao mesmo tempo em seu tabuleiro. Ao invés de jogar uma carta de horda, o jogador pode escolher pagar 1 kumis para remover até 2 ferimentos de suas cartas de horda, devolvendo-os para a reserva geral.

O Prateiro e a Fazenda fornecem recompensas diferentes de acordo com a cor do trabalhador colocado ou retirado. No Prateiro, se for um trabalhador azul, o jogador recebe 3 pratas, mas, se for um trabalhador cinza ou vermelho, ele recebe apenas 2 pratas. Na Fazenda, se for um trabalhador azul ou cinza, o jogador recebe 2 provisões, mas, se for um trabalhador vermelho, o jogador pode escolher entre receber 3 provisões ou 1 carroça.

Já os Estábulos e a Barraca do Chefe têm como requerimento um trabalhador cinza ou vermelho (ou seja, um jogador não pode colocar um trabalhador lá enquanto não ganhar um dessas cores). Se escolher a Barraca do Chefe, o jogador pode escolher entre completar uma missão ou gastar 1 rebanho para receber 2 provisões e 1 kumis. Se escolher completar a missão, ele poderá escolher qualquer missão com a face para cima no tabuleiro principal, incluindo as duas colocadas em Cítia no começo do jogo. Cada missão possui um requisito de itens ou cartas que o jogador deve descartar para cumprir, e valerá pontos de vitória no final do jogo; um jogador que completa uma missão deve retirá-la do tabuleiro principal e colocá-la ao lado de seu tabuleiro de jogador, com a face para cima.

Ao escolher os Estábulos, o jogador pode gastar 2 pratas para comprar uma águia ou gastar 1 equipamento para comprar um cavalo. Em ambos os casos, o jogador deverá escolher dentre as 3 cartas do baralho de animais que estão com a face para cima, revelando a de cima do baralho de animais para colocá-la em seu lugar. Caso o baralho acabe, o monte de descartes deve ser reembaralhado para formar um novo baralho; caso não haja baralho nem monte de descartes, a carta não é reposta, e, caso não haja nenhuma carta virada para cima, o jogador não pode usar os Estábulos. Toda carta de animal possui tanto um cavalo quanto uma águia, e o jogador deve colocá-la sob um dos espaços de horda de seu tabuleiro, de forma que apenas o animal comprado fique visível - águias na parte de cima, escondendo o cavalo, cavalos na parte de baixo, escondendo a águia. Não é preciso que um espaço tenha uma carta de horda para que um animal seja colocado lá, mas cartas de animal jamais podem ser movidas após colocadas no tabuleiro, e apenas animais que estejam junto a uma carta de horda podem ter suas habilidades usadas pelos jogadores. Um jogador nunca pode ter mais de 5 águias ou 5 cavalos (1 por espaço), mas, ao comprar um novo animal, pode escolher descartar um dos que já tem para colocar o novo em seu lugar, mesmo que esse limite ainda não tenha sido atingido. Cavalos somam pontos de vitória adicionais no fim da partida e aumentam a força da horda durante uma invasão; algumas águias fazem o mesmo, outras dobram o valor da habilidade principal de uma carta de horda, e outras permitem que a habilidade secundária da carta de horda seja usada quando o jogador escolher o Centro da Cidade.

Ao invés de trabalhar, o jogador pode escolher invadir, escolhendo um assentamento na Ciméria, Assíria, Pérsia ou Grécia. Cada assentamento possui requisitos que o jogador deve cumprir para invadi-lo, e, quanto mais longe da Cítia, maiores os requisitos. Cada requisito possui três partes: um trabalhador de uma cor específica, um número mínimo de cartas de horda em seu tabuleiro de jogador, e uma quantidade de provisões e carroças que ele deverá pagar. Cada assentamento possui dois espaços, o que significa que ele pode ser invadido duas vezes, pelo mesmo jogador ou por dois jogadores diferentes. Após escolher um assentamento com pelo menos um espaço disponível, e para o qual cumpra os requisitos, o jogador coloca um de seus trabalhadores, da cor indicada, no espaço próprio; então ele devolve as provisões e carroças requeridas para a reserva geral, ataca com sua horda (veja adiante), pega todas as pilhagens em um dos espaços do assentamento e o trabalhador acima desse mesmo espaço, e os coloca em seu estoque pessoal. Caso o espaço tenha uma missão virada para baixo, ela é virada para cima. Trabalhadores colocados por jogadores nos assentamentos ficam lá pelo resto da partida, jamais sendo recolhidos por nenhum jogador; as missões ficam lá até algum jogador cumpri-las usando a Barraca do Chefe.

Ao atacar com sua horda, o jogador deverá rolar os dados. A quantidade de dados vermelhos e brancos depende da civilização que o jogador está invadindo, sendo indicada no tabuleiro acima do nome da civilização; a quantidade de dados amarelos depende de quantos espaços no assentamento têm ouro - a quantidade de ouro é indiferente; se ambos os espaços possuem ouro, o jogador rola dois dados amarelos, se apenas um dos espaços possui ouro, um dado, e, se nenhum dos dois espaços possui ouro, o jogador não rola dados amarelos. Cada dado pode conferir ao jogador força adicional, ferimentos, ou nada, dependendo do número e da quantidade de gotas de sangue na face que ficou para cima após a rolagem.

Após a rolagem, o jogador deverá calcular a força de sua horda. Para isso, ele soma os números presentes em cada carta de horda em seu tabuleiro e em cada carta de animal que esteja imediatamente acima ou abaixo de uma carta de horda - cartas de animais em espaços sem cartas de horda não contam - com os números que saíram nos dados, independentemente da cor do dado. Nesse momento, o jogador pode pagar kumis, aumentando sua força total em 1 para cada kumis devolvido para a reserva geral - kumis é leite fermentado, então aumenta a força dos guerreiros. Cada carta de horda possui também uma habilidade principal, impressa em seu canto inferior esquerdo; algumas habilidades podem aumentar ainda mais a força da horda. Abaixo de cada assentamento há três valores de força da horda, sendo que o primeiro é o mínimo para que ele possa invadir aquele assentamento. Caso a força total da horda seja maior que o segundo ou o terceiro valores, o jogador ganha imediatamente os pontos de vitória impressos, movendo seu marcador de pontuação. Caso seja menor que o segundo valor impresso, recebe a quantidade de ferimentos impressa, que deverá ser distribuída pelas suas cartas de horda. Mesmo que não consiga os pontos de vitória, o jogador ainda pode manter as pilhagens e o trabalhador que conseguiu durante a invasão.

Após receber os pontos de vitória ou ferimentos decorrentes da força da horda, o jogador deve distribuir os ferimentos que tirou nos dados, caso tenha saído algum. Para qualquer tipo de ferimento, o jogador deve pegar um ferimento da reserva geral e colocá-lo em uma carta de horda à sua escolha. Cada ferimento diminui a força daquela carta de horda em 1 pelo restante da partida. Uma carta de horda que tenha uma quantidade de ferimentos igual à sua força tem força 0, e, se receber mais um ferimento, será morta, devendo ser descartada. Quando uma carta de horda é descartada, seja por ferimentos ou qualquer outro efeito, ela é colocada na pilha de descartes e todos os seus ferimentos voltam para a reserva geral, mas seus animais continuam onde estavam. Algumas habilidades principais das cartas de horda podem permitir que o jogador realize ações específicas quando aquela carta recebe ferimento. Uma vez que uma carta de horda receba um ferimento, ele jamais pode ser movido para outra carta, e só pode ser removido através da morte, do uso da Caserna, ou de uma habilidade usada através do Centro da Cidade.

Os jogadores continuam escolhendo trabalhar ou invadir em sentido horário até que uma das duas condições de fim de jogo seja alcançada: apenas dois espaços de assentamento do tabuleiro ainda não tenham sido invadidos, ou apenas duas missões ainda estejam no tabuleiro principal, não importa se estão viradas para cima ou para baixo. Nesse momento, o jogador atual termina seu turno normalmente e cada jogador, incluindo ele, realiza um último turno, depois do qual é contada a pontuação final.

Além dos pontos que receberam durante o jogo, cada jogador ganhará pontos extras por suas cartas, missões e pilhagens. Algumas cartas de horda e de animais possuem pontos de vitória extras, na cor cinza, que devem ser somados ao total do jogador apenas na pontuação final. Os pontos de cada missão que o jogador completou também devem ser somados nesse momento. Além disso, cada ouro que o jogador tiver em seu estoque pessoal vale 2 pontos de vitória, e cada equipamento, carroça ou rebanho vale 1 ponto. O jogador com mais pontos será o vencedor; em caso de empate, deverão ser somadas as pilhagens, missões e animais de cada um dos empatados, sendo vencedor quem tiver o maior total. Persistindo o empate, será vencedor quem tiver mais pratas, então mais provisões, e então mais kumis. Se, mesmo assim, ainda houver empate, então os empatados dividem a vitória, porque, aí também, foi o universo que quis.
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sábado, 2 de novembro de 2024

Escrito por em 2.11.24 com 0 comentários

Snafu

Hoje veremos mais um post que eu escrevi para o Crônicas de Categoria - ou quase. Na verdade eu escrevi esse muito tempo atrás, não me lembro exatamente quando, e, quando comecei a escrever para o Crônicas, decidi publicá-lo lá.





Snafu

João estava apaixonado, daquelas paixões que deixam a cabeça da gente nas nuvens. Andando pela rua, viu o carro de sua amada, e quis fazer-lhe uma surpresa. Pegou um pedaço de papel, rabiscou um bilhete, e o prendeu ao para-brisa:

“Anseio por teus beijos. J.”

Acontece que o carro não era da amada de João, e sim de Bárbara, que estava no mercado com o marido, extremamente ciumento. Ela chegou ao carro primeiro, e, quando viu o bilhete, imaginou ser de seu amante, que se chamava Jeremias. Antes que o marido, que vinha logo atrás, percebesse, jogou o papel dentro de uma das sacolas.

Ao chegar em casa, Bárbara deixou as sacolas na cozinha para que Neide, a empregada da família, as guardasse. Encontrando o bilhete, ela achou que fosse de Júnior, o filho do casal, que de vez em quando dava umas investidas nela. Levou o bilhete até o quarto do atrevido para confrontá-lo, mas ele não estava lá, e, ao ouvir Bárbara chamá-la, acabou deixando-o sobre a cama do rapaz.

Júnior chegou da rua, viu o bilhete, e achou que havia sido escrito por Jennifer, secretária gostosona de seu pai que de vez em quando ia até lá buscar documentos, e estava na sala quando ele chegou. Não acreditando em sua sorte, foi até ela e já saiu agarrando a moça.

Jennifer muito propriamente fez um escândalo, e toda a família correu para ver o que era. Neide fez coro com a secretária, dizendo que o moleque era tarado, e, para se defender, Júnior mostrou o bilhete. Em pânico, Bárbara confessou que tinha um amante, suposto autor do bilhete, e, quando seu marido ficou irado, Jennifer falou que ele não tinha moral para reclamar, pois mantinha um caso com ela há anos.

Enquanto isso, no telefone com sua amada, João ria da confusão que fizera. O carro dela era azul, não vermelho.
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sábado, 26 de outubro de 2024

Escrito por em 26.10.24 com 0 comentários

Jochen Rindt

No final de 2020, eu decidi que, em 2021, faria uma série mensal de posts sobre pilotos de Fórmula 1, chegando até a fazer uma lista com 12 pilotos que já foram campeões mundiais, sobre os quais eu escreveria os posts. Não me lembro bem o que aconteceu, mas eu acabei abandonando essa ideia e escrevendo só quatro posts - sobre Mario Andretti, Alain Prost, Niki Lauda e Graham Hill - os quais publiquei ao longo do ano. Essa semana, fui arrumar uns papéis e achei a tal lista - sim, eu ainda anoto muita coisa em papel, pra poder consultar rapidamente quando o note não estiver ligado - e fiquei com vontade de escrever sobre mais um deles. Não digo que escreverei sobre todos os oito que ficaram faltando, mas esse tem uma história interessante, sobre a qual eu gostaria de escrever. Hoje é dia de Jochen Rindt no átomo!

Karl Jochen Rindt nasceu em 18 de abril de 1942 em Mainz, Alemanha, filho de uma tenista austríaca com um advogado alemão; ele tinha um meio-irmão, Uwe, fruto de um primeiro casamento de sua mãe, e a principal fonte de renda da família era um moinho que produzia temperos, o qual Rindt herdou e usou para financiar sua carreira no automobilismo. Os pais de Rindt morreriam em decorrência de um bombardeio aliado durante a Segunda Guerra Mundial quando ele tinha um ano e meio de idade, e ele e Uwe seriam levados para serem criados por seus avós maternos, na cidade de Graz, Áustria. Rindt jamais se naturalizaria austríaco, permanecendo um cidadão alemão até o fim de sua vida, mas, na hora de começar sua carreira no automobilismo, preferiria correr como austríaco. Uma vez, ao ser perguntado se se sentia mais alemão ou austríaco, ele diria que "se sentia europeu".

Rindt foi uma criança agitada, que não parava quieta e estava sempre envolvido em atividades arriscadas; seu comportamento faria com que ele fosse seguidamente expulso das escolas nas quais estava matriculado, e, quando ele tinha 14 anos, talvez por já não haver nenhuma escola em Graz que o aceitasse, seus avós o mandariam para Londres, para que ele concluísse seus estudos e, de quebra, aprendesse inglês. Em Londres, Rindt aprenderia a dirigir sozinho, mas seria jovem demais pra tirar carteira de motorista, de forma que só poderia dirigir escondido. Ao retornar à Áustria durante as férias escolares, ele quebraria o fêmur esquiando, próximo à cabeça do osso, e a cicatrização deixaria sua perna esquerda quatro centímetros mais curta que a direita, o que faria com que ele mancasse pelo resto da vida; mesmo com a perna engessada, ele dirigiria escondido, levando seus amigos a eventos noturnos da cidade. Aos 16 anos, ele ganharia uma motoneta, que usaria para desafiar os amigos para corridas em pistas de motocross. Aos 18, ele ganharia seu primeiro carro, um fusca com mais de dez anos de uso, e só conseguiria tirar a carteira de motorista graças à influência política de seu avô, já que ele havia sido parado pela polícia nada menos que oito vezes dirigindo abaixo da idade apropriada - a última delas na véspera de seu aniversário de 18 anos.

Rindt decidiria definitivamente ser piloto de automobilismo em 1961, quando ele e alguns amigos de escola, incluindo o também futuro piloto Helmut Marko, conseguiriam ingressos para assistir o Grande Prêmio da Alemanha, em Nürburgring. Naquele mesmo ano, ele decidiria se inscrever em uma corrida amadora que ocorreria no autódromo de Zeltweg, na Áustria, dirigindo o carro de sua avó, um Simca Monthléry. Rindt perderia o prazo, e só conseguiria correr porque um dos comissários da corrida era nascido em Graz e conhecia sua família. Ele acabaria desclassificado porque, ao ser advertido por direção perigosa, não se encaminharia aos boxes para pagar a punição; após a desclassificação, ele alegaria que não conhecia as regras. Rindt se inscreveria em várias corridas com o Simca da vovó, sempre sem conseguir bons resultados; o dono de uma concessionária da Alfa Romeo em Graz, entretanto, veria que ele tinha talento, e ofereceria vender para ele um Alfa Romeo GT 1300 preparado para corridas a preço de fábrica, abrindo mão de seu lucro em troca de publicidade. Com esse Alfa, Rindt conseguiria oito vitórias ao longo de 1961 e 1962.

Em 1963, o piloto Kurt Bardi-Barry, que também era dono de uma agência de viagens, ofereceria a Rindt uma vaga em sua equipe na Fórmula Júnior, categoria de carros baratos que tinha provas em vários países europeus. Dirigindo um Cooper T67, em sua primeira prova, em Vallelunga, Itália, Rindt faria a pole position, mas terminaria a corrida em segundo, atrás justamente de Barry. Na segunda prova, em Casenatico, também na Itália, Rindt conseguiria a vitória com uma manobra ousada: após um acidente, uma ambulância entraria na pista, e todos os pilotos diminuiriam para que ela passasse - menos Rindt, que ultrapassaria não somente os demais pilotos como também a própria ambulância, que ainda estava em movimento, o que, de alguma forma, não foi considerado ilegal. Nesse campeonato, Rindt ganharia a fama de piloto extremamente rápido porém irresponsável, inclusive quase atropelando um grupo de espectadores durante uma prova de rua em Budapeste, Hungria.

No ano seguinte, a Fórmula Júnior seria dividida em duas categorias, a Fórmula 3, com regulamento mais restrito, e a Fórmula 2, que permitiria o uso de carros de Fórmula 1 dos anos anteriores. Barry optaria por seguir na Fórmula 2, usando carros Brabham BT10 (os usados na Fórmula 1 em 1963) com motores Cosworth, considerados lentos e de performance inconsistente, mas os únicos que ele podia pagar. Rindt seria convidado para ser novamente seu colega de equipe, estreando em Aspern, Áustria, em abril de 1964, abandonando a corrida com problemas mecânicos. Na corrida seguinte, em Crystal Palace, Inglaterra, entretanto, ele faria uma exibição de gala, ganhando a prova com Graham Hill chegando em segundo; ao ser perguntado como havia conseguido um desempenho tão bom com um motor Cosworth, ele responderia que "deixava para frear dois metros mais à frente". Esse resultado renderia um convite para as 24 Horas de Le Mans, onde ele dividiria uma Ferrari 250LM da equipe North American Racing Team com o inglês David Piper; a dupla abandonaria após apenas uma hora, com um problema em um duto de óleo.

A boa performance de Rindt na Fórmula 2 e em Le Mans também renderia um convite para que ele estreasse na Fórmula 1, no Grande Prêmio da Áustria, em Zeltweg, pela equipe Rob Walker Racing Team, que usava carros Brabham BT11 (os do ano corrente) e motores BRM, muito mais potentes. Rindt faria uma boa corrida, mas abandonaria após 58 das 105 voltas, com um problema na barra de direção. Sua pilotagem seria tão boa, porém, que a equipe Cooper o contrataria para ser segundo piloto, ao lado do neozelandês Bruce McLaren, na temporada completa de 1965, na qual, em dez provas, ele só não se classificaria para Mônaco, abandonaria na África do Sul, França, Holanda e México, e conseguiria duas pontuações, um quarto lugar na Alemanha e um sexto nos Estados Unidos, terminando o campeonato na 13a colocação e com contrato renovado com a Cooper para 1966.

Como muitos outros pilotos de sua época, Rindt decidiria disputar os campeonatos de Fórmula 1 e Fórmula 2 simultaneamente. Na Fórmula 2, dirigindo pela Roy Winkelmann Racing com um Brabham-Cosworth, ele seria vice-campeão em 1965, atrás do lendário Jim Clark. Rindt não disputaria a temporada de 1966, mas, em 1967, faria sua melhor temporada na categoria, vencendo cinco das dez provas e ganhando o apelido de "Rei da Fórmula 2" - uma regra que entraria em vigor naquele ano, entretanto, diria que pilotos da Fórmula 1 não podiam ser campeões da Fórmula 2, o que faria com que o título de 1967 fosse para o belga Jacky Ickx. Ele ganharia mais três provas em 1968 e mais duas em 1969, sempre pela Winkelmann; em 1970, ele decidiria se inscrever com sua própria equipe, a Jochen Rindt Racing, usando um Lotus-Ford, e teria sua última vitória na Fórmula 2 na primeira prova do ano, em Thruxton, Inglaterra. Sua última prova na Fórmula 2 seria em agosto, em Salzburgo, na Áustria, numa pista que ele mesmo ajudou a projetar.

Além de vice-campeão da Fórmula 2, em 1965 Rindt seria campeão das 24 Horas de Le Mans, mais uma vez pilotando uma Ferrari 250LM da equipe North American Racing Team, mas agora dividindo-a com o norte-americano Masten Gregory. Ambos os pilotos diriam que, antes de a corrida começar, achavam que não tinham chances, que o carro não parecia competitivo, e esperavam que ele quebrasse logo para que eles pudessem pegar o dinheiro da participação e ir para casa; uma série de circunstâncias, entretanto, acabaria levando os dois a uma improvável vitória. Para começar, na época os carros começavam estacionados ao longo da pista, e os pilotos de pé na linha de largada; a um sinal da organização, os pilotos corriam, e quem entrasse no carro primeiro largava primeiro. Rindt não foi o primeiro a entrar no carro, mas conseguiu entrar de forma que seu pé já estava no acelerador e a Ferrari estava em movimento antes de ele entrar totalmente, se sentar e afivelar o cinto, o que fez com que ele pulasse na frente. Enquanto Gregory estava pilotando, um problema de motor fez com que somente 6 dos 12 cilindros funcionassem, e ele teve de ficar parado nos boxes meia hora enquanto os mecânicos consertavam. Rindt chegou a achar que eles iriam abandonar, tirou o macacão e vestiu uma roupa para ir para casa, mas o carro votou a funcionar. Como, na época, não havia período máximo para cada piloto dirigir, Gregory falou que continuaria guiando enquanto houvesse luz natural, e Rindt assumiria durante a noite, o que ele concordou. Rindt pegaria o carro na 18a posição, e, dirigindo como um maníaco, o entregaria a Gregory, no nascer do sol, em terceiro. Gregory dirigiria todas as horas que faltavam, temeroso de que o carro fosse quebrar a qualquer momento. Não somente não quebrou, como os dois primeiros é que tiveram problemas, um com um estouro de um pneu, outro com a caixa de câmbio, fazendo com que Gregory vencesse a prova cinco voltas à frente do segundo colocado.

Rindt ainda participaria mais duas vezes das 24 Horas de Le Mans, abandonando ambas: em 1966, ao lado do inglês Innes Ireland, pilotando um Ford GT40 pela equipe Comstock Racing, ele teria um estouro de motor com três horas de prova, e, em 1967, correndo pela Porsche, em um Porsche 907 LH, ao lado do alemão Gerhard Mitter, abandonaria após 9 horas com um problema na caixa de câmbio. Em 1965, pilotando a mesma Ferrari 250LM com a qual foi campeão em Le Mans, ele ganharia, sozinho, uma prova de 500 km em Zeltweg, graças a uma estratégia inusitada: as luzes de freio não se acendiam automaticamente, sendo necessário que ele pressionasse um botão quando freasse; Rindt acionaria o botão um pouco antes de realmente frear, o que faria com que seu maior adversário, o inglês Mike Parkes, que pilotava uma Ferrari mais potente, e vinha logo atrás, tivesse de frear antes do ponto ideal, o que permitiu que Rindt se mantivesse na frente até a vitória.

Rindt também participaria das 500 Milhas de Indianápolis duas vezes, em 1967, pela Eagle, do piloto norte-americano Dan Gurney, e em 1968, pela Brabham, abandonando por quebra em ambas as ocasiões; ele detestava a pista oval e, em uma entrevista após a prova de 1968, diria que só corria lá pelo dinheiro. Em 1969, pela Lotus, ele também disputaria a Tasman Series, categoria de carros de fórmula com corridas na Austrália e Nova Zelândia; em sete provas, teria duas vitórias, dois segundos lugares e três abandonos, se sagrando vice-campeão, atrás do neozelandês Chris Amon.

Mas a carreira principal de Rindt foi mesmo feita na Fórmula 1. Em 1966, após a saída de McLaren, ele seria promovido a primeiro piloto da Cooper, que correria naquele ano com motores Maserati, bem mais potentes que os Climax do ano anterior, ao lado do norte-americano Richie Ginther, que correria apenas em Mônaco e na Bélgica; na terceira corrida, na França, o inglês John Surtees viria da Ferrari para ser o novo primeiro piloto, e Rindt voltaria a ser o segundo pelo restante da temporada - na França, terceira etapa, e no México, a última, a Cooper ainda teria um terceiro carro, pilotado, respectivamente, por Amon e pelo mexicano Moisés Solana.

O primeiro pódio de Rindt na Fórmula 1 viria na segunda corrida do ano, na Bélgica, disputada sob forte chuva. Rindt largaria em segundo, e ultrapassaria o pole Surtees, então ainda na Ferrari, na quarta volta, mas rodaria na volta 21, quando Surtees o ultrapassaria e venceria a corrida, deixando-o em segundo. Rindt também seria segundo nos Estados Unidos, atrás de Jim Clark, e terceiro na Alemanha, atrás de Jack Brabham e Surtees, pontuando também na França, Inglaterra e Itália - ele só não pontuaria em Mônaco e no México, onde abandonou. No fim, Rindt terminaria o campeonato na terceira posição, com Brabham sendo campeão pela terceira vez e Surtees chegando em segundo - Surtees abandonaria cinco das nove provas, mas, além da vitória na Bélgica e do segundo lugar na Alemanha, venceria também no México e seria terceiro nos Estados Unidos.

Em 1967, Rindt se casaria com a modelo finlandesa Nina Lincoln, filha do piloto Curtis Lincoln, a quem ele conheceria no início de sua carreira, enquanto ainda fazia corridas amadoras. Os dois ficaram noivos no ano anterior, mas, de repente, Nina devolveu o anel de noivado, dizendo não ter certeza de se queria mesmo se casar; Rindt o enviou de volta para ela com um bilhete que dizia "mantenha-o até se decidir". Nina voltaria atrás e aceitaria se casar assim que leu o bilhete, dizendo que gostava de homens que sabem o que querem. Os dois comprariam uma casa em Genebra, Suíça, e tiveram uma única filha, chamada Natasha, nascida no ano seguinte. Na Fórmula 1, com um carro menos confiável que no ano anterior, que seria alterado duas vezes ao longo da temporada, das 11 provas Rindt abandonaria oito e sequer viajaria para disputar a última, no México, completando apenas duas, na Bélgica e na Itália, chegando em quarto em ambas e terminando o campeonato em 13o lugar. Com a saída de Surtees para a Honda, Rindt seria mais uma vez promovido a primeiro piloto, começando o ano tendo como companheiro de equipe o mexicano Pedro Rodríguez, que daria lugar ao inglês Richard Attwood na oitava prova, no Canadá, e a Ickx nas duas seguintes, na Itália e Estados Unidos, voltando para ser o único carro da Cooper no México; na sexta etapa, na Inglaterra, a Cooper ainda teria um terceiro carro, com o galês Alan Rees.

Apesar do mau ano, o visível talento de Rindt faria com que, para 1968, além da proposta de renovar com a Cooper, ele recebesse convites da Brabham, Ferrari, BRM, Matra e McLaren - das principais equipes, somente a Honda de Surtees e a Lotus de Jim Clark e Graham Hill não entrariam em contato com ele. Rindt acabaria optando pela Brabham, que havia sido campeã nos dois anos anteriores, em 1967 com o neozelandês Denny Hulme e em 1966 com Jack Brabham, mas, passando por dificuldades financeiras, a equipe não conseguiria construir um carro competitivo. Tendo como colega de equipe o próprio Jack Brabham - e Gurney dirigindo um terceiro carro na quinta etapa, na Holanda - Rindt conquistaria sua primeira pole, na França, mas só conseguiria completar duas provas: a primeira do ano, disputada em 1o de janeiro na África do Sul, e a oitava, na Alemanha, em ambas terminando em terceiro lugar, o suficiente para que ele terminasse o campeonato na 12a posição. Seria em 1968 que Jim Clark perderia a vida durante uma corrida de Fórmula 2, fato que deixaria Rindt muito abalado; ao ser entrevistado sobre o assunto, ele declararia "se nem Clark estava a salvo, o que será de nós?".

A morte de Clark abriria uma vaga na Lotus, pra onde Rindt iria em 1969, ser colega de equipe de Graham Hill, campeão em 1968. Ele aceitaria a proposta pela chance de ser campeão mundial, mas confidenciaria a amigos se sentir desconfortável com a mudança, porque os carros da Lotus se envolviam em muitos acidentes - entre 1967 e 1969, foram 31, com Hill envolvido em nove, o que o levaria a comentar, em tom jocoso, "quando estou correndo e vejo minha própria roda me ultrapassar, sei que estou em uma Lotus". Em sua primeira entrevista após assinar contrato, Rindt diria "na Lotus, ou serei campeão mundial, ou morrerei".

Além de Rindt e Hill, a Lotus teria um terceiro carro durante quase toda a temporada, com o norte-americano Mario Andretti ao volante na África do Sul, Alemanha e Estados Unidos, e o inglês John Miles guiando na França, Inglaterra, Itália, Canadá e México - somente na Espanha, Mônaco e Holanda, segunda, terceira e quarta provas do campeonato, eles correriam com apenas dois carros. Em sua estreia na Lotus, na África do Sul, Rindt abandonaria com problemas na bomba de combustível, mas, na segunda prova do ano, na Espanha, ele e Hill se envolveriam ambos em acidentes gravíssimos, que poderiam ter matado os dois: na sexta volta, a suspensão traseira do carro de Hill se quebrou, fazendo com que ele se chocasse com violência contra um guard rail, e, na vigésima, quando vinha a 225 km/h, Rindt veria a asa traseira de seu carro se soltar, o que faria com que a Lotus decolasse, passasse por cima do mesmo guard rail no qual Hill havia batido, e atingisse com violência o carro de Hill, que estava estacionado fora da pista, capotando em seguida. Dois fiscais de prova seriam atingidos pelos destroços, um perdendo o olho, o outro quebrando um pé, e Rindt quebraria o nariz, tendo de ficar fora da corrida seguinte, em Mônaco, onde seria substituído por Attwood.

Rindt colocaria a culpa dos acidentes no dono da equipe, Colin Chapman, o inventor do modelo de asa traseira usado nos carros da Lotus, dizendo que elas não eram seguras, causavam a quebra da suspensão traseira, e que Chapman deveria ter calculado que a asa poderia se soltar; à TV austríaca, ele diria que a asa era "uma insanidade", mas que "colocar razão na cabeça de Chapman" era impossível. Em uma entrevista subsequente, ele diria que jamais se sentia confortável dentro de uma Lotus, e que só estava na equipe por dinheiro. Essas declarações azedariam sua relação com Chapman, e, embora Rindt tenha seguido na equipe em 1969 e 1970, os dois pouco se falavam.

Ao retornar à temporada, na Holanda, Rindt faria várias apresentações memoráveis, mas seria traído pela pouca confiabilidade do carro, abandonando lá e na França. Na Inglaterra, ele estava disputando o primeiro lugar com o escocês Jackie Stewart, e poderia ter vencido, mas teve de parar nos boxes porque parte do assoalho do carro havia se soltado e estava roçando nos pneus, chegando em quarto. Rindt abandonaria mais uma vez na Alemanha, e, na Itália, estaria envolvido naquela que é considerada por muitos como a chegada mais incrível da Fórmula 1: na última volta, Rindt, Stewart, McLaren e o francês Jean-Pierre Beltoise entraram na última curva juntos, com Stewart vencendo a prova apenas oito centésimos à frente de Rindt, que chegaria nove centésimos à frente de Beltoise, que bateria McLaren por apenas dois centésimos, sendo essa a diferença mais apertada entre os quatro primeiros na história da categoria. Ele ainda seria terceiro no Canadá antes de finalmente conseguir sua primeira vitória na Fórmula 1, nos Estados Unidos, que infelizmente seria eclipsada por mais um grave acidente envolvendo Hill. Se tivesse um carro mais confiável, Rindt, que terminou o ano abandonando mais uma vez, no México, poderia ter disputado o título com Stewart, que se sagrou campeão naquele ano; ele acabaria terminando o campeonato apenas em quarto, atrás de Stewart, Ickx e McLaren.

Em 1970, ainda se recuperando de seu acidente nos Estados Unidos, Hill seria colocado por Chapman na equipe Rob Walker, que era uma espécie de segunda equipe da Lotus, correndo com carros do ano anterior, o que faria com que Rindt fosse promovido a primeiro piloto, ao lado de Miles; mais uma vez, em quase todo o campeonato a Lotus teria três carros na pista, com o espanhol Álex Soler-Roig dirigindo o terceiro carro na Espanha, Bélgica e França, e o brasileiro Emerson Fittipaldi o guiando na Inglaterra, Alemanha, Áustria e Itália - somente na África do Sul, Mônaco, Holanda, Canadá, Estados Unidos e México a equipe correria com dois carros, mas, nas duas últimas, os pilotos seriam Emerson e o sueco Reine Wisell.

Rindt começaria o ano abandonando a corrida sul-africana com problemas de motor faltando apenas oito voltas para o final, quando estava em quarto. Na segunda prova, na Espanha, a Lotus estrearia um carro revolucionário, o Lotus 72, com dois radiadores e várias outras novidades, mas que não se mostraria confiável, quebrando na nona volta. O Lotus 72 voltaria para a fábrica para modificações, e Rindt teria que usar o Lotus 49, do ano anterior, na terceira prova, em Mônaco, mas a equipe só tinha pneus próprios para o 72, o que faria com que o 49 ficasse quase impossível de dirigir; Rindt não se abalaria e faria o que seu engenheiro chamaria de "a corrida de sua vida", largando em oitavo e conseguindo ultrapassagens improváveis na estreita pista do principado, até Brabham sair da pista na última volta e permitir que Rindt conseguisse sua segunda vitória.

Nos treinos para a corrida seguinte, na Bélgica, Rindt usaria o 72, mas, ainda com sérios problemas de dirigibilidade, optaria por usar o 49 na corrida, abandonando com problemas de motor. O 72 finalmente seria consertado, e garantiria a Rindt quatro vitórias seguidas, na Holanda, França, Inglaterra e Alemanha; os problemas viriam de outros lados, entretanto: na Holanda, o inglês Piers Courage morreria em um incêndio após um acidente, o que deixaria Rindt extremamente abalado; na França, ele não conseguiria usar o capacete totalmente fechado, achando o calor insuportável, e optaria por usar um capacete antigo, aberto na frente, sendo atingido por uma pedra que cortaria sua bochecha; e na Inglaterra ele quase seria desclassificado por uma suposta irregularidade na asa traseira, só tendo sua vitória confirmada após os comissários deliberarem por três horas.

O Grande Prêmio da Alemanha, pela primeira vez, seria disputado em Hockenheim, após os pilotos pedirem modificações na pista de Nürburgring em nome da segurança. Rindt travaria uma grande batalha com Ickx, com várias trocas de liderança, e, após mais uma vitória, poderia ser campeão antecipado na corrida seguinte, caso vencesse novamente. Essa corrida não somente ocorreria na Áustria, mas também em uma nova pista, a Österreichring, que ele mesmo havia ajudado a projetar. Para delírio da torcida austríaca, Rindt conseguiria a pole position, mas o título seria adiado, já que ele teria de abandonar com problemas de motor após 21 das 60 voltas, com Ickx conseguindo a vitória e mantendo a chance de ser campeão. Rindt evidentemente não sabia, mas essa acabaria sendo sua última corrida na Fórmula 1.

A corrida seguinte seria na Itália, em Monza, pista conhecida pela alta velocidade. Como a Ferrari de Ickx era cerca de 16 km/h mais rápida que a Lotus, Chapman optaria por uma estratégia arriscada, mas permitida pelo regulamento: tirar as asas do carro para diminuir o arrasto. Miles reclamou da decisão, dizendo que era impossível fazer o carro andar em linha reta, mas Rindt não disse nada, e ainda comentou nos boxes que estava mais rápido que as Ferraris na reta. Durante o segundo treino livre, quando estava prestes a fazer a curva Parabólica, Rindt saiu da pista a 330 km/h, batendo no muro com violência e morrendo instantaneamente. A investigação concluiria que o acidente em si foi causado não pela falta da asa, mas por uma falha nos freios dianteiros, e que não foi o impacto que matou o piloto e sim um evento bizarro: após o acidente com Courage, Rindt passaria a usar um cinto de segurança de quatro pontos, menos seguro que o de cinco pontos já existente, mas mais fácil de o piloto soltar no evento de um incêndio; com o impacto da batida, o piloto escorregaria para a frente, e o cinto de segurança cortaria sua garganta.

Quando Rindt morreu, ele ainda não estava com o título garantido, mas o único que poderia tirá-lo dele era Ickx, que abandonaria na Itália com problemas de embreagem. Ickx venceria no Canadá, mas, nos Estados Unidos, precisaria de no mínimo um terceiro lugar para manter suas chances. Ele acabaria chegando em quarto, muito por mérito de Emerson, que de certa forma substituiria Rindt na Lotus e manteria o título com a equipe britânica ao ganhar a prova. Ickx ainda ganharia a corrida no México, mas não seria o suficiente, terminando o campeonato com 40 pontos contra 45 de Rindt. Assim, o austríaco Jochen Rindt se tornaria o primeiro, e todos esperamos único, campeão póstumo da Fórmula 1, com sua esposa Nina recebendo o troféu em seu nome, em uma cerimônia em Paris em novembro de 1970.

Apesar de conhecido como um piloto irresponsável - até mesmo fora das pistas, sendo famoso por fazer drifting com seu Jaguar nas ruas da capital austríaca, Viena, e tendo sido extremamente criticado por capotar um Mini Cooper com sua esposa grávida dentro durante uma apresentação em Grosshöflein, também na Áustria - Rindt era árduo defensor de mudanças na Fórmula 1 para garantir mais segurança aos pilotos, ao ponto de ser alvo de críticas de seus colegas e da imprensa especializada, que diziam que suas preocupações eram exageradas. Ele se tornaria grande amigo de Stewart, a quem conheceria em 1964 na Fórmula 2, também grande defensor de maior segurança, e, junto com o sueco Jo Bonnier, formava um trio pejorativamente conhecido como "Conexão Genebra", já que os três tinham casa na cidade suíça, que viviam, por assim dizer, enchendo o saco dos organizadores das provas, apontando onde eles achavam que faltava segurança. Infelizmente, mesmo com a morte de Rindt, ainda levaria anos para que verdadeiras medidas de segurança fossem implementadas, e muitos outros pilotos perderiam a vida em acidentes evitáveis, incluindo o brasileiro Ayrton Senna.

Rindt seria um dos primeiros pilotos a conseguir lucrativos contratos individuais de patrocínio, numa época em que os principais patrocínios iam para as equipes, com os pilotos muitas vezes tendo de pagar para correr. Parte desse sucesso se daria através de uma amizade com Bernie Ecclestone, que ele conheceria enquanto pilotava para a Cooper. Rindt jamais contrataria Ecclestone oficialmente como empresário, mas permitia que ele buscasse contratos de publicidade, o que ele dizia fazer em nome da amizade; o modelo de contrato estabelecido por Ecclestone para obter patrocínios para Rindt seria considerado tão bem sucedido que acabaria sendo imitado por muitos outros pilotos e seus empresários nos anos seguintes. A amizade entre os dois era tão grande que, no dia do acidente, não seria alguém da Lotus, mas Ecclestone quem chegaria primeiro ao carro destroçado e carregaria o capacete de Rindt de volta para os boxes - seria Ecclestone quem negociaria a ida de Rindt para a Lotus, e o convenceria a mudar de equipe mesmo ele querendo continuar na Brabham, de forma que muitos acham que ele se sentiu culpado pelo destino do piloto. A filha de Rindt, Natasha, manteria a amizade com Ecclestone, e trabalharia a seu lado na FOM até ele se aposentar da função.

O sucesso de Rindt no automobilismo ajudaria a popularizar o esporte na Áustria, o que levaria ao surgimento de uma nova e bem sucedida geração de pilotos, da qual faria parte Niki Lauda; até hoje, ele é considerado o principal responsável pelo interesse dos austríacos no automobilismo, e os quatro títulos que ele e Lauda ganharam, pelo surgimento de novos pilotos austríacos todos os anos. Em 1965, Rindt criaria a primeira exposição de carros de corrida da Áustria, a Jochen Rindt Show, realizada anualmente em Viena com a presença de pilotos e chefes de equipe da Fórmula 1; após sua morte, em 1970, a exposição passaria para a cidade de Essen, na Alemanha, sendo realizada até hoje com o nome de Essen Motor Show. Ele também seria o apresentador de um programa mensal de TV na Áustria, chamado Motorama, no qual eram apresentados os principais eventos do automobilismo naquele mês, dicas para viajar e para dirigir em estradas do país, e entrevistas feitas pelo próprio Rindt com outros pilotos. Mas, para muitos, o legado mais duradouro de Rindt seria que ele ajudaria a projetar os dois principais circuitos da Áustria, o Salzburgring, em Salzburgo, e o Österreichring, em Spielberg, hoje chamado Red Bull Ring, etapa do Campeonato Mundial de Fórmula 1 entre 1970 e 1987, entre 1997 e 2003 e ininterruptamente desde 2014.
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sábado, 19 de outubro de 2024

Escrito por em 19.10.24 com 0 comentários

Família Dinossauros

Essa semana eu estava conversando com alguns amigos que praticamente todo filme ou série hoje tem algum personagem feito por computação gráfica, mas, quando eu era criança, as produtoras tinham de ser mais criativas, usando bonecos, fantoches e animatronics. Durante essa conversa, nos lembramos dos primeiros filmes das Tartarugas Ninja e de Família Dinossauros. E aí, evidentemente, me deu vontade de escrever um post, razão pela qual hoje é dia de Família Dinossauros no átomo!

Família Dinossauros (que, no original, se chama simplesmente Dinosaurs) é uma sitcom, com episódios de meia hora, que acompanha o dia a dia de uma típica família norte-americana, composta pelo pai, pela mãe, por um filho adolescente, uma filha pré-adolescente e um bebê, com ocasionais visitas da sogra e algumas cenas no ambiente de trabalho do pai, onde ele convive com seu melhor amigo, seus colegas de trabalho e seu chefe. Até aí tudo bem. O diferencial, como o próprio nome da série indica, é que ela não é ambientada na época atual, e sim na pré-história - mais precisamente, no ano 60 milhões e 1 antes de Cristo - e todos os principais personagens da série são dinossauros - que, ainda assim, vestem roupas, moram em casas, usam eletrodomésticos e convivem como se fossem pessoas.

O chefe da família é Dino da Silva Sauro (Earl Sneed Sinclair no original; o sobrenome Sinclair seria escolhido para a família por ser o nome de uma empresa exploradora de petróleo dos Estados Unidos cujo símbolo é um dinossauro), um megalossauro gorducho na casa dos 40 anos, que teve pouca educação formal e trabalha como empurrador de árvores para a empresa Isso é Assim (no original, Wesayso, algo mais próximo de "nós mandamos"), que limpa terrenos para construção de empreendimentos variados. Dino é casado com Fran, uma dona de casa totalmente devotada à família, que não trabalha fora e passa seus dias cozinhando, limpando a casa, lavando roupas e vendo TV, somente saindo de casa para alguma coisa relacionada a trabalhos domésticos, como ir ao mercado - ou seja, um típico casal aos moldes das sitcoms da Era de Ouro da televisão norte-americana. Fran é mais madura, centrada e esperta que Dino, e responsável por ser a voz da razão do casal, já que ele frequentemente se mostra teimoso e sugestionável.

O filho mais velho de Dino e Fran é Bobby (Robert Mark Sinclair, apelido Robbie, no original), que tem por volta de 15 anos e é o típico adolescente contestador, frequentemente entrando em conflito de gerações com o pai e questionando todas as tradições e costumes da sociedade dinossáurica. A segunda filha do casal se chama Charlene, tem por volta de 13 anos e também é a típica adolescente da TV norte-americana, mais preocupada com moda, fofocas e com ser popular do que com seu desempenho acadêmico ou sua vida familiar. No primeiro episódio da série, Fran coloca mais um ovo, do qual sai Baby, o personagem mais popular e mais odiado da série - apesar de ser um bebê, ele é extremamente inteligente, sarcástico, implicante, egoísta e está sempre arrumando confusão. Baby tem vários bordões famosos, como "precisa me amar" e "de novo", que usa toda vez que acontece com ele alguma coisa que deveria ser desagradável mas da qual ele gosta muito, e só chama Dino de "não é a mamãe" ao invés de "papai" - normalmente enquanto bate nele com uma panela.

Outros personagens de destaque são a sogra de Dino e mãe de Fran, Zilda (Ethyl Hinkleman Phillips, no original), que tem idade extremamente avançada, usa uma cadeira de rodas e visita a família ocasionalmente, mimando as crianças e destratando Dino com insultos e golpes de bengala; o melhor amigo de Dino, Roy Hess, um tiranossauro que também trabalha derrubando árvores para a Isso é Assim, que não é muito brilhante, mas tem bom coração (e chama Dino de "garotão", algo que também se tornou uma espécie de bordão da época); o chefe de Dino e Roy, B.P. Richfield, um triceratops (por alguma razão carnívoro) enorme, cruel, temperamental, invejoso e ganancioso, que está sempre buscando novas formas de ganhar dinheiro e humilhar seus empregados; a melhor amiga de Fran, Monica DeVertebrae, uma brontossauro pela qual Roy é apaixonado; a melhor amiga de Charlene, Mindy; e o melhor amigo de Bobby, o anquilossauro Carlão (Spike, em inglês), que é altamente irresponsável e vive o levando para situações de risco; além dos demais colegas de trabalho de Dino e Roy, chamados Ralph, Gus e Sid.

Mindy, Ralph, Gus e Sid faziam parte de um grupo conhecido como "os unissauros", seis bonecos que podiam ser aproveitados em vários papéis, apenas mudando suas roupas e adicionando acessórios como óculos, perucas e algumas cores diferentes em suas peles - o boneco usado para Gus, por exemplo, também foi usado para um colega de escola que fazia bullying com Bobby, um professor de uma escola de dança e um técnico que consertava geladeiras, dentre outros. Isso evidentemente foi feito para cortar custos, já que alguns dos personagens "interpretados" pelos unissauros apareceriam apenas em um único episódio, e ficaria muito caro fazer bonecos diferentes para todos eles; ainda assim, conforme a popularidade da série aumentava, alguns personagens de um episódio só ganhariam bonecos próprios, para se tornarem mais marcantes, como a família Poupon, que recebe Charlene durante um programa de intercâmbio, composta pelo pai Henri, a mãe Simone e o filho François, todos os três da raça arqueoptérix.

Finalmente, existiam alguns personagens que apareciam por pouco tempo, mas em muitos episódios, e também tinham bonecos próprios, sendo o mais famoso o Sr. Lagarto, que apresentava um programa de televisão que Dino e Baby adoravam assistir, no qual ele e seu ajudante mirim, Timmy, faziam várias experiências científicas - que invariavelmente terminavam com a morte de Timmy, que nunca era mostrada, apenas sugerida, e após a qual o Sr. Lagarto olhava para a câmera e dizia "vamos precisar de um outro Timmy". Também faziam parte desse grupo Howard Handupme, apresentador do telejornal da ABC (Antediluvian Broadcasting Company, uma brincadeira com o fato de que o canal que exibia a série nos Estados Unidos era a ABC, cuja sigla significa American Broadcasting Company); o Sr. Pullman, professor da escola de Bobby e Charlene; o Monstro do Pântano, que devora dinossauros desavisados que cruzam seu território; e Blarney, uma paródia do Dinossauro Barney, astro de um famoso programa infantil. Alguns pequenos animais, principalmente usados como comida pelos dinossauros, também tinham bonecos próprios ou reaproveitados, e alguns episódios contavam com homens e mulheres das cavernas, interpretados por atores caracterizados.

Cada dinossauro precisava de mais de um operador - basicamente, os que são antropomórficos e andam por aí, como Dino, Fran, Bobby, Charlene e os unissauros, são creditados cada um a três pessoas: uma que vestia a roupa, uma que controlava remotamente os movimentos do rosto, e uma que dublava a voz. Baby era um fantoche, com um operador com as mãos dentro, para mexer os braços, um controlador para os movimentos de cabeça e da boca, e um operador somente para os movimentos dos olhos, que eram enormes e muito expressivos. Outros bonecos tinham outros esquemas, como o Sr. Richfield, que só aparece da cintura para cima, tinha uma pessoa dentro para mover os braços e as mãos, enquanto os movimentos de cabeça e rosto eram controlados por um operador; Roy tinha uma pessoa que vestia a roupa, mas, como era um tiranossauro, contava com dois operadores, um para os movimentos do rosto, outro para os movimentos dos bracinhos; e Monica tinha um operador para os movimentos do rosto, mas precisava de quatro pessoas para segurar e mover o pescoço e a cabeça. Zilda era o boneco mais automatizado de todos, totalmente controlada por operadores, com apenas um dos braços sendo movido como se fosse um fantoche, quando havia necessidade.

O dublador de Dino era Stuart Pankin, com Bill Barretta vestindo a roupa, e Dave Goelz (nas duas primeiras temporadas) e Mark Wilson (nas duas últimas) sendo os operadores. Fran era dublada por Jessica Walter, com Mitchell Young Evans (nas duas primeiras temporadas) e Tony Sabin Prince (nas duas últimas) vestindo a roupa e Allan Trautman sendo o operador. Bobby tinha voz de Jason Willinger, com Leif Tilden vestindo a roupa, Steve Whitmire operando os movimentos do rosto e da crista, e Julianne Buescher os dos olhos. Charlene era dublada por Sally Struthers, com Michelan Sisti vestindo a roupa e Bruce Lanoli operando. Baby tinha voz de Kevin Clash, que também era o operador da cabeça e boca, com John Kennedy operando os olhos e Terri Hardin sendo responsável pelos movimentos dos braços. Zilda, nas duas primeiras temporadas, era operada por Brian Henson, com Rickey Boyd assumindo o papel nas duas últimas, e a voz sendo de Florence Stanley. Roy era dublado por Sam McMurray, com Pons Maar vestindo a roupa, Buescher controlando os braços e David Greenway operando o rosto. O Sr. Richfield era dublado por Sherman Hemsley, com Tilden controlando os braços e Whitmire operando os movimentos do rosto. E Monica tinha voz de Suzie Plakson, com Buescher operando os movimentos do rosto. Outros dubladores que trabalhariam na série seriam Christopher Meloni e Jessica Lundy; assim como os unissauros, alguns operadores, intérpretes (quem vestia a roupa) e dubladores se revezariam em vários papéis, dependendo da necessidade dos episódios.

A ideia de Família Dinossauros partiria de Jim Henson, o criador dos Muppets e da Vila Sésamo. Em 1986, ele estaria trabalhando com William Stout, um famoso ilustrador de fantasia, em um projeto de um filme sobre dinossauros que usaria animatronics; com o título provisório de The Natural History Project, o filme traria dinossauros realísticos, criados pela equipe de Henson obedecendo ao que se sabia sobre dinossauros na época, incluindo, dentre outros, um parassaurolofo idoso e rabugento que seria mentor e professor de um jovem e inconsequente coritossauro, um par de paquicefalossauros pouco inteligentes, um trio de velociraptors vilões que serviria como alívio cômico, e um tiranossauro cruel que seria o grande vilão do filme. A Warner aprovaria o roteiro, escrito pelo próprio Henson, e o filme entraria em pré-produção, mas, quando o estúdio soubesse que a Universal estava produzindo a animação Em Busca do Vale Encantado, que tinha Steven Spielberg e George Lucas como produtores, Don Bluth na direção, e também era estrelado por dinossauros, interromperia a produção, não querendo que os dois filmes concorressem diretamente. O filme de Henson acabaria cancelado, para desgosto de Stout, que diria que o roteiro era o melhor que ele já tinha visto na vida.

Henson ficaria com os dinossauros na cabeça, entretanto, e, em 1988 (o ano de lançamento de Em Busca do Vale Encantado), apresentaria à sua equipe um novo projeto: uma sitcom, produzida nos moldes tradicionais, mas voltada para o público infanto-juvenil, e na qual os personagens seriam dinossauros, que viveriam em uma "sociedade tóxica", quase um espelho distópico dos Estados Unidos no final dos anos 1980. Alex Rockwell, vice-presidente da Jim Henson Company, o convenceria de que essa era uma ideia maluca, que ninguém levaria isso a sério, e que uma série usando animatronics seria caríssima. Henson acabaria não apresentando o projeto a nenhum canal de TV, mas, segundo Rockwell, trabalharia nele até o fim de sua vida.

No final de 1989, Henson começaria a negociar a venda da Jim Henson Company, da Jim Henson's Creature Shop, que produzia os bonecos, e de todos personagens criados por ele, exceto os da Vila Sésamo, que, por contrato, pertenciam à Children's Television Workshop, para a Disney, planejando passar a usar seu tempo livre apenas para criar, sem ter de se preocupar com a parte dos negócios. Junto com os Muppets e outras criações, todos os projetos da sitcom dos dinossauros iriam para a Disney, caindo nas mãos de Michael Jacobs, que adoraria a ideia. Infelizmente, Henson faleceria de pneumonia, aos 53 anos, em maio de 1990, e jamais veria sua ideia sair do papel.

Após a morte de Henson, Jacobs começaria a trabalhar com o famoso produtor de TV Bob Young no desenvolvimento da série, que apresentaria à Disney. Entre 1988 e 1990, algo havia acontecido na televisão norte-americana que havia mudado o panorama, tornando-o favorável ao lançamento de uma sitcom estrelada por uma família de dinossauros: Os Simpsons, que estreariam na Fox em dezembro de 1989, quebrariam recordes de audiência e mostrariam que uma sitcom voltada ao público infanto-juvenil carregada de situações inverossímeis não era uma ideia tão cretina assim. Além disso, no início dos anos 1990, novas tecnologias barateariam (mas não muito) a produção de animatronics, que passariam a ser usados em maior escala até mesmo no cinema - pelo menos até serem substituídos pela computação gráfica, uns dois ou três anos depois.

Jacobs chamaria o filho de Henson, Brian, para ser co-produtor da série, e co-escreveria o piloto com Young. Esse piloto seria oferecido ao canal CBS, que aprovaria a série para estreia já em setembro de 1990; Jacobs e Young escreveriam mais um episódio, e começariam a contratar os roteiristas para a produção de uma temporada de 13 episódios. Atrasos nas gravações e mudanças na grade da CBS, entretanto, fariam com que o canal voltasse atrás e desistisse de exibir a série, com a Disney, então, negociando com a ABC, que hoje é do grupo Disney, mas na época ainda não era (tendo sido comprada apenas em 1996). No início de 1991, a ABC aceitaria comprar a série, mas tinha um problema: só poderia começar a exibi-la em setembro, mais de um ano após a gravação do piloto. Isso não agradou a Jacobs, que já estava tendo um grande prejuízo com as filmagens - já que, na prática, a série era uma produção da Michael Jacobs Productions em parceria com a Jim Henson Television, essa segunda pertencente à Disney - e queria ter logo algum retorno antes de gravar mais episódios. A ABC, então, se ofereceria para exibir cinco episódios num buraco que teria na grade de programação em abril e maio, quando as temporadas tradicionalmente já estavam acabando.

Esses cinco episódios, só cinco, seriam a primeira temporada de Família Dinossauros - e curiosamente, nem seriam os cinco primeiros produzidos, e sim o primeiro, segundo, terceiro, quinto e sexto. Exibida entre 26 de abril e 24 de maio de 1991, a primeira temporada seria um gigantesco sucesso de público e crítica, e indicada a dois Emmys, ganhando o de Melhor Direção de Arte para uma Série e concorrendo também a Melhor Edição para uma Série de Única Câmera. Isso mais do que agradaria a Jacobs, que recuperaria a maior parte do dinheiro investido, à Disney, que emplacaria mais um sucesso, e à ABC, que já tinha uma segunda temporada garantida para estrear no mesmo ano, com o público já cheio de expectativa - o que hoje costuma se chamar de hype.

A segunda temporada seria composta pelos oito episódios gravados mas ainda não exibidos da primeira, mais 16 gravados ao longo de 1991, para um total de 24, exibidos pela ABC entre 18 de setembro de 1991 e 8 de maio de 1992 - curiosamente, fora da ordem de produção, começando pelo décimo, então o décimo-primeiro, e aí o nono, o sétimo, o oitavo, só aí o quarto, e os demais mantendo essa ordem confusa e embaralhada. O décimo-terceiro episódio gravado, previsto para ser o último da primeira temporada, seria o décimo-sexto exibido na segunda temporada, vigésimo-primeiro no total, e seria um clip show, aqueles episódios compostos por cenas de vários dos episódios anteriores, ligados por cenas novas gravadas especialmente para ele, no caso, as de um paleontólogo, Sir David Tushingham, interpretado por Paxton Whitehead, tentando explicar, em tom de documentário, como era a vida dos dinossauros. A segunda temporada também teria um episódio especial em duas partes, que seria uma paródia da Guerra do Golfo, no qual dinossauros bípedes e quadrúpedes entram em guerra pelo controle de reservas de pistache, e duas participações especiais de atores famosos da época: Hannah Cutrona como uma garota das cavernas adotada por Bobby como um animal de estimação, e Buddy Hackett como a voz de Louie, marido de Zilda e pai de Fran, que aparece para Zilda em um sonho.

O grande sucesso das duas primeiras temporadas garantiria a renovação para a terceira, que teria 22 episódios, exibidos entre 18 de setembro de 1992 e 2 de julho de 1993, começando por um dirigido por Brian Henson - e mais uma vez com a ABC exibindo tudo fora da ordem de produção, seguindo algum critério que só ela parecia saber qual era. A terceira temporada teria a participação especial do famoso ator Tim Curry como a voz de Henri Poupon, e terminaria com mais um clip show, esse imitando um infomercial, aqueles comerciais super longos que buscavam vender alguma coisa pelo telefone, que foram moda nos anos 1990; com testemunhos de clientes satisfeitos e fun facts sobre dinossauros - representados pelas cenas dos episódios já exibidos - Sir David Tushingham tentava vender um curso de paleontologia para que os espectadores pudessem entrar para esse glamouroso mundo estudando em casa.

Família Dinossauros ainda seria renovada para uma quarta temporada, que também começaria com um episódio dirigido por Brian Henson, mas, sofrendo de graves problemas financeiros, que culminariam em sua venda para a Disney, a ABC primeiro adiaria a data de estreia, depois exibiria apenas sete episódios, entre 1 de junho e 20 de julho de 1994. Ainda havia, entretanto, sete outros episódios gravados, que permaneceriam inéditos até a série entrar em syndication - ou seja, ser vendida para vários canais dos Estados Unidos, ao invés de passar apenas nas afiliadas da ABC. Esses episódios seriam exibidos pela primeira vez entre 6 de setembro e 10 de novembro de 1995, e, como a ABC mais uma vez exibiu os sete episódios que levou ao ar fora da ordem de produção, são ambientados antes do efetivo último episódio, que dá o encerramento à série. Todos esses 14 episódios são considerados parte da quarta temporada, que conta com participações especiais de Tim Curry, Michael McKean, Glenn Shadix, John Glover, Joe Flaherty e Ed Asner em vários papéis; caso a série não tivesse sido cancelada, Jacobs planejava usar sua popularidade para convidar cada vez mais astros da TV e cinema para essas participações, aumentando ainda mais seu valor.

Apesar de ser oficialmente um programa infantil apropriado para toda a família, Família Dinossauros tocava em temas espinhentos, sempre usando alegorias - em um dos episódios, por exemplo, Bobby não quis mais ser carnívoro e foi levado por um amigo a um "bar de herbívoros", em uma clara alusão a um adolescente descobrindo sua homossexualidade, e, em outro, Charlene estava revoltada porque as caudas de todas as suas amigas já haviam crescido e a dela não, uma referência às mudanças que ocorrem no corpo das meninas durante a puberdade. Alguns dos temas abordados em um ou mais episódios incluem ecologia, ambientalismo, preservação de espécies ameaçadas de extinção, feminismo e direitos das mulheres, direitos da comunidade LGBT+, abuso sexual, objetificação da mulher, censura, direitos civis, autoimagem, uso de anabolizantes, uso de drogas, masturbação, racismo, efeito manada, direitos das comunidades nativas e até mesmo os males do capitalismo. Segundo os produtores, eles só conseguiram fazer tudo isso graças à grande popularidade de Baby, que mantinha a audiência alta e o dinheiro entrando, não importando quais fossem os temas dos episódios - segundo Jacobs, "enquanto Baby estivesse batendo na cabeça de Dino com uma panela, nós poderíamos usar qualquer assunto".

A série também se tornaria famosa por ser uma das primeiras a fazer uma sátira da própria televisão: todos os programas de TV assistidos pela família ou mostrados ao longo dos episódios são exageradamente violentos, sensacionalistas, estimulam o consumo desenfreado e fazem troça de quem assiste muita televisão, mostrado como facilmente manipulável ou incapaz de pensar por conta própria. A série também seria uma das primeiras a "quebrar a quarta parede", com Baby frequentemente olhando para a câmera e usando frases que poderiam ser dirigidas a quem estava assistindo, embora também pudessem ser interpretadas como ele simplesmente falando em voz alta. Um dos episódios mais memoráveis foi o especial de Natal da segunda temporada, no qual os dinossauros comemoravam o Dia da Geladeira, em homenagem à invenção que permitiu que eles deixassem de ser nômades e se estabelecessem em cidades.

Por outro lado, um dos episódios mais controversos seria justamente o último ao ir ao ar na ABC: ao perceber que a série seria cancelada, os produtores criaram um último episódio no qual as ações dos próprios dinossauros estragaram o planeta de forma irreversível, trazendo uma Era Glacial que levaria à sua própria extinção - em uma clara crítica ao que os humanos estavam fazendo, já que o início dos anos 1990 foi justamente a época na qual a ecologia e a preservação do meio ambiente começaram a ganhar mais destaque, e as previsões mais tenebrosas de que o planeta não iria resistir caso o modo de vida da humanidade não fosse alterado começaram a ser feitas. Ao contrário de todo o restante da série, cheio de comédia e momentos felizes em família, o último episódio termina de forma triste e sombria - e bizarramente atual, já que estamos vivendo a época das mudanças climáticas e dos apelos para que a exploração desenfreada do planeta seja interrompida antes que nós mesmos estejamos em risco.
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sábado, 12 de outubro de 2024

Escrito por em 12.10.24 com 0 comentários

Sneaker Pimps / Scheer

Eu gostei da ideia que tive quando fiz o post duplo falando da Banks e das Bangles, então hoje eu vou repetir a dose falando de duas bandas das quais eu gosto, mas que tiveram carreiras curtas demais para ganharem cada uma seu próprio post. Ambas têm estilos musicais bem diferentes, mas ambas eu conheci na Mtv, recém-saído da adolescência, no programa Lado B, que era o que eu mais gostava.

Vamos começar pela que teve a carreira mais longa, os Sneaker Pimps. A banda teria sua gênese no final dos anos 1980, quando o guitarrista Chris Corner e o tecladista Liam Howe, ainda adolescentes, se conheceriam na cidade onde moravam, Hartlepool, na Inglaterra, e decidiriam montar um duo de música eletrônica chamado F.R.I.S.K. Na época, estava começando a surgir o estilo hoje conhecido como trip hop, e os dois decidiriam produzir e gravar por conta própria um EP, chamado Soul of Indiscretion, lançado em 1990. O EP faria um relativo sucesso e garantiria um contrato com a Clean Up Records, pela qual eles lançariam mais dois EPs, F.R.I.S.K., de 1991, e World as a Cone, de 1992. Sem conseguir emplacar músicas nas rádios nem um contrato para o lançamento de um LP, eles decidiriam desfazer o duo e passar a trabalhar como DJs e como produtores de outras bandas com contrato com a Clean Up.

Em 1994, através da Clean Up, eles conheceriam o compositor Ian Pickering, e decidiriam contratá-lo para escrever músicas para uma nova banda, que eles decidiriam chamar de Sneaker Pimps, nome tirado de um artigo escrito pela banda Beastie Boys para a revista Grand Royal Magazine, sobre um homem cujo emprego era encontrar e comprar tênis (sneakers, em inglês) raros para colecionadores. Corner e Howe contratariam o baixista Joe Wilson e o baterista Dave Westlake, e gravariam algumas músicas com Corner nos vocais, mas chegaria à conclusão de que as músicas ficariam melhores com uma voz feminina. Seu empresário, então, indicaria Kelli Dayton, que, na época era vocalista da banda The Lumieres. Corner e Howe assistiriam a um show dela em um pub, e concluiriam que a voz dela era exatamente o que estavam procurando, convidando-a logo após esse show.

Kelli aceitaria e gravaria uma demo de 6 Underground, que seu empresário usaria para conseguir para os Sneaker Pimps um contrato com a gravadora Virgin, para gravar seu primeiro álbum, Becoming X, lançado em agosto de 1996. Com nada menos que cinco músicas de trabalho - Tesko Suicide, Roll On, 6 Underground, Spin Spin Sugar e Post-Modern Sleaze - o álbum começaria como um sucesso moderado, mas ganharia tração ao ser lançado nos Estados Unidos, em fevereiro de 1997, quando o clipe de Spin Spin Sugar se tornaria um dos mais exibidos pela Mtv. Somando as vendas do mundo inteiro, Becoming X venderia mais de um milhão de cópias, rendendo um Disco de Ouro no Reino Unido e chegando à posição 111 na parada da Billboard. Sua turnê de lançamento duraria dois anos, e incluiria vários shows conjuntos com Aphex Twin, um dos DJs que atraíam mais público na época.

Oficialmente, os Sneaker Pimps eram apenas Kelli, Corner e Howe, com Wilson e Westlake, mesmo também participando da turnê, sendo considerado músicos contratados. Durante a perna da turnê nos Estados Unidos, Howe alegaria cansaço e retornaria à Inglaterra, sendo substituído por vários músicos nos shows seguintes; algumas notícias diriam que ele havia deixado a banda, mas ele negaria, e aproveitaria para trabalhar na produção de um álbum de remixes, chamado Becoming Remixed, lançado em março de 1998.

Ao voltar da turnê, Howe e Corner decidiriam montar seu próprio estúdio, chamado Line of Flight, no qual eles produziriam e gravariam não somente os próximos lançamentos dos Sneaker Pimps, mas também álbuns de outras bandas de música eletrônica do Reino Unido. Também alegando cansaço, Kelli pediria para passar um tempo viajando, e, ao retornar, teria uma grande surpresa: enquanto produziam o segundo álbum dos Skeaker Pimps, devido à ausência de Kelli, Corner mais uma vez faria os vocais durante os ensaios. Quando Kelli retornasse, seria informada que, diferentemente do que aconteceu no primeiro álbum, a dupla achava que as músicas do segundo pediam uma voz masculina, simplesmente demitindo a moça e transformando os Sneaker Pimps em um duo. A Virgin, que havia contratado a banda graças à presença de Kelli, não concordaria com a mudança e cancelaria o contrato, o que faria com que o segundo álbum dos Sneaker Pimps fosse lançado pela Clean Up.

Kelli, por sua vez, não se abalaria com a demissão: conseguindo um contrato com a gravadora One Little Indian, ela seguiria carreira solo, usando o nome Kelli Ali, em homenagem a seu pai, que havia acabado de falecer. Ela lançaria três álbuns, Tigermouth, de 2003, Psychic Cat, de 2004, e Rocking Horse, de 2008, todos de música eletrônica e com sucesso moderado na Europa, rendendo os hits Kids, Inferno High Love, Teardrop Hittin' the Ground e Hot Lips, esse último um grande sucesso nas rádios do Reino Unido. Sua primeira turnê solo, em 2003, seria abrindo para o Garbage. De 2008 para cá, ela trabalharia principalmente colaborando com outros cantores, como Ozymandias e o duo Cult With No Name, e se envolveria com cinema, produzindo o longa metragem Ghostdriver, para o qual também faria a trilha sonora, sendo seu último lançamento um álbum também chamado Ghostdriver, de 2021.

Voltando aos Sneaker Pimps, seu segundo álbum, Splinter, seria lançado em outubro de 1999, apenas com Corner e Howe como membros fixos, e as demais posições sendo preenchidas por músicos contratados, incluindo, mais uma vez, Wilson e Westlake. Talvez nada surpreendentemente, o álbum falharia em repetir o sucesso do primeiro, teria apenas uma música de trabalho (a faixa-título), e não renderia uma turnê própria, apenas uma em conjunto com o Placebo, ao final da qual o duo também seria demitido da Clean Up.

Diante do insucesso, Corner e Howe decidiriam voltar a investir na carreira de produtores, até conseguirem, inesperadamente, um contrato com a pequena gravadora Tommy Boy Records. Eles aproveitariam para gravar mais um álbum, Bloodsport, lançado em janeiro de 2002, que teria como músicas de trabalho KiroTV e Loretta Young Skills. Esse seria o último álbum com a participação de Wilson e Westlake, que, talvez cansados de serem creditados como músicos contratados, decidiriam se dedicar a outros projetos.

Após o lançamento de Bloodsport, Corner e Howe gravariam várias músicas originalmente criadas para um quarto álbum dos Sneaker Pimps, mas que, sem um contrato com uma gravadora, seriam engavetadas. Corner começaria a compor as músicas para serem a trilha sonora de um longa animado chamado Blind Michael, que também seria cancelado. Algumas dessas músicas, ainda em versão demo, vazariam na internet, e seriam apelidadas pelos fãs, coletivamente, como SP4. Após o vazamento, Corner tentaria concluir algumas delas e as lançaria como sendo de uma banda chamada IAMX - na verdade um projeto solo de Corner, que incluía uma turnê que combinava música, imagens projetadas e realidade virtual.

Em 2006, novas músicas em versão demo vazariam na internet, cantadas por uma vocalista não identificada, e ganhariam o apelido de SP5 Demos. Durante muitos anos, haveria uma discussão sobre se essas faixas realmente haviam sido gravadas pelos Sneaker Pimps, até que os próprios Corner e Howe confirmariam que se tratava de um projeto que eles começaram mas abandonaram, e que alguém pegou um MiniDisc que eles haviam gravado e levou para a Rússia, onde as músicas primeiro seriam tocadas em um bar local, depois vazadas na internet.

Corner e Howe passariam os anos seguintes trabalhando como produtores, DJs e fazendo remixes, com Corner de vez em quando fazendo shows com o IAMX, até que, em 2015, começariam a surgir rumores de que os Sneaker Pimps iriam voltar com um novo álbum. Corner confirmaria a informação em 2016, mas os verdadeiros trabalhos de gravação começariam apenas em 2019. Durante a pandemia, versões de luxo de Becoming X, Splinter e Bloodsport seriam lançadas, em preparação para o novo álbum.

Com o nome de Squaring the Circle, o quarto álbum dos Sneaker Pimps seria lançado em setembro de 2021 pela gravadora Unfall Productions. Cinco de suas 16 faixas estavam presentes nos SP5 Demos, com a vocalista misteriosa sendo identificada como Simonne Jones; outras três eram remixes de músicas lançadas originalmente por um projeto paralelo de Howe, semelhante ao IAMX, chamado Ape Mink Press. Squaring the Circle faria pouco sucesso, e seria considerado apenas mais do mesmo pela maior parte da crítica. Desde seu lançamento, Corner e Howe voltariam a trabalhar como produtores; ainda não há planos para o lançamento de um novo álbum.

Agora vamos para a que teve a carreira mais curta, o Scheer. Assim como os Sneaker Pimps, o Scheer é uma banda britânica, que teve sua gênese no final dos anos 1980 quando dois adolescentes se conheceram e decidiram tocar juntos. A diferença é que, no caso do Scheer, esses amigos moravam em Derry, Irlanda do Norte, e não tinham interesse em música eletrônica, querendo montar uma banda de rock pesado, cuja principal inspiração era o Metallica. Esses amigos eram o guitarrista Paddy Leyden e o baixista PJ Doherty, apelido Doc.

Como não podiam montar uma banda de rock sozinhos, os dois colocaram anúncios em publicações locais, através das quais conheceram o guitarrista Neal Calderwood e o baterista Joe Bates. Já com o nome de Scheer, os quatro começariam a tocar em pubs e casas noturnas do Condado de Londonderry em 1990, inicialmente com Doc como vocalista. Um dia, eles conheceram Audrey Gallagher, nascida em uma pequena cidade curiosamente chamada Moneyglass, que também estava tentando começar uma carreira como cantora, e acharam que seu estilo vocal, meigo e sussurrante, faria um contraste apropriado com o som pesado do grupo, poderia se tornar sua marca distintiva e ajudar a banda a chamar atenção de algum empresário. A estratégia daria certo, e, com Audrey nos vocais, o Scheer conseguiria contratos para shows em casas noturnas de toda a ilha da Irlanda.

Durante um show em Belfast em 1993, um representante da pequena gravadora irlandesa SON procuraria a banda e ofereceria um contrato para gravar um single, que seria oferecido às principais rádios alternativas da Irlanda do Norte. Para esse single, a banda escolheria Wish You Were Dead, que rapidamente se tornaria um grande sucesso na cena alternativa irlandesa. O sucesso da música nas rádios animaria a SON a gravar um EP, chamado Psychobabble, com quatro faixas, lançado em 1994. A música de trabalho desse EP, Howling Boy, também seria um grande sucesso nas rádios alternativas.

Rapidamente o Scheer começava a se tornar uma das bandas mais pedidas nas rádios da Irlanda, o que chamou a atenção de uma gravadora bem maior, a 4AD, com quem eles assinaram contrato em abril de 1995. Doc não concordava com os termos do contrato, achando que ele seria desfavorável à banda, e decidiu sair antes da assinatura, sendo substituído pelo baixista Peter Fleming, indicado por Audrey. O primeiro lançamento do Scheer pela 4AD seria mais um EP de quatro faixas, que eles decidiriam chamar de The Schism ("o cisma", aquilo que acontece quando os membros de um grupo se desentendem e um ou mais decidem sair), lançado ainda em 1995.

Após o lançamento de The Schism, o Scheer sairia em turnê pelo Reino Unido, onde conseguiria bons públicos e resenhas extremamente favoráveis da crítica. Em seus shows, eles cantariam algumas das músicas lançadas em seus EPs e algumas das que estavam gravando para seu primeiro álbum, Infliction, que seria lançado em maio de 1996. Infliction traria versões regravadas, com novos arranjos, de Howling Boy, Screaming (ambas do EP Psychobabble), Baby Size (do EP The Schism) e Wish You Were Dead, que seria a segunda música de trabalho do álbum, entre Shéa e Demon, a mais elogiada pela crítica.

Infliction dividiria a crítica, que notaria que ele tinha duas metades muito bem definidas, a primeira mais pesada, a segunda mais melódica, e, apesar de elogiar fortemente o desempenho de Audrey, comparada a Kristin Hersh, do Throwing Muses, e a Alison Shaw, dos Cranes, consideraria o álbum "promissor, mas inconsistente". Apesar de o álbum entrar para o Top 100 do Reino Unido, na posição 83, as vendas também seriam abaixo do esperado pela 4AD, com a gravadora colocando a culpa nas escolhas da banda para as imagens de capa - um ferimento suturado na capa, um carrapato sugando sangue na contracapa.

Após o lançamento de Infliction, o Scheer sairia em outra turnê pelo Reino Unido, e, em 1997, voltaria a estúdio para começar a gravar seu segundo álbum. Aí seria a vez de Audrey e Leyden darem razão a Doc e acharem que o contrato com a 4AD era muito desfavorável à banda - que praticamente não recebia nada pelos singles de Shéa, Wish You Were Dead e Demon, lançados, respectivamente, em 1995, 1996 e 1997. Sem conseguir chegar a um acordo, o que impossibilitava a realização de novos shows e o lançamento do segundo álbum, eles decidiriam romper o contrato com a 4AD no início de 1998. A banda ainda tentaria conseguir marcar novos shows por conta própria, mas uma série de desentendimentos entre os membros fariam com que eles decidissem se separar, em outubro de 1998.

Com o fim da banda, Leyden decidiria fundar uma nova, chamada Vertigo Bird, com um som mais suave, que lembrava o dos Cocteau Twins. Já Fleming passaria a ser o baterista do trio Pulszar, formado por Annette Quinn e pelas irmãs Aisling e Kerri Ann Gallagher - que, apesar da coincidência, não são parentes de Audrey (e nenhuma das três é parente de Noel e Liam Gallagher, do Oasis, caso alguém esteja se perguntando). Falando em Audrey, ela e Calderwood decidiriam fundar, acreditem ou não, um duo de música eletrônica, chamado Lima, que não faria sucesso; Calderwood logo desistiria e decidiria abrir seu próprio estúdio de gravação, o ManorPark Studios. Após o fim da Lima, Chris Agnelli, do duo Agnelli & Nelson, encontraria uma fita demo da banda jogada no armário da BBC Radio Ulster, e, adorando a voz de Audrey, decidiriam convidá-la para uma colaboração. Assim, ela começaria uma extremamente bem sucedida carreira na música trance, providenciando vocais para faixas de nomes famosos do estilo, como John O'Callaghan, tyDi e Ashley Wallbridge, estando na ativa até hoje e já tendo participado de mais de 30 álbuns, o mais recente sendo Going Home, do duo canadense SMR LVE, lançado em 2023.

Mas o Scheer ainda teve um "capítulo póstumo": após romper contrato com a 4AD, a banda entraria na justiça pelo direito de lançar as canções que já haviam gravado de forma independente, com o resultado sendo favorável a eles e saindo no final de 1999. Assim, em maio de 2000 sairia o segundo álbum do Scheer, apropriadamente chamado ...And Finally, financiado pela própria banda e lançado através do selo Schism Records, criado especialmente para isso. ...And Finally seria bem recebido pela crítica, que consideraria que o som do Scheer havia evoluído, e lamentou o fim da banda, afirmando que ela tinha potencial para se tornar muito mais se tivesse tido a chance. Sendo lançado de forma independente, o álbum não teve músicas de trabalho nem vendas suficientes para transformá-lo em destaque - talvez porque novamente tenha uma capa, digamos, de mau gosto, mostrando dois pés com uma etiqueta no dedão, como os de um cadáver no necrotério.
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