Após um intervalo de 20 anos, os Jogos Olímpicos de Inverno voltaram aos Estados Unidos. De qualquer forma, eles voltariam à América do Norte, pois as duas únicas candidatas a sede para 1980 eram Vancouver, no Canadá, e Lake Placid, que apresentava sua candidatura pela quinta vez, sem contar 1932, quando os Jogos de Inverno foram realizados lá, mas o regulamento era diferente, permitindo que o país sede das Olimpíadas de Verão do mesmo ano simplesmente indicasse a sede de Inverno. A votação terminou empatada, mas, antes do voto de minerva, a cidade canadense retirou sua candidatura, deixando o caminho livre para Lake Placid finalmente sediar sua segunda Olimpíada.
Quase todas as instalações eram novas, sendo poucas das de 1932 reaproveitadas ou reformadas; além disso, para garantir que todos os esportes fossem disputados em condições ideais, foi utilizada pela primeira vez nos Jogos Olímpicos a neve artificial, misturada à natural nas descidas de esqui e trenó. Todo o cuidado dos organizadores valeu a pena, pois os Jogos de Inverno de 1980 são considerados dentre os mais emocionantes, e estão dentre os que tiveram as performances mais impressionantes e a maior quantidade de quebras de recordes.
Os segundos Jogos de Lake Placid foram realizados entre 13 e 24 de fevereiro, com a participação de 1.072 atletas, sendo 232 mulheres. 37 nações foram representadas, entre elas a China, em sua primeira participação olímpica, que só ocorreu graças a muita diplomacia: por considerar Taiwan uma província separatista, e não um país independente, a China não aceitava competir nas Olimpíadas enquanto o COI permitisse a participação de uma delegação de Taiwan, principalmente porque este permitia que ela utilizasse seu nome verdadeiro, República da China, e sua bandeira vermelha e azul, ambos considerados afronta pelo governo da China comunista. Após muitas negociações, o COI conseguiu chegar a um acordo com a China e Taiwan: Taiwan passaria a competir sob o nome de Chinese Taipei ("Taipei chinês", sendo que Taipei é o nome em chinês da capital de Taiwan, Taipé), sob uma bandeira especialmente criada para as Olimpíadas, e com o hino olímpico tocando caso algum de seus atletas vencesse uma competição. Em troca, a China deixaria de se opor a uma delegação separada de Taiwan, e participaria dos Jogos normalmente. Acordo firmado, a China aceitou enviar uma equipe de 13 atletas da patinação em velocidade, que não conseguiram resultados expressivos.
O programa dos Jogos contou com 38 provas de 10 esportes: biatlo, bobsleding, combinado nórdico, esqui alpino, esqui cross country, hóquei no gelo, luge, patinação artística no gelo, patinação no gelo em velocidade e saltos com esqui (clique aqui para ver todas as provas do programa). Como já era tradicional, esta Olimpíada também teve um mascote, um guaxinim de nome Roni. Roni foi o primeiro mascote a ser usado em conjunto com os pictogramas, ou seja, o comitê organizador preparou imagens de Roni praticando os esportes do programa olímpico, que foram distribuídas à imprensa e utilizadas em vários pôsteres.
Vamos começar a citar os muitos destaques de 1980 pelo esqui alpino. No masculino, o destaque foi o sueco Ingemar Stenmark. Nas disputas do esqui alpino são disputadas duas baterias, sendo que a soma dos tempos determina a colocação dos atletas. Na disputa do slalom, Stenmark terminou em terceiro na primeira bateria, mas um tempo quase um segundo mais rápido que os demais competidores na segunda bateria fez com que ele terminasse com o melhor tempo no geral, e com a medalha de ouro no pescoço. Muitos disseram que foi sorte, mas três dias depois Stenmark repetiu a proeza no slalom gigante, terminando em quarto na primeira bateria, e vencendo a segunda com um tempo que lhe garantiu um segundo ouro. Mas mais impressionante que Stenmark foi o grande destaque do feminino, Hanni Wenzel, do pequenino país de Liechtenstein, um principado encravado nos alpes, entre a Suíça e a Áustria. Wenzel disputou as três provas do esqui alpino, e na primeira delas, o downhill, terminou em segundo lugar, ganhando a medalha de prata. Apesar de uma grande surpresa, ainda não era o suficiente para qualificá-la como favorita para a prova do dia seguinte, o slalom gigante. Surpreendendo a todos novamente, Wenzel ganhou a prova com quase meio segundo de vantagem, e transformou seu Liechtenstein na menor nação a já ganhar um ouro olímpico. Não satisfeita, Wenzel retornou dois dias depois para vencer também o slalom, registrando o melhor tempo nas duas baterias, e colocando um segundo e meio de vantagem sobre a medalhista de prata. O Liechtenstein ainda conseguiu uma segunda medalha de prata no slalom gigante masculino com Andreas Wenzel, irmão de Hanni.
O bobsleding foi dominado por Alemanha Oriental e Suíça. Nas duplas, os suíços terminaram com o ouro, e os alemães com prata e bronze; nos quartetos, foi a vez dos alemães ficarem com ouro e bronze, deixando a prata para os suíços. A Alemanha Oriental ainda conseguiu o ouro nas simples e duplas do luge, mas no feminino a favorita Melitta Sollmann acabou surpreendida pela soviética Vera Zozula.
Dois atletas ganharam seu terceiro ouro seguido em 1980: Ulrich Wehling, da Alemanha Oriental, é até hoje o único homem a ganhar três ouros seguidos em provas individuais dos Jogos de Inverno, proeza que conseguiu no combinado nórdico. Dentre as mulheres, a soviética Irina Rodnina, da patinação artística em dupla, chegou a esta marca com o mesmo parceiro de 1976, Alexander Zaitsev, mas em 1972 ela havia ganhado com Aleksei Ulanov. Outro soviético, Alexandr Tikhonov, também conseguiu uma proeza de respeito, o quarto ouro seguido, no revezamento 4 x 7,5 km do biatlo.
Dois outros atletas ganharam múltiplas medalhas de ouro. O soviético Nikolay Zimyatov conseguiu três, no esqui cross country, provas dos 30 km, 50 km e no revezamento 4 x 10 km. O norte-americano Eric Heiden foi ainda mais longe, e entrou para a História ao vencer todas as cinco provas da patinação em velocidade, quebrando o recorde olímpico em todas elas, e o recorde mundial nos 10.000 metros. Heiden continua como o único atleta a conseguir esta proeza, e se tornou um ícone da patinação em todo o mundo.
Mas, mesmo com a proeza de Heiden, o evento mais memorável de 1980 ocorreu no hóquei no gelo. Meses antes dos Jogos, a União Soviética havia invadido o Afeganistão, ato reprovado pelos Estados Unidos e seus aliados. O time de hóquei soviético era o mais forte da época, e vinha de quatro ouros seguidos, mas havia a preocupação de que eles se recusariam a disputar as Olimpíadas, que ocorreriam em solo norte-americano. Ao contrário das previsões, porém, os soviéticos decidiram defender seu título, e agendaram até mesmo um amistoso, três dias antes da cerimônia de abertura, no famoso Madison Square Garden, contra o time dos Estados Unidos. O time norte-americano, diferentemente do soviético, cheio de estrelas acostumadas a jogar juntas, era composto de universitários, muitos vindos de universidades rivais, e que raramente haviam jogado como uma equipe. O resultado do amistoso refletiu bem esta diferença, com a vitória soviética por 10 a 3. Ao longo da competição, porém, o técnico Herb Brooks conseguiria unir e motivar o time, fazendo com que os Estados Unidos se classificassem para o quadrangular final em segundo lugar em seu grupo, com quatro vitórias e um empate, contra a Suécia. Então, no jogo mais aguardado do torneio, os Estados Unidos fizeram o impensável, e, após ficar atrás no placar por toda a partida, venceram os soviéticos por 4 a 3. Com a vitória, bastou que os norte-americanos vencessem a Finlândia para chegar à medalha de ouro, mas isso foi apenas um pequeno detalhe: o jogo dos Estados Unidos contra a União Soviética ganhou na imprensa o apelido de "Milagre no Gelo", foi eleito pela conceituada revista Sports Illustrated como o maior momento esportivo do Século XX, e é até hoje o mais famoso jogo de hóquei da história dos Estados Unidos. A história do jogo acabou até mesmo virando filme, com Kurt Russell no papel de Brooks.
Os americanos, que tanto se orgulham de sua capacidade de organização e superação, realmente deram um show em Lake Placid, tanto nas competições quanto fora delas. Infelizmente, naquele mesmo ano, na Olimpíada de Verão, considerada por todo o planeta como o principal evento esportivo do mundo, eles fariam feio, muito feio...
Graças a uma crise do petróleo em 1972, organizar uma Olimpíada no final da década de 70 e início da de 80 era um negócio muito, muito caro. Por causa disso, para sede dos Jogos de 1980 se apresentaram apenas duas candidatas, não por acaso as mesmas duas que haviam perdido o pleito anterior para Montreal: Moscou, capital da então União Soviética, e Los Angeles, uma das principais cidades dos Estados Unidos. Na reunião do COI de 1974, Moscou acabou ganhando de lavada, 39 votos a 20. Finalmente seria realizada uma Olimpíada em um país comunista. Imediatamente, os soviéticos se puseram a trabalhar para mostrar ao mundo que eram capazes de realizar a maior e mais fantástica Olimpíada de todos os tempos. E teriam verdadeiramente conseguido, não tivesse um triste episódio manchado o evento.
Sendo o maior país do mundo, a União Soviética fazia fronteira com nada menos que 12 outros países, dentre eles o Afeganistão. Em 1978 e 1979, o Afeganistão, que já vinha de um golpe militar sanguinário em 1973, sofreu nada menos que três outros golpes, e mergulhou em uma guerra civil. Não querendo esta bagunça tão perto de sua fronteira, em dezembro de 1979 a União Soviética decidiu invadir o Afeganistão, supostamente para restaurar a paz. Para o Presidente dos Estados Unidos, o democrata Jimmy Carter, a intenção dos soviéticos era outra: ampliar seu território e desestabilizar a região, atitude esta inaceitável na visão do governo norte-americano. Como protesto, Carter lançou um ultimato: se a União Soviética não retirasse todas as suas tropas do Afeganistão até o dia 20 de fevereiro de 1980, os Estados Unidos boicotariam os Jogos.
No início, ninguém levou muito a sério. Afinal, desde a escolha de Moscou como sede, na mesma proporção em que os soviéticos trabalhavam para mostrar ao vivo para todo o planeta a nação desenvolvida que eram, os atletas norte-americanos trabalhavam com um só objetivo em mente: ganhar de seus maiores rivais dentro da casa do adversário - nenhum dinheiro foi poupado para que os norte-americanos vencessem os soviéticos no maior número de provas possível em Moscou. A rede de televisão NBC já se preparava para a cobertura da vitória em terras inimigas, tendo pago 72 milhões de dólares pelos direitos exclusivos de transmissão das imagens em solo norte-americano. Além disso, Carter concorreria à reeleição exatamente em 1980, e nada daria uma alavancada maior em sua campanha do que um triunfo norte-americano nos Jogos. Por causa disso, o ultimato do Presidente foi visto como um blefe, e os treinamentos, seletivas e preparativos para a viagem foram mantidos, como se nada estivesse acontecendo.
Carter, porém, estava firme em sua decisão. Comunicou ao comitê olímpico norte-americano que nenhum atleta deveria embarcar rumo a Moscou, ameaçou cassar os passaportes daqueles que desrespeitassem a ordem, e começou a conclamar outros países para aderir ao boicote. De nada adiantaram os apelos de atletas e dirigentes, lembrando inclusive as palavras de outro norte-americano, o ex-Presidente do COI Avery Brundage, para quem as rivalidades políticas jamais deveriam interferir no andamento dos Jogos: no dia 21 de março, os Estados Unidos e mais 64 países - incluindo Alemanha Ocidental, Japão, Coréia do Sul, Quênia, Canadá, Nova Zelândia, Argentina e China, que não era capitalista mas também não ia com a cara da União Soviética - anunciaram oficialmente que estavam desistindo de participar dos Jogos de 1980. Muitos outros, como Grã-Bretanha, Austrália e Itália, aderiram politicamente ao boicote, mas deixaram seus atletas livres para competir de forma independente caso quisessem. Por causa disso, atletas de 16 países, sendo 13 da Europa Ocidental, competiram sob a bandeira do COI, tendo a bandeira olímpica hasteada e o hino olímpico executado ao ganharem medalhas, ao invés das bandeiras e hinos de suas nações, o que acabou empobrecendo ainda mais o espetáculo.
Por causa do boicote, só participariam dos Jogos de Moscou, realizados entre 19 de julho e 3 de agosto, atletas de 81 nações, o menor número desde 1956. Ao todo, 5.353 atletas, sendo 1.088 mulheres, competiriam em 203 provas de 24 esportes: atletismo, basquete, boxe, canoagem, ciclismo, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, handebol, hóquei, judô, levantamento de peso, luta olímpica, natação, pentatlo moderno, polo aquático, remo, saltos ornamentais, tiro com arco, tiro esportivo, vela e vôlei (clique aqui para ver todas as provas do programa). O sambô, uma luta de origem russa, estava prevista no programa como esporte de demonstração, mas acabou desconsiderado pelo COI porque todos os competidores eram soviéticos.
Sem a participação dos principais atletas do mundo capitalista, muitas das disputas perderam o brilho. A Cerimônia de Abertura, porém, não tinha nada a ver com isso, e é até hoje considerada uma das mais belas e emocionantes de todos os tempos. Verdade seja dita, foi a primeira Cerimônia de Abertura semelhante a um grande show, como ocorre hoje em dia. Além do tradicional desfile das nações, dos discursos, e da pira olímpica, acesa pelo jogador de basquete Sergei Belov, responsável pelos dois pontos mais controversos da história do esporte, aqueles da final de 1972, a Cerimônia contou com a participação de três mil jovens soviéticos, que, no gramado do Estádio Lênin, hoje Luzhniki, exibiram danças folclóricas, trajes típicos de todos os cantos do país, coreografias animadas e encantadoras. Mas o que tomou todo o mundo de surpresa foi que os soviéticos conseguiram treinar até o que não deveria ser treinado: a platéia. Na entrada, foram distribuídos, aos sentados em alguns locais estratégicos, cartões de papelão desenhados de ambos os lados. A um sinal imperceptível, o portador de cada cartão deveria levantá-lo, e, em algumas ocasiões, agitá-lo ou girá-lo. O resultado foi um belíssimo e incrível mosaico nas arquibancadas, formando desenhos que iam das bandeiras dos países participantes a paisagens e construções típicas da União Soviética, passando pelos anéis olímpicos entrelaçados e pelo mascote dos Jogos. Ah, sim, o mascote. Os Jogos de Moscou tiveram o mascote mais carismático de todos os tempos - e, dizem as más línguas, o último que prestou: Mikhail Potapych Toptygin, ou simplesmente o Ursinho Misha, onipresente durante o evento, em pôsteres, bonecos de pelúcia, pins, nos painéis da cerimônia de abertura, e até mesmo no gramado, quando seiscentas crianças soviéticas vestidas de Misha apresentaram uma coreografia divertida, mas perfeitamente sincronizada, como mandava a organização comunista.
A organização, aliás, foi como o estereótipo da sociedade comunista: funcional, rígida, perfeita - mas com uma tremenda falta de tato. Ninguém poderia reclamar de nenhuma instalação esportiva - do Estádio Olímpico à piscina, da Vila Olímpica ao velódromo, dos ginásios aos estacionamentos, tudo ficou pronto com a devida antecedência, tudo funcionava como um relógio, tudo foi feito para apagar da memória qualquer problema tido em qualquer edição anterior dos Jogos e exaltar a eficiência do povo soviético. Infelizmente, ninguém tampouco poderia elogiar a beleza das construções, o carinho desse mesmo povo soviético, ou a boa comida de seus restaurantes. Tudo fora feito para ser funcional, não carismático. E os atletas ainda tiveram um problema extra, a segurança exagerada. Para um ato tão comum quanto um passeio fora da Vila Olímpica, era necessária uma infinidade de autorizações que não vinham nunca, e, quando vinham, os atletas só poderiam sair acompanhados de um guia, e visitar o que o guia quisesse mostrar.
Dois dos esportes mais prejudicados pelo boicote foram os mais populares das Olimpíadas, o atletismo e a natação. Para se ter uma idéia do estrago nas piscinas, basta lembrar que os Estados Unidos, desde 1960, conquistavam quase todas as medalhas de ouro em disputa no masculino. À ausência dos norte-americanos, a União Soviética acabou levando sete ouros, algo impensável em condições normais de disputa. Um dos atletas soviéticos, porém, não deixou dúvidas quanto à sua categoria: Vladimir Salnikov, ouro nos 400 e nos 1.500 metros, quebrando o recorde olímpico em ambas as provas, o recorde mundial na segunda, e se tornando o primeiro homem a nadar 1.500 metros em menos de 15 minutos. Até 1986, Salnikov disputaria 61 provas de 1.500 metros, vencendo todas. Um tira-teima contra os rivais capitalistas, porém, só viria em 1988, quando, surpreendentemente, Salnikov ganharia seu segundo ouro olímpico, já aos 28 anos de idade.
No feminino, a ausência mais sentida foi da norte-americana Mary Meagher, que aos 15 anos se tornara a primeira mulher a nadar os 100 metros borboleta em menos de um minuto. Como em Montreal, as piscinas foram dominadas pelas alemãs orientais, que conquistariam 11 dos 13 ouros possíveis, fazendo o pódio inteiro em seis provas. Os maiores destaques foram Rica Reinisch, 15 anos, ouro e recorde mundial nos 100 e 200 metros costas e no revezamento 4 x 100 metros medley; Ute Geweniger, 16 anos de idade, ouro e recorde mundial nos 100 metros peito e revezamento 4 x 100 metros medley; Ines Diers, 17 anos, dois ouros, duas pratas e um bronze nas provas de nado livre; e Barbara Krause, de todas a que possuía a história mais curiosa: duas semanas após quebrar o recorde mundial dos 400 metros livre, em 3 de julho de 1976, Krause, de 17 anos, sentira uma dor absurda no peito, tão forte que a fez pensar que morreria imediatamente. Atendida com a rapidez necessária, sobreviveu, mas foi proibida de competir em Montreal. O diagnóstico foi uma angina, imediatamente atribuída pelos pais da garota ao excesso de treinamentos. A versão divulgada pelo governo alemão, porém, dizia tratar-se de problema genético, e, após se recuperar, Krause voltou aos treinamentos. Felizmente, não só ela não teve qualquer outro problema, como também conseguiu três ouros em 1980, justamente nas provas mais velozes, os 100 e 200 metros livre e o revezamento 4 x 100 metros livre, conseguindo o recorde olímpico nas três provas, e só não quebrando o mundial nos 200 metros, onde ganhou ultrapassando Diers com uma arrancada fulminante nos 50 metros finais.
Outro esporte onde a Alemanha Oriental dominou o alto do pódio foi o Remo, onde ganhou sete dos oito ouros possíveis no masculino e quatro de seis no feminino. Dentre outros, a Alemanha Oriental ainda levou o ouro do handebol masculino, e um de seus atletas, Waldemar Cierpinski, ganhou a maratona pela segunda vez seguida; além dele, apenas Abebe Bikila conseguiu este feito.
No boxe, a ausência dos norte-americanos favoreceu Cuba, que conquistou seis dos onze ouros em disputa, além de duas pratas e dois bronzes, só não subindo ao pódio na categoria moscas. O maior destaque foi mais uma vez o pesado Teófilo Stevenson, que chegou ao seu terceiro ouro seguido em uma luta contra o soviético Pyotr Zaev, que mais fugiu do que lutou.
Na ginástica, os holofotes se voltaram mais uma vez para Nadia Comaneci, que terminou os Jogos com dois ouros, na trave de equilíbrio e nos exercícios de solo, e duas pratas, nos exercícios combinados individual e por equipes. Mas o maior destaque acabou sendo um homem, o soviético Alexandr Dityatin, único ginasta até hoje a subir ao pódio em todas as oito modalidades, conseguindo ouro nas argolas e nos exercícios combinados individual e por equipes, prata na barra horizontal, barras paralelas, salto sobre o cavalo e cavalo com alças, e bronze nos exercícios de solo. Outros atletas soviéticos que se destacaram foram Uladzimir Parfianovich, que conseguiu três ouros na canoagem, categoria caiaque, sendo dois em dupla com Sergei Chukhrai; e Valentyn Mankin, ouro na vela, classe Star, ao lado de Aleksandr Muzotsenko. Mankin entrou para a história como o único velejador a conseguir três ouros olímpicos em três classes diferentes - em 1972, em parceria com Vitaly Dyrdyra, havia conquistado o título da Tempest, e em 1968 foi ouro na Finn.
Nos esportes coletivos, a União Soviética levou o ouro do vôlei masculino e feminino, do handebol e do basquete feminino e do pólo aquático. No futebol e no basquete masculino, ficou com a medalha de bronze; no primeiro, perderia nas semifinais para a Alemanha Oriental, que por sua vez perderia o ouro para a Tchecoslováquia, e no segundo cairia diante da surpreendente Iugoslávia, prata em 1976, que desta vez chegaria ao ouro vencendo na final uma ainda mais surpreendente Itália. Mas o esporte coletivo mais curioso em 1980 foi o hóquei: no masculino, aderiram ao boicote nada menos que os cinco primeiros colocados de 1976, além de outras seis equipes classificadas no pré-olímpico, o que deixou o torneio apenas com Índia, União Soviética e Polônia. Como o regulamento da época previa um mínimo de seis times, os soviéticos convidaram quem quisesse participar. Responderam ao convite Espanha, Cuba e Tanzânia. Assim, após 16 anos, a Índia voltou a conquistar o ouro, seguida da Espanha e dos soviéticos. Mas isso não foi nada diante da surpresa que se desvelou no feminino: todos os times, menos a União Soviética, decidiram boicotar o torneio. Convites distribuídos às pressas, atenderam ao chamado Tchecoslováquia, Índia, Áustria, Polônia, e o Zimbábue, que até abril de 1979 se chamava Rodésia e era colônia da Grã-Bretanha. Pois não somente o Zimbábue enviou a Moscou um time composto apenas por brancas descendentes dos colonizadores, como também acabou ganhando três partidas e empatando duas, chegando ao primeiro ouro de sua história, à frente de tchecoslovacos e soviéticos.
No atletismo também foi sentida a ausência dos norte-americanos, e as atenções do mundo acabaram se voltando para dois britânicos, Steven Ovett e Sebastian Coe. Personalidades opostas, rivais declarados que se detestavam mutuamente, Ovett e Coe disputariam as mesmas provas, os 800 e os 1.500 metros. No dia da disputa dos 800, quem liderava a prova até bem perto de seu final era um brasileiro, Agberto Guimarães, mas, na entrada da última curva, os britânicos deram seu bote, cada um com uma estratégia diferente: enquanto Ovett ultrapassou os adversários de qualquer jeito, se metendo entre eles, Coe permaneceu no melhor traçado, e esperou o melhor momento para uma arrancada. A tática de Ovett se mostrou melhor, e ele venceu a prova, deixando Coe com a prata, o soviético Nikolai Kirov com o bronze, e Agberto na quarta posição. Em uma entrevista após a prova, Coe se limitou a declarar que aquela havia sido a pior corrida de sua vida. Mas ele teria a chance de uma revanche seis dias depois, nos 1.500 metros; desta vez Coe adotou uma estratégia melhor, correndo o tempo todo atrás do alemão oriental Jurgen Straub, que disparara logo na largada, aproveitando seu vácuo e se livrando dos retardatários com rapidez. Nos últimos metros da prova, tanto Coe quanto Ovett arrancaram, e Straub decidiu arrancar com eles. Coe ganhou a prova, seguido de Straub e Ovett. Dizem as lendas que, após a prova, os rivais decidiram se confraternizar, e comemoraram seu desempenho tomando um uísque juntos.
Ainda nas distâncias longas, merece destaque o etíope Miruts Yifter, campeão dos 5.000 e dos 10.000 metros, como o finlandês Lasse Virén havia feito em 1972 e 1976. E em pelo menos duas provas do atletismo a vontade dos fiscais soviéticos de que seus atletas vencessem a qualquer custo acabou atrapalhando os adversários. Uma delas foi nos 100 metros, onde, ao contrário do que preza a lógica, em uma das semifinais ficaram todos os favoritos, enquanto na outra o soviético Aleksandr Aksinin corria contra atletas menos qualificados, tanto que o tempo de sua vitória corresponderia ao sétimo tempo quando comparados os das duas semifinais. Na final, Aksinin se limitaria ao quarto lugar, mas dois dos favoritos, o campeão de 1976 Hasely Crawford, de Trinidad e Tobago, e o alemão oriental Eugen Ray, ficariam de fora. Venceria a prova o britânico Allan Wells, primeiro escocês a ganhar um ouro no atletismo desde 1924.
O segundo episódio de favorecimento foi ainda mais descarado: no salto triplo, competia o soviético Viktor Saneyev, tricampeão da prova, que, caso ganhasse novamente, se igualaria ao norte-americano Al Oerter, com quatro ouros olímpicos seguidos no atletismo. Desnecessário dizer, os fiscais decidiram dar uma ajudinha para que Saneyevn atingisse seu objetivo, prejudicando seu maior adversário na prova, o brasileiro João Carlos de Oliveira, apelidado João do Pulo, bronze em Montreal, bicampeão dos Jogos Pan-Americanos e recordista mundial do salto triplo desde 1975. Em Moscou, João teve uma excelente performance, mas os fiscais decidiram anular nove de suas doze tentativas, incluindo um salto perfeito e meio metro mais longo que o melhor de Saneyev, que nem as câmeras de televisão souberam precisar por que foi anulado. João acabou limitado ao bronze, mas, como que por castigo, Saneyev também não conseguiria o ouro, sendo derrotado em sua última tentativa pelo também soviético Jaak Udmae. Um ano e meio após os Jogos, João sofreria um acidente automobilístico em São Paulo, que resultaria na amputação de sua perna direita e no fim de sua carreira como atleta. Ele seguiria como militar, e posteriormente deputado estadual, até falecer em 1999.
O Brasil, apesar de estar vivendo sob uma ditadura militar anticomunista, decidiu não boicotar os Jogos, e enviou a Moscou 109 atletas, sendo 94 homens e 15 mulheres, retornando com o melhor resultado de sua história: quatro medalhas, sendo duas de ouro e duas de bronze. Jamais o país havia ganhado quatro medalhas em uma mesma Olimpíada, quanto mais duas de ouro. Um dos bronzes, como já vimos, veio do salto de João do Pulo; o outro, do revezamento 4 x 200 metros livre da natação, que ainda fez bonito com Djan Madruga, quarto lugar nos 400 metros livre, atrás de três soviéticos. Outros atletas que ficaram próximos de medalha foram o já citado Agberto Guimarães, quarto lugar nos 800 metros do atletismo; o judoca Walter Carmona, quinto lugar na categoria médio; e a equipe do revezamento 4 x 400 metros do atletismo, também quinto lugar. Nos esportes coletivos, o Brasil não foi bem, sequer se classificando nos pré-olímpicos do futebol e do basquete masculino. No basquete, o país até recebeu um convite após a desistência dos boicotadores, e chegou a se classificar na primeira fase perdendo somente para os soviéticos, mas novas derrotas na segunda fase para Espanha e Iugoslávia deixaram os brasileiros fora das semifinais. No vôlei, o masculino terminou em quinto lugar, e o feminino, em sua primeira participação olímpica, em sétimo.
Mas, verdade seja dita, os dois ouros do Brasil não advieram de favorecimento devido à ausência dos países ligados ao boicote: vieram da vela, disputada nas águas de Tallinn, atual capital da Estônia, a primeira na classe Tornado, com Alexandre Welter e Lars Björkström, a segunda na classe 470, com Marcos Soares e Eduardo Penido. Outro brasileiro, Claudio Biekarck, ainda conseguiu um quarto lugar na classe Finn.
Não fosse pelo boicote, os Jogos de 1980 sem dúvida teriam sido os melhores de todos os tempos. Até mesmo a Cerimônia de Encerramento foi algo fabuloso, com um novo show dos dançarinos e dos painéis da platéia. No fim, Lord Killanin passou o bastão da presidência do COI a seu sucessor, o espanhol Juan Antonio Samaranch, que prometeu trabalhar para fazer de 1984 os Jogos da Reconciliação. Infelizmente, por uma armadilha do destino, os Jogos de 1984 seriam realizados nos Estados Unidos, e a União Soviética, evidentemente, encontraria sua forma de se vingar, coordenando um novo boicote, desta vez dos países comunistas.
Talvez por isso, Misha, antes de subir aos céus amarrado em um monte de balões de gás, em um dos painéis formados pela platéia, chorou. Um choro não só de quem estava triste porque sua Olimpíada estava acabando, mas de quem não se conformava que a política continuasse prejudicando o esporte.
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Lake Placid 1980 |
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