sábado, 25 de janeiro de 2025

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Esportes Nômades

Eu sou completamente fascinado pelos Jogos Mundiais Nômades, desde que descobri que eles existem. Não sei se pelo fato de descobrir que existe mais um torneio esportivo do qual pouca gente aqui no Brasil já ouviu falar - "mais um" porque algo semelhante aconteceu quando eu descobri que existiam os World Games - ou porque os esportes do programa são verdadeiramente exóticos, completamente diferentes dos que a gente está acostumado, mas eu busco me informar sobre tudo o que tenha relação com o torneio, o que nem sempre é fácil, já que quase não há informações em inglês e eu não falo nem quirguiz, nem cazaque, as duas línguas nas quais a maior parte das informações está disponível na internet. Evidentemente, desde que eu descobri que o torneio existe, eu também tenho tentado falar sobre os esportes do programa aqui no átomo, os inserindo em posts sobre esportes que tenham relação com eles, ou escrevendo posts específicos, como os do buzkhashi e do ordo.

Acontece que alguns desses esportes não se encaixam em lugar nenhum, nem têm detalhes suficientes para ganhar um post só deles, e deles eu já tinha meio que desistido, achando que nunca falaria sobre eles aqui. Só que a edição mais recente, realizada em Astana, Cazaquistão, no ano passado, trouxe mais alguns esporte novos, o que me animou a juntar todos e escrever esse post. Hoje, portanto, é dia, no átomo, de cinco esportes que fizeram parte dos Jogos Mundiais Nômades sobre os quais eu ainda não havia falado. De esportes nômades, por falta de um título melhor para o post.

E vamos começar por um verdadeiramente exótico, o salbuurun, que não surgiu como um esporte, mas como uma necessidade: na antiguidade, os povos nômades da Ásia Central precisavam caçar pequenos animais para obter carne e peles necessárias à sua subsistência, mas acreditavam que matar animais usando armas, como lanças e machados, era cruel e danificava o couro dos bichos. Eles, então, decidiram treinar aves de rapina para caçar por eles, considerando que a ave matar o animal era mais misericordioso e mais limpo, já que ela não mata com suas garras ou bico, mas quebrando seu pescoço. Esse treinamento não era exclusivo da Ásia Central, sendo conhecido em diversos lugares como falcoaria; o que acontece é que a arte tinha esse nome justamente por usar falcões, que, na região que hoje corresponde ao Quirguistão, eram considerados pouco eficientes. Os nômades da região, então, decidiriam ousar e treinar a águia dourada, mais letal animal alado da Ásia Central e um dos mais poderosos e inteligentes do mundo, para enviá-la em missões de caça. A águia dourada é tão forte que podia caçar não somente coelhos e raposas, mas também lobos, contribuindo, dessa forma, para a segurança da aldeia.

A maioria das aldeias possuía apenas um ou dois treinadores - chamados berkutchi, já que a águia dourada, em quirguiz, é berkut - com a tradição sendo passada de pai para filho. Um dos motivos é que o treinamento é dificílimo, e um berkutchi literalmente dedica sua vida a seu ofício. Para que uma águia seja considerada totalmente treinada e confiável, o treinador leva entre 3 e 4 anos, com o processo começando com o berkutchi capturando um filhote de águia diretamente do ninho - o que é extremamente perigoso, já que ele pode ser atacado e até mesmo morto pela mamãe águia. Uma vez que o filhote tenha sido adquirido, o berkutchi tem que ficar junto a ele 24 horas por dia, para que o reconheça como um amigo e para que se torne dependente dele - durante toda a sua infância, a águia não poderá se alimentar sozinha, com toda a sua alimentação devendo ser providenciada pelo berkutchi. Parte do treinamento também envolve manter a águia no escuro, com a cabeça coberta por um capuz de couro, enquanto o treinador conversa com ela e canta para ela, para que ela se acostume e reconheça sua voz e seus comandos.

Uma vez que a águia esteja pronta para o treinamento prático, é usada uma raposa empalhada, presa a uma corda. Esse treinamento faz com que a águia se acostume a matar mas não comer a presa, nem carregá-la para longe - e o fato de a raposa ser empalhada e estar presa também permite que ela seja usada no treinamento de várias águias. A águia também é treinada para, depois de matar o animal, voltar e pousar na mão do berkutchi, que usa uma luva especial de couro, sem trazê-lo, para não se cansar. Quando a águia está suficientemente treinada com a raposa empalhada, o berkutchi passa a levá-la para caçar animais reais, mantendo sua cabeça coberta até avistar uma presa em potencial. Como recompensa, a águia recebe uma pequena parte da carne de cada animal que matar logo após o treinador recuperá-lo; o restante é levado para a aldeia, onde o restante da carne e a pele serão aproveitados.

Uma águia dourada pode viver cerca de 40 anos caso não ocorra nenhum acidente, de forma que são raros os berkutchi que treinam mais de uma ao longo da vida. Águia e berkutchi têm um relacionamento monogâmico, com o animal sendo considerado parte da família do treinador, que, quando está fora da temporada de caça, ainda precisa passar a maior parte de seu tempo conversando com a águia e a alimentando, senão há o risco de ela voltar a ser selvagem e todo o treinamento ser perdido. A tradição manda que, quando a águia passa dos 20 anos de idade, o berkutchi a liberte para que ela passe pelo menos metade de sua vida como o animal selvagem que ela nasceu para ser. O treinamento é tão eficaz, entretanto, que as águias não querem se separar de seus treinadores, levando cerca de uma semana para, naturalmente, decidirem voltar à vida selvagem, com o treinador não podendo obrigá-la nem maltratá-la para que ela retorne mais cedo.

O tempo passou, e a caça parou de ser necessária, com os povos nômades deixando de ser nômades, se estabelecendo em vilarejos que se transformariam em cidades, e passando a se dedicar à agricultura e à criação de animais. A caça usando águias poderia ter desaparecido completamente nessa época, se não fosse pelo fato de que, devido à sua importância para a sobrevivência das aldeias, as águias douradas passaram a ser consideradas animais sagrados, com os berkutchi, ganhando status elevado dentre a população, se tornando guardiões das técnicas que possibilitavam a ajuda dos animais durante as caçadas, seguindo com o treinamento mesmo que esse já não fosse vital. Ainda assim, o número de berkutchi decrescia a cada ano, até que, em 1997, o governo do Quirguistão, para evitar que a tradição desaparecesse, decidiu criar a Federação Nacional de Salbuurun, nome que criou para um esporte que envolve, dentre outras coisas, a caça usando a águia dourada.

A prática do salbuurun como esporte não começaria em 1997, entretanto; praticamente desde que a caça parou de ser essencial à subsistência do povo quirguiz, treinadores de todo o país se reuniam em festivais, o mais famoso deles em Issyk Kul, onde ainda estão a maioria dos berkutchi, para exibir suas técnicas em festivais, durante os quais a carne dos animais caçados é usada para banquetes comemorativos, a pele para artesanato vendido a turistas, e as próprias demonstrações de caçada sirvam para manter o interesse dos jovens no ofício. O que a Federação de Salbuurun fez foi estabelecer regras para que o esporte pudesse ser disputado de forma competitiva ao invés de somente como demonstração, o que também ajuda em sua popularização. A Federação de Salbuurun também mantém um registro de todos os berkutchi em atividade no país, bem como de suas águias, devidamente identificadas e registradas, para garantir a seriedade do treinamento.

A Federação de Salbuurun também atua em conjunto com guias turísticos, para que esses berkutchi possam ser contratados para demonstrações de caçada para grupos de turistas, contribuindo com sua renda. Existe até mesmo uma cidade, Bokonbayevo, com um local próprio e famoso para as demonstrações, visitada por centenas de turistas todos os anos. Curiosamente, ao contrário de outras federações esportivas, a Federação de Salbuurun, que só atua a nível nacional no Quirguistão, não tem interesse em internacionalizar o esporte, já que a águia dourada é um animal nativo do Quirguistão, os berkutchi são considerados parte da história e tradição quirguiz, e estimular que um monte de forasteiros saia por aí treinando águias somente para competir pode levar à destruição do que eles estão querendo preservar. As regras do esporte, então, foram pensadas para que competidores internacionais possam usar seus próprios pássaros, sejam eles águias, falcões ou gaviões.

O salbuurun esportivo é um esporte em equipes, com cada equipe contando com um líder, que é uma espécie de técnico, e três competidores, que são os treinadores dos animais usados. Cada treinador compete separadamente, mas os pontos que cada um fizer são somados para determinar a pontuação total da equipe. As equipes são pareadas duas a duas e aquela com mais pontos avança, até que só reste a equipe campeã. Em cada torneio, são disputadas três disciplinas, cada uma contando com um vencedor em separado. O salbuurun fez parte do programa de duas edições dos Jogos Mundiais Nômades, ambas disputadas no Quirguistão, em 2016 e 2018, contando com participantes do Quirguistão, Cazaquistão, Uzbequistão, Mongólia, Rússia, Geórgia e Itália.

A primeira disciplina se chama burkut saluu, e é a que deriva da caçada original com águias. Cada equipe conta com o líder e três berkutchi, e competirá em duas provas. A primeira se chama chyrga, e nela um representante da organização vai à frente galopando um cavalo que arrasta, amarrado por uma corda, um "animal falso", feito de peles de raposa; quando esse animal está a 150 metros do local onde o berkutchi está, ele lança sua águia para atacá-lo. Cada berkutchi pode lançar sua águia apenas uma vez, sendo avaliados a velocidade e a força do ataque. Se tudo estiver dentro dos parâmetros, o berkutchi ganha um ponto. Na segunda prova, chamada undok, a águia começa em um poleiro a 200 m do berkutchi, que, a um sinal do árbitro, a chama, agitando em sua mão uma isca. Mais uma vez, o berkutchi só pode chamar a águia uma vez, e ganha um ponto caso ela venha e pouse em sua mão dentro de um minuto. Os pontos de ambas as provas são somados para determinar a equipe vencedora, e o tempo que as águias levaram para completar as provas é usado como critério de desempate.

A segunda disciplina se chama dalba oinotuu, e usa falcões ao invés de águias, com os treinadores se chamando kushchu. Cada kuschu tem uma corda de 1,5 m de comprimento na ponta da qual há um "pombo falso", feito de penas de pombo, faisão e perdiz. No início da competição, o kushchu se posiciona numa área delimitada por cones, lança seu falcão a voo, e começa a girar o pombo falso acima de sua cabeça, imitando os movimentos de um pombo verdadeiro. Durante três minutos, o falcão atacará o pombo, sendo avaliados sua velocidade e força. Para cada vez que o falcão atacar o pombo corretamente, o kushchu ganhará um ponto. A cada vez que o falcão atacar o pombo, o kushchu deve dar-lhe um petisco como recompensa, que carrega em uma espécie de pochete, lançá-lo a voo novamente e começar a girar o pombo novamente, com o relógio ficando parado enquanto o falcão não estiver voando.

A terceira disciplina se chama taigan zharysh, e nela são usados cães de caça, da raça taigan, característica da Ásia Central. Assim como na chyrga, um representante da organização vai à frente galopando um cavalo que arrasta um animal falso, que pode ser feito de peles de raposa ou de lebre. O cavalo corre uma distância de 350 m a uma velocidade entre 60 e 65 km/h. A um comando do árbitro, três treinadores da mesma equipe soltam seus cachorros simultaneamente, com a prova terminando assim que um deles alcança o animal. Cada embate é determinado em melhor de três, ou seja, primeiro a equipe A solta seus cachorros, então a B, e aquela cujo cachorro alcançou o animal em menos tempo ganha um ponto, com tudo se repetindo novamente, sendo vencedora e avançando a equipe que primeiro somar dois pontos.

O salbuurun tem um "parente" nascido no Cazaquistão, o kusbegilik. O kusbegilik é regulado pela Associação de Etnoesporte do Cazaquistão, e, assim como o salbuurun, nasceu de uma tentativa de preservar a tradição de caça com aves de rapina, que também existia naquele país. O kusbegilik também tem três disciplinas, mas todas as três usam aves de rapina, e, ao contrário do salbuurun, que usa animais falsos, suas competições usam animais vivos, o que tem sido durante anos motivo de protesto de entidades de defesa dos animais. Em 2015, o governo do Cazaquistão criaria uma comissão para avaliar e restringir o uso de animais vivos, mas ela decidiria proibir apenas o uso de lobos, mantendo o de raposas, lebres e pássaros. O kusbegilik fez parte do programa dos Jogos Mundiais Nômades de 2024, disputados em Astana, Cazaquistão; participaram treinadores do Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Geórgia, Mongólia, Hungria, Turquia, China, Canadá e Islândia.

De forma diferente do salbuurun, o kusbegilik é um esporte individual. Cada disciplina é dividida em um número de provas, com todos os treinadores participando de todas as provas da disciplina, e sua pontuação em cada prova sendo somada para determinar o vencedor, que será aquele com a maior pontuação final. Caso haja empate, o tempo que as aves levaram para completar cada prova é usado como critério de desempate.

A primeira disciplina é a das águias, chamada burkit, e é dividida em três provas. A primeira é parecida com a undok; nela o treinador começa montado em um cavalo, e a águia em um poleiro a uma distância de 500 metros. A um comando do árbitro, o treinador deve chamar a águia apenas uma vez, e, dentro de um minuto, ela deve levantar voo e pousar em seu braço. Caso isso aconteça, o treinador ganha 10 pontos; se ela primeiro pousar em outro lugar, depois na mão dele, ganha 5 pontos; se ela voar, mas estourar o tempo, 1 ponto; e se nem voar, 0 ponto. A segunda é parecida com a chyrga, e nela um representante da organização vai a cavalo arrastando um coelho, em um trajeto entre 350 e 500 metros. A um comando do árbitro, o treinador lança a águia em direção ao coelho: se ela o pegar em um único movimento, ganha 10 pontos; se fizer um círculo ou tocar o solo antes de pegá-lo, 5 pontos; se alcançar o coelho mas não pegá-lo, 1 ponto; e, se o cavalo chegar ao final da pista sem que a águia tenha alcançado o coelho, 0 ponto. Na terceira prova, o treinador está montado a cavalo, com a águia em seu braço com a cabeça coberta, e uma raposa é escondida no meio da vegetação. A um comando do árbitro, a cobertura é removida, e a águia tem 1 minuto para atacar a raposa. Se o ataque ocorrer, o treinador ganha 10 pontos, com 1 ponto sendo deduzido para cada vez que a águia tocar no chão. Se o tempo estourar, o treinador ganha 1 ponto, e, se a águia não voar, ou voar na direção errada, 0 ponto. Até 2015, havia uma quarta prova, a da caça ao lobo, que atualmente está suspensa.

A segunda disciplina se chama itelgi, e é disputada com falcões, dividida em quatro provas, sendo que a primeira é idêntica à da águia, mas com o falcão começando a 300 metros. A segunda é parecida com a dalba oinotuu, com o treinador girando um pombo numa corda e o falcão tendo 3 minutos para atacá-lo, ganhando 1 ponto cada vez que o acerta. A terceira é idêntica à terceira da águia, com a mesma pontuação, mas é usado um faisão. A quarta também é idêntica, mas sendo usado um coelho.

A terceira disciplina usa gaviões, e se chama karshyga. São três provas, com mais uma vez a primeira sendo idêntica, mas com o gavião começando a uma distância de 200 metros. Na segunda, um pombo é solto no ar, e o gavião deve atacá-lo em pleno voo; o ataque vale 10 pontos, com 1 ponto sendo deduzido a cada vez que o gavião ataca o pombo mas não o mata. Há um limite de tempo de 1 minuto, que, se estourar sem que o gavião tenha matado o pombo, o treinador ganha apenas 1 ponto. Se o gavião não atacar o pombo nenhuma vez, o treinador ganha 0 ponto. A terceira prova é idêntica à quarta prova do falcão.

Vamos passar agora para o asyk atu, um parente do ordo, que nós já vimos aqui em um outro post do átomo. Assim como o ordo, o asyk atu usa ossos do tornozelo de ovelhas como peças; em quirguiz, essa peça se chama alchick, mas, em cazaque, se chama asyk, com atu significando "jogo" - ou seja, asyk atu é o "jogo do asyk". Assim como no ordo, o objetivo é arremessar um asyk para acertar outros asyks que começam o jogo no chão. Todo o resto é diferente, entretanto. O asyk atu também fez parte somente dos Jogos Mundiais Nômades de 2024, contando com a participação de 12 países. Diferentemente do ordo, ele é disputado no masculino e no feminino, e conta com competições individuais e por equipes, com cada equipe sendo composta por três jogadores; a disputa pode ocorrer ao ar livre ou em ambiente fechado.

É interessante registrar que, no Cazaquistão, é vendida uma espécie de tapete, já com todas as marcações necessárias, e normalmente decorado, que basta estendê-lo no chão e o jogo já pode ser praticado, em qualquer lugar. Essas marcações são duas linhas, uma 12 m de comprimento, outra de 1,15 m, que se cruzam exatamente em seu centro, e um círculo de 10 m de diâmetro, centrado na interseção dessas duas linhas. Sobre a linha menor, serão posicionados 15 asyks; cada jogador também tem um asyk, maior e de cor diferente, chamado saka. Posicionado da ponta da linha vertical, ou seja, a 6 metros dos asyks, o jogador deverá arremessar o saka para que ele acerte um dos asyks, com força suficiente para que ele saia do círculo. Se conseguir, o jogador tem direito a um novo arremesso; se não, o asyk volta para sua posição inicial, e a vez passa para o oponente. Os jogadores alternam os lados da linha a cada arremesso, passando para a outra ponta quando o arremesso é bem sucedido, e com o jogador seguinte arremessando da ponta oposta ao que o anterior estava quando errou. Em jogos por equipes, os jogadores se alternam conforme entram em jogo, ou seja, primeiro o jogador A1, quando ele errar o B1, quando ele errar o A2, quando ele errar o B2, e assim por diante.

A partida é disputada em melhor de cinco meetings, com o jogador ou equipe que primeiro ganhar três meetings vencendo da partida. Cada meeting tem duração máxima de 15 minutos, sendo vencedor quem tiver mais pontos ao final desse tempo, exceto se um jogador ou equipe conseguir 8 pontos, quando o meeting será imediatamente encerrado com sua vitória. Caso o tempo do meeting termine com um empate, é jogado um tie break de 3 minutos; persistindo o empate, cada jogador ou equipe terá direito a três tentativas (no caso das equipes, uma por jogador), mas arremessando da linha do círculo, ou seja, a 5 metros. Se, mesmo assim, persistir o empate, é feita uma espécie de sorteio, com cada jogador jogando um asyk e ganhando uma determinada quantidade de pontos de acordo com o lado que ficar para cima, como se ele fosse um dado, até que um ganhe mais pontos que o outro.

O asyk atu é um dos passatempos mais antigos do mundo, com peças e tabuleiros sendo encontrados em sítios arqueológicos que datam do século I. Sua transformação em esporte, porém, é bastante recente, sendo creditada a dois cientistas, Zh.S. Sabyrzhanov e E.B. Narymbaev, que, em 2011, publicaram um conjunto de regras que acreditavam ser o mais próximo possível das originais e submeteram o trabalho ao Ministério do Esporte do Cazaquistão. Em 2013, o asyk atu seria considerado esporte pelo governo cazaque, que implementaria sua prática em todas as escolas públicas do país; em 2017, ele seria considerado pela UNESCO patrimônio imaterial da humanidade, e, em 2018, seria fundada a Federação Internacional de Asyk Atu, sediada no Cazaquistão, que hoje conta com 18 membros, todos da Ásia e Europa. Devido às (poucas) semelhanças entre o asyk atu e o ordo, jogadores de um costumam participar de torneios do outro, e uma equipe cazaque de asyk atu até mesmo já foi campeã de um torneio de ordo disputado no Quirguistão em 2021.

Nas escolas do Cazaquistão, o asyk atu é ensinado exclusivamente para os meninos; as meninas disputam um jogo chamado bes asyk, também regulado pela Federação Internacional de Asyk Atu. Nele, cada jogador tem quatro asyk e um saka, e joga com seus próprios, sem que eles sejam compartilhados. Os jogadores se posicionam sentados no chão, de pernas cruzadas, podendo ser usado o tapete do asyk atu ou outra cobertura para que a superfície de jogo fique uniforme. Uma partida inteira tem 12 rodadas, cada uma com um nome e regras próprias; caso falhe em cumprir qualquer uma das regras da rodada, o jogador encerra sua participação, mas os outros continuam avançando até todos serem eliminados ou concluírem a última rodada.

Antes de cada uma das três primeiras rodadas, o jogador coloca os quatro asyks e o saka na mão, e, com um movimento próprio, os espalha à sua frente, pegando então o saka com uma das mãos e deixando os asyks no chão. Cada rodada tem uma quantidade de movimentos necessários e uma quantidade de asyk que o jogador deverá recolher com cada movimento. A cada movimento, o jogador joga o saka para cima, recolhe a quantidade de asyks requerida, e então deve pegar o saka com a mesma mão que o lançou. Os asyks recolhidos não ficam na mão que vai pegar o saka quando ele descer, devendo ser separados; o método mais usado é o jogador apoiar sua outra mão no chão, com a palma para cima, e usá-la para separar os asyks recolhidos, mas eles podem simplesmente ser colocados próximos ao corpo do jogador. Na primeira rodada, chamada birlik, a cada vez que jogar o saka para cima, o jogador deverá recolher um dos asyks, ou seja, precisará de quatro movimentos para concluir a rodada. Na segunda, chamada ekilik, a cada vez que jogar o saka para cima, o jogador deverá pegar dois asyks, concluindo a rodada em dois movimentos. Na terceira, ushtik, são necessários dois movimentos: da primeira vez em que jogar o saka pra cima, o jogador pega três asyks, e, da segunda, o que ficou sobrando.

As rodadas seguintes possuem algumas regras diferentes. Na quarta, torttik, o jogador não espalha os asyks antes de começar: ele primeiro joga o saka pra cima, então deve arrumar os quatro asyks da forma que quiser, pegar o saka, jogá-lo novamente para cima, recolher todos os quatro asyks em um único movimento, separá-los, e então pegar o saka que está caindo. Na quinta, zhalak, os asyks sequer são usados: primeiro o jogador joga o saka para cima, então bate com a mão cinco vezes no chão e pega o saka de novo. Na sexta, alakan, os asyks voltam a ser espalhados, mas não são separados após recolhidos, devendo ficar na mão que vai pegar o saka, sendo usada a mesma regra da primeira rodada, com quatro movimentos e os asyks sendo recolhidos um por vez. Na sétima rodada, tort burysh, primeiro os asyks são arrumados para formar um quadrado de forma que fiquem todos equidistantes e a no mínimo 7 cm uns dos outros, então o saka é jogado para cima, todos são recolhidos em um único movimento, e o jogador pega o saka com os asyks ainda na mão.

Na oitava rodada, almastyru, primeiro o jogador espalha os asyks, então ele joga o saka para cima, pega um dos asyks e, com ele ainda na mão, pega o saka. Então ele joga o saka novamente para cima, devolve o asyk para o mesmo lugar onde ele estava, pega outro asyk e pega o saka. Depois que ele tiver feito isso com todos os quatro asyks, um por um, ele joga o saka para cima, pega todos os quatro de uma vez e pega o saka com eles ainda na mão. A nona rodada, undemes, tem a mesma regra da sexta, mas com uma diferença: toda vez que o jogador pegar o saka, ele não pode fazer nenhum som, ou seja, não pode bater nos asyks que estão em sua mão. A décima rodada, sart-surt, é idêntica, mas ao contrário: o saka deve fazer som, obrigatoriamente acertando um dos asyks que o jogador tem na mão. A décima-primeira rodada, karshu, tem a mesma regra da primeira, mas o jogador deve pegar o saka com as costas da mão para cima, ou seja, capturando-o no ar ao invés de deixando ele cair na palma de sua mão.

Na décima-segunda e última rodada, otau, com a mão que não vai jogar o saka para cima, o jogador faz uma "caverna", apoiando-a no chão de forma que, entre o polegar e os outros dedos haja um arco, mais ou menos como um gol. Após jogar o saka para cima, o jogador, ao invés de recolher um asyk, deve dar um peteleco nele para que ele passe por dentro do arco, sem bater nos dedos, terminando seu movimento do outro lado. Os asyks levam petelecos um por um, sendo necessários quatro petelecos para completar a rodada.

Após todos os jogadores serem eliminados, é feita a rodada de pontuação: o jogador coloca seus quatro asyks e seu saka enfileirados na palma de sua mão, faz um movimento para jogá-los para cima e então vira a mão, devendo fazer com que eles pousem nas costas de sua mão. Então ele faz um movimento para jogá-los para cima de novo, vira novamente a mão e tenta recolhê-los na palma de sua mão, fechando a mão ao terminar. A pontuação de cada jogador será de 10 pontos para cada peça que tiver na mão após essas duas jogadas, multiplicados pelo número da rodada anterior àquela onde ele foi eliminado - o máximo de pontos que um jogador pode fazer, portanto, é 600, se conseguir completar a última rodada e pegar todas as cinco peças. Em caso de empate, ganha quem concluiu a última rodada em menos tempo, então quem concluiu a penúltima em menos tempo, e assim por diante.

O quarto esporte que veremos hoje é o tenge ilu, também originário do Cazaquistão, e que se parece um pouco com o tent pegging, outro esporte que já vimos aqui no átomo, com a principal diferença sendo que o tent pegging usa armas como espadas e lanças, enquanto no tenge ilu os competidores atuam com as mãos nuas. O tenge ilu foi esporte de demonstração nos Jogos Mundiais Nômades de 2022, em Izmir, Turquia, e esteve no programa principal dos de 2024. Além de no Cazaquistão, onde surgiu como treinamento de soldados antes de virar esporte, o tenge ilu é popular na Mongólia, Quirguistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Rússia e China; atletas do tent pegging também costumam se arriscar em alguns torneios.

O tenge ilu, que é regulado pela federação cazaque, e por enquanto não tem federação internacional, é disputado a cavalo, em uma pista de terra batida que tem 150 metros de comprimento por 20 de largura, delimitada em seu início e final por duas linhas brancas de 10 cm de largura cada. O objetivo de cada competidor é correr a cavalo por essa pista recolhendo os tenge, que, de longe, se parecem com petecas, mas são saquinhos de tecido, normalmente de cor vermelha, cheios de areia e com a boca amarrada por uma fita, de forma que parte do tecido forme um "penacho" na parte de cima; cada tenge tem aproximadamente 8 cm de altura, e deve pesar exatamente 200 g. O objetivo do cavaleiro é, se pendurando na lateral do cavalo, "recolher" o maior número de tenge possível; antigamente, isso exigia que ele pegasse o tenge e levasse até a linha de chegada, mas, atualmente, ele pode apenas zunir o tenge para fora da pista que ele será considerado recolhido, o que tornou as provas mais dinâmicas. Cada tenge recolhido vale 1 ponto.

Cada cavaleiro tem direito a duas passagens pela pista, com os pontos e o tempo de ambas sendo somados para determinar seu resultado final. Cada prova tem um tempo máximo, que, se estourar, resulta na perda de 1 ponto para cada segundo além do limite. O tenge ilu pode ser disputado de forma individual ou por equipes, e a competição pode ser eliminatória, com os cavaleiros ou equipes sendo pareados dois a dois, os vencedores avançando e os perdedores sendo eliminados, ou em etapas, com os melhores de cada etapa passando para a seguinte e o melhor da etapa final sendo o vencedor. Caso haja empate em pontos, o desempate é feito pelo tempo. É um esporte tradicionalmente masculino, mas alguns torneios já possuem provas femininas ou aceitam equipes mistas.

Cada partida conta com dois árbitros de início e fim, o de início localizado na linha de partida e o de fim na linha de chegada, cada um com uma bandeira verde, e um árbitro para cada tenge, localizado de forma paralela ao tenge, com uma bandeira vermelha. O árbitro de início levanta a bandeira quando o cavaleiro passa pela linha de partida, determinando que o tempo comece a contar, e o de fim levanta quando ele cruza a linha de chegada, determinando que o tempo pare de ser contado; cada árbitro de tenge levanta sua bandeira quando o tenge é corretamente recolhido. Os árbitros não ficam dentro da área de competição, e sim atrás de uma placa que delimita a pista na largura, e que também pode servir para expor patrocínio.

O tenge ilu possui três disciplinas. A mais popular se chama bes beles, e nela cada cavaleiro tem direito a 35 segundos na pista. Metade dos tenge é colocada do lado direito da pista e metade do lado esquerdo, e, na segunda passagem, o cavaleiro correrá no sentido contrário da primeira - ou seja, na segunda passagem a linha de chegada é a linha de partida e vice-versa. No início de cada passagem, cada tenge é posicionado a 10 m de distância do anterior. Nas etapas iniciais, são usados cinco tenge em cada passagem, o primeiro a 75 metros da linha de partida; nas etapas finais, são sete tenge, com o primeiro sendo posicionado a 65 m da linha de partida. Todos os tenge são posicionados de forma que o cavaleiro se pendure do lado direito do cavalo.

A segunda disciplina é a kos kulash, e é muito mais difícil. Pra começar, metade dos tenge estão do lado direito do cavaleiro, enquanto a outra metade está do lado esquerdo, o que significa que, no meio da prova, ele tem que mudar o lado no qual ele está pendurado no cavalo. As duas passagens são feitas no mesmo sentido; o primeiro tenge é posicionado a 65 m da linha de partida e os seguintes a 10 m do anterior, exceto o primeiro do lado esquerdo, que é posicionado 40 m após o último do lado direito. Nas etapas iniciais são quatro tenge, dois de cada lado, enquanto nas etapas finais são seis, três de cada lado. Como se isso não fosse difícil o suficiente, o tempo limite em cada passagem é praticamente a metade: 16 segundos para cada cavaleiro.

A terceira disciplina se chama zheti kut, e é uma espécie de mistura das duas. Nas etapas iniciais, são usados cinco tenge, o primeiro a 75 m da linha de partida e os seguintes a 10 m do anterior cada, e nas etapas finais são sete, o primeiro a 65 m da linha de partida, todos os tenge do lado direito do cavaleiro, mas o tempo limite é de apenas 16 segundos, e as duas passagens são feitas no mesmo sentido. Também vale citar que, em todas as três disciplinas, um cavaleiro que caia do cavalo pode montar de novo e completar a prova, mas seu tempo continua contando, e a corrida deve ser sempre para a frente, sem nenhum cavaleiro poder voltar e recolher tenge que ficaram para trás.

Para terminar, vamos ver o chevgan, também grafado chovgan, chowgan, chogan, cowgan ou chovqan, que foi esporte de demonstração nos Jogos Mundiais Nômades de 2022. O chevgan é um esporte que surgiu na Pérsia, por volta do século VI a.C., e que, ao migrar para a Índia, deu origem ao polo. Indo para o outro lado, porém, para o Azerbaijão, ele desenvolveu regras levemente diferentes, passando a ser considerado um esporte em separado, chamado çovken. Na época em que o Azerbaijão fez parte da União Soviética, sua prática foi reprimida ou substituída pela do polo, de forma que ele quase desapareceu, mas, a partir de 2006, com a criação da Federação Azeri de Chevgan, ele voltou a ser disputado, e vem se popularizando mais e mais a cada ano, inclusive tendo sido eleito pela UNESCO como patrimônio imaterial da humanidade em 2013.

O chevgan é disputado em um campo de 275 metros de comprimento por 145 de largura, cercado por uma mureta. Esse campo pode ser gramado ou de terra batida, ao ar livre ou coberto. Em cada uma das linhas de fundo há um gol, delimitado por dois postes, de 3 m de largura, e em frente a cada gol é marcada a área, com um semicírculo de 6 m de raio centrado no meio do gol. A bola é feita de borracha oca ou de couro com um núcleo de lã, com cerca de 80 mm de diâmetro e 120 g de peso.

Uma equipe de chevgan conta com seis jogadores, sendo quatro atacantes e dois defensores. Os defensores não podem passar da linha do meio do campo e não podem marcar gols - aliás, os gols só são válidos se marcados pelos atacantes e se tanto o cavalo quanto a bola estiverem fora da área no momento em que ela foi atirada para lá. Para mover a bola, os jogadores usam bastões de cerca de 1,3 m de comprimento, que lembram cajados de pastores de cabeça para baixo, contando com uma parte curvada em seu final. Uma partida de chegvan dura dois tempos de 15 minutos cada, e vence o time que fizer mais gols. Em caso de empate em um jogo decisivo, é jogada uma prorrogação na qual vence quem marcar um gol primeiro.

O torneio mais famoso do chevgan é a President's Cup, realizada anualmente em dezembro desde 2006, que conta com oito times, cada um representando uma cidade na qual o esporte é popular. Infelizmente, o chevgan não é praticado em lugar nenhum além do Azerbaijão, então, a menos que esse cenário mude, ou que jogadores de polo estejam dispostos a se arriscar, é impossível a realização de um torneio internacional.

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