domingo, 5 de setembro de 2021

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Corridas de Cavalos

Eu já falei aqui sobre vários esportes a cavalo, mas nunca sobre aquele que, talvez, seja o mais básico de todos: as corridas de cavalos. Em minha defesa, devo dizer que, quando alguém fala em esportes, uma corrida de cavalos realmente não costuma ser o primeiro que nos vem à mente. Ainda assim, as corridas de cavalos possuem detalhes interessantes, que, a meu ver, justificam ganharem um post. E será esse aqui. Hoje é dia de corridas de cavalos no átomo.

Como era de se esperar, as corridas de cavalos são um dos esportes mais antigos do mundo, talvez somente não mais antigos que o atletismo - afinal, o cavalo é um animal que sempre fez parte da nossa sociedade, então, depois de disputar quem corria mais rápido, nada mais natural que os povos da antiguidade decidissem disputar quem tinha o cavalo que corria mais rápido. Existem registros arqueológicos da existência de corridas de cavalos puramente esportivas na Grécia Antiga, no Egito Antigo, e até na Babilônia. Além das corridas "puramente" de cavalos, a corridas nas quais os animais puxavam carroças ou carruagens também eram bastante populares, especialmente as corridas de bigas - que tinham esse nome por serem puxadas por dois cavalos, com a versão de quatro animais sendo conhecida como quadriga - do Império Romano. Tanto a corrida de cavalos quanto a corrida de carruagens eram eventos que valiam medalhas nas Olimpíadas da Antiguidade, disputadas na Grécia.

A corrida de cavalos como conhecemos hoje, entretanto, começaria a surgir no século XVII, quando aristocratas britânicos começaram a organizar provas não para medir a habilidade dos cavaleiros, e sim a qualidade dos cavalos - ter um animal vencedor era garantia não somente de grande prestígio, mas também de grandes lucros, já que os demais de sua criação poderiam alcançar grandes preços em suas vendas. Devido ao envolvimento da nobreza, especialmente do Rei Carlos II, que não somente era criador, como também gostava de montar seus próprios animais durante as provas, as corridas de cavalos logo ganhariam o apelido de "o esporte dos reis"; por ser um esporte extremamente caro, porém, à população em geral restava apenas assistir - e aí começaria a estreita relação das corridas de cavalos com as apostas, já que, para que as disputas ficassem mais interessantes, o público gostava de apostar dinheiro para tentar acertar qual cavalo seria o vencedor.

As corridas de cavalos mais populares da Inglaterra aconteciam na cidade de Newmarket, em Suffolk, pois era lá que Carlos II participava em pessoa. Para garantir que as regras das corridas seriam seguidas em todo o país, coibir práticas desonestas, propiciar maior justiça às provas - agrupando os cavalos e cavaleiros por nível de destreza, por exemplo - e impedir o crescimento de um já existente mercado negro de apostas, garantindo que o dinheiro arrecadado com as apostas seria revertido para o esporte, em 1750 seria fundada em Newmarket uma entidade chamada Jockey Club, que, para todos os efeitos, seria a federação nacional de corridas de cavalos do Reino Unido. O modelo do Jockey Club seria copiado em diversos países, inclusive no Brasil, que tem seu próprio Jóquei Clube. Hoje, os Jóquei Clubes já não são mais responsáveis por regular o esporte, com esse papel ficando com órgãos privados ou governamentais, dependendo do país, mas atuam como organizadores das provas - o Jockey Club da Inglaterra, por exemplo, é dono de 15 dos mais famosos hipódromos do Reino Unido, sendo responsável por organizar as provas que acontecem neles, mas a regulação das corridas de cavalos no país fica a cargo da British Horseracing Authority, órgão fundado em 1993 que conta com membros do governo e representantes dos criadores de cavalos.

Quando as corridas de cavalos começaram a se popularizar no restante do planeta, se tornou necessário a criação de um órgão internacional, que garantisse que as mesmas regras fossem cumpridas em todo o planeta. Assim, em 1961, seria fundada a Federação Internacional das Autoridades em Corridas de Cavalos (IFHA), que hoje conta com 68 membros, incluindo dois do Brasil, o Jockey Club Brasileiro, sediado no Hipódromo da Gávea, no Rio de Janeiro, e o Jockey Club de São Paulo; curiosamente, a IFHA também possui seis "membros parciais" (um deles a China), entidades que decidiram seguir apenas alguns dos ditames do órgão, ignorando os outros. A maior luta da IFHA hoje, acreditem ou não, é para que as corridas de cavalos sejam efetivamente consideradas um esporte, e que ela mesma seja considerada uma federação esportiva; isso ocorre porque, devido à relação estreita das corridas de cavalos com as apostas - o sistema de apostas não somente é permitido pela IFHA, mas também considerado por seus membros como essencial para as corridas de cavalos, que, segundo eles, sequer poderiam existir sem ele - em muitos países elas são consideradas pelo governo como jogos de azar, tipo aqueles disputados em um cassino, e não como competições esportivas.

Hoje, de acordo com a IFHA, existem cinco modalidades de corridas de cavalos; sobre uma delas, o endurance racing, que consiste em cobrir longas distâncias em múltiplas etapas ao longo de vários dias, eu já falei aqui quando falei sobre equitação, pois, apesar de não regular as corridas de cavalos, a Federação Equestre Internacional (FEI) regula sua própria versão do endurance, que conta com provas internacionais envolvendo os cavaleiros registrados na FEI. A IFHA segue as mesmas regras da FEI, então não há por que eu me repetir.

Das quatro outras modalidades, vamos começar pela mais popular de todas, a flat racing, que poderia ser traduzida como "corrida em terreno plano", mas, aqui no Brasil, é conhecida como turfe - aportuguesamento da palavra inglesa turf, que, antigamente, era usada como sinônimo de grass ("grama"), e se tornou associada às corridas de cavalos porque, na Inglaterra, as pistas dos hipódromos têm superfície de grama. Atualmente, aliás, turf, em inglês, também é usado como sinônimo de corrida de cavalos, embora de modo informal, enquanto, no Brasil, é o nome oficial do esporte.

O turfe é o descendente direto das corridas de cavalos criadas pelos aristocratas britânicos; nele, os melhores animais de cada criador competem uns contra os outros, montados por cavaleiros altamente especializados conhecidos como jóqueis. Como é evidente que o cavalo conseguirá correr mais rápido se estiver carregando menos peso, jóqueis costumam ser bem magrinhos; por questões aerodinâmicas, eles também costumam ser bem baixinhos. Essas duas características faziam com que, em muitos países, crianças fossem as preferidas para serem jóqueis, mas, atualmente, a IFHA possui regras rígidas para coibir não somente a exploração infantil, mas também o tratamento desumano aos jóqueis - também era comum deixar os jóqueis sem comer por vários dias antes da prova, por exemplo, para diminuir seu peso, o que hoje é proibido. Além de pequenos, jóqueis também possuem um treinamento rígido, pois não basta montar no cavalo e fazer ele correr, é preciso conhecer uma série de comandos e reconhecer quase que instantaneamente diversos comportamentos do cavalo, para garantir que ele consiga correr na maior velocidade possível sem se ferir ou ficar excessivamente estafado. Uma característica curiosa dos jóqueis é seu uniforme, normalmente em cores berrantes e estampas como losangos e bolinhas; os padrões do uniforme dos jóqueis se referem ao criador do animal que ele está montando, e cada criador costuma escolher um padrão que se destaque dos demais sem ser confundido com o de um rival. O turfe é um esporte misto, com homens e mulheres competindo juntos, e o feminino de jóquei é joqueta.

O turfe é disputado em um local chamado hipódromo, que normalmente tem formato de estádio - duas retas ligadas por dois semicírculos, como uma pista de atletismo - mas isso não é regra - uma dos mais famosos hipódromos da Inglaterra, o Royal Windsor, acreditem ou não, tem formato de 8. Hipódromos também costumam ter vários traçados possíveis, para a realização de diversos tipos de prova - o Hipódromo da Gávea, por exemplo, tem três traçados diferentes, um "dentro do outro" e todos compartilhando uma mesma curva. Na Europa e Oceania, o normal é que a superfície da pista seja gramada, mas nas Américas, África e Ásia, o normal é que a pista seja de terra batida ou areia; já existem também, no Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e Rússia, hipódromos com pistas de superfície sintética, parecida com a usada em pistas de atletismo. Assim como no tênis, a superfície da pista do hipódromo influencia diretamente no desenrolar da prova, interferindo na velocidade dos cavalos. A pista do hipódromo normalmente é perfeitamente plana (de onde veio o nome flat racing), mas algumas, como a do famoso Epsom Racecourse, na Inglaterra, possuem mudanças de elevação ao longo da pista e até mesmo ângulos inclinados nas curvas.

Pelas regras da IFHA, uma prova de turfe tem entre 400 m e 4 km de extensão. A extensão exata da pista de cada hipódromo varia, mas geralmente tem entre 1,5 e 2 km no total, com a reta principal tendo entre 300 e 500 m, o que faz com que as provas mais curtas sejam disputadas apenas nas retas, e as mais longas com várias voltas em torno da pista - hipódromos com mais de uma pista, como o da Gávea, têm a vantagem, portanto, de poder realizar provas diferentes em configurações diferentes. Os quatro tipos mais comuns de prova são o sprint, na distância de 1.000 m; a milha, na distância de 1.600 m (uma milha, na verdade, tem 1.609,34 m, mas é feita uma aproximação); a corrida de meio-fundo, na distância de 2.400 m (equivalente mais ou menos a uma milha e meia); e a corrida de fundo, na distância máxima permitida, ou seja, 4.000 m (equivalente mais ou menos a duas milhas e meia). Vale dizer que, na Europa, as corridas com mais de uma volta na pista são disputadas em sentido horário (conhecido como English Style), enquanto no resto do mundo é usado o sentido anti-horário (conhecido como American Style).

É interessante também registrar que o turfe possui uma medida de comprimento que praticamente só é usada nele, o furlong. Originalmente, um furlong era uma medida medieval correspondente à extensão que um par de bois conseguia arar andando em linha reta continuamente sem descanso (sendo "furlong" uma corruptela de furrow length, "extensão do sulco"); posteriormente, ela seria padronizada para um oitavo de milha, ou 220 jardas, o equivalente a 201,168 m, e arredondada para 200 m. Não se sabe nem como, nem por que, mas o furlong acabaria se tornando a medida preferencial para as distâncias das provas do turfe, com a distância mínima permitida pela IFHA sendo de 2 furlongs, a máxima de 20 furlongs, o sprint sendo 5 furlongs, a milha tendo 8 furlongs e a corrida de fundo contando com 12 furlongs. Aqui no Brasil a gente felizmente não usa furlongs, e mede tudo em metros mesmo.

Uma corrida no turfe é chamada de páreo, e é disputada por um número pequeno de cavalos, normalmente 8, 10 ou 12. Para que todos larguem em igualdade de condições, é usado um sistema chamada starting gate ou box, no qual, na largada, há uma espécie de portão, com uma baia e uma porta para cada cavalo que vai participar daquele páreo. Ao ser dada a largada, o oficial de largada pressiona um botão que faz com que todas as portas se abram simultaneamente, fazendo com que todos os animais larguem juntos. O portão não é localizado no meio da pista, e sim em uma espécie de prolongamento, para que, quando uma prova tiver mais de uma volta na pista, os cavalos não precisem passar novamente pelo portão. A pista do hipódromo também não tem raias, com os cavalos podendo todos seguir para o lado mais de dentro (e, portanto, de percurso mais curto) após o fim da primeira reta. Em uma prova completa, são disputados dez páreos, cada um com seu próprio vencedor; cada páreo conta com cavalos diferentes, com o chamado páreo principal contando com os melhores, e o vencedor do páreo principal sendo considerado o campeão da prova.

Provas de turfe são divididas em categorias: na Europa, Austrália e Nova Zelândia, elas são classificadas em Grupo 1, 2 ou 3, enquanto nos Estados Unidos, Canadá e Emirados Árabes Unidos a classificação é em Grade I, II, III ou IV, e no Brasil são usadas as Categorias A, B e C; outros países podem usar seus próprios sistemas, mas sempre com a característica de que a categoria determina quais conjuntos podem disputar cada prova - assim como no tênis, onde somente os melhores tenistas podem participar de um Grand Slam, no turfe apenas os melhores cavalos e jóqueis podem participar das provas de Grade I. Independentemente da classificação, a prova pode ter um sistema de handicap, segundo o qual os cavalos têm pesos atrelados a suas selas para que todos corram em igualdade de condições; existe uma longa série de regras que têm de ser cumpridas, mas, basicamente, o cavalo melhor corre carregando mais peso. Também existem provas chamadas de condition races, nas quais os pesos são atrelados levando em conta fatores simples como o sexo do animal (com os machos levando mais peso que as fêmeas) ou a idade (com os mais jovens levando mais peso), e provas nas quais os cavalos devem cumprir condições específicas, como idade mínima ou máxima, tempo de experiência em corridas, e outras.

As principais provas de turfe do mundo, todas disputadas anualmente, são o Kentucky Derby, disputado desde 1875 nos Estados Unidos, na distância de 2.000 m, com os cavalos tendo peso adicionado por idade e sexo; o Epsom Derby, disputado desde 1780 no Epsom Racecourse, na Inglaterra, na distância de 2.420 m (oficialmente, "uma milha, quatro furlongs e seis jardas"); o Irish Derby, disputado na Irlanda desde 1866, na distância de 2.414 m; a Queen's Plate, do Canadá, mais antiga prova das Américas ainda em disputa, desde 1860 na distância de 2.000 m; a Melbourne Cup, de 3.200 m, desde 1861, na Austrália; a Japan Cup, desde 1981, de 2.400 m com peso adicionado por idade; o Prix de l'Arc de Triomphe, de 2.400 m, disputada desde 1920 em Paris, França; e a Copa do Mundo de Dubai, disputada desde 1996 nos Emirados Árabes Unidos, na distância de 2.000 m. Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, Canadá, Austrália, Japão e França contam, cada um, com sua própria Tríplice Coroa do Turfe, cada uma com três provas diferentes consideradas as de maior prestígio daquele país; o Reino Unido também conta com as Five Classics, cinco provas disputadas desde o século XVIII, três das quais também fazem parte da Tríplice Coroa. No Brasil, a principal prova do turfe é o Grande Prêmio Brasil, realizado desde 1933 no Hipódromo da Gávea, na distância de 2.400 m. Vale citar que, normalmente, todos os cavalos que participam de uma prova são de criadores do próprio país onde a prova está sendo realizada, assim como todos os jóqueis são daquele país, sendo rara a participação de conjuntos internacionais; a mais notável exceção é a Copa do Mundo de Dubai, criada justamente para que conjuntos de diversos países pudessem competir uns contra os outros.

A segunda modalidade que veremos hoje é o gait racing, sendo gait uma palavra que pode ser traduzida como "marcha", pois se refere ao tipo de passo utilizado pelo cavalo quando está correndo. Todas as provas de turfe são de "marcha livre", já que os cavalos só precisam correr, mas todos os jóqueis acabam fazendo com que seus cavalos usem o galope, que é a marcha mais rápida, já que o objetivo é simplesmente chegar na frente dos outros; nas provas de gait, há um tipo de marcha específico determinado pela organização da prova que deve ser mantido durante toda sua extensão, com os jóqueis sendo penalizados e até desclassificados caso o cavalo utilize um tipo de marcha diferente. Fazendo uma comparação tosca, é como se o turfe fosse uma prova dos 100 m do atletismo, na qual todos correm livremente, mas o gait é a prova da marcha atlética, na qual há uma regra que determina a forma apropriada de correr.

Além do galope, no qual o cavalo toca o chão primeiro com as duas patas da frente e depois com as duas de trás, dobrando os joelhos ao tomar impulso e ficando por um breve momento sem contato de nenhuma das patas com o solo, os demais tipos de marcha usados nas provas de gait são o canter (abreviação de Canterbury gallop, pois essa foi uma técnica de galope criada na cidade de Canterbury, Inglaterra), no qual o cavalo toma impulso apenas com a pata traseira direita, levando as três outras para a frente, então dá uma passada com a traseira esquerda e a dianteira direita simultaneamente, e então toca o chão rapidamente com a dianteira esquerda, antes de tomar um novo impulso com a traseira direita; o trote, no qual o cavalo toca o chão alternadamente com os pares diagonais (primeiro com a dianteira esquerda e traseira direita, então com a dianteira direita e traseira esquerda); o passo, no qual o cavalo toca o chão alternadamente com as duas patas do mesmo lado (primeiro dianteira e traseira direitas, então dianteira e traseira esquerdas); e o vagar, no qual o cavalo tem sempre apenas uma das patas em contato com o solo, estando as outras três suspensas, a todo momento. O trote e o passo são considerados marchas de dois toques, porque o cavalo faz dois sons de contato dos cascos com o solo para cada movimento completo, o canter é uma marcha de três toques, e o galope e o vagar são marchas de quatro toques.

Como já foi dito, quem determina qual marcha é válida para cada prova é a organização, com somente um tipo de marcha sendo permitido por prova. A distância também é determinada pela organização, e normalmente é muito maior que a de uma prova de turfe, tendo entre 5 e 25 km de extensão. A superfície da pista normalmente é de terra batida, e a prova pode ser disputada em um hipódromo, durando um determinado número de voltas, ou estrada, percorrendo um trajeto único. Assim como o turfe, o gait é um esporte misto, com homens e mulheres competindo juntos.

Provas de gait são praticadas nos Estados Unidos e Reino Unido, onde diferentes provas usam diferentes tipos de marcha; na Suécia, Noruega e França, onde usam exclusivamente o trote; na Nova Zelândia, onde usam o trote e são conhecidas como saddle trot races; no Peru, onde usam o vagar, numa técnica conhecida como paso llano; e na Islândia, onde usam uma técnica de vagar conhecida como tölt. Na Turquia, o esporte de corrida de cavalos mais popular é de gait, e se chama rahvan binicilik (binicilik significa "hipismo", e rahvan é a raça dos cavalos usada nessa prova), regulado pela GSDF, a federação turca de esportes tradicionais. A raça rahvan é originária da Turquia, onde foi domesticada no século VIII, e, segundo os turcos, somente ela consegue aprender o tipo de marcha usado nesse esporte, que mistura o passo e o galope, com o cavalo usando ambas as patas do mesmo lado de cada vez, mas dobrando os joelhos ao fazê-lo. Provas de rahvan binicilik têm entre 5 e 10 km de extensão, e são disputadas por grupos de no mínimo 8 conjuntos, em hipódromos ou estradas. Durante o inverno, algumas provas são disputadas na neve.

Mas o esporte de gait mais popular do mundo é o at chabysh, que significa, literalmente, "corrida de cavalo". Esporte tradicional dos povos nômades da Ásia Central, bastante praticado em países como Quirguistão, Cazaquistão, Uzbequistão e Mongólia, o at chabysh possui quatro tipos de provas diferentes: a alaman baige ("prêmio misturado") é uma prova de 22 km na qual a marcha permitida é o trote; o kunan chabysh ("corrida curta") também usa o trote, mas na distância de 11 km; o zhorgo salysh ("comando do passo") também tem distância de 11 km, mas a marcha permitida é o passo; e o byshty zhorgo ("passo diferente") tem distância de 6 km e a marcha permitida é o vagar. Toda vez que o cavalo "erra o passo", é contado um pulo; mais de três pulos consecutivos são considerados uma falha. No alaman baige e no zhorgo salysh um conjunto é desclassificado após três falhas ou 14 pulos (já que nem todo pulo resulta em uma falha); no byshty zhorgo após quatro falhas ou 15 pulos; e no kunan chabysh, após cinco falhas ou 16 pulos. Existem provas de at chabysh de Categoria I, II ou III, dependendo da idade e experiência dos cavaleiros e animais. Diferentemente do turfe, uma prova de at chabysh pode ter até 30 cavaleiros competindo juntos, e, por isso, a largada não tem portão, com todos se agrupando próximos a um poste que demarca o local de início e final da prova, com os melhores na fila da frente, como em uma maratona.

A terceira modalidade é a jumps racing, conhecida no Reino Unido e Irlanda como National Hunt e no resto do mundo como steeplechase. Mais uma vez comparando com o atletismo, se o turfe fosse os 100 m, o steeplechase seria os 110 m com barreiras, pois a pista conta com obstáculos que os cavalos devem saltar enquanto correm, incluindo barreiras de diferentes alturas e um fosso com água - a prova dos 3.000 m steeplechase do atletismo, aliás, foi inspirada na steeplechase das corridas de cavalos, e por isso também conta com um fosso com água. O steeplechase hoje é pouco popular, sendo praticado apenas nos Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, França, Alemanha, República Tcheca, Austrália, Nova Zelândia e Japão.

O steeplechase foi criado na Irlanda, no século XVIII, e, originalmente, era uma corrida cross-country, cujo início e final eram demarcados por igrejas (ou seja, a corrida começava em frente a uma igreja e terminava em frente a outra) e os obstáculos a serem transpostos pelos cavalos eram naturais, como árvores caídas, pedras e rios; o nome do esporte, aliás, vem desse formato, já que steeple, em inglês, é o nome do campanário da igreja, e chase significa "perseguição". Corridas de steeplechase cross-country ainda existem, mas apenas as reguladas pela FEI como parte da prova do Concurso Completo; as reguladas pelas afiliadas da IFHA são todas realizadas em hipódromos especiais para esse tipo de esporte, diferentes daqueles onde são realizadas as provas de turfe, já que os obstáculos do steeplechase são fixos. O steeplechase é misto, com jóqueis e joquetas competindo juntos, e os cavalos correm a galope, para maior velocidade.

Assim como no turfe, as provas do steeplechase são classificadas em Grupo 1, 2 ou 3 (exceto nos Estados Unidos, onde são classificadas em Grade I, II ou III), podem ter acréscimo de peso aos cavalos para maior justiça, e podem ser disputadas em diferentes tipos de pista (gramado, terra batida, areia ou sintética) ao longo de diferentes distâncias - com as provas de steeplechase sendo bem mais longas que as de turfe, com entre 3 e 7 km de distância total. Provas de steeplechase também costumam ser divididas em duas categorias, uma "mais fácil", com obstáculos mais baixos e mais simples de transpor, mais adequada a cavalos e cavaleiros iniciantes, e uma "mais difícil", com obstáculos mais altos e mais complexos, mais adequada a conjuntos mais experientes. Nos Estados Unidos, as provas mais fáceis são conhecidas como hurdles, e têm obstáculos de no mínimo 1,32 m de altura e feitos de material maleável, que se deforma e permite a passagem do cavalo mesmo quando tocados, como cercas-vivas; já as mais difíceis são conhecidas como timber, e têm obstáculos de no mínimo 1,5 m de altura e rígidos, com os cavalos até podendo se apoiar neles para pular, e podendo cair se esbarrarem neles durante um salto. No Reino Unido e Irlanda, as corridas mais fáceis se chamam hurdling, têm no máximo 5,5 km de extensão e obstáculos maleáveis de no mínimo 1,1 m de altura, enquanto as mais difíceis se chamam chases, e têm obstáculos rígidos de no mínimo 1,4 m de altura. Aliás, embora, hoje, National Hunt seja usado como sinônimo de steeplechase, na verdade esse termo se refere a um esporte que inclui as corridas de hurdling, de chase e de flat ou bumpers, que têm entre 2,5 e 4 km de extensão e não têm obstáculos.

As mais famosas provas de steeplechase são a Cheltenham Gold Cup, disputada na Inglaterra desde 1924, na distância de 5.294 m com 22 obstáculos e o peso de cada conjunto sendo ajustado com lastros para que todos tenham o mesmo peso; a Grand National, também na Inglaterra, disputada desde 1839, com handicap, na distância de 6.907 m ao longo de duas voltas na pista, durante as quais os cavalos saltarão um total de 30 obstáculos, incluindo, duas vezes, uma cerca de 1,5 m de altura em terreno inclinado, o que faz com que a queda seja de mais de 2 m; a Maryland Hunt Cup, disputada desde 1894 nos Estados Unidos, em um percurso de 6.437 m que conta com 22 obstáculos no estilo timber; a American Grand National Hurdle Stakes, também nos Estados Unidos, no estilo hurdle, disputada desde 1899 na distância de 4.000 m com 14 obstáculos; a Nakayama Daishogai, disputada no Japão desde 1934, na distância de 4.100 m com 15 obstáculos; e a Velká Pardubická, disputada na República Tcheca desde 1874, na distância de 6.907 m com 31 obstáculos.

A quarta e última modalidade é a harness racing, descendente direta das corridas de carruagens e de bigas. No final do século XIX, as corridas de cavalos puxando carruagens começaram a ser abandonadas por serem consideradas pouco seguras, já que ocorriam muitos acidentes que feriam ou até mesmo matavam tanto cavalos quanto condutores. Não querendo abandonar o esporte por completo, cavaleiros e criadores começaram a trabalhar em regras que permitissem que as corridas fossem disputadas com mais segurança, e acabaram dando origem a dois esportes diferentes: o attelage, atualmente regulado pela FEI, que combina adestramento e corrida cross-country, com cada conjunto consistindo de um, dois, três ou quatro cavalos puxando uma charrete com até três ocupantes, e as provas de harness, nas quais o cavaleiro vai sentado em um veículo atrelado ao cavalo, conhecido como sulky.

O sulky foi inventado nos Estados Unidos, por W.J. Hamill, em 1893, e se parece com uma cadeira com duas rodas, uma de cada lado, presa ao cavalo por dois bastões rígidos, que se conectam a uma espécie de colete, conhecida em inglês como harness (daí o nome da modalidade), feito de tiras de couro que passam pelo peito e pescoço do animal. O cavaleiro, que nessa modalidade se chama "condutor", vai sentado na cadeira, controlando o cavalo pelas rédeas, que são bem compridas; uma das principais características do sulky é que ele fica bem próximo do cavalo, com as pernas do condutor quase tocando o traseiro do animal. A palavra sulky, literalmente, significa "aborrecido", e, segundo a lenda, o veículo tem esse nome porque o condutor está sozinho sentado nele e longe do cavalo; em alguns lugares, o sulky também é conhecido como bike ("bicicleta") ou spider ("aranha"). Os modelos de sulky usados hoje não são idênticos ao criado por Hamill, tendo sido aperfeiçoados em nome da segurança e usando materiais que os tornaram mais leves; o mais popular tipo de sulky hoje é o chamado assimétrico, criado na Austrália em 1987.

A principal característica das corridas de harness é que, nelas, o cavalo nunca pode galopar; dependendo da prova, a marcha permitida será sempre ou o trote, ou o passo. Na Europa, provas de harness são disputadas exclusivamente no trote, enquanto nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia quase todas as provas são disputadas no passo, com apenas algumas usando o trote. Assim como as demais modalidades de corridas de cavalos, o harness é misto, com homens e mulheres competindo juntos; provas de harness podem ter qualquer extensão, mas as mais comuns são as de uma milha (nas quais são percorridos 1.609 m). Na Europa, Austrália e Nova Zelândia, as corridas são classificadas como Grupo 1, 2 ou 3; nos Estados Unidos e Canadá, como Grade I, II ou III.

O país onde as corridas de harness são mais populares é a Suécia; para vocês terem uma ideia, lá existem 33 hipódromos exclusivos para corridas de harness, mas só três onde é praticado o turfe. Até 16 cavalos participam de cada prova, classificados, de acordo com sua perícia e experiência, em Classe Ouro, Prata, Bronze, I, II ou III; o sistema de handicap, ao invés de adicionar peso aos cavalos, adiciona distância a percorrer, com os cavalos de maior classificação tendo de percorrer 20, 40 ou 60 metros a mais que os demais - um cavalo classificado como Ouro, por exemplo, tem de percorrer 20 m a mais que um Prata, 40 m a mais que um Bronze, 60 m a mais que um Classe I, e não pode disputar provas junto com os Classe II e III. De acordo com a distância, sem a adição do handicap, as provas são classificadas em "curta" (1.640 m), "regular" (2.140 m), "longa" (2.640 m) e "extra longa" (3.140 m); as pistas normalmente possuem 1.000 m de extensão, o que significa que a linha de chegada não é no mesmo local da linha de partida - além disso, o handicap é aplicado na largada, ou seja, com os cavalos que vão percorrer a distância maior largando atrás dos que vão percorrer a menor. Devido à proximidade cultural e geográfica, as regras da Suécia também são adotadas na Finlândia (o país com o maior número de hipódromos exclusivos para corridas de harness, com 43), Noruega e Dinamarca.

A mais importante prova de harness do mundo é a Prix d'Amérique, disputada desde 1920 em Paris, França, na distância de 4.150 m. Na Suécia, a prova mais importante do calendário é a Elitloppet (literalmente, "a corrida da elite"), disputada desde 1952 na distância de 1.609 m. Outras provas de grande prestígio são a Hambletonian Stakes, disputada desde 1926 nos Estados Unidos, também na distância de 1.609 m, usando o trote; a Miracle Mile Pace, disputada desde 1967 na Austrália, usado o passo, também na distância de 1.609 m; a Auckland Cup, disputada desde 1978, na distância de 2.700 m e usando o passo, na Nova Zelândia; e o Gran Premio Lotteria de Agagno, disputado desde 1951 na Itália, na distância de 1.600 m. Nos Estados Unidos e Canadá existem a Tríplice Coroa do Trote e a Tríplice Coroa do Passo, cada uma reunindo as três provas de harness de maior prestígio em cada uma dessas marchas, e a Breeders Crown, uma série de 12 corridas, seis com cada marcha, nas quais os competidores vão marcando pontos, sendo campeão o que tiver a maior pontuação no fim do ano.

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