domingo, 25 de julho de 2021

Escrito por em 25.7.21 com 0 comentários

Buzkashi

Quando eu completei 500 posts aqui no átomo, fiz um comemorativo do qual gostei muito, mas que tinha uma seção que eu me arrependi de ter escrito. Nela, citei cinco categorias para as quais eu achava que, em breve, já não teria mais assunto, e uma dessas categorias era Esportes. Não bastando a categoria Esportes depois disso ter ganhado mais posts do que nunca, no 500 eu ainda escrevi que não iria escrever sobre buzkashi só para mantê-la com assunto. Pois bem, parece que finalmente essa categoria está ficando sem assunto, porque essa semana eu decidi que hoje vai ser dia de buzkashi no átomo.

Na verdade, já faz algum tempo que eu penso em falar de buzkashi, mais precisamente desde que fiz o segundo post sobre esportes a cavalo, no qual quase o incluí, mas acabei desistindo porque achei que teria assunto suficiente para um post só dele. O motivo pelo qual eu achei que nunca iria querer falar sobre buzkashi é que ele é, digamos, exótico demais: além de ser disputado a cavalo, no lugar de uma bola é usada uma carcaça de cabrito sem cabeça. O buzkashi é tão exótico, aliás, que podem reparar, toda lista de esportes exóticos publicada em qualquer lugar sempre conta com ele - e normalmente na primeira posição. Além de exótico, porém, o buzkashi tem um monte de detalhes interessantes, e foi isso que acabou me motivando a escrever o post.

O buzkashi é um esporte antiquíssimo, daqueles que são tão antigos que ninguém sabe ao certo quando foram inventados. O que se sabe é que ele foi criado por povos nômades que habitavam a Ásia Central, na região hoje ocupada pelo Turcomenistão, e levado tanto para o leste, chegando à Mongólia e à China, quanto para o oeste, chegando ao Irã e ao Afeganistão. Foi nessa região que ele se popularizou: "buzkashi" é uma palavra persa, que significa "arrastar a cabra", e, no Afeganistão, ele é considerado o esporte nacional, contando com campeonatos tão populares e disputados quanto os principais campeonatos de futebol do planeta, e sendo o principal passatempo das tribos que habitam o interior do país. Bons jogadores de buzkashi, no Afeganistão, são tratados como verdadeiras celebridades, e ganham dinheiro suficiente para viver confortavelmente com casas e carros de luxo. Além do Afeganistão e Irã, outros países nos quais o buzkashi é popular são Turquia, Tajiquistão, China (onde, além do buzkashi a cavalo, existe uma versão na qual os jogadores atuam montados em iaques) e Cazaquistão (onde o esporte se chama kokpar). Como não é muito difundido, o buzkashi não possui uma Federação Internacional; os dois principais órgãos responsáveis por regulá-lo são o Comitê Olímpico Afegão e a Associação Nacional de Kokpar do Cazaquistão, que usam praticamente as mesmas regras, apenas com pequenos detalhes sendo diferentes. O buzkashi é um esporte exclusivamente masculino, com jogos femininos de buzkashi não sendo disputados em lugar nenhum.

Vale dizer, porém, que o buzkashi "puro", aquele considerado tradicional, e ainda disputado no interior da Ásia, é um jogo extremamente violento. Mas violento mesmo, a ponto de ser normal jogadores e cavalos morrerem, ficarem aleijados ou perderem braços e pernas durante as partidas - que não têm duração pré-determinada, podendo se estender ao longo de dias. Como disputar um campeonato profissional nessas condições seria impossível, o Comitê Olímpico Afegão, em 1996, criou uma espécie de "versão light" do jogo, que, em 2000, foi adotada também pela Associação Nacional de Kokpar. É essa versão que será comentada nesse post - principalmente porque as regras da "versão original" são cheias de variações regionais, e seria impossível abordar todas elas. Da mesma forma, se eu falar de campo ou uniformes, por exemplo, estou me referindo aos da versão profissional - assim como no futebol, é possível existirem partidas disputadas em quaisquer condições, sendo a diferença, nesse caso, a de que, no buzkashi, as partidas profissionais, seguindo as regras oficiais, são minoria.

A principal característica do buzkashi, podem perguntar pra qualquer um, é que, ao invés de uma bola, como já foi dito, é usado um cabrito morto. Para que o cabrito esteja próprio a exercer sua função, além de morto ele tem sua cabeça e suas entranhas removidas, e, dependendo do caso, as duas patas dianteiras serradas. Para que ele não fique sangrando durante a partida, deve ficar de molho na água gelada durante 24 horas, e ter todos os seus orifícios preenchidos com areia pelo menos uma hora antes do início do jogo. Embora o cabrito seja o mais comum, o animal considerado ideal para uma partida de buzkashi é o bezerro, que é mais resistente e corre menos risco de se desfazer durante a partida; não havendo nenhum dois dois, pode ser usada uma cabra.

De uns anos pra cá, para tornar o jogo mais atraente aos amantes de animais, alguns torneios têm usado "cabritos artificiais", feitos de tecido, madeira, lã e cheios de areia, para ficarem com o mesmo formato, peso e consistência de um cabrito real; jogadores mais tradicionalistas, entretanto, alegam que somente o cabrito real permite a verdadeira experiência, e que matar o cabrito - o que é feito de forma ritualística - é uma parte importante da tradição do buzkashi. Seja real ou fabricado, erguer e transportar o cabrito não é nada fácil, já que ele deve pesar entre 60 e 70 kg; as regras estipulam que uma das mãos do jogador deve sempre estar em contato com o cabrito enquanto ele o transporta, e que é proibido levá-lo sobre a sela ou apoiado no corpo do jogador, mas é permitido levar o cabrito na lateral do cavalo com uma das pernas do jogador por cima, para permitir maior firmeza e dificultar que um oponente o tome.

Jogadores de buzkashi são conhecidos como chapandaz; acredita-se que os melhores chapandaz em atividade são aqueles com por volta de 40 anos, já que possuem a experiência e o condicionamento físico necessários, esculpidos ao longo de anos de prática. É incomum um chapandaz ser dono de seu próprio cavalo - em equipes profissionais, os cavalos normalmente são propriedade da equipe, mas não é incomum cavalos de buzkashi serem de propriedade de pessoas abastadas que se dedicam a treiná-los para estarem sempre no mais alto nível de jogo. Esses proprietários de cavalos sempre buscam ter os melhores chapandaz montando seus animais, pois acredita-se que um bom desempenho do animal na partida traz honra para seu dono; por causa disso, é normal que os melhores chapandaz consigam escolher qualquer animal à disposição antes de um torneio de importância.

Hoje, os principais cavalos de buzkashi do planeta chegam a valer 50 mil dólares cada, e são criados no Cazaquistão e no Uzbequistão especialmente para o esporte - o Afeganistão tinha essa tradição, mas a perdeu após anos de guerra civil. Cavalos de buzkashi são especificamente treinados, se tornando fortes, rápidos e confiáveis; com o treinamento correto, e sem se envolverem em nenhum acidente, podem participar de partidas ao longo de até vinte anos. Diferentemente dos chapandaz, os cavalos não usam nenhuma proteção especial, apenas selas, rédeas, estribos e um enfeite na cabeça. Embora o chapandaz possa se levantar da sela durante a partida, é proibido ele desmontar do cavalo, e um time é desclassificado se o pé de um chapandaz tocar o solo. As regras também exigem que uma das mãos do chapandaz esteja nas rédeas o tempo todo, ou seja, um chapandaz carregando o cabrito estará sempre com suas duas mãos ocupadas.

O uniforme do buzkashi lembra as roupas típicas da Ásia Central, mas é feito para proteger o chapandaz durante a partida - já que choques, encontrões e até mesmo algumas chicotadas são bastante comuns. O uniforme é composto por uma camisa de mangas compridas acolchoada de tecido grosso, aberta na frente e fechada através de uma faixa amarrada na cintura, parecida com a usada no judô, mas com a diferença de que a faixa é costurada às costas da camisa; um capacete acolchoado parecido com o usado por alguns jogadores de rugby, amarrado embaixo do queixo, e que pode ter um chapéu típico, chamado tebetei, encaixado no topo; uma proteção acolchoada especial para as pernas, normalmente usada sob uma calça comprida; e botas de couro de cano alto com um salto especialmente desenhado para se encaixar ao estribo e dar maior sustentação ao chapandaz; joelheiras e caneleiras são opcionais. Completa o uniforme um chicote próprio, com cabo de madeira e uma tira grossa de couro; a principal função desse chicote é "estimular" o cavalo, mas, dentro das regras, ele também pode ser usado contra os oponentes (mas não contra os cavalos dos oponentes), para forçá-los a soltar o cabrito. O chapandaz que está na posse do cabrito deve levar o chicote entre os dentes, já que estará com ambas as mãos ocupadas.

O buzkashi possui duas formas, o tudabarai e o qarajai. O tudabarai é disputado por qualquer número de chapandaz, não tem área de jogo definida, com o "campo" normalmente se estendendo por centenas de metros, e nele o intuito é agarrar o cabrito e fugir em qualquer direção, sendo vencedor aquele que conseguir abrir uma determinada distância ou escapar por um determinado tempo de seus perseguidores. Já o qarajai possui um campo definido, e o objetivo é levar o cabrito até o outro lado e trazê-lo de volta, marcando pontos. O qarajai possui uma versão individual, com entre três e dez chapandaz disputando o cabrito e marcando seus pontos individualmente, e uma por equipes, disputada por dois times de cinco chapandaz cada, que podem, inclusive, passar o cabrito de um colega de equipe para outro, sendo todos os pontos dos chapandaz de uma mesma equipe somados.

O campo do qarajai pode ser gramado ou de terra batida, e tem 300 m de comprimento por 150 m de largura. Em torneios oficiais, ao redor do campo há uma "área de segurança" de 10 m, que não pode conter nenhum elemento. O campo não tem qualquer marcação além de uma bandeira, fincada a 10 m de uma das linhas de fundo, e um círculo de 3 m de diâmetro, traçado a 10 m da linha de fundo oposta, ambos centralizados no sentido da largura. No início da partida, o cabrito é colocado dentro desse círculo, e os chapandaz, que começam com seus cavalos sobre as linhas de lado, disputarão entre si quem consegue pegá-lo e fugir do grupo, levando-o até a bandeira. O chapandaz deve dar a volta na bandeira, retornar com o cabrito e jogá-lo dentro do círculo, quando marcará, então, um ponto. É permitido roubar o cabrito no meio do caminho, mas, se um chapandaz roubar o cabrito de um oponente que esteja voltando, ele deve retornar e dar a volta na bandeira - caso ele roube na "ida", pode seguir em frente para dar a volta na bandeira normalmente. Cada vez que é marcado um ponto, os chapandaz voltam com seus cavalos para a linha de lado e a partida recomeça.

Uma partida de qarajai individual termina quando um dos jogadores consegue marcar três pontos - e, por isso, as partidas costumam ser bastante longas; para tentar reduzir sua duração, alguns torneios usam um sistema de "rounds", com cada partida durando um número determinado de rounds, e cada round tendo seu próprio vencedor, que é aquele que marcar o ponto naquele round, com o vencedor de cada round ganhando um prêmio em dinheiro, e não existindo um "vencedor da partida". A vantagem desse sistema é que uma partida termina mesmo que cada ponto tenha sido marcado por um chapandaz diferente; a desvantagem é que, mesmo que um chapandaz marque três pontos, a partida continua. Torneios profissionais, por exemplo, normalmente usam partidas de 12 rounds, e não é raro um jogador terminar com bem mais de três pontos. Na partida individual não há necessidade de os chapandaz usarem cores diferentes, e normalmente todos usam preto.

Já a partida por equipes dura dois tempos de 45 minutos cada, com um intervalo de 15 minutos para descanso entre eles. Cada equipe possui dez chapandaz, sendo que os cinco que atuarem no primeiro tempo não podem retornar para o segundo. O relógio é contado na decrescente, não para nunca, e o tempo acaba assim que ele chega a zero, não importando em qual ponto do campo estava o chapandaz que carrega o cabrito. Os pontos de todos os jogadores da mesma equipe são somados para determinar o placar final da equipe, com o jogo podendo terminar empatado - caso seja um jogo eliminatório, o segundo tempo não termina empatado, com a partida prosseguindo com o cronômetro zerado até alguma das equipes pontuar. Na partida por equipes, como em outros esportes, todos os chapandaz de uma mesma equipe devem usar uniformes da mesma cor, as equipes deve usar uniformes de cores diferentes uma da outra.

Uma partida de buzkashi é oficiada por um árbitro a cavalo, devidamente identificado, e que pode marcar faltas, como, por exemplo quando um chapandaz bate com o chicote no cavalo do outro, pega nas rédeas do cavalo do outro, força um oponente para fora do campo, ou agride a outro chapandaz ou a seu cavalo fisicamente - dentro das regras, encontrões, empurrões e até chicotadas nas áreas acolchoadas do uniforme são tolerados, mas chicotadas no rosto ou nas mãos do oponente, assim como socos, chutes ou até cabeçadas são considerados agressões físicas. Um jogador que cometa uma falta é excluído do jogo até alguém marcar um ponto; se ele for reincidente, ou se a falta for especialmente grave, ele pode ser excluído pelo resto da partida. Equipes que tenham um jogador excluído, temporaria ou permanentemente, ficam com um a menos. Algumas "faltas leves", como tirar as mãos das rédeas, carregar o cabrito incorretamente, ou se chocar de propósito contra um oponente, resultam apenas em uma advertência, e o chapandaz só é punido se for reincidente. Caso o chapandaz excluído da partida seja o que está carregando o cabrito, o ponto recomeça, com o cabrito retornando ao círculo e os chapandaz às linhas laterais. Falando nisso, é o árbitro quem dá a autorização para a disputa começar a cada ponto, após conferir que tanto o cabrito quanto os chapandaz estão em seus locais corretos.

Somente três países possuem campeonatos profissionais de buzkashi. O Afeganistão já teve um campeonato nacional, mas, estando ainda se reconstruindo após anos de guerra civil - durante a época dos talibãs, inclusive, o buzkashi, considerado imoral, foi proibido - hoje só tem campeonatos regionais. O único desses campeonatos que é disputado no qarajai por equipes é o de Cabul, a capital do país; os demais são todos no qarajai individual, sendo o principal o da cidade de Sheberghan. Já no Tajiquistão, o principal torneio é disputado no tudabarai por 12 chapandaz de cada vez e em sistema de rounds, com o vencedor de cada round ganhando um prêmio em dinheiro.

Mas o torneio de buzakshi - aliás, de kokpar - mais disputado do mundo é o do Cazaquistão. Fundada em 2000, a Associação Nacional de Kokpar começou seu campeonato nacional anual adulto no ano seguinte, 2001, e o campeonato júnior, exclusivo para chapandaz de até 21 anos, em 2005. O Cazaquistão é dividido em 14 regiões (que são como se fossem nossos estados), e todas elas não somente são representadas no campeonato nacional como também possuem seus próprios campeonatos regionais, sendo os mais disputados os do Cazaquistão do Sul, com 32 times, de Jambyl, com 27 times, e de Akmola, com 18 times. A Associação Nacional de Kokpar também é responsável por organizar, a cada quatro anos desde 2013, o Campeonato Mundial de Kokpar, que conta com times da Ásia, da Europa e com os Estados Unidos; ambas as edições realizadas até hoje foram vencidas pelo Cazaquistão.

O buzkashi possui um "parente", um esporte chamado kok boru, que surgiu no Quirguistão. Embora muitos considerem que o kok boru é um derivado do buzkashi, há registros de que ambos os esportes se desenvolveram separadamente; o fato de que ambos sejam disputados a cavalo e usando um animal morto como bola pode ser devido a um ancestral comum. "Kök börü" significa "lobo cinzento", e é uma referência à lenda de que, quando um lobo atacava os rebanhos, um grupo de cavaleiros o atacava, matava e ficava jogando seu cadáver de um para o outro até despejá-lo em um poço - teria sido dessa forma, segundo essa lenda, que o esporte surgiu. O kok boru é tão popular no Quirguistão quanto o kokpar no Cazaquistão, contando com um disputado campeonato nacional, embora em menor escala; outros países nos quais ele é popular são Turquia, Rússia, Uzbequistão, Turcomenistão e Mongólia.

O kok boru possui muitas semelhanças com o buzkashi, mas também muitas diferenças - apesar delas, um time de kok boru não costuma ter muita dificuldade para disputar um torneio de buzkashi, e vice-versa. Assim como o buzkashi, o kok boru é um esporte exclusivamente masculino, mas o kok boru sempre é jogado em equipes e com um campo pré-determinado. Ao invés de um cabrito, no kok boru é usada uma ovelha, que poder ser "natural" (uma ovelha morta, decapitada, sem as entranhas e cheia de areia e serragem) ou "artificial" (feita de tecido, lã, madeira, areia e serragem) - nos Estados Unidos, costuma-se usar uma bola especial, feita de couro e revestida de lã, que tem mais ou menos o mesmo formato da ovelha. A ovelha pesa entre 32 e 35 kg caso o tempo esteja seco, ou entre 27 e 30 kg caso esteja chuvoso ou o campo de jogo esteja enlameado. O uniforme do kok boru também é idêntico ao do buzkashi, mas o tebetei é obrigatório, e os jogadores devem ter números nas costas.

O campo do kok boru é sempre de terra batida, e tem 200 m de comprimento por 70 m de largura. As "linhas de fundo" não são retas, e sim semicírculos, mais ou menos como se fosse uma pista de atletismo; a explicação é que, para popularizar o esporte, ele começou a ser praticado em hipódromos, que também têm esse formato. De cada lado do campo há um "gol", chamado tai kazan, que lembra um pudim. Cada tai kazan tem 1,2 metro de altura, 4,4 m de diâmetro na base, e 3,6 m de diâmetro no topo, que conta com um "buraco" de 2 m de diâmetro e 1,5 m de profundidade; o intuito é que o tai kazan represente o tal poço onde os lobos eram jogados dentro. A distância do centro de um tai kazan para o centro do outro é de 140 m, o que faz com que o centro de cada tai kazan esteja a 30 m do final do campo. Em frente a cada tai kazan, na direção do centro do campo, há um círculo de 10 m de diâmetro; o centro de cada tai kazan fica a 27,2 m do centro de cada círculo, o que faz com que a borda do tai kazan fique a exatos 20 m da borda do círculo. Finalmente, centralizado com o centro do campo, há um círculo central de 10 m de diâmetro, e, na direção de uma das linhas de lado, há um círculo de 3 m de diâmetro, que é onde a ovelha começa a cada ponto; o centro desse segundo círculo fica a 18,5 m do centro do círculo central, o que faz com que a borda desse círculo fique a 15 m da linha de lado.

Uma equipe de kok boru possui 12 jogadores, dos quais quatro estarão em campo de cada vez; assim como no buzkashi, os cavalos pertencem à equipe, não ao jogador, embora cada jogador possa ter seu cavalo "próprio" ou "preferido". Alguns torneios fornecem os cavalos à equipe visitante, para que os animais não tenham de viajar junto com a equipe. Uma partida dura três tempos de 20 minutos cada, com intervalos de 10 minutos entre um tempo e outro, e as equipes mudando de lado a cada intervalo; cada jogador (e cada cavalo) só pode participar de um tempo de jogo, ou seja, todos os 12 jogadores participam de cada partida. A equipe vencedora é aquela com mais pontos ao final do tempo regulamentar, podendo ocorrer empates; em caso de jogo eliminatório que termine empatado, após mais 10 minutos de intervalo é disputada uma prorrogação sem duração definida e com morte súbita, sendo vencedor o time que pontuar primeiro.

No início de cada ponto, a ovelha começa no círculo próprio, e os jogadores em fila na linha lateral do lado oposto do campo; a um comando do árbitro central, todos avançam em direção à ovelha, e passam a ter o objetivo de levá-la até o tai kazan do lado adversário e jogá-la lá dentro, ganhando, assim, um ponto; assim como no buzkashi, cada jogador deve manter uma das mãos nas rédeas do cavalo a todo momento, e o jogador que carrega a ovelha deve ter uma das mãos em contato com ela (tendo de levar, portanto, o chicote entre os dentes), não podendo apoiá-la em seu corpo ou no cavalo, mas podendo usar a perna para segurá-la com mais estabilidade. É permitido passar a ovelha para um colega de time, assim como é permitido roubar a ovelha de um jogador que a esteja carregando. Toda vez que uma equipe marca um ponto, o relógio para, a ovelha volta para o círculo próprio, os jogadores voltam para a fila, e, ao comando do árbitro, o relógio reinicia e um novo ponto é disputado.

O círculo central é usado caso, após dois minutos do comando do árbitro, nenhum jogador conseguiu pegar a ovelha e começar a correr na direção do tai kazan; se isso acontecer, o árbitro interrompe a partida (e o relógio), leva a ovelha para dentro do círculo central, e cada time escolhe um jogador para disputá-la, que, antes do sinal do árbitro, devem ficar com as patas dianteiras de seus cavalos sobre o círculo, cada um de seu lado do campo. Se, após um minuto, nenhum dos dois conseguir a posse da ovelha, o árbitro para o jogo de novo e outros dois jogadores são escolhidos, até que dê certo. Esse mesmo procedimento é adotado caso a ovelha saia de campo, ou caso caia em um lugar onde o árbitro considere que será perigoso se os jogadores a disputarem no chão; nesse caso, porém, ela não é colocada sempre no círculo central, e sim no círculo de 10 m de diâmetro mais próximo de onde ela estava quando o jogo foi interrompido.

Uma outra regra interessante é a do salym, que basicamente diz que o ponto só vale em duas situações: se a ovelha cair totalmente dentro do buraco do tai kazan, ou se dois terços da ovelha estiverem dentro do buraco do tai kazan, em ambos os casos após um jogador jogá-la no tai kazan com intenção de marcar o ponto. Não há salym, ou seja, o ponto não vale, se apenas um terço da ovelha estiver dentro do buraco; se a ovelha caiu dentro do buraco sem intenção de o jogador jogá-la lá dentro, como, por exemplo, durante uma disputa por sua posse; se uma ou mais pernas do cavalo estiverem sobre o tai kazan quando o jogador jogou a ovelha; quando a ovelha fica na borda do tai kazan, sem cair no buraco; ou quando a ovelha cai no buraco mas, por inércia ou por quicar no fundo, sai de lá de dentro e cai do lado de fora, ou com menos de dois terços pra dentro. Se não há salym, a disputa prossegue normalmente, com qualquer jogador podendo pegar a ovelha para tentar marcar o ponto; vale notar que é falta "empurrar" uma ovelha que esteja na borda para dentro do buraco, devendo o jogador erguê-la totalmente antes de tentar pontuar.

Falando em falta, o kok boru é oficiado por três árbitros, um central, que acompanha os jogadores a cavalo, e dois auxiliares, a pé, nas laterais do campo. A maior parte das faltas é punida com exclusão de dois minutos, ou seja, o jogador faltoso deve sair do campo e ir para um local próprio, onde ficará durante dois minutos, durante os quais sua equipe atuará com um a menos. Essas faltas incluem empurrar a ovelha para dentro do tai kazan, entrar em um círculo enquanto dois jogadores estiverem disputando a ovelha por comando do árbitro, atingir um oponente ou seu cavalo com socos ou chutes, chicotear um oponente no rosto ou nas mãos ou seu cavalo em qualquer local, pegar as rédeas do oponente, confundir o cavalo do oponente, bloquear o caminho de um oponente de forma perigosa, atuar sem chapéu (caso ele caia e o jogador não o pegue e o coloque de volta), jogar a ovelha para fora do campo de propósito, carregar a ovelha de forma incorreta, e danificar a ovelha de propósito.

Caso um jogador seja reincidente, ou caso o árbitro determine que sua conduta colocou a vida ou integridade física de outro jogador em risco - desferindo um golpe violento ou fazendo com que ele caia do cavalo ao cruzar seu caminho, por exemplo - o jogador pode ser expulso da partida, com o time tendo de atuar com um a menos até o final daquele tempo; um jogador também pode ser expulso por desrespeitar uma decisão do árbitro ou faltar com o respeito com o árbitro ou com os demais jogadores, e, caso o jogador seja expulso muito próximo ao final do tempo, o árbitro pode determinar que o time jogue com um a menos durante todo o tempo seguinte. Caso a conduta do jogador seja extremamente reprovável, ele pode ser excluído também do jogo seguinte; nesse caso, a equipe pode substituí-lo por um reserva - falando nisso, as equipes costumam ter reservas, para substituir ao longo do torneio jogadores que se machuquem, por exemplo; esses reservas não contam para o limite de 12 por equipe.

Assim como o buzkashi, o kok boru não possui uma federação internacional; as duas principais entidades que o regulam são a Federação Quirguiz de Kok Boru, fundada em 1998 e responsável por organizar o principal campeonato do Quirguistão, a President's Cup, que conta com 18 equipes divididas em duas ligas - na High League atuam seis equipes que representam, cada uma, uma das províncias do país, enquanto na First League atuam 12 outras equipes, divididas em quatro grupos de três por critérios regionais - e a GSDF, a Federação Turca de Esportes Tradicionais, mesma que regula outro esporte a cavalo que já vimos, o jareed, e que é responsável por organizar o campeonato turco, que também é bastante disputado e conta com 12 equipes. A principal competição internacional do kok boru são os Jogos Mundiais Nômades, dos quais ele faz parte desde sua primeira edição; como era de se esperar, o Quirguistão ganhou todas as três medalhas de ouro disputadas até agora.

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