domingo, 12 de julho de 2020

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Quatermass

Eu adoro filmes antigos de terror e de ficção científica. Recentemente, eu descobri uma trilogia de filmes que aparentemente atende aos dois requisitos, da qual gostei muito. Pesquisando sobre ela, descobri que ela teve origem em uma série de televisão, e uma história muito interessante. Evidentemente, isso me deixou com vontade de escrever um post. Sem mais delongas, hoje é dia de Quatermass no átomo!

O Professor Bernard Quatermass foi uma criação do premiado autor de ficção científica Nigel Kneale, que, em 1953, foi convidado pelo canal de TV britânico BBC para escrever um seriado em seis partes, para ser exibido em julho e agosto, aos sábados. Kneale teve a ideia de fazer do personagem principal um cientista, e pensou em chamá-lo de Professor Charlton, mas depois achou que seria melhor se ele tivesse um nome de mais impacto e que ficasse gravado na memória das pessoas. Tendo crescido na Ilha de Man, Kneale se lembrou de que, lá, são comuns os sobrenomes começados por Qu, raros no restante dos países de língua inglesa, e decidiu abrir uma lista telefônica de Londres para buscar inspiração - o primeiro sobrenome com Qu que ele encontrou foi justamente Quatermass, originalmente o nome de uma medida de área usada na Inglaterra no século XI, e que, na lista telefônica consultada por Kneale, pertencia a um fruteiro (espécie de feirante que vende frutas na rua, muito comum na Inglaterra). O primeiro nome do cientista, Bernard, seria uma homenagem de Kneale ao astrônomo Bernard Lovell, um dos mais importantes do Reino Unido.

Quatermass é o chefe do British Rocket Group, grupo de cientistas e pesquisadores que procura lançar o primeiro foguete britânico tripulado por seres humanos (1953, lembrem-se). Corajoso, ousado e extremamente inteligente - sendo comparado por muitos, inclusive, a Sherlock Holmes - Quatermass é a força-motriz por trás do projeto, batendo de frente constantemente com os burocratas do governo que não compreendem a importância de seu trabalho, e disposto a ir até as últimas consequências em nome da ciência. Quatermass é considerado o primeiro herói da TV britânica, uma das maiores criações da televisão daquele país, e influenciou muitas das produções vindouras, incluindo Doctor Who. A principal razão de seu sucesso, segundo os estudiosos, seria que ele permanece como a única certeza, o único ponto imutável em um universo que muda a todo instante, se tornando cada vez mais amedrontador. Se você acha exagero dizer tudo isso de um cientista que enfrenta burocratas para lançar um foguete, é porque esse não é o enredo central das aventuras de Quatermass: além de todas as suas características, o Professor parece ser um imã para criaturas alienígenas e situações bizarras, estando sempre no lugar certo e na hora certa (ou errados, depende do ponto de vista) para impedir que nosso planeta sofra destinos trágicos como invasões, domínio ou aniquilação da população.

Seu primeiro seriado, por exemplo, chamado The Quatermass Experiment, começa justamente com o British Rocket Group conseguindo cumprir seu objetivo e lançando um foguete ao espaço, com três astronautas. Quando o foguete retorna, porém, dois dos astronautas não estão mais dentro dele, e o único que está, Victor Carroon (Duncan Lamont), se comporta de forma estranha, assustando até mesmo sua esposa, Judith (Isabel Dean). Sendo um dos responsáveis pelo projeto, Quatermass (Reginald Tate) é chamado par tentar descobrir o que ocorreu durante o voo, e acaba concluindo que um alienígena conseguiu entrar na espaçonave e matar os outros dois astronautas - mais que isso, ele dominou o corpo e a mente de Carroon, que está pouco a pouco se transformando em uma criatura vegetal, que então espalhará esporos que dominarão toda a humanidade. Com a ajuda do Inspetor Lomax (Ian Colin), Quatermass tem de encontrar Carroon e detê-lo antes que seja tarde demais.

The Quatermass Experiment foi o primeiro programa original de ficção científica da televisão britânica destinado a adultos; até então, todos os programas de ficção para adultos eram adaptações de livros ou contos, e todos os roteiros originais eram destinados ao público infanto-juvenil. Foi exibido pela BBC em seis episódios de meia hora cada, entre 18 de julho e 22 de agosto de 1953; como era comum na época, o programa era transmitido ao vivo, direto dos estúdios da BBC em Alexandra Palace, e não gravado previamente. Durante a produção, os episódios foram gravados, mas, infelizmente, problemas no armazenamento fizeram com que os rolos de filme usados na época mofassem e acabassem descartados, de forma que, hoje, só existem cópias, extremamente mal conservadas e com imagem bem ruim, dos dois primeiros episódios, e assim mesmo só porque eles foram vendidos para a CBC do Canadá, o que significa que os outros quatro episódios estão perdidos para sempre. Vale citar que os dois primeiros episódios de The Quatermass Experiment são as mais antigas gravações de programas da BBC a terem sobrevivido até hoje.

O programa teria um orçamento bem alto para a época, em torno de quatro mil libras esterlinas, mas a maior parte seria usada para pagar os honorários de Kneale, que já era um autor de renome, e foi uma aposta da BBC para inaugurar sua linha de produções originais de ficção científica - que substituiriam uma série de programas de terror, que iam ao ar nos sábados de julho e agosto até 1952. O diretor escolhido seria Rudolph Cartier, um dos mais renomados da BBC, e que já havia trabalhado com Kneale na peça de teatro Arrow to the Heart. Cartier ajudaria Kneale para que o roteiro ficasse de acordo com o que era feito - e com o que era possível - na televisão daquela época, e os dois se tornariam parceiros, trabalhando juntos em algumas das principais produções da BBC das décadas de 1950 a 1970, como 1984, A Cruz de Ferro e The Stone Tape. Reginald Tate, um famoso ator de cinema da década de 1940, não seria a primeira opção de Cartier, que convidaria André Morell, um dos principais atores da BBC, para o papel de Quatermass; alegando "problemas pessoais", porém, Morell recusaria o convite, e Tate acabaria assumindo seu lugar.

The Quatermass Experiment seria um dos maiores sucessos da TV britânica de todos os tempos: seu primeiro episódio teria audiência estimada de 3,4 milhões de espectadores, o último de 5 milhões, e a média do seriado seria de 3,9 milhões - para comparar, a média de audiência de todos os programas da BBC somados durante o ano de 1952 foi de 4 milhões de espectadores. Diz a lenda que até os pubs da Inglaterra ficavam vazios na hora em que o seriado estava sendo exibido, já que, na época, eles ainda não contavam com televisão, e todo mundo corria para casa para assisti-lo. Em 2000, o British Film Institute, organização dedicada à promoção e preservação de filmes para o cinema e programas para a TV, elegeria The Quatermass Experiment como uma das mais influentes obras dos anos 1950; até hoje, no Reino Unido, o programa é considerado um marco na história da TV, e, mesmo com a impossibilidade de ser exibido novamente, é frequentemente relembrado quando se fala da história da BBC.

Dentre os fãs do programa estava o produtor Anthony Hinds, dos lendários Estúdios Hammer, famosos por suas produções de terror, que entrou em contato com a BBC para negociar os direitos de uma adaptação para o cinema dois dias após a exibição do último episódio. As gravações demorariam para começar, porém, e o filme só estrearia dois anos depois, em 26 de agosto de 1955. Kneale não teria qualquer envolvimento com o filme, dirigido por Val Guest, que fez uma longa carreira com a Hammer, e escrito por Richard Landau, roteirista de filmes B nos Estados Unidos. O roteiro de Landau seguia fielmente os eventos da série, mas, para diminuir o tempo total de exibição e melhorar o ritmo do filme, Guest (creditado como co-roteirista) eliminaria toda uma história secundária envolvendo gangsters, e mudaria o final. Kneale reclamaria abertamente das modificações, mas seu principal ranço seria quanto à escolha do ator norte-americano Brian Donlevy para interpretar Quatermass. Em várias entrevistas, Kneale acusaria Donlevy de ser um ator burocrático, que não transmite emoção com suas interpretações, que dá mais importância a seu pagamento do que a fazer bem seu trabalho, e que não estaria nem aos pés de Tate e da imagem que ele havia construído para o cientista.

A escolha de Donlevy, que tinha uma grande carreira, incluindo uma indicação ao Oscar, mas estava em declínio devido ao alcoolismo, se daria por causa de um contrato da Hammer com a United Artists. Sabendo do imenso sucesso de The Quatermass Experiment na BBC, e que a Hammer estava filmando uma versão para o cinema, a distribuidora norte-americana se interessaria em lançar o filme nos Estados Unidos, e Donlevy seria escolhido para facilitar a aceitação do público norte-americano. Como Quatermass não era conhecido fora do Reino Unido (talvez somente no Canadá), a United Artists optaria por mudar o nome do filme para The Creeping Unknown (algo como "o desconhecido rastejante"), para evitar a referência ao personagem. Aqui no Brasil, onde o filme foi lançado com muito atraso, já na década de 1960, fizeram algo parecido, e o filme não somente ganhou o título Terror que Mata, como também, já que a Hammer era famosa por seus filmes de terror, foi promovido como se fosse um filme de terror, e não de ficção científica.

Donlevy não seria o único dos nomes principais do elenco que era norte-americano, com Judith sendo interpretada por Margia Dean. Dean era uma atriz iniciante, vinda de concursos de beleza, e só ganharia o papel devido à influência do presidente da Fox na época, Spyros Skouras. Guest ficaria desesperado com como ela era má atriz, e, ainda por cima, ela tinha um sotaque do interior dos Estados Unidos fortíssimo, que não combinava em nada com a personagem; a solução para ambos os problemas foi dublá-la na pós-produção, usando uma atriz britânica cujo nome não foi registrado. Os demais personagens do filme ficariam a cargo de atores britânicos, com Lomax sendo interpretado por Jack Warner, o nome mais famoso do elenco no Reino Unido, e Carroon por Richard Wordsworth, cuja performance foi elogiadíssima. A transformação de Carroon no monstro vegetal, criada pelo maquiador Phil Leakey e pelo diretor de fotografia Walter J. Harvey, seria considerada o ponto alto do filme, magnificada pela atuação inspirada de Wordsworth, que passaria uma sensação de que o personagem estava sempre apavorado, e conseguiria fazer o público distinguir quando Carron ainda estava no controle do próprio corpo e quando era o monstro. Após a transformação se concluir, seria usado um modelo criado por Les Bowie, o chefe da equipe de efeitos especiais, que seria considerado extremamente realístico para a época.

O filme receberia o nome de The Quatermass Xperiment, como um protesto bem humorado pelo fato de o órgão que classifica os filmes no Reino Unido tê-lo classificado como X, o equivalente ao nosso "proibido para menores de 18 anos", e, apesar de todas as reclamações de Kneale, seria o maior sucesso da Hammer até então, ajudando, inclusive, a popularizar o nome do estúdio fora do Reino Unido. A Hammer ficaria tão animada com o sucesso que começaria a trabalhar numa sequência imediatamente, com Jimmy Sangster criando uma história na qual um monstro emerge do centro da Terra; Kneale, não aceitou ceder os direitos para que Quatermass estivesse no filme, mas a Hammer decidiu filmá-lo assim mesmo, mudando o nome do cientista para Dr. Adam Royston, mas mantendo todas as suas características (e chamando Dean Jagger para interpretá-lo, pois Donlevy já seria muita cara de pau). Esse filme seria lançado em 1956 com o nome de X the Unknown, escolhido para manter o padrão de The Quatermass Xperiment.

A BBC, diferentemente da Hammer, apesar de todo o sucesso de The Quatermass Experiment, não pensou em fazer uma continuação tão cedo. Em setembro de 1955, porém, ocorreria um fato que mudaria a história da TV britânica para sempre: a estreia da ITV, o segundo canal de TV do país, e o primeiro pertencente à iniciativa privada (a BBC é um canal público, de propriedade do governo do Reino Unido, e, até a estreia da ITV, era o único canal do país). Depois da estreia da ITV, a BBC, até então acostumada com um monopólio, passaria a ter de brigar com os rivais pela audiência. Tentando aniquilar a concorrência logo no começo, o diretor Cecil McGivern decidiria que o canal precisaria exibir um novo seriado de tanto sucesso quanto The Quatermass Experiment o mais rápido possível, e chamaria Kneale, que havia acabado de renovar seu contrato, para escrever uma sequência.

O seriado receberia o nome bem simples de Quatermass II, e traria o professor e sua equipe investigando uma estranha chuva de meteoros que atingiu o interior da Inglaterra; durante a investigação, eles encontram uma misteriosa fábrica, e descobrem que os meteoros na verdade fazem parte de uma invasão alienígena, trazendo criaturas simbiontes que dominam o corpo e a mente daqueles que entram em contato com eles, e planejam substituir pessoas-chave nos governos do mundo para conquistá-lo, já tendo se apoderado de diversos nomes importantes do governo britânico. O orçamento do segundo seriado seria quase o dobro do primeiro, o que permitiria um elenco maior e efeitos especiais de última geração para a TV da época.

Mais uma vez, a direção ficaria a cargo de Cartier. Tate, infelizmente, sofreria um infarto e faleceria em agosto de 1955, o que faria com que John Robinson fosse convidado. Robinson já era um ator de TV calejado, mas se declararia desconfortável por assumir um personagem que já havia sido interpretado por um colega; esse desconforto transpareceria em sua atuação, que seria bastante criticada. O elenco também contaria com o ator Hugh Griffith, que em 1959 ganharia o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por interpretar o Sheikh Ilderim em Ben-Hur, no papel de um cientista que trabalha com Quatermass, Dr. Leo Pugh; e Monica Grey como a filha de Quatermass, Paula. Em uma história parecida com a de Dean, Grey só ganharia um papel no seriado por ser esposa de Val Gielgud, chefe do departamento de novelas de rádio da BBC; Grey também não era boa atriz e foi muito criticada, mas se esforçou bastante: como contracenaria muito com Griffith, chegou até mesmo decorar os diálogos dele, para caso ele precisasse de alguma ajuda. Roger Delgado, que se tornaria famoso por interpretar o Mestre de Doctor Who na década de 1970, interpretaria o jornalista Hugh Conrad, e Rupert Davies, que viria a ser protagonista de Maigret, uma das mais famosas séries da BBC na década de 1960, interpretaria o Primeiro Ministro Vincent Broadhead. Kneale também teria um papel no seriado, o da voz que sai dos auto-falantes da fábrica investigada por Quatermass.

Quatermass II teria seis episódios de meia hora cada, exibidos aos sábados, entre 22 de outubro e 26 de novembro de 1955; mais uma vez, os episódios seriam exibidos ao vivo, direto dos estúdios de Lime Grove, mas, dessa vez, contariam com a inserção de algumas cenas que mostravam os meteoros e os alienígenas gravadas previamente. Os episódios seriam gravados durante a transmissão, e reprisados às segundas-feiras; Cartier aproveitaria para refilmar, após a exibição ao vivo de cada episódio, algumas cenas com as quais não havia ficado satisfeito, que substituiriam as originais nas reprises. Por milagre divino, todos os filmes dos seis episódios sobreviveram até hoje, estando guardados nos arquivos da BBC; devido a problemas no armazenamento durante as décadas de 1960 e 1970, entretanto, alguns trechos estão com péssima qualidade de imagem e som. Os seis episódios, assim com os dois sobreviventes de The Quatermass Experiment, seriam digitalmente restaurados e lançados em DVD em 2005, com a melhor qualidade possível.

Quatermass II seria considerado inferior a seu antecessor, não só pela crítica, mas também pela direção da BBC; ainda assim, ele seria um enorme sucesso de público, com a média de telespectadores beirando os 8 milhões - a média de toda a BBC no ano até então era de 9 milhões. Assim que soube que a BBC estava produzindo um segundo seriado, a Hammer correu para adquirir os direitos, sem nem ao menos saber qual era a história - a produção do segundo filme começaria após Hinds ler os roteiros do seriado, antes mesmo de a produção ir ao ar. Dessa vez, Kneale faria questão de se envolver com a produção, não por motivos artísticos, mas financeiros: quando a Hammer adquiriu os direitos do primeiro seriado, Kneale era um funcionário contratado pela BBC, o que significou que, apesar de ele ter tido que dar autorização para que seus personagens fossem usados, não receberia nenhum tostão pelo filme. Para que o mesmo não acontecesse com o segundo, ele obrigaria a BBC a colocar uma cláusula em seu contrato segundo a qual ele deveria ser também o roteirista de qualquer adaptação.

A Hammer chamaria o segundo filme de Quatermass 2, e mais uma vez chamaria Guest para dirigir e Donlevy para estrelar - para desgosto de Kneale. Kneale escreveria a primeira versão do roteiro, e depois trabalharia junto com Guest para que a história ficasse mais adequada ao ritmo de um filme para o cinema, com ambos sendo creditados como roteiristas. Menos elementos da história seriam alterados dessa vez (embora Guest novamente tenha mudado o final), mas os personagens do filme acabariam quase que totalmente diferentes dos do seriado: no filme não há Paula; seu noivo, que vai pela primeira vez à fábrica com Quatermass, é substituído por Marsh (interpretado por Bryan Forbes), um dos assistentes do Professor; Leo Pugh se chama simplesmente Brand (William Franklin), e tem uma participação extremamente menor; Vincent Broadhead (Tom Chatto), não é Primeiro Ministro, mas um político que chefia um comitê que investiga a fábrica; o jornalista se chama Jimmy Hall (Sydney James), e é um personagem muito mais cômico que no seriado; e o Inspetor Lomax (John Longden), que sequer está no seriado, é um dos personagens mais importantes do filme. O filme não tem nenhuma personagem feminina de destaque, e o único nome feminino no elenco principal é o de Vera Day, que interpreta, durante uns quinze minutos, Sheila, que também não existe no seriado, garçonete de um bar na cidadezinha onde caem os meteoros.

Quatermass 2, que estrearia em 24 de maio de 1957, seria um grande sucesso, mas não tão grande quanto The Quatermass Xperiment, e, ainda por cima, ficaria em segundo lugar na bilheteria dos filmes da Hammer no ano, bem distante do primeiro, A Maldição de Frankenstein, recordista do estúdio até então, que estrearia quatro dias antes, tinha Peter Cushing e Christopher Lee no elenco, e que, talvez não coincidentemente, foi o primeiro filme da Hammer em cores, enquanto os dois filmes e dois seriados de Quatermass foram todos em preto e branco. Isso fez com que a Hammer decidisse passar o final da década de 1950 e o início de de 1960 investindo muito mais em filmes de horror góticos que nos de horror contemporâneos ou de ficção científica. A crítica ficou dividida, mas, no geral, o considerou inferior ao anterior. Assim como o primeiro filme, Quatermass 2 receberia títulos bem diferentes nos Estados Unidos e no Brasil, para evitar mencionar o personagem; lá, ele se chamaria Enemy from Space ("inimigo do espaço"), aqui, se chamaria Usina de Monstros.

No início de 1957, a BBC decidiria encomendar mais um seriado de Quatermass; Kneale, contudo, havia acabado de deixar a emissora, não tendo interesse em renovar seu contrato mais uma vez após seu término. Negociações se iniciariam para que ele escrevesse o roteiro como freelancer, o que adiaria a produção em um ano. Kneale decidiria fazer um roteiro que servisse como alegoria para o momento que o Reino Unido estava vivendo, com várias das colônias do Império Britânico declarando independência e centenas de imigrantes, principalmente da Índia e do Caribe, chegando a Londres todos os dias, o que criava um cenário de tensão racial que culminaria com os tumultos de Notting Hill em agosto de 1958. Mais uma vez, a direção ficaria a cargo de Cartier, que, insatisfeito com a performance de Robinson no seriado anterior, decidiria que não aceitaria outro ator que não André Morell, seu preferido para o papel desde o primeiro seriado. Provando que talvez Cartier estivesse certo desde o início, a de Morell seria considerada a melhor interpretação de Quatermass pela crítica e por Kneale, que consideraria a versão do personagem retratada por Morell como a definitiva.

Chamado Quatermass and the Pit ("Quatermass e o fosso"), o terceiro seriado, que seria exibido entre 22 de dezembro de 1958 e 26 de janeiro de 1959, dessa vez às segundas-feiras, mais uma vez em seis episódios de meia hora cada, em preto e branco, começava com uma equipe de construção trabalhando para derrubar um antigo prédio e construir um mais moderno no lugar, encontrando ossadas que aparentemente pertencem a homens pré-históricos. A equipe do renomado paleontólogo Matthew Roney (interpretado pelo ator canadense Cec Linder) é chamada para prosseguir com as escavações, e acaba encontrando algo que, aparentemente, é uma bomba alemã da Segunda Guerra, que caiu mas não detonou. Aí quem o governo chama é o Coronel Breen (Anthony Bushell), especialista em desarmamento de bombas. Preocupado que a equipe de Breen vá destruir um importante sítio arqueológico, Roney chama Quatermass, amigo em comum de ambos, para atuar como mediador, e deixar que sua equipe remova as ossadas antes de tentar remover ou detonar a bomba. Com a ajuda da assistente de Roney, Barbara Judd (Christine Finn), Quatermass descobre que o artefato não é uma bomba, e sim uma nave espacial, que trouxe criaturas insetoides, provavelmente de Marte, há cinco milhões de anos; mais que isso, esses marcianos teriam sido responsáveis por manipulação genética nos homens primitivos, e poderiam até mesmo ter sido os responsáveis pelo surgimento da raça humana. O perigo fica por conta do fato de que, uma vez que os militares começam a mexer na espaçonave, ela se liga, e passa a exercer uma espécie de controle mental que deixa parte da população maligna e violenta, incluindo o próprio Quatermass.

Quatermass and the Pit mais uma vez seria transmitido ao vivo, direto dos estúdios da BBC em Riverside, mas teria muito mais cenas gravadas previamente que os seriados anteriores - todas as cenas externas, filmadas em Knightsbridge, e todas as que continham efeitos especiais. Satisfeita com a boa audiência das reprises de Quatermass II, a BBC decidiu experimentar filmar Quatermass and the Pit em videotape, uma novidade para a época, que possibilitou que o terceiro seriado tivesse a melhor qualidade de imagem e som de uma produção filmada pela BBC até então; todas as seis fitas também sobrevivem até hoje, com os seis episódios tendo sido lançados em DVD em 2005. Além de ser reprisado às quartas-feiras das semanas em que haviam sido exibidos, os episódios seriam condensados em dois especiais de 90 minutos cada, exibidos em 26 de dezembro de 1959 e 2 de janeiro de 1960. Quatermass and the Pit seria mais um grande sucesso, com média de 9,6 milhões de telespectadores, e picos de 11 milhões em seu último episódio.

A Hammer compraria os direitos de Quatermass and the Pit em 1960, e Kneale escreveria a primeira versão do roteiro em 1961. O estúdio pretendia que Guest fosse mais uma vez o diretor e que Donlevy mais uma vez interpretasse Quatermass, mas teria grande dificuldade para conseguir financiamento para a produção, que demandaria um alto orçamento, e, não o considerando uma prioridade - seu foco, como explicado, estava nos filmes de terror góticos - acabou engavetando o projeto, que só receberia luz verde no final dos anos 1960. Na época, Guest estava envolvido com as filmagens de Cassino Royale, e Donlevy estava em fim de carreira, fazendo principalmente, participações especiais na TV; a Hammer, então, chamaria Roy Ward Baker para dirigir e Andrew Keir para interpretar Quatermass. Em uma entrevista concedida pouco após o lançamento do filme, Keir declararia que Baker o tratou muito mal durante as gravações, e que dizia a toda hora que seu preferido para o papel teria sido Kenneth More. Por decisão de Baker, Keir não receberia top billing, com o nome de James Donald, que interpretava Matthew Roney, vindo antes do seu nos créditos do filme e no material de divulgação. O elenco do filme também conta com Julian Glover (o Grande Meistre Pycelle de Game of Thrones) como o Coronel Breene, e Barbara Shelley como Barbara Judd.

O roteiro de Kneale era extremamente fiel ao do seriado, apenas removendo uma subtrama envolvendo o jornalista James Fullalove, para que o filme não ficasse comprido demais. Fullalove, que não estava presente em nenhum dos três filmes, foi o único personagem além do próprio Quatermass a aparecer em mais de um seriado, tendo um papel relevante também em The Quatermass Experience; curiosamente, assim como Quatermass, ele também acabaria sendo interpretado por dois atores diferentes, já que Paul Whitsun-Jones, que o interpretou em The Quatermass Experience, já estava envolvido com outro trabalho durante as gravações de Quatermass and the Pit, tendo de ser substituído por Brian Worth. Outra mudança importante é que as ossadas e a nave não são encontradas por uma equipe de construção trabalhando em um prédio, e sim por uma equipe de reformas revitalizando uma antiga estação de metrô - dentro da qual a maior parte da ação se passa. O final também é levemente diferente, mas bem mais fiel ao do seriado que o dos outros dois filmes.

Quatermass and the Pit seria o primeiro filme de Quatermass a ter o mesmo nome do seriado, e a primeira produção estrelando Quatermass a ser filmada e lançada a cores. O filme seria um sucesso de crítica e público, e a Hammer chegaria a negociar com Kneale o roteiro de um quarto filme de Quatermass, mas sem conseguir chegar a um acordo vantajoso para ambas as partes durante as negociações. Mais uma vez, o filme seria lançado nos Estados Unidos e Brasil sem qualquer alusão a Quatermass no título: lá, se chamaria Five Million Years to Earth ("cinco milhões de anos para a Terra"), aqui, Uma Sepultura na Eternidade.

Em 1972, Kneale seria chamado pela BBC para escrever o roteiro de mais um seriado de Quatermass. A produção começaria em junho de 1973, com a gravação de cenas de astronautas trabalhando do lado de fora de uma estação espacial. Durante essas filmagens, a cúpula da BBC mudaria de ideia, por achar que o seriado sairia caríssimo; alegando problemas financeiros, a emissora diria a Kneale que estava suspendendo a produção por tempo indeterminado, e a engavetaria até 1975, quando expirariam seus direitos sobre o roteiro que Kneale havia escrito. Na época, Kneale ainda era freelancer, mas estava escrevendo principalmente para o canal rival, a ITV, que demonstrou interesse em assumir a produção. A única exigência foi que Kneale preparasse duas versões do roteiro: uma para que fosse produzido um seriado em quatro episódios de 50 minutos cada, uma para que esses episódios fossem condensados em um filme de 100 minutos, que seria lançado nos cinemas dos Estados Unidos e Europa. Kneale aceitou, mas, posteriormente, declarou em entrevistas não ter ficado satisfeito, pois nenhuma das duas versões teria a duração que ele considerava ideal para a história.

Kneale mudaria bastante coisa do roteiro em relação ao que havia apresentado à BBC, principalmente porque, na BBC, a maior parte das cenas seriam gravadas em estúdio, mas a Euston Films, que produziria o seriado para a ITV, preferia que a maior parte das cenas fossem externas; uma mudança significativa foi transferir a cena final de Stonehenge, onde era dificílimo conseguir autorização para filmar, com inclusive a BBC não a tendo conseguido em 1973, para o Estádio de Wembley, mais acessível. A direção do seriado ficaria a cargo de Piers Haggard, e a produção com Verity Lambert, ambos egressos da BBC e tendo trabalhado em Doctor Who. Quatermass seria interpretado pelo quarto ator diferente em quatro seriados, John Mills, ganhador do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por A Filha de Ryan. Os outros papéis de destaque ficariam com Simon MacCorkindale e Barbara Kellermann, como astrônomo Joe Kapp e sua esposa Clare.

O seriado da ITV se chamaria simplesmente Quatermass, mas acabaria conhecido extra-oficialmente como Quatermass IV, seria o primeiro seriado de Quatermass a cores, e seus quatro episódios de 50 minutos cada seriam exibidos entre 24 de outubro e 19 de novembro de 1979, mais de vinte anos após o final de Quatermass and the Pit. Já a versão em filme ganharia o título de The Quatermass Conclusion, e estrearia em 30 de agosto de 1980, se tornando o primeiro filme de Quatermass a trazer o nome do personagem no título nos Estados Unidos - até onde eu saiba, jamais foi lançado no Brasil. No enredo, um grande número de jovens tem se juntado a uma espécie de culto conhecido como Planet People, acreditando que serão transportados para uma vida melhor em outro planeta. Quatermass, aposentado e morando na Escócia, vai a Londres visitar sua neta, Hettie Carlson (Rebecca Saire), e descobre que ela também se uniu ao grupo; investigando mais a fundo, ele acaba descobrindo que os extraterrestres realmente estão vindo e levando os jovens, mas não para uma vida melhor, e decide intervir.

O seriado não teria boa audiência, e o filme seria um fracasso de público. A crítica consideraria a história "muito deprimente", mas a ITV colocaria a culpa numa greve de seus empregados, que faria com que ela tivesse de mudar a data de estreia originalmente planejada e exibir o primeiro episódio praticamente sem divulgação. A própria Lambert, em entrevistas, entretanto, declararia que eles erraram a mão, e que as comparações com os seriados anteriores foram inevitáveis. Kneale também faria um mea culpa, declarando que a ideia central da história era muito fraca.

Quatermass ficaria aposentado até 1996, quando a Rádio BBC 3 decidiria fazer uma série de programas especiais dedicados à sua programação da década de 1950. Um desses programas seria The Quatermass Memoirs, com cinco episódios de 20 minutos cada transmitidos entre 4 e 8 de março. Cada episódio misturava trechos de material dos seriados com declarações de Keane sobre sua origem e produção e "declarações de Quatermass a um jornalista", falando sobre os mesmos eventos. Essa última parte, evidentemente, era ficcional, com falas escritas por Keane e lidas por Keir, que se tornaria o segundo ator a interpretar Quatermass pela segunda vez; a conversa do Professor com o jornalista era ambientada pouco antes dos eventos do seriado da ITV, com o último episódio fazendo alusão aos eventos que levariam Quatermass a Londres para visitar Hettie. The Quatermass Memoirs teria os últimos roteiros de Quatermass escritos por Kneale; na época, os episódios teriam boa audiência e seriam bem avaliados pela crítica, mas, hoje, são considerados fracos, principalmente porque o próprio Kneale falaria mal deles repetidas vezes.

Em 2003, para comemorar os 50 anos da estreia de The Quatermass Experiment, a BBC pensaria em fazer um remake do seriado. Sucessivos atrasos na produção, entretanto, fariam com que essa ideia fosse abandonada. Em 2005, o produtor Richard Fell decidiria reativar o projeto, mas na forma de um filme para a TV, com roteiro escrito por ele mesmo. Também chamado The Quatermass Experiment, o filme seria exibido no canal a cabo BBC Four em 2 de abril de 2005; em uma espécie de homenagem, ele seria transmitido ao vivo, mas gravado durante a transmissão para as reprises e lançamento em DVD. A história é a mesma do seriado original, mas condensada; Quatermass é interpretado por Jason Flemyng, Carroon por Andrew Tiernan, Judith por Indira Varma (de Roma e Game of Thrones), Fullalove por Adrian Bower, e Lomax, que agora é Ministro da Defesa, por Adrian Dunbar. Uma nova personagem, Margaret Blaker (interpretada por Isla Blair, esposa de Julian Glover, que o acompanhou durante as filmagens de Quatermass and the Pit), substituiria dois agentes do governo do seriado original, ficando, ainda, com algumas cenas que eram de Lomax. Vale citar também que o papel do médico do British Rocket Group, Dr. Gordon Briscoe (interpretado no seriado original por John Glen, e no filme original da Hammer por David King-Wood), ficaria com David Tenant, que receberia a notícia de que interpretaria o Doutor em Doctor Who pouco antes de o filme ir ao ar; para parabenizá-lo, Felmyng faria um caco, mudando a fala quando Quatermass e o médico se encontram de "bom te ver de novo, Gordon" para "bom te ver de novo, Doutor".

O filme seria dirigido por Sam Miller, e seria a primeira produção do departamento de drama da BBC a ser exibida ao vivo desde 1983. Ele seria o quarto programa de maior audiência da história da BBC Four, e também seria elogiadíssimo pela crítica. Apesar disso, seria a última produção estrelada por Quatermass, dentre outros motivos, porque Kneale faleceria em 2006, aos 84 anos.

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