domingo, 9 de junho de 2019

Escrito por em 9.6.19 com 0 comentários

Xadrez

Depois que eu falei sobre o Jogo Real de Ur, reparei uma coisa: eu nunca falei aqui no átomo sobre os dois jogos de tabuleiro mais famosos do planeta: xadrez e damas. Não porque eu não goste, mas porque nunca me veio uma vontade. Depois de perceber isso, decidi que seria legal se eu falasse, então hoje começarei. Hoje é dia de xadrez no átomo!


O xadrez é um dos jogos de tabuleiro mais populares do mundo, e grande parte dessa popularidade vem de sua simplicidade: não existem elementos de sorte como dados, objetivos ocultos nem casas especiais, mas há muito, muito espaço para estratégia - um bom jogador, se estiver perdendo, sempre terá a chance de virar o jogo apenas com sua inteligência, sem precisar da "ajuda" de nenhum fator externo; da mesma forma, se estiver ganhando, apenas ele mesmo será responsável por assegurar sua vitória.

Um conjunto completo de xadrez é composto de um tabuleiro e 32 peças, 16 para cada jogador. Em partidas oficiais, um jogador sempre usa peças brancas e o outro sempre usa peças pretas; em jogos para crianças ou temáticos as peças podem ter outras cores, mas é essencial que se possa diferenciar as peças de cada jogador a qualquer momento, pois durante a partida elas ficarão misturadas no tabuleiro. Em partidas oficiais, o jogador que controla as peças brancas sempre começa o jogo, e, por isso, é sempre determinado aleatoriamente qual jogador vai ficar com qual cor; em jogos "amistosos", pode-se determinar quem começa através de qualquer método.

As regras oficiais do xadrez são publicadas pela Federação Internacional de Xadrez (FIDE, da sigla em francês; o E, no caso, é de "xadrez", que, em francês, é échecs), fundada em 1924, sediada em Atenas, Grécia, e que conta com 185 membros, dentre eles o Brasil. Vale dizer que a FIDE é reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional, o que faz com que o xadrez não somente seja considerado um esporte, como também que ele está apto a fazer parte do programa das Olimpíadas, o que já vem sendo pleiteado há algum tempo. As regras são frequentemente revisadas pela FIDE para garantir que os jogadores - chamados enxadristas - não se aproveitem de detalhes técnicos para levar vantagem; a mais recente versão revisada das regras é de 2017. A partir de agora, eu vou falar sobre essas regras, e, como de costume, as regras que vou citar aqui são as oficiais da FIDE, podendo haver divergências com as de jogos vendidos no mercado, principalmente aqueles para crianças.

Existem seis tipos de peças diferentes, que seguem uma temática medieval; cada jogador tem um Rei, uma Rainha (também conhecida como Dama), dois Bispos, dois Cavalos (que, na verdade, representam cavaleiros), duas Torres e oito Peões. O tabuleiro do xadrez é composto por 64 casas, organizadas em oito linhas (identificadas pelos números de 1 a 8) e oito colunas (identificadas pelas letras de a a h, em minúsculas); a identificação das linhas e colunas traz mais facilidade na hora de especificar as posições da peças (por exemplo, "o Peão que está na a2") e seus movimentos (por exemplo, "o Cavalo vai da g8 para a f6"). As casas do tabuleiro se alternam em claras e escuras; a posição correta para o jogo é com ambos os jogadores tendo mais próxima de si uma linha cuja última casa à direita é clara (h1 para quem joga com as brancas, a8 para quem joga com as pretas).

Na posição inicial para começar o jogo, cada jogador utiliza as duas linhas mais próximas de si (1 e 2 para as brancas, 7 e 8 para as pretas). Cada jogador deve colocar sua Rainha na casa central da mesma cor de suas peças, na fila mais próxima de si (Rainha branca em uma casa clara, d1; Rainha preta em uma casa escura, d8), e o Rei a seu lado (e1 para as brancas, e8 para as pretas). Na mesma linha do Rei e da Rainha, de fora para dentro ficam as Torres (nas colunas a e h), os Cavalos (nas colunas b e g) e os Bispos (nas colunas c e f). Na fila imediatamente à frente dessas peças (2 para as brancas, 7 para as pretas) ficam os oito Peões.

Cada tipo de peça possui regras próprias para seu movimento. Um Peão só pode se mover uma única casa na vertical, e somente para a frente (sempre indo em direção ao adversário, nunca voltando para seu próprio lado), de cada vez, com duas exceções: se ele estiver saindo de sua posição inicial (da linha 2 para as brancas ou da linha 7 para as pretas), pode se mover duas casas na vertical para a frente ao invés de uma, e, se estiver capturando uma peça do oponente (veja adiante), pode se mover uma casa na diagonal para a frente ao invés de na vertical. O Rei também só pode se mover uma casa de cada vez, mas em qualquer uma das oito direções. A Torre pode se mover na vertical ou na horizontal, mas quantas casas quiser de cada vez. O Bispo também pode se mover quantas casas quiser de cada vez, mas somente na diagonal - o Bispo que começa o jogo na casa clara só pode andar pelas casas claras, e o que começa na casa escura só pode andar pelas casas escuras. A Rainha pode se mover nas oito direções, e quantas casas quiser de casa vez, sendo, por isso, considerada a peça mais poderosa do tabuleiro.

O Cavalo eu deixei por último porque é o que tem o movimento mais complicado: segundo as regras, o Cavalo "deve sempre terminar seu movimento na casa mais próxima que não seja de sua mesma linha, coluna ou diagonal"; na prática, isso significa que ele anda desenhando uma letra L - sempre duas casas na vertical então uma na horizontal, ou duas na horizontal então uma na vertical. O Cavalo também pode se mover em qualquer uma das oito direções (ou seja, duas casas pra frente então uma pro lado, duas pro lado então uma pra frente, duas pro lado então uma pra trás, ou duas pra trás então uma pro lado), o que faz com que um Cavalo no meio do tabuleiro tenha oito casas possíveis para encerrar seu movimento. Finalmente, o Cavalo é a única peça que pode "pular por cima" das demais peças - se houver uma casa ocupada no caminho do movimento de uma Torre, Bispo ou Rainha, essas peças devem interromper seu movimento na casa imediatamente antes da ocupada, ou capturá-la se a casa estiver ocupada por uma peça do oponente; já o Cavalo pode ignorar essa peça e terminar seu movimento normalmente. Isso faz com que o Cavalo seja a única peça, além dos Peões, que pode se mover no primeiro movimento de um jogador, pulando por cima do peão que está imediatamente à sua frente.

Os jogadores fazem seus movimentos alternadamente (primeiro o branco, então o preto, então o branco etc.), e, a cada movimento, só podem mover uma única peça (com apenas uma única exceção, que veremos adiante). Caso o jogador tenha um movimento válido possível, ele é obrigado a realizá-lo, jamais podendo passar a sua vez; um movimento é válido quando termina ou em uma casa que não estiver ocupada, ou em uma casa que esteja ocupada por uma peça do oponente. Quando um jogador termina o movimento de uma de suas peças em uma casa que esteja ocupada por uma das peças do oponente, ele a captura, removendo-a do jogo. Não é considerado válido um movimento com o qual o jogador colocará seu próprio Rei em xeque, ou seja, em uma casa na qual o oponente conseguirá capturá-lo em seu movimento imediatamente seguinte; da mesma forma, se um Rei está em xeque, seu jogador é obrigado a tirá-lo dessa posição em seu movimento imediatamente seguinte, só sendo considerados movimentos válidos aqueles que ele puder fazer com o Rei ou com peças que possam capturar ou bloquear a peça oponente que está deixando o Rei em xeque.

O xadrez possui três jogadas especiais. A primeira delas se chama roque, e consiste em trocar o Rei de lugar com a Torre. Cada jogador só pode fazer um roque (cujo nome é uma corruptela do nome da peça da Torre em inglês, Rook) por jogo, e somente se as seguintes condições estiverem presentes: nem o Rei nem a Torre tiverem se movido ainda desde o início do jogo, não houver nenhuma peça entre o Rei e a Torre, e se o Rei não estiver em xeque nem ficará em xeque como resultado do roque. Durante o roque, o Rei se move duas casas na direção da Torre, e a Torre passa por ele se se posiciona na casa imediatamente a seu lado. O Rei pode fazer roque com qualquer uma das duas Torres - usando como exemplo as peças brancas, caso o Rei faça roque com a Torre da direita, encerrará a jogada na casa g1, e a Torre na f1; caso faça com a da esquerda, encerrará na casa c1, e a Torre na d1.

As outras duas jogadas especiais envolvem os Peões. A primeira se chama en passant ("de passagem" em francês), e funciona da seguinte forma: se um Peão andar duas casas ao sair de sua casa de partida, e encerrar seu movimento ao lado de um Peão oponente, o Peão oponente poderá se mover diagonalmente para a casa pela qual esse Peão passou (efetivamente ficando atrás dele); caso faça isso, o Peão oponente será capturado, como se o movimento tivesse se encerrado na casa ocupada por ele. A captura en passant deve ser feita no movimento imediatamente seguinte após o Peão sair de sua posição inicial, ou não poderá ser feito mais. A segunda se chama promoção: caso um Peão consiga cruzar todo o tabuleiro (um Peão branco chegue na linha 8, ou um Peão preto chegue na linha 1), ele poderá ser trocado por uma Rainha, Bispo, Cavalo ou Torre - mesmo que todas as peças do tipo escolhido ainda estejam no tabuleiro, ou seja, é possível um jogador ficar com duas damas ou três Cavalos, por exemplo. O ideal é substituir o Peão pela peça escolhida, mas, caso não haja essa possibilidade, é importante arrumar uma forma de identificar esse Peão para que ele não seja confundido com os demais pelo restante da partida.

Assim que um jogador não possui movimentos válidos em sua vez de jogar, o jogo termina. Se o jogo terminou com o Rei em xeque, ocorrerá o xeque-mate, e o oponente do jogador que tem o Rei em xeque será o vencedor. Caso o jogo termine sem um rei em xeque, é declarado um empate. Também há empate caso o jogo entre em loop, ou seja, se todos os movimentos válidos fizerem os jogadores repetirem seus três últimos movimentos indefinidamente, sem possibilidade de movimentos diferentes; caso após 50 movimentos nenhum peão tenha se movido e nenhuma peça tenha sido capturada; ou caso os jogadores não tenham peças suficientes pra dar xeque-mate no oponente - um jogador só tem o Rei e o outro só tem o Rei e um Cavalo, por exemplo. Um jogador também pode desistir a qualquer momento, derrubando seu próprio Rei no tabuleiro e dando a vitória a seu oponente - o que normalmente ocorre quando um jogador vê que não conseguirá escapar de um xeque-mate, e decide abreviar a duração da partida ao invés de continuar jogando até lá. Curiosamente, um jogador também pode propor o empate ao oponente ao invés de desistir; caso o oponente aceite, o jogo termina empatado - para evitar abusos, a FIDE só permite que um jogador proponha o empate após ele ter feito no mínimo 30 movimentos, e somente se não há possibilidade de ele sofrer um xeque-mate nos três movimentos do oponente imediatamente seguintes.

Em torneios oficiais, cada jogador possui um tempo-limite para realizar seus movimentos. Esse tempo é controlado por um relógio especial posicionado ao lado do tabuleiro, que possui dois mostradores e dois botões, um de cada para cada jogador; toda vez que um jogador conclui seu movimento, ele pressiona seu botão, o que interrompe a contagem de seu tempo e inicia a contagem do tempo do oponente. Relógios de xadrez podem ser analógicos (que soam um alarme quando o tempo-limite é atingido) ou digitais (que mostram o tempo em minutos, segundos, décimos e centésimos, e contam de trás para a frente, soando o alarme quando atingem o zero); relógios de torneios oficiais da FIDE sempre são digitais. Quando o tempo de um jogador se esgota, a vitória é dada ao oponente, exceto se for considerado que o oponente não teria chance clara de alcançar o xeque-mate, caso no qual o jogo termina em empate. Em todos os torneios da FIDE, exceto o Candidates e o Mundial, o tempo para cada jogador é de 90 minutos para os primeiros 40 movimentos e 30 minutos para o restante do jogo, com cada jogador ganhando 30 segundos a mais cada vez que faz um movimento (ou seja, cada vez que aperta o botão); no Candidates e no Mundial o tempo é de 100 minutos para os primeiros 40 movimentos, 50 minutos para os 20 movimentos seguintes, e 15 minutos para o restante do jogo, mais uma vez com cada jogador ganhando 30 segundos a mais cada vez que faz um movimento.

O xadrez como conhecemos hoje surgiu na Europa no século XV, mas é descendente de um jogo muito mais antigo, que, segundo os historiadores, surgiu na Índia entre os anos de 280 e 550, e se chamava chaturanga, nome que significa "quatro patentes", e fazia referência aos quatro tipos de peças usadas no jogo, infantaria, carruagens, cavalos e elefantes, que evoluiriam, respectivamente, para se tornar o Peão, o Bispo, o Cavalo e a Torre. O chaturanga sairia da Índia pelas mãos de mercadores e, no século VI, chegaria à Pérsia, onde seu nome seria corrompido para chatrang. Com a conquista islâmica da Pérsia, ocorrida entre os anos de 633 e 644, o chatrang se espalharia pelos países muçulmanos, onde teria alterados não somente seu nome, que passaria a ser al-shahtranj, mas também suas regras, ganhando duas novas peças, o Rei (shah em persa, por isso o novo nome) e o vizir. Com a invasão da Espanha pelos mouros, que começou no ano 711, o al-shahtranj chegaria à Península Ibérica, onde seu nome seria corrompido, em espanhol, para ajedrez, e, posteriormente, corrompido de novo, em português, para xadrez.

Apenas uma pequena pausa para dizer que "corrompido", em idiomas, não é necessariamente uma coisa ruim ou nociva, como a corrupção no governo ou em histórias de super-heróis nas quais "o herói foi corrompido pelo vilão". Quando dizemos que uma determinada palavra foi corrompida, estamos querendo dizer que alguém não entendeu direito essa palavra quando outra pessoa falou, saiu espalhando o que entendeu, e essa versão espalhada foi a que pegou. Mais ou menos como se um espanhol perguntasse "qual o nome desse jogo?", um árabe respondesse "al-shahtranj", e ele dissesse "ah, sim, legal, ajedrez", e saísse contando pra todo mundo que o nome do jogo era ajedrez. Talvez tenha sido isso mesmo o que aconteceu, jamais saberemos. Fim da pausa.

Pois bem, após chegar à Espanha, o xadrez se espalharia para outros países da Europa, e, a partir do ano 1200, várias modificações começariam a ser feitas em suas regras, principalmente na Espanha e na Itália, para que o jogo ficasse mais de acordo com o gosto dos jogadores locais; a principal dessas modificações seria a substituição da peça do vizir, figura praticamente desconhecida nas cortes europeias, pela Rainha, o que parecia mais sensato, já que o jogo já tinha um Rei. Em 1475, seria publicado na Espanha e na Itália um conjunto de modificações pesadas nas regras, que tornariam o jogo bastante parecido com o que jogamos hoje; seria nessa publicação, por exemplo, que apareceriam pela primeira vez a regra de que o Peão pode andar duas casas ao sair de sua posição inicial, o roque, o fato de que o Bispo pode andar livremente, mas apenas em diagonal, e o de que a Rainha pode andar livremente em qualquer uma das oito direções, transformando-a na peça mais poderosa do jogo. Por causa dessa característica, nos primeiros anos esse conjunto de regras seria considerado não como o oficial do xadrez, mas como o de uma variação, conhecida como "xadrez da Rainha louca". Rapidamente, entretanto, o "xadrez da Rainha louca" suplantaria todas as outras formas de xadrez da Europa em popularidade; no final do século XV, praticamente todo mundo só jogava de acordo com suas regras, com as demais sendo consideradas meras variações e restritas a grupos pequenos de jogadores.

As regras do xadrez permaneceriam praticamente sem mudanças até o início do século XIX, quando alterações feitas na França, na época o centro cultural da Europa, começariam a ser exportadas para outros países. São dessa época a padronização das regras para o empate - até então, cada grupo de jogadores tinha suas próprias regras para determinar se um jogo terminou empatado - e para que o jogador que controla as brancas comece o jogo. Essas também seriam as últimas alterações significativas nas regras; desde então, todas as alterações são técnicas, como o estabelecimento do limite de 30 movimentos para poder se propor um empate, ou de 50 para encerrar o jogo caso nenhuma peça tenha sido capturada.

Também no século XIX começariam a surgir as primeiras organizações voltadas à prática do xadrez, como os clubes de xadrez, as editoras especializadas em livros sobre xadrez, e os jornais e revistas dedicados exclusivamente ao xadrez. Os primeiros "problemas de xadrez", que apresentavam um tabuleiro já com um jogo em andamento e convidavam o jogador a descobrir quais movimentos seriam necessários para se obter o resultado desejado (por exemplo, "Torre captura o Cavalo em três movimentos") também começariam a ser publicados em periódicos dessa época. O primeiro torneio de xadrez seria realizado em Londres, em 1851, organizado por Howard Staunton, um dos mais importantes jogadores de xadrez da Inglaterra, e vencido pelo alemão Adolf Anderssen, que viria a ser considerado o primeiro mestre enxadrista. Em 1886, o austríaco Wilhelm Steinitz se autoproclamaria o primeiro campeão mundial de xadrez, após derrotar todos os principais jogadores em atividade na época.

No início do século XX. quase a totalidade dos jogadores consideravam o xadrez como um esporte, e não como um mero jogo de tabuleiro ou passatempo; imitando o que ocorria com os demais esportes, os clubes de xadrez decidiriam se unir e fundar um órgão que padronizasse o xadrez em todo o mundo, cuidando também para que ele se tornasse cada vez mais popular. Assim, em 1924, surgiria a FIDE, que se tornaria responsável por organizar os mais importantes torneios de xadrez do planeta, por publicar as regras oficiais do xadrez, e por incentivar a abertura de clubes, oficinas e programas de xadrez em todo o mundo, para garantir a continuidade do esporte. A FIDE também reconhece a habilidade e importância dos principais jogadores de xadrez do planeta, conferindo a eles títulos como os de Mestre e Grande Mestre.

O torneio de maior prestígio da FIDE é o Campeonato Mundial, que, em sua forma atual, existe apenas desde 1950. O primeiro campeão mundial após a fundação da FIDE seria o cubano José Raúl Capablanca y Graupera, campeão de 1921 a 1927, mas a FIDE também reconhece dois campeões oficiais antes dele: Steinitz, campeão de 1886 a 1894, e o alemão Emanuel Lasker, campeão de 1894 a 1921. Entre 1886 e 1950, o título do xadrez era disputado da mesma forma, por exemplo, que o do boxe, com qualquer jogador podendo desafiar o atual campeão, que aceitava o desafio ou não; ganhando, o campeão mantinha o título, mas, perdendo, havia um novo campeão. Sob esse sistema, o russo naturalizado francês Alexander Alekhine tirou o título de Capablanca em 1927, o perdeu para o holandês Max Euwe em 1935, o recuperou em 1937, e o manteve até sua morte, em 1946. A FIDE, então, decidiria organizar um campeonato entre os principais jogadores do mundo em 1948, no qual sagrou-se campeão o soviético Mikhail Botvinnik. Depois desse torneio, ao invés de manter o sistema de desafios, a FIDE criaria um sistema classificatório, do qual o vencedor teria o direito de enfrentar o atual campeão. Pelas regras originais, o atual campeão teria direito a uma revanche no ano seguinte, com cada ciclo classificatório durando três anos; esse sistema, entretanto, seria abolido em 1961.

Botvinik daria início a uma verdadeira dinastia soviética: até a dissolução da União Soviética em 1991, apenas um jogador não-soviético seria campeão mundial de xadrez, o norte-americano Bobby Fischer, campeão de 1972 a 1975 - Botvinnik perderia o título para Vasily Smyslov em 1957, o recuperaria no ano seguinte, o perderia para Mikhail Tal em 1960, o recuperaria novamente no ano seguinte, e o perderia para Tigran Petrosian em 1963, sendo sucedido por Boris Spassky em 1969, Fischer em 1972, Anatoly Karpov em 1975 e Garry Kasparov em 1985. Em 1993 ocorreria um racha, e os principais jogadores, incluindo Kasparov, sairiam da FIDE e fundariam a Associação dos Jogadores Profissionais de Xadrez (PCA), que organizaria seu próprio Mundial até 2006, quando se fundiria mais uma vez com a FIDE. A PCA só teria dois campeões, Kasparov de 1993 a 2000 e o russo Vladimir Kramnik de 2000 a 2006; enquanto isso, na FIDE, Karpov seria campeão em 1993, o russo Alexander Khalifman em 1999, o indiano Viswanathan Anand em 2000, o ucraniano Ruslan Ponomariov em 2002, o uzbeque Rustam Kasimdzhanov em 2004, e o búlgaro Veselin Topalov em 2005. Após a fusão, Kramnik seria campeão pela FIDE em 2006, Anand retomaria seu título em 2007, e o perderia em 2013 para o atual campeão, o norueguês Magnus Carlsen.

Pelo sistema estabelecido pela FIDE em 1950, o Mundial se divide em três etapas: os torneios classificatórios, o torneio Candidates, e o Mundial propriamente dito. Os classificatórios são uma série de torneios realizados em vários países, que vão classificando seus vencedores para etapas cada vez mais concorridas, até chegarem às etapas de maior prestígio, nas quais os mais bem colocados se classificam para o Candidates; atualmente, os dois torneios que classificam para o Candidates são a Copa do Mundo de Xadrez, realizada a cada dois anos desde 2005, e o FIDE Grand Prix, realizado em intervalos irregulares (segundo as más línguas, "sempre que a FIDE quer") desde 2008, sendo possível ambos serem realizados no mesmo ano. Desde 2009, o Candidates é disputado pelos oito principais jogadores vindo desses dois torneios, com o campeão do Candidates se classificando para enfrentar o atual campeão no ano seguinte. Essa partida entre o vencedor do Candidates e o atual campeão é que se chama Campeonato Mundial.

Desde 1927, a FIDE também organiza o Campeonato Mundial Feminino de Xadrez, que, ao contrário do masculino, tem regras muito simples: as principais jogadoras do mundo se classificam para o Mundial através de vários torneios classificatórios disputados ao redor do planeta, se enfrentam em um sistema de mata-mata igual ao usado, por exemplo, em um torneio de tênis, até que só restem as duas finalistas, que disputarão o título em uma melhor que quatro jogos mais um tie-break (com tempo mais curto, 25 minutos mais 10 segundos após cada movimento) caso cada uma ganhe dois. Atualmente, o Mundial Feminino é disputado por 64 jogadoras.

A primeira campeã no feminino foi a russa naturalizada tcheca Vera Menchik, que manteve o título de 1927 a 1944; entre 1944 e 1950 não houve Mundial Feminino, por causa da Segunda Guerra, e, após seu retorno, começou uma dinastia soviética: Lyudmila Rudenko em 1950, Elisaveta Bykova em 1953, Olga Rubtsova em 1956, Bykova de novo em 1958, Nona Gaprindashvili em 1962 e Maia Chiburdanidze em 1978. Chiburdanidze só perderia o título em 1991, para a chinesa Xie Jun, que o perderia para a húngara Susan Polgar em 1996 e o recuperaria em 1999. Depois de Jun seriam campeãs a chinesa Zhu Chen em 2001, a búlgara Antoaneta Stefanova em 2004, a chinesa Xu Yuhua em 2006, a russa Alexandra Kosteniuk em 2008, a chinesa Hou Yifan em 2010, 2013 e 2016, as ucranianas Anna Ushenina em 2012 e Mariya Muzychuk em 2015, e a chinesa Tan Zhongyi em 2017. A atual campeã é outra chinesa, Ju Wenjun, que conquistou o título em 2018.

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