domingo, 10 de março de 2019

Escrito por em 10.3.19 com 0 comentários

Procurado Vivo ou Morto

Por mais paradoxal que essa frase possa parecer, a indústria do entretenimento nunca foi muito criativa. Hoje em dia, por exemplo, todo mundo reclama da onipresença dos super-heróis, devido à quantidade de filmes e séries com eles, mas, verdade seja dita, sempre que uma coisa faz dinheiro, ela é explorada até a exaustão: até bem pouco tempo, por causa de O Senhor dos Anéis e Harry Potter, eram os mundos de fantasia; um pouco antes, por causa de Jurassic Park, eram dinossauros; e, quando eu era criança, eram robôs - praticamente todo filme ou série tinha que ter pelo menos um robô, mesmo que fosse um cenário realístico e o robô estivesse a anos luz da tecnologia existente na época.

Bem antes dos robôs, a moda era o faroeste. Na década de 1950, os cinemas eram simplesmente dominados pelo faroeste, ao ponto de, no ano de 1957, terem estreado nada menos que 62 filmes, o que dá uma média superior a cinco filmes por mês - imaginem hoje em dia, se todo mês estreassem cinco filmes de super-heróis diferentes, o escarcéu que ia ser. O motivo pelo qual eram produzidos esses filmes todos era o mais simples possível: não importa se o filme fosse bom ou não, havia uma grande chance de os fãs do faroeste irem assisti-lo, o que garantia uma boa arrecadação ao estúdio - mais ou menos o que acontece hoje com alguns filmes de super-heróis, que eu não vou dizer quais são, mas que, mesmo ruins, tiveram excelente público.

Com esse sucesso todo nos cinemas, é claro que as produtoras de TV iriam querer tirar uma casquinha também, apostando em suas próprias séries de faroeste. As primeiras séries de TV de faroeste seriam exibidas a partir de 1949, mas, com o boom do gênero na década seguinte, evidentemente elas se multiplicariam. Como costuma acontecer, algumas seriam bem ruins, e acabariam rapidamente canceladas e esquecidas, e outras seriam boas, ficando no ar por bastante tempo e atraindo um público fiel. Ao segundo grupo pertence o tema do post de hoje: Procurado Vivo ou Morto.

A origem de Procurado Vivo ou Morto é "complicada", para dizer o mínimo. Na década de 1950, eram comuns nos Estados Unidos séries do tipo anthology, que não tinham elenco fixo ou histórias continuadas, com cada episódio sendo uma história fechada com elenco próprio - eu já falei sobre uma série desse tipo aqui no átomo, a superfamosa Além da Imaginação. Apesar de sua flexibilidade, anthology series não eram bagunça, com cada uma se prendendo a um tema: havia as de ficção científica, as policiais, as de terror, e, é claro, as de faroeste. Dentre as de faroeste, existia a Dick Powell's Zane Grey Theatre, exibida pelo canal CBS entre 5 de outubro de 1956 e 18 de maio de 1961, para um total de 5 temporadas e 149 episódios.

Originalmente, a série Dick Powell's Zane Grey Theatre seria uma adaptação dos contos, novelas e romances de Zane Grey (com cada episódio sendo apresentado pelo ator Dick Powell, por isso o nome), autor norte-americano que viveu entre 1872 e 1939, publicando quase uma centena de histórias de faroeste, considerado o criador da "fronteira americana", o conjunto de elementos que hoje identificamos como pertencentes ao Velho Oeste, como a cidadezinha frequentemente atacada por bandidos ou a fazenda cujos donos dependem só de si para se proteger. Um dos episódios da Dick Powell's Zane Grey Theatre, chamado Badge of Honor (algo como "medalha de honra"), exibido em 3 de maio de 1957, traria o ator Robert Culp no papel de Hoby Gilman, um soldado que volta para casa após a Guerra Civil, para descobrir que sua cidade está dominada por um ex-Coronel Confederado; a população quer que Hoby enfrente o Coronel, mas ele está cansado de armas e violência, e só quer viver sua vida em paz.

Badge of Honor faria um grande sucesso, medido não somente pela audiência do episódio, mas pela quantidade de correspondência que a CBS receberia elogiando-o e pedindo por novas aventuras de Hoby Gilman. Diante disso, o canal decidiria criar um spin-off estrelado por Culp, que passaria a protagonizar uma série inteira - ao todo, cinco episódios de Dick Powell's Zane Grey Theatre dariam origem a novas séries, mas Badge of Honor seria o primeiro. Essa nova série se chamaria Trackdown, e nela Hoby Gilman seria um Texas Ranger, uma espécie de policial estadual do Texas. Trackdown seria a única série na história da televisão a ser oficialmente autorizada pelo Governo do Texas, com muitos de seus episódios sendo baseados em casos dos Texas Rangers reais. A série faria um sucesso moderado, sendo exibida entre 4 de outubro de 1957 e 23 de setembro de 1959, para um total de duas temporadas e 71 episódios.

Pois bem, um dos episódios de Trackdown, The Bounty Hunter, exibido em 7 de março de 1958, trazia Steve McQueen no papel do caçador de recompensas Josh Randall, que se tornaria parceiro temporário de Gilman enquanto o Ranger tentava encontrar um marido infiel suspeito de um crime e com uma recompensa por sua cabeça. Mais uma vez, esse episódio faria um grande sucesso, e a CBS decidiria transformá-lo em um spin-off. Esse spin-off seria, justamente, Procurado Vivo ou Morto - que, portanto, é um spin-off de um spin-off.

Em Procurado Vivo ou Morto, Josh Randall (McQueen) é um ex-soldado Confederado (que era como se chamavam os que lutavam pela independência do Sul dos Estados Unidos durante a Guerra Civil, que ocorreu entre 1861 e 1865) que, ao invés de retornar à sua cidade natal ao fim da Guerra, decide tentar a sorte no Velho Oeste como caçador de recompensas. Quando a série começa, o ano é 1870, o que significa que Randall já tem uma certa experiência no ramo. Diferentemente de outros caçadores de recompensas, entretanto, Randall tem um bom coração, frequentemente doando as recompensas que recebe para os mais necessitados, e até mesmo ajudando aqueles a quem deveria entregar às autoridades se achar que eles foram falsamente acusados. Uma espécie de lema não-oficial do personagem era que ele preferia a justiça ao dinheiro.

Procurado Vivo ou Morto seria uma produção da Four Star Television, a mesma de Trackdown e Dick Powell's Zane Grey Theatre, fundada por quatro atores de cinema, Dick Powell, David Niven, Charles Boyer e Joel McCrea, que queriam investir nas produções para a televisão. Sua primeira temporada estrearia na CBS em 6 de setembro de 1958, e contaria com um total de 36 episódios, o que pode parecer uma enormidade hoje em dia, mas era o padrão na época, para que uma série ficasse no ar de setembro a maio - de fato, a primeira temporada se concluiria em 9 de maio de 1959. Como também era padrão na época, os episódios eram filmados em preto e branco, tinham meia hora de duração cada (contando com os intervalos comerciais), e possuíam um patrocinador oficial, no caso a indústria de produtos de higiene pessoal Kimberly-Clark, que contribuía com os custos necessários para filmar os episódios em troca de preferência nos intervalos comerciais da série - a Kimberly-Clarke, aliás, seria a mesma patrocinadora de Além da Imaginação quando a série estreasse em outubro de 1959, enquanto a segunda temporada de Procurado Vivo ou Morto estivesse no ar, o que faria com que chamadas de Além da Imaginação fossem inseridas logo após o final dos episódios de Procurado Vivo ou Morto e vice-versa ("Kimberly-Clark convida vocês a assistir Procurado Vivo ou Morto, nesse mesmo canal").

Um dos objetos mais característicos de Procurado Vivo ou Morto é a arma de Randall, apelidada, por ele mesmo, de Mare's Leg (a "perna da égua"). Tratava-se de uma espingarda Winchester modelo 1892 (o que fazia com que, de certa forma, ela fosse uma arma do futuro, já que a série era ambientada mais de duas décadas antes do lançamento da arma no mundo real) modificada, com cano mais curto e gatilho especial, para que Randall pudesse dispará-la como um revólver. O coldre da Mare's Leg também era especial, amarrado na cintura e na perna direita da Randall, logo acima do joelho, em um padrão que logo seria imitado em vários outros filmes de faroeste. Randall era um exímio sacador, e conseguia sacar e disparar sua arma com velocidade impressionante, tornando incapaz para enfrentá-lo qualquer um que estivesse despreparado. Ao todo, três versões da Mare's Leg foram usadas durante as filmagens, mas, curiosamente, elas não eram idênticas, com um observador atento conseguindo perceber que nem sempre se tratava da mesma arma.

As cenas em estúdio dos episódios seriam gravadas nos Estúdios Selznick, de propriedade da Desilu, companhia que, mais tarde, produziria Jornada nas Estrelas; as externas seriam filmadas no Rancho Iverson, em Chatsworth, Califórnia, considerado o local mais usado para filmagens de externas em toda a história da televisão, com mais de mil produções tendo usado suas instalações desde sua inauguração, em 1912, até hoje. Devido ao tamanho do rancho, várias produções podiam ser filmadas lá simultaneamente, o que fez com que, em alguns episódios da série, elementos pertencentes a outros filmes de faroeste, como casas e celeiros, pudessem ser vistos ao fundo. Os roteiros dos episódios ficariam a cargo de Samuel A. Peeples e Charles Beaumont (que, depois, se tornaria um dos mais famosos roteiristas de Além da Imaginação), e a trilha sonora ficaria a cargo de William Loose, que também comporia o tema de abertura da primeira temporada - que não agradaria a CBS, sendo trocado por um composto por Herschel Burke Gilbert para a segunda temporada.

Em toda a série, McQueen seria o único ator do elenco fixo, com todos os demais sendo creditados como elenco do episódio; alguns atores famosos (na época ou posteriormente) fariam participações em alguns episódios, como Dyan Cannon, Charles Bronson, Lon Chaney Jr., James Best, James Coburn, DeForest Kelley, Martin Landau, Stafford Repp, Lee Van Cleef e Mary Tyler Moore.

Já na primeira temporada, Randall faria bem mais do que caçar recompensas, ajudando a resolver problemas de família, livrando homens erroneamente acusados da prisão, ajudando um homem com amnésia a recuperar sua memória, encontrando pessoas e animais desaparecidos e até mesmo negociando a libertação de um soldado que foi feito prisioneiro pelos índios. Essa vocação para fazer o bem contribuiria para sua popularidade, e para destacar a série das demais de faroeste da época, que raramente tinham tanta variedade de enredos. O grande sucesso da primeira temporada levaria, evidentemente, à renovação para uma segunda, que seria exibida entre 5 de setembro de 1959 e 21 de maio de 1960, com mais 32 episódios.

Na primeira temporada, o único companheiro constante de Randall seria seu cavalo Ringo; na segunda, os roteiristas decidiriam lhe dar um parceiro, Jason Nichols (interpretado por Wright King), um ex-delegado que decidiria se tornar caçador de recompensas. Nichols, entretanto, não apareceria em todos os episódios, apenas em 11 deles, e não retornaria para a terceira temporada. Muitos apontariam o episódio Os Parceiros, no qual Randall quer levar três criminosos capturados à justiça, mas Nichols decide matá-los ele mesmo, como o motivo do fim da parceira entre a dupla; esse episódio, entretanto, seria apenas o segundo dos 11 nos quais Nichols trabalha ao lado de Randall - a confusão provavelmente aconteceria porque, quando a série foi vendida para syndication e seus episódios reprisados, muitas emissoras os exibiriam fora da ordem, sendo possível que, em muitos canais, Os Parceiros tenha sido cronologicamente o último dos episódios com a presença de Nichols.

A segunda temporada, assim como a primeira, também fez bastante sucesso, e Procurado Vivo ou Morto seria renovada para uma terceira. Problemas financeiros da Four Star, contudo, fariam com que a terceira temporada tivesse apenas 26 episódios, exibidos entre 21 de setembro de 1960 e 29 de março de 1961. Mais uma vez, a audiência foi boa, mas a série acabaria cancelada porque McQueen decidiria não renovar contrato com a Four Star para investir em sua carreira do cinema - ele seria, aliás, o primeiro ator de TV a conseguir fazer a "transição" com sucesso, se tornando, também, uma renomada estrela do cinema.

Em 1987, o diretor Gary Sherman decidiria fazer uma versão para o cinema de Procurado Vivo ou Morto, mas, bizarramente, ao invés de ambientar a história no Velho Oeste, decidiria que seria melhor se ela ocorresse na "época atual"; assim, o protagonista do filme é Nick Randall (Rutger Hauer), neto do Josh Randall da série, um ex-agente da CIA que decide se tornar caçador de recompensas (embora eu confesse que não sabia que ainda havia essa profissão em 1987) após se desentender com a Agência. Ele é contratado por um ex-colega da CIA para ajudar a localizar o famoso terrorista Malak Al Rahim (interpretado por ninguém menos que Gene Simmons, o vocalista da banda Kiss) - que, em uma estranha reviravolta, também está procurando por Randall, para se vingar de alguma coisa que sofreu em seu passado. Produzido pela New Line e com estreia em 16 de janeiro de 1987, o filme foi um fracasso de bilheteria, e hoje, se não fosse pela presença de Simmons, provavelmente nem seria lembrado.

Para terminar, vale citar que Procurado Vivo ou Morto seria a primeira série de TV em preto e branco a ter todos os seus episódios colorizados por computador, em um processo pago pela Four Star e que se concluiu em dezembro de 1997. A "versão colorida" da série foi, então, vendida em syndication, e exibida por mais de 50 canais dos Estados Unidos no final da década de 1990 e início dos anos 2000.

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