segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Escrito por em 20.10.14 com 0 comentários

Viagem ao Fundo do Mar

Quando eu escrevi o post sobre O Túnel do Tempo, fiquei com vontade de escrever outro, sobre outra série clássica dos anos 1960 criada por Irwin Allen. Para não fazer dois seguidos, resolvi segurá-lo um pouco. Outros assuntos vieram, e hoje eu me lembrei. Assim, hoje é dia de Viagem ao Fundo do Mar!

Viagem ao Fundo do Mar foi a primeiríssima das séries de TV criadas por Allen, que depois criaria três superclássicos: Perdidos no Espaço, O Túnel do Tempo e Terra de Gigantes. Antes de criar a série, entretanto, Allen não era exatamente um ninguém, mas um diretor de cinema razoavelmente bem-sucedido, tendo estreado com dois documentários (O Mar que nos Cerca e O Milagre da Vida) e depois passado para os filmes de fantasia e ficção científica (A História da Humanidade e O Mundo Perdido). O quinto filme de sua carreira seria, justamente, Viagem ao Fundo do Mar.

No filme, que estreou em 12 de julho de 1961 e é ambientado em um futuro próximo não especificado, a tripulação do submarino nuclear de última geração Seaview está realizando uma missão de rotina no oceano ártico. Comandado pelo Capitão Lee Crane (Robert Sterling) e tendo a bordo, dentre outros, o inventor do Seaview, Almirante Harriman Nelson (Walter Pidgeon); o cientista Lucius Emery (Peter Lorre); a Tenente Cathy Connors (Barbara Eden, de Jeanie é um Gênio); e a Dra. Susan Hiller (Joan Fontaine), que estuda os efeitos do estresse sobre a triupulação de um submarino; o Seaview deve permanecer durante 96 horas sob o gelo ártico, executando uma série de manobras e medições.

Enquanto a embarcação realiza sua missão, porém, o gelo estranhamente começa a derreter, e, ao emergir, a tripulação vê que o céu está em chamas. Após salvar o pesquisador Miguel Alvarez (Michael Ansara) e seu cachorro, eles descobrem o que está acontecendo: uma chuva de meteoros pôs fogo no Cinturão de Van Allen, uma camada de radiação que envolve a Terra. Com o Cinturão em chamas, a temperatura do planeta está subindo minuto a minuto, e, em pouco tempo, ninguém mais conseguirá sobreviver.

Nelson e Emery bolam um arriscado plano para evitar o pior: segundo os cálculos de Nelson, se o Seaview disparar um míssil nuclear de um ponto exato da Fossa das Marianas, em um dia e hora exatos, a explosão extinguirá o fogo, salvando o planeta. Eles expõem o plano em uma reunião de emergência da ONU, mas não conseguem autorização para colocá-lo em prática, principalmente devido à campanha contrária do cientista austríaco Emilio Zucco (Henry Daniell), que acredita que o fogo se extinguirá sozinho antes de acabar com a vida na Terra. Não sendo convencidos por esse argumento, a tripulação do Seaview decide zarpar mesmo assim, e, enquanto tenta chegar no ponto estabelecido para o lançamento, tem de lidar com vários percalços, como um campo minado, uma lula gigante e até mesmo um sabotador a bordo.

O filme dividiu a crítica, mas foi um gigantesco sucesso de público - com orçamento de pouco mais de um milhão e meio de dólares, rendeu sete nas bilheterias. Parte desse sucesso se deveu ao fato de ele aproveitar em seu enredo assuntos atuais da época: em 1958, o USS Nautilus, primeiro submarino nuclear da história, realizou missões no ártico, buscando, principalmente, cruzar do Oceano Atlântico para o Pacífico por baixo da calota polar, numa aventura à qual a imprensa da época se referia como "viagem ao topo do mundo" - o título do filme, aliás, é um trocadilho com essa frase. Em 1960, o batiscafo (espécie de minissubmarino adaptado para grandes profundidades) Trieste se tornaria a primeira embarcação a explorar a Fossa das Marianas, ponto de maior profundidade do planeta. E o Cinturão de Van Allen também era uma descoberta recente que chegou a ter algum destaque nos jornais; na época, ninguém sabia muito bem do que ele era feito, para que servia ou como se comportava, de forma que quase todas as informações apresentadas no filme foram inventadas, sendo desmentidas por descobertas mais recentes - hoje já se sabe, por exemplo, que é impossível que o Cinturão pegue fogo, pois não há oxigênio suficiente por lá.

A maior parte do orçamento do filme foi usada na construção dos cenários do interior do Seaview, objetos de cena e modelos dos veículos e instalações militares. Quando as filmagens terminaram, para tentar recuperar parte do dinheiro investido, a Fox, produtora do filme, decidiu não descartar esses itens, e os armazenou com o intuito de reutilizá-los em outras produções do estúdio. Com o sucesso do filme, Allen, que já vinha pensando em produzir uma série para a TV, decidiu aproveitar que a Fox tinha essas coisas todas guardadas e, em 1963, ofereceu ao estúdio o piloto de uma série de Viagem ao Fundo do Mar. Como os custos de produção seriam baixíssimos - praticamente só precisariam pagar os atores, pois os cenários estavam prontos e o pessoal técnico era empregado do estúdio mesmo - a Fox concordou em produzir um piloto, que ofereceu ao canal ABC. O canal gostou da premissa, e encomendou uma primeira temporada.

Assim como várias séries dos anos 1960 e 1970 baseadas em filmes (Planeta dos Macacos me vem à mente), Viagem ao Fundo do Mar não é continuação do filme. Na verdade, é como se o filme nem existisse. O Seaview é o mesmo e os personagens são os mesmos, mas parece que todos se conheceram agora, e ninguém jamais menciona os eventos do filme. Sinceramente, nunca entendi como uma série desse tipo podia se aproveitar do sucesso do filme no qual se baseou, mas tudo bem.

No piloto, ambientado em meados da década de 1970 - o futuro, portanto, já que a série é do início da década de 1960 - somos apresentados ao Seaview e a seu criador, o Almirante Harriman Nelson (Richard Baseheart), criador do Instituto Nelson de Pesquisa Marinha, sediado em Santa Barbara, Califórnia. Oficialmente, Nelson cria o Seaview para exploração e pesquisa, mas, graças a um contrato com a Marinha dos Estados Unidos, ele passa a ser também a principal defesa do país contra ameaças marítimas, sejam nacionais, internacionais, ou até mesmo extraterrestres. O Capitão do submarino é Lee Crane (David Hedison), originalmente o segundo em comando, mas que assume o posto depois que o Capitão anterior é misteriosamente assassinado no começo do piloto. Outros membros da tripulação incluem o novo segundo em comando, Tenente-Comandante Chip Morton (Bob Dowdell); o Chefe Curly Jones (Henry Kulky), responsável pela engenharia do submarino; e o médico da embarcação (Richard Bull), chamado por todos apenas de "Doutor". Curiosamente, enquanto o filme tinha duas mulheres em posições de destaque, a série não tem nenhuma mulher dentre a tripulação do Seaview, com todas as personagens femininas sendo participações especiais de no máximo três episódios cada.

A primeira temporada teria 32 episódios em preto e branco - curiosamente, a Fox produziria o piloto em cores, mas a ABC, argumentando que a maioria dos lares norte-americanos ainda não tinha televisores a cores, e que a filmagem em cores era mais cara, pediu que os episódios fossem produzidos em preto e branco - o primeiro estreando em 14 de setembro de 1964. A primeira temporada introduziria dois novos veículos usados pela tripulação e guardados dentro do Seaview, um batiscafo para exploração de grandes profundidades e um minissubmarino para locais onde o Seaview era grande demais para alcançar. A maior parte das histórias tinha o clima da Guerra Fria, tão presente na época, com governos estrangeiros ameaçando os Estados Unidos e o Seaview tendo de agir para impedi-los - no piloto, por exemplo, eles devem impedir uma nação estrangeira de provocar um terremoto, e em outros episódios os objetivos são evitar que a frota de submarinos dos Estados Unidos seja destruída por um ataque secreto e recuperar uma importante arma roubada por um espião. Alguns episódios mostravam missões de exploração do Seaview, durante as quais ele se deparava com perigos como monstros marinhos, lixo nuclear abandonado ou até mesmo artefatos extraterrestres. Em suma, a série fazia uma mistura de espionagem e ficção científica, tendo o fundo do oceano como cenário.

Essa mistura pareceu dar certo, pois a primeira temporada teve bons índices de audiência, que levaram a ABC a encomendar uma segunda. Ao contrário do que eles imaginavam, grupos de estudo demonstraram que a maioria dos espectadores preferiria que a série fosse em cores, então, da segunda temporada em diante, os episódios passariam a ser coloridos. Para compensar o aumento nos custos, o número de episódios por temporada seria reduzido.

Assim, a segunda temporada, de 26 episódios em cores, estrearia em 19 de setembro de 1965. Além de uma mudança do preto e branco para a cor, a ABC também pediu para que a Fox desse uma amenizada nos episódios, fazendo-os mais leves e "apropriados para toda a família"; o resultado foi um número maior de episódios no estilo "monstro da semana" - o Seaview encontra uma criatura ou agente inimigo, ou um perigo qualquer, como um vulcão, e toda a ameaça decorrente desse encontro era resolvida no próprio episódio, sem nenhuma implicação futura. Para não se afastar demais do estilo da série, a Fox ainda chegou a produzir alguns episódios no estilo Guerra Fria, mas foram poucos.

Nelson e CraneA Fox também gastou um dinheirinho extra para reformar alguns cenários, tornando o interior do Seaview mais futurista. Para aproveitar que o seriado agora era em cores, a tripulação também ganhou novos uniformes coloridos, em azul e vermelho - os da primeira temporada eram todos na cor cáqui. Uma das maiores novidades da segunda temporada foi o Flying Sub, um minissubmarino amarelo em formato de arraia que podia operar tanto sob a água quanto voando, aumentando as opções exploratórias da tripulação. Tripulação, aliás, que teve uma mudança, a substituição do Chefe Curly pelo Chefe Francis Sharkey (Terry Becker), necessária devido à morte de Henry Kulky, que interpretava Curly. Em três episódios, Richard Bull também seria substituído por Wayne Heffley no papel do médico, mas depois retornaria.

Também é interessante registrar que dois episódios da segunda temporada fizeram uso de cenas gravadas originalmente para o filme, e que um terceiro, Fogo no Céu, tinha exatamente o mesmo enredo do filme (com exceção da parte do sabotador), reutilizando várias de suas cenas, em uma espécie de reafirmação de que, embora compartilhasse a mesma premissa e personagens, a série não tinha ligação com o filme.

A terceira temporada, de mais 26 episódios, que estreou em 18 de setembro de 1966, teve uma grande guinada de estilo: na época, as séries de maior sucesso eram aquelas de temática paranormal, então a Fox aproveitou e fez episódios envolvendo múmias, fantasmas, lobisomens, homens-sombra e todo tipo de criatura fantástica ameaçando a tripulação do Seaview. Até mesmo os episódios nos quais os perigos eram mais, digamos, mundanos, eram meio bizarros, como o primeiro, no qual o vilão era um cérebro sem corpo, e um no qual o Seaview tinha de deter um grupo de nazistas que não sabia que a Segunda Guerra Mundial tinha acabado. Apenas três episódios traziam temática da Guerra Fria ou de monstros marinhos, todos os três feitos a partir de roteiros não aproveitados da primeira temporada. Também é interessante notar que, durante a terceira temporada, nada menos que três séries de Allen estavam em produção pela Fox simultaneamente, já que Perdidos no Espaço estava em sua segunda temporada, e 1966 foi o ano de estreia de O Túnel do Tempo.

A audiência da terceira temporada foi bem menor que das duas anteriores, mas, mesmo assim, a ABC encomendou uma quarta, de mais 26 episódios, que estreou em 17 de setembro de 1967. Infelizmente, durante a quarta temporada, a Fox se perdeu, fazendo uma verdadeira salada nas viagens do Seaview: em um episódio, a ameaça era um mago de cinco séculos de idade; na semana seguinte, era a vez de uma invasão extraterrestre; no próximo capítulo, um vulcão submarino; e até mesmo dois episódios de viagem no tempo foram escritos. Buscando atingir um público maior, os episódios também se tornaram mais cômicos e com menos tensão, o que, de certa forma, descaracterizou a série e produziu o efeito contrário do esperado: a audiência caiu vertiginosamente. E caiu tanto que, após o último episódio, em 31 de março de 1968, a ABC anunciou que a série não seria renovada, sendo cancelada após quatro temporadas. Curiosamente, ela seria substituída na grade por outra série de Allen, Terra de Gigantes, que estrearia na ABC em setembro daquele mesmo ano.

Além de ter sido a primeira série de Allen, Viagem ao Fundo do Mar também foi a mais longeva, com quatro temporadas contra apenas uma de O Túnel do Tempo, três de Perdidos no Espaço e duas de Terra de Gigantes. Curiosamente, entretanto, também foi a única que não adquiriu status de cult. Talvez por isso, diferentemente do que ocorre com as outras, nunca se falou em remake, reboot, revival ou qualquer outro re. Pode ser porque, sendo tão ligada à Guerra Fria, a série tenha ficado datada, ou porque outras séries sobre submarinos, como SeaQuest, acabariam sendo produzidas no futuro, tirando um pouco do ineditismo. Seja como for, o Seaview está atracado, sem planos de zarpar novamente.

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