segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Escrito por em 8.10.12 com 0 comentários

Clássicos Disney (XV)

Mais três Clássicos Disney hoje!

Atlantis: O Reino Perdido
Atlantis: The Lost Empire
2001

Em outubro de 1996, para comemorar a conclusão de O Corcunda de Notre Dame, quatro membros da equipe - o produtor Don Hahn, o roteirista Tab Murphy e os diretores Gary Trousdale e Kirk Wise - foram jantar em um restaurante. Durante esse jantar eles já começaram a pensar em seu próximo projeto, o qual todos concordaram que deveria ser um desenho de aventura. Em dado momento, eles chegaram à conclusão de que seria interessante fazer um desenho inspirado em uma das obras de Júlio Verne. Conversando mais, elegeram Viagem ao Centro da Terra. E, após mais um pouco de conversa, optaram por desenvolver especificamente a parte na qual os protagonistas visitam o continente perdido de Atlântida.

Com a ideia na cabeça, a equipe começou a pesquisar na internet - na época ainda começando, mas já cheia de informações sobre variados assuntos - tudo o que podia sobre o mito de Atlântida. Chamou-lhes a atenção os textos de Edgar Cayce, que citavam um grande cristal que fornecia eletricidade, cura e longevidade aos atlanteanos. Trousdale e Wise, então, começariam a trabalhar em uma história ambientada no começo do século XX - época de Cayce - na qual uma expedição parte para encontrar Atlântida, descobrindo que sua população vive até hoje graças aos poderes desse cristal.

Ambientado em 1914, o filme tem como protagonista o jovem linguista Milo Thatch (Michael J. Fox), cuja pesquisa sobre Atlântida é objeto de chacota no mundo acadêmico. Um dia, ele é contactado pela misteriosa Helga Sinclair (Claudia Christian), que o leva ao excêntrico milionário Preston B. Whitmore (John Mahoney). Amigo do avô de Milo, Whitmore possui um antigo livro que pode ser um mapa para Atlântida, e pretende que Milo lidere uma expedição em busca da cidade submersa tão logo consiga traduzi-lo. Além de Milo e Helga, a expedição contará com um time de especialistas, liderados pelo ex-militar Comandante Lyle Tiberius Rourke (James Garner), que também liderou a expedição que encontrou o livro. Dentre os especialistas, estão Gaëtan Molière, apelido Toupeira (Corey Burton), geólogo especialista em escavações; Vinny Santorini (Don Novello), especialista em demolições; o médico descendente de indígenas e afro-americanos Dr. Joshua Strongbear Sweet (Phil Morris); a mecânica menina-prodígio Audrey Ramirez (Jacqueline Obradors); a operadora de rádio Bertha Packard (Florence Stanley); e o cozinheiro Jebidiah Allerdyce Farnsworth, apelido Cookie (Jim Varney).

Seguindo as pistas do livro traduzido por Milo no submarino Ulisses, a equipe passa por alguns percalços, mas acaba chegando a Atlântida, que descobrem ainda povoada. Logo eles conhecem Kida (Cree Summer), a princesa local, e seu pai, Kashekim Nedakh, Rei de Atlântida (Leonard Nimoy, também conhecido como Sr. Spock). Milo logo descobre que a sociedade atlante está decadente, tendo esquecido até mesmo como decifrar sua própria linguagem; apesar disso, o Rei não confia em forasteiros, e deseja que eles partam o quanto antes. E logo Milo verá que ele tem razão em não confiar, quando a expedição se revela tudo menos científica.

A produção de Atlantis foi bem caprichada. Como de costume, a equipe visitou museus e conversou com especialistas, para retratar o início do século XX da forma mais fiel possível. Além disso, visitaram as cavernas de Carlsbad, no Novo México, um imenso complexo subterrâneo natural, que usariam como inspiração não somente para a própria cidade de Atlântida, mas também para o caminho que os personagens seguiriam até encontrá-la. Buscando fugir do clichê de "ruínas gregas submersas" com o qual Atlântida era sempre retratada, os animadores pesquisaram várias culturas antigas, especialmente a maia e as do sudeste asiático, buscando criar um estilo arquitetônico único para a cidade submersa. Marc Okrand, o criador do idioma Klingon de Jornada nas Estrelas também foi contratado para criar um idioma atlante, com o qual os habitantes da cidade se comunicariam entre si, e textos nesse idioma seriam escritos com um conjunto de símbolos próprio, criado pelo designer John Emerson. Para retratar a sociedade atlante, a equipe de produção se inspirou na descrição que Napoleão fez do Egito: ao chegar lá, o conquistador francês percebeu que, apesar de rodeados por artefatos de um passado glorioso, os egípcios não faziam ideia da importância de seus antepassados para a história da humanidade.

A equipe criativa também contaria com nomes famosos: Joss Whedon (de Buffy: A Caça-Vampiros e Firefly, mas hoje mais conhecido por ter dirigido o filme dos Vingadores) foi contratado para escrever o roteiro junto com Murphy, mas, devido a outros compromissos assumidos com a própria Disney, acabou se desligando do projeto, com Murphy finalizando o roteiro com a ajuda de David Reynolds. Para a criação do visual dos personagens a Disney contrataria Mike Mignola, criador de Hellboy, o que daria um visual único ao desenho, com as feições angulares e mãos e pés enormes característicos de seu traço. Graças a isso, o desenho se tornaria uma espécie de cult dentre os fãs de Mignola, mesmo aqueles que jamais haviam se interessado por Clássicos Disney.

A decisão mais controversa de Trousdale e Wise foi a de não fazer do desenho um musical. Eles desejavam poder desenvovler os personagens e manter um clima de ação e aventura do início ao fim, algo que seria impossível com interrupções frequentes para apresentar canções. A princípio a Disney não concordou muito com a ideia, mas acabaria cedendo - e, enquanto a equipe estava "em campanha" para a aprovação de sua ideia, trabalhava no filme vestindo camisetas com os dizeres "Atlantis: menos canções, mais explosões".

Trousdale e Wise também convenceram a Disney a produzir o desenho usando filme de 70 mm - o primeiro Clássico Disney a ser produzido nesse formato - pois esse era o formato utilizado pelos grandes filmes de aventura nos quais estavam se inspirando, como, por exemplo, Os Caçadores da Arca Perdida. A Disney, entretanto, não possuía o equipamento necessário para produzir um longa animado cinematográfico nesse formato, e não desejava adquiri-lo só para isso. A solução foi utilizar o mesmo equipamento usado para produzir os demais Clássicos - que usavam filmes de 35 mm - mas desenhar apenas parte da imagem, deixando as partes de cima e de baixo em branco, como uma espécie de Letterbox - aquele formato que exibe o filme em widescreen mas com tarjas pretas acima e abaixo da imagem. A transferência para o filme de 70 mm se deu sem problemas, tanto que alguns executivos da Disney perguntaram à equipe onde eles haviam conseguido o equipamento.

Atlantis também foi o Clássico Disney a usar mais elementos de computação gráfica - excetuando-se, evidentemente, Dinossauro, que era todo produzido em CG. Para acelerar a produção, os técnicos em computação gráfica trabalharam lado a lado com os animadores tradicionais, fazendo praticamente cada cena juntos. A decisão de se produzir Atlantis com animação tradicional foi considerada arriscada: na época, o interesse das plateias dos longas de animação já começava a se voltar para os totalmente produzidos em computação gráfica, e grande parte dos executivos Disney achava que seria melhor se Atlantis também fosse produzido dessa forma.

Talvez eles estivessem certos: lançado em 3 de junho de 2001, Atlantis, que teve orçamento de 120 milhões de dólares, rendeu apenas pouco mais de 80 milhões. Parte do fracasso foi atribuída à concorrência com Shrek - um longa de animação de computação gráfica, o que deve ter levado os executivos defensores do formato a soltar um "eu não te disse" - e Lara Croft: Tomb Raider, filme de ação voltado ao público juvenil - ou seja, o potencial público de Atlantis teria sido pulverizado entre dois outros filmes. A crítica se dividiu, com alguns elogiando o visual e a energia do filme, outros reclamando que a Disney errou em não fazer mais um musical para toda a família como estava acostumada.

Com o fracasso do filme, a Disney cancelaria uma série para a TV baseada nele que estava produzindo, chamada Team Atlantis. Em 2003, ela reuniria os únicos três episódios dessa série que chegaram a ser produzidos e os lançaria diretamente em video, com o nome de Atlantis: O Retorno de Milo, adicionando algumas cenas especialmente produzidas para ligar os episódios e transformá-los em uma única história, na qual Milo e os atlantes tentam impedir que um kraken ameace os oceanos da Terra.

Além de não fazer o sucesso esperado, Atlantis ainda foi alvo de duas acusações de plágio: fãs do anime Fushigi no Umi no Nadia, exibido no Japão entre 1990 e 1991, alegam que a Disney teria copiado a história do desenho, no qual uma menina de origem desconhecida viaja com um grupo de amigos em um submarino tentando impedir que os habitantes de Atlântida dominem o mundo. A Disney nunca se manifestou oficialmente contra essa acusação, mas Kirk Wise chegou a declarar que jamais havia ouvido falar de Nadia até que a acusação viesse à tona, e que as semelhanças entre as obras podem advir do fato de que Nadia também é inspirada em uma obra de Júlio Verne, Vinte Mil Léguas Submarinas.

Atlantis também costuma ser apontado como plágio de Stargate, já que tanto Milo quanto Daniel Jackson são linguistas desacreditados que veem suas teorias controversas serem provadas como verdadeiras graças a um artefato antigo revelado a eles por uma mulher misteriosa, através do qual visitam seu objeto de estudo acompanhados de uma equipe montada por seu benfeitor e se apaixonam pela filha do chefe local. Mais uma vez, a Disney jamais se pronunciou oficialmente sobre o assunto.

Lilo & Stitch
2002

No final dos anos 1990, o CEO da Disney, Michael Eisner, reuniu uma pequena equipe de produção para uma reunião em torno de uma ideia que tivera. Em sua opinião, já que os mais recentes Clássicos Disney haviam custado verdadeiras fortunas, o estúdio poderia tentar produzir um longa de animação de orçamento baixo, que, se tivesse bom retorno, ajudaria a equilibrar as finanças, e, se não tivesse, pouco as prejudicaria. Sua inspiração, segundo ele, teria sido a produção de Dumbo em 1941, desenho extretamente barato e extremamente bem sucedido, produzido logo após Pinóquio e Fantasia, que quase rasparam os cofres da Disney.

Eisner se disse aberto a sugestões quanto ao enredo do longa, e a melhor delas veio do animador e roteirista Chris Sanders. Em 1985, Sanders havia criado um personagem, o alienígena Stitch, mistura de diversos animais australianos (to stitch, aliás, significa algo como "juntar retalhos" em inglês), que viria ao nosso mundo causar confusão. Sanders planejava usar Stitch em uma série de livros infantis, mas nunca teve a oportunidade. Com a permissão de Eisner, ele prepararia um roteiro no qual Stitch viria à Terra e faria amizade com uma menininha, causando o caos à sua volta até o momento em que seu amor por ela o redimisse. Eisner gostou da história, e deu luz verde para o projeto.

Sanders, então, chamou seu amigo Dean DeBlois, que havia trabalhado com ele no roteiro de Mulan, para ajudá-lo a escrever o roteiro. Querendo manter a dupla com toda a liberdade criativa possível, Eisner também os escolheria para dirigir o longa, tendo o executivo Clark Spencer como produtor. Para limitar os gastos, o trio reuniu uma equipe pequena, que trabalhou relativamente isolada do restante da Disney, usando os estúdios da Flórida, dentro da Walt Disney World, ao invés dos tradicionais estúdios de Burbank, Califórnia.

Inicialmente, o roteiro de Sanders previa que o filme seria ambientado na área rural do Kansas, o que permitiria que Stitch criasse grandes confusões sem atrair a atenção das autoridades dos grandes centros. Durante uma das reuniões da equipe, entretanto, surgiu a ideia de transferir a história para o Havaí, local igualmente - talvez até mais - isolado. Como nenhum longa de animação jamais havia sido ambientado no Havaí, a equipe adorou a ideia - e essa mudança acabaria também definindo a própria identidade do filme, ao ponto de o roteiro ser totalmente reescrito.

Como de costume, a equipe de produção visitaria o Havaí para tomar notas e desenhar rascunhos de locais que poderiam ser usados no filme. Durante a visita, acharam curioso que, não importava aonde fossem, o guia parecia conhecer alguém lá. Ao comentar sobre o fato com ele, o guia explicaria à equipe o conceito havaiano de ohana, um conceito de família que se estende além dos parentes, como se todos aqueles de quem você gosta fizessem parte de sua família. Os produtores adoraram o conceito, e Sanders achou que não haveria forma melhor de Stitch abandonar seu jeito destrutivo para conviver com sua amiga do que um considerando o outro como parte de sua família. A equipe também decidiu incluir no filme a reação dos havaianos a uma crise econômica que se abateu sobre os Estados Unidos na época, e deixou muitos dos habitantes das ilhas sem emprego.

Em uma galáxia distante, o cientista Dr. Jumba Jookiba (David Ogden Stiers) é julgado por fazer vários experimentos genéticos ilegais, especialmente o chamado Experimento 626 (Chris Sanders), um animal indestrutivel, superforte e muito inteligente, que vive apenas para destruir. Após ser considerado culpado, a Conselheira da União Federativa da Galáxia (Zoe Caldwell) condena o Dr. Jumba à prisão perpétua, e o Experimento 626 a uma vida de exílio em um asteroide deserto, para o qual será levado pela tropa do Capitão Gantu (Kevin Michael Richardson), mais eficiente oficial da União. Mesmo com um intenso esquema de segurança, o Experimento 626 foge, rouba uma nave, e vem parar na Terra - mais especificamente, na ilha de Kaua'i, no Havaí. Após a fuga, a Conselheira envia o Dr. Jumba, único que sabe como prender o Experimento 626, acompanhado do Agente Pleakley (Kevin McDonald), para recuperá-lo, de preferência sem que os habitantes da Terra tomem conhecimento de sua existência.

Entretanto, ao chegar à Terra, o Experimento 626 é atropelado, confundido com um cachorro e levado a um abrigo de animais. Lá, ele é adotado por Lilo Pelekai (Daveigh Chase), garotinha órfã de pai e mãe, que vive com sua irmã, Nani (Tia Carrere), em uma pequena casa na ilha. A vida de Nani e Lilo é muito difícil, com Nani estando frequentemente desempregada e vivendo de bicos, a maioria arrumados por seu namorado, David Kawena (Jason Scott Lee). Essa situação pode fazer com que Nani perca a guarda de Lilo, e a presença constante do agente social Cobra Bubbles (Ving Rhames) conferindo se a vida das duas está melhorando só põe ainda mais pressão sobre a pobre Nani. Após adotar o Experimento 626 e rebatizá-lo como Stitch, Lilo traz ainda mais confusão para a já conturbada vida das irmãs, mas a amizade da menininha com o alienígena acabará mudando a vida de ambos para melhor.

Além de escrever e dirigir o filme, Sanders também fez esboços de todos os personagens - mudando, aliás, o jeito de Stitch, que em 1985 era bem mais medonho, e no filme se parece com um coala azul - e definindo o estilo que seria usado em toda a produção. Sanders também deu palpites em todos os elementos alienígenas, especialmente nas espaçonaves, as quais fez questão de que lembrassem animais marinhos. Ele também fez questão de que os planos de fundo fossem pintados com aquarela - algo que a Disney não fazia desde a década de 1940 - para que o desenho lembrasse um livro infantil, justamente como ocorria com Dumbo, desenho do qual a primeira inspiração para Lilo & Stitch tinha vindo.

Sanders controlou tão rigidamente a produção do desenho que decidiu ele mesmo dublar Stitch, criando para o personagem uma voz bizarra que fez grande sucesso entre a equipe de som. Ao melhor estilo Pocahontas e Mulan, a equipe decidiu escolher atores havaianos para os papéis principais, ficando Nani a cargo de Tia Carrere (de True Lies e Relic Hunter), nascida em Honolulu, e David com Jason Scott Lee (que interpretou Mogli em O Livro da Selva e Bruce Lee em Dragão), que nasceu na Califórnia, mas foi criado em Pearl City. Ambos ajudaram os roteiristas a incluir fala coloquial e gírias havaianas nos diálogos dos personagens, para que a ambientação ficasse mais autêntica. David Ogden Stiers, um dos dubladores preferidos da Disney, seria convidado para um novo papel de destaque, o do Dr. Jumba, enquanto Ving Rhames (o Marcellus Wallace de Pulp Fiction) seria convidado para o papel do agente Cobra Bubbles, que seria desenhado à sua imagem e semelhança. Os demais personagens foram definidos através de testes, com destaque para o comediante canadense Kevin McDonald, do grupo The Kids in the Hall, escolhido para dublar o atrapalhado Pleakley; e para Daveigh Chase, que, aos 11 anos, já havia interpretado a irmã mais nova de Donnie Darko e a Samara Morgan do terror O Chamado, e acabaria sendo escolhida por unanimidade para o papel de Lilo, sua primeira protagonista.

Lilo & Stitch teve uma campanha de marketing agressiva, que fazia troça com outros Clássicos Disney em quatro trailers, apelidados "Inter-Stitch-als" (um trocadilho com interstitials, algo como "inseridos"), nos quais Stitch interfere em cenas de Aladdin, A Pequena Sereia, A Bela e a Fera e O Rei Leão. Os dubladores originais de Aladdin, Ariel e Bela, inclusive, seriam chamados para dublar os novos diálogos. Desnecessário dizer, os trailers foram um grande sucesso, tanto que estão no site oficial da Disney até hoje para quem quiser ver. Uma minissérie em quadrinhos contando as vidas de Lilo e de Stitch antes de se encontrarem também seria lançada, com o último número indo às bancas no dia da estreia do longa.

Algumas cenas teriam de ser alteradas às pressas antes do lançamento do filme, especialmente a sequência final, na qual Stitch persegue a nave de Gantu em sua própria nave pelas montanhas de Kaua'i. Originalmente, Stitch roubaria um Boeing 747 e perseguiria a nave de Gantu por entre os prédios de Honolulu, mas, após os ataques do 11 de Setembro, a Disney achou que a sequência seria de mau gosto. Em uma cena removida de última hora, em uma das tentativas de Lilo em fazer de Stitch um cidadão-modelo, ela manda que ele instrua os banhistas sobre o funcionamento das sirenes que alertam sobre a vinda de tsunamis - alguém com poderes premonitórios deve ter cortado essa, porque, dois anos depois, o maior tsunami da História atingiria a Tailândia. A cena na qual Jumba ataca Stitch na casa de Lilo foi considerada muito violenta pelas plateias de teste, e atenuada para a versão final. Finalmente, havia uma cena na qual o comportamento de Stitch levaria à morte do peixe de estimação de Lilo. Arrasada, ela o enterraria no mesmo cemitério onde estão seus pais, o que levaria Stitch a aprender sobre a vida e a morte. A sequência foi considerada muito depressiva para um filme tão cômico, e, ao invés de atenuada, foi cortada de vez.

Com orçamento de 80 milhões de dólares, Lilo & Stitch renderia mais de 145 milhões apenas nos Estados Unidos, sendo 35 milhões somente no primeiro final de semana, ou seja, foi um imenso sucesso, justamente como Eisner desejava. A crítica também foi extremamente favorável ao filme, exaltando seu visual, seu humor, e principalmente sua coragem de subverter os tradicionais valores Disney - embora o filme ainda tenha a mensagem de amor e amizade comum a todos os Clássicos. Lilo & Stitch seria indicado ao Oscar de Melhor Longa Metragem de Animação - dividindo com Planeta do Tesouro o título de primeiro Clássico Disney a ser indicado nessa categoria, pela qual a Disney lutou durante anos para ser criada, mas que só estrearia em 2001, sem a presença de nenhuma produção do estúdio - perdendo a estatueta para a animação japonesa A Viagem de Chihiro - que, curiosamente, nos Estados Unidos, foi distribuída pela Disney e teve Daveigh Chase dublando sua personagem principal.

O sucesso de Lilo & Stitch o transformaria praticamente em uma franquia: em 2003, seria lançada uma continuação diretamente em video, com o título de Stitch! O Filme, no qual Lilo e Stitch têm de salvar o Dr. Jumba do maligno Dr. Jacques von Hämsterviel (Jeff Bennett, o dublador do Johnny Bravo), que planeja usar os outros 625 Experimentos de Jumba para dominar o universo. Esse filme daria origem a uma série, chamada Lilo & Stitch: A Série, exibida entre setembro de 2003 e junho de 2006, com um total de 65 episódios, pelo Disney Channel, na qual Lilo e Stitch, tendo como antagonistas o Dr. Hämsterviel e o Capitão Gantu, assumem a missão de encontrar os 625 Experimentos de Jumba, convencê-los a adotar o caminho do bem e encontrar o local ao qual eles pertencem, exatamente como Lilo fez com Stitch. A série seria concluída com um filme produzido para a TV em 2006, chamado Leroy & Stitch, no qual o Dr. Hämsterviel foge da prisão e obriga o Dr. Jumba a criar um clone de Stitch, chamado Leroy, que usará para se vingar de Lilo e Stitch. Enquanto a série estava no ar, a Disney lançaria mais um filme diretamente em video, chamado Lilo & Stitch 2: Stitch Deu Defeito (Stitch Has a Glitch, no original), ambientado entre o filme original e Stitch! O Filme, no qual Lilo descobre que Stitch tem um defeito devido à energização de suas moléculas não ter sido feita corretamente durante sua criação, e tenta consertá-lo antes que ele atrapalhe seus planos de ganhar a mesma competição de dança que sua mãe ganhou trinta anos antes.

Lilo & Stitch também seria a primeira produção Disney a ganhar uma versão em anime: produzido pela Madhouse sob autorização da Disney, e exibido pela TV Tokyo entre outubro de 2008 e junho de 2009, com um total de 26 episódios, Stitch! seguia mais ou menos a mesma história do filme, mas com Lilo sendo substituída por uma meininha japonesa chamada Yuna que vive com a avó, e a ambientação mudando do Havaí para a ilha japonesa de Okinawa. O desenho fez sucesso e ganhou uma segunda temporada, Stitch! Itazura Eirian no Daibouken ("a grande aventura do alienígena encrenqueiro"), com 30 episódios exibidos entre outubro de 2009 e agosto de 2010, na qual Stitch encontra um artefato chamado Pedra Espiritual, que lhe transformará na criatura mais forte do universo, desde que ele realize 43 boas ações. Stitch parte para cumprir a tarefa, mas será atrapalhado pelo Dr. Hämsterviel e pelo Sr. Gantu. Essa temporada não agradou, e acabou, durante um tempo, indo ao ar simultaneamente com outra série, também de 30 episódios, produzida pela Shin-Ei Animation e exibida entre julho de 2010 e junho de 2011 pela TV Asahi, chamada Stitch! Zutto Saikou no Tomodachi ("melhores amigos são para sempre"), que voltava a investir na amizade de Stitch e Yuna. Curiosamente, essas três séries foram dubladas em inglês e lançadas em DVD pela Disney nos Estados Unidos.

Planeta do Tesouro
Treasure Planet
2002

Em 1985, quando o roteirista Ron Clements procurava ideias para um novo Clássico Disney, ele chegou a pensar em fazer uma adaptação do livro A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson. Para que as crianças que assistissem ao desenho se tornassem tão empolgadas com a sensação de descoberta quanto aquelas que leram o livro, porém, ele queria que essa adaptação fosse ambientada no espaço sideral, e não nos oceanos da Terra como o livro. Durante uma reunião, Clements apresentou essa ideia a Jeffrey Katzenberg, presidente da Disney na época, que disse não estar interessado. Nessa mesma reunião, Clements apresentou a ideia para uma adaptação de A Pequena Sereia, na qual tinha pensado após encontrar um livro de contos de Hans Christian Andersen enquanto fazia compras em uma livraria. Katzenberg também disse não estar interessado, mas depois mudou de ideia e A Pequena Sereia entrou em produção. O filme baseado em A Ilha do Tesouro, por outro lado, demoraria 15 anos para sair do papel.

Somente no ano 2000, quando Clements reapresentou a ideia, dessa vez a Michael Eisner, ela foi aprovada e o desenho entrou em produção. Clements acabou achando esse atraso bem-vindo, pois, já em 1985, planejava fazer um desenho no qual a câmera se movesse como em um filme de Steven Spielberg ou James Cameron, mas naquela época essa tecnologia ainda não estava disponível para as animações. Foi após ver o uso do Deep Canvas em Tarzan que Clements percebeu já ter o que desejava, o que o motivou a reapresentar a ideia.

Clements também achava que não seria bom mostrar um espaço sideral hermético e frio como era comum em filmes de ficção científica, já que isso tiraria toda a emoção presente nas páginas de A Ilha do Tesouro, com seus navios singrando em mares revoltos. A solução foi chutar a realidade para o canto da sala e fazer as viagens espaciais em grandes navios voadores abertos, como se houvesse oxigênio, e não vácuo, no espaço. Para dar um ar científico a essa manobra, a equipe criou o termo "Etherium", para designar uma determinada seção do espaço onde há uma atmosfera, onde a ação do filme se desenrola. Talvez eles tenham copiado isso de SilverHawks, desenho no qual até mesmo carros conversíveis singram o espaço sideral. Enfim, graças à criação do Etherium, muito pouco precisou ser mudado em relação ao livro.

Também na animação a equipe procurou manter-se fiel ao livro, inspirando-se em ilustrações de artistas como Howard Pyle e N.C. Wyeth, que frequentemente ilustravam livros de fantasia e de histórias de piratas, e usando muitas cores quentes nos cenários, exatamente como as ilustrações clássicas de livros de piratas costumam ser. Todavia, Clements e John Musker - que repetiram mais uma vez sua parceria como diretores, atuando aqui também como roteiristas (junto com Rob Edwards) e produtores - não quiseram se inspirar em adaptações prévias de A Ilha do Tesouro, exceto por um único detalhe, dando ao pirata John Silver os maneirismos do ator Wallace Beery, que o interpretou no filme de 1934.

O protagonista de Planeta do Tesouro é Jim Hawkins (Joseph Gordon-Levitt), menino órfão de pai que, quando criança, era fascinado pela lenda do pirata Capitão Flint e seu Planeta do Tesouro. Ao chegar à adolescência, entretanto, Jim se torna rebelde e problemático, principalmente devido à ausência do pai, que o abandonou ainda pequeno, e não se conforma de ter de ajudar a mãe, Sarah (Laurie Metcalfe), a cuidar de um restaurante ao invés de viver incríveis aventuras. Os desejos de Jim parecem se tornar realidade quando, um dia, uma nave pirata cai bem próxima ao restaurante, e seu capitão moribundo o entrega uma esfera. Após um ataque de piratas ao restaurante, Jim descobre que a esfera é um mapa holográfico que leva ao lendário Planeta do Tesouro, e convence sua mãe e seu amigo, o cientista Dr. Delbert Doppler (David Hyde Pierce) a ir atrás do planeta.

Doppler consegue contratar um navio espacial comandado pela Capitão Amélia (Emma Thompson), auxiliada pelo sisudo Sr. Flecha (Mr. Arrow no original, voz de Roscoe Lee Browne). Jim logo faz amizade com o cozinheiro do navio, o misterioso John Silver (Brian Murray), o qual vê como uma figura paterna, passando bons momentos em sua companhia e de seu bichinho de estimação, Morph (Dane A. Davis), que pode assumir várias formas. Ao chegar no Planeta do Tesouro, entretanto, Jim descobrirá que John também é um capitão pirata, verdadeiro líder da tripulação do navio de Amélia, e que só está interessado no ouro. Para consegui-lo, entretanto, ele dependerá do defeitusoso robô B.E.N. (Martin Short), que Jim encontra e faz amizade no Planeta do Tesouro, membro da tripulação do Capitão Flint, mas que agora está com amnésia.

A produção já tinha alguns nomes em mente para o elenco, completando-o com testes. Para o papel do Dr. Doppler - um amálgama dos personagens Squire Trelawney e Dr. Livesey do livro - os produtores pensaram imediatamente em David Hyde Pierce, com quem alguns já haviam trabalhado em Vida de Inseto, no qual ele dublara o inseto Slim; e a Capitão Amélia foi desenhada tendo Emma Thompson em mente. Ambos os atores adoraram os convites, Pierce maravilhado com o roteiro e os rascunhos que a produção lhe mandou, Thompson empolgada por seu primeiro papel em um filme de ação - e agradecida por não precisar fazer nenhuma das estripulias da personagem, já que se encontrava grávida na época. Os papéis mais complicados foram justamente os dos personagens principais, Jim Hawkins e John Silver, que só foram escolhidos após muitos meses de testes. John ficaria com um veterano da Broadway, Brian Murray, enquanto Jim ficaria a cargo de uma jovem revelação, Joseph Gordon-Levitt - hoje conhecido por seus papéis em A Origem e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, mas que na época havia acabado de estourar em 10 Coisas que eu Odeio em Você, vindo da série 3rd Rock from the Sun. Embora o normal fosse cada dublador gravar suas falas separadamente - inclusive em dias diferentes - Gordon-Levitt fez um pedido para que ele e Murray dublassem suas cenas juntos, pois estava achando difícil transmitir a emoção necessária sem ninguém para interagir. A experiência daria certo, e a Disney acabaria repetindo essas "dublagens em dupla" em outras produções.

Para conseguir o efeito que Clements desejava, cenas com uma câmera similar à de um filme de ficção científica dos anos 1980, a equipe de produção fez algumas atualizações no Deep Canvas, chegando a um novo sistema chamado Virtual Sets, com o qual era possível criar objetos e cenários que podiam ser rotacionados em 360 graus conforme a vontade do diretor. Planeta do Tesouro usaria uma técnica nova e considerada revolucionária, com a qual todos os cenários e planos de fundo seriam feitos em computação gráfica, com personagens, objetos e alguns outros elementos sendo produzidos em animação tradicional e depois combinando as duas partes. O maior desafio para a equipe ao usar esse sistema foi criar um braço biônico para John, que seria feito em CG enquanto o restante do personagem era tradicional. Para testar e ver se o resultado final ficaria satisfatório, os animadores chegaram a pegar uma cena de Peter Pan e dar um braço biônico para o Capitão Gancho. No fim, o resultado foi tão bom que em algumas cenas nem se consegue distinguir o que é animação tradicional do que é CG, mas, apesar disso, a nova técnica não voltaria a ser utilizada, por causa do alto custo.

E coloca alto nisso. Planeta do Tesouro custou a bagatela de 140 milhões de dólares, sendo até hoje o desenho de animação tradicional mais caro da história. Com estreia em 27 de novembro de 2002, foi bem recebido pela crítica, que elogiou a história, a união entre o moderno e o antigo, e a mescla de animação tradicional e computação gráfica. Assim como Lilo & Stitch, foi indicado ao Oscar de Melhor Longa Metragem de Animação, perdendo para A Viagem de Chihiro. Mas, apesar de ter agradado à crítica, foi um imenso fracasso de público, rendendo apenas 38 milhões de dólares nos Estados Unidos e 110 milhões se somados os ganhos do mundo inteiro. Esse desempenho pífio pode ter sido determinante para a Disney não voltar a usar a mescla de animação tradicional e CG, e, assim como ocorreu com Atlantis, acabou acarretando no cancelamento de uma série animada e de uma continuação que seria lançada diretamente em video.

Série Clássicos Disney

•Atlantis
•Lilo & Stitch
•Planeta do Tesouro

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