Não me lembro bem quando a Nova Geração estreou aqui no Brasil, na finada Rede Manchete, mas lembro que na época eu devia ter entre 10 e 12 anos, e já era fã da Série Clássica, principalmente por influência da minha mãe, que também o é. Talvez por causa disso, meu primeiro sentimento em relação a uma nova série que tivesse uma nave chamada Enterprise, mas sem Kirk, Spock e McCoy, não foi dos mais agradáveis. Pra dizer a verdade, achei a idéia ridícula, a tripulação ridícula, os uniformes ridículos, e o fato de um dos tripulantes ser um klingon uma ofensa mortal contra a Federação. Resisiti o quanto pude a assistir um episódio daquela coisa ridícula, até que, em 1992, tive a curiosidade despertada por um amigo, que dizia maravilhas sobre a série. Resolvi dar uma chance, assisti a alguns episódios, e, felizmente, mudei de opinião. Hoje, eu costumo dizer que eu gosto da Série Clássica e da Nova Geração igual, e na minha humilde opinião o melhor de todos os filmes da franquia é Primeiro Contato. E este episódio ilustra claramente como o preconceito pode atrasar a vida das pessoas.
A idéia de se produzir uma nova série de Jornada nas Estrelas surgiu em 1986, motivada principalmente pelo sucesso dos filmes para o cinema da Série Clássica. Inicialmente, toda a produção da série ficaria a cargo da Paramount, sem nenhum envolvimento de Gene Roddenberry, mas este, após ver a arte conceitual do estúdio para o episódio, extremamente insatisfeito com o caminho que a série estava tomando, decidiu assumir como produtor, e refez tudo ao seu gosto. Roddenberry trouxe para o projeto autores e diretores com quem já tinha trabalhado na Série Clássica, e escolheu pessoalmente o executivo da Paramount Rick Berman para conduzir o projeto.
O anúncio oficial de que uma nova série de Jornada nas Estrelas seria produzida foi feito em 10 de outubro de 1986; surpreendentemente, a Paramount não procurou nenhum canal de televisão para oferecê-la, preferindo arriscar lançá-la no formato syndicated - disponível para vários canais dos Estados Unidos ao mesmo tempo, desde que eles paguem uma taxa. Normalmente, séries de TV só entravam em syndication após canceladas, quando suas reprises eram vendidas; a Nova Geração foi um dos pouquíssimos seriados da época a já estrear neste formato. Assim, em 28 de setembro de 1987, o episódio de estréia de Star Trek: The Next Generation foi assistido por 27 milhões de espectadores em todos os Estados Unidos, em diferentes horários e canais. Este primeiro episódio, Encontro em Longínqüa (Encounter at Farpoint, em inglês) foi um especial com 90 minutos de duração, mais tarde dividido em dois de 45 minutos cada para as reprises, mesmo tempo de duração dos demais episódios da série, e contava com a participação mais do que especial de DeForest Kelley, no papel do agora Almirante McCoy.
Ao todo, a primeira temporada da Nova Geração teve 26 episódios, ambientados cerca de 80 anos após a Série Clássica, no Século XXIV. Já no primeiro fomos apresentados à tripulação da nova nave Enterprise-D, quinta versão da NCC-1701 onde viajavam Kirk, Spock e companhia, mais uma vez em missão exploratória rumo a onde ninguém jamais esteve. O capitão desta nova Enterprise é o francês Jean-Luc Picard (Patrick Stewart), mestre da diplomacia, altamente inteligente e com profundos valores morais, que busca resolver todas as situações com diálogo ao invés de luta, apesar de também ser um estrategista competente e oponente formidável. Embora exista uma lenda urbana de que Picard foi criado em homenagem ao explorador francês Jacques Cousteau, a verdadeira inspiração de Roddenberry foram os irmãos gêmeos cientistas suíços Auguste e Jean Felix Piccard. Stewart, um ator shakespeareano, inicialmente havia sido convidado para o papel de Data, mas ficou muito satisfeito por poder interpretar o capitão, o que, segundo ele, também contribuiu para que muitos fãs de Jornada nas Estrelas passassem a freqüentar o teatro.
Além de Picard, a tripulação da Enterprise-D ainda contava com o imediato William Riker (Jonathan Frakes), apelidado Número Um; o oficial de leme Geordi LaForge (LeVar Burton), que nasceu cego, mas consegue "enxergar" através de um visor especial conectado diretamente a seu cérebro; o klingon Worf (Michael Dorn), que atua como oficial tático; a médica Dra. Beverly Crusher (Gates McFadden) e seu filho, o adolescente Wesley Crusher (Wil Wheaton); a conselheira Deanna Troi (Marina Sirtis), cuja mãe pertence à raça betazedi, que possui poderes telepáticos; a chefe de segurança Natasha Yar (Denise Crosby), apelidada Tasha; e, finalmente, o famoso andróide Data (Brent Spiner), oficial-chefe de operações da nave. Data é uma forma de vida artificial com cérebro positrônico, programado para se tornar cada vez mais humano conforme convive com outros humanos. Seu pensamento estritamente lógico, extrema curiosidade quanto a tudo o que é humano, e uma certa inocência infantil acabaram fazendo com que Data se tornasse um dos personagens mais populares e mais queridos da Nova Geração. Também vale o registro de que a voz do computador é feita por Majel Barrett, que interpretava a enfermeira Christine Chapel na Série Clássica, e que em alguns episódios da Nova Geração interpreta Lwaxana Troi, mãe de Deanna.
Ao contrário do que possa parecer, mesmo com todo o apoio dos fãs ávidos por uma nova série de Jornada nas Estrelas, a primeira temporada não foi um grande sucesso. Quase todos os críticos consideraram os episódios fracos, com diálogos pobres, atuações forçadas, enredos simplórios e efeitos especiais pobres. A maioria deles, porém, reconheceu que a série tinha um grande potencial para se tornar talvez até melhor que a Série Clássica se fosse bem executada, e, como os níveis de audiência foram bons, a Paramount decidiu apostar em uma segunda temporada.
Esta segunda temporada, que estreou em 21 de novembro de 1988, teve apenas 22 episódios, prejudicada por uma greve de roteiristas. Talvez tentando melhorar o nível das críticas, a Paramount fez profundas mudanças, como a substituição da Dra. Crusher pela Dra. Katherine Pulaski (Diana Muldaur), a promoção de LaForge a engenheiro chefe, e a de Worf a chefe de segurança, esta motivada pela saída de Denise Crosby, que decidiu não renovar seu contrato após o fim da primeira temporada, embora tenha voltado para participações especiais em alguns episódios mais à frente. Embora o primeiro episódio, na verdade um roteiro adaptado da cancelada Star Trek: Phase II, tenha sido muito criticado (assim como o último, que foi uma espécie de recapitulação da série), as críticas à segunda temporada foram bem mais favoráveis que à primeira, principalmente devido ao uso mais freqüente de arcos (histórias que se prolongam por mais de um episódio). A segunda temporada também trouxe um novo personagem para a série, Guinan, interpretada por Whoopi Goldberg, que atuava como barwoman, conselheira e apoio cômico; e teve várias apariçoes especiais de um personagem bem menor da primeira temporada, o operador de teletransporte Miles O'Brien (Colm Meaney), que depois acabou se tornando um dos personagens principais de outro spin-off de Jornada nas Estrelas, Deep Space Nine. Finalmente, a segunda temporada foi responsável por introduzir os vilões mais famosos da Nova Geração, os Borgs, seres biocibernéticos que possuem uma mente coletiva e buscam assimilar à sua cultura todas as civilizações com as quais travam contato
A partir da terceira temporada, que estreou em 25 de setembro de 1989, com mais 26 episódios, Roddenberry, já com a saúde debilitada, começou a se afastar do projeto, deixando-o a cargo de Berman e do roteirista Michael Piller. Devido a reclamações dos fãs, a Dra. Pulaski saiu da série, e a Dra. Crusher voltou para não mais sair. O sucesso da série era cada vez maior, e a temporada se encerrou com o memorável episódio onde Picard é assimilado pelos Borgs. Este episódio se concluiria na quarta temporada, de mais 26 episódios, que fez sua estréia em 24 de setembro de 1990. Nesta temporada se uniriam ao time os produtores Brannon Braga e Jeri Taylor, e Wesley Crusher, de quem ninguém gostava mesmo, partiu para sua última missão com a Enterprise, aparecendo apenas em participações especiais nos episódios subseqüentes.
A quinta temporada estreou em 23 de setembro de 1991, com novos 26 episódios. Infelizmente, um mês depois Roddenberry faleceu, e o comando passou efetivamente para Rick Berman. A quinta temporada foi a que teve os melhores índices de audência, em especial o episódio Unificação (Unification), que foi ao ar em duas partes, contava com a participação especial de Leonard Nimoy no papel de Spock, e cuja primeira parte trazia uma homenagem a Roddenberry. Curiosamente, a segunda parte faz algumas referências ao filme A Terra Desconhecida, que estrearia nos cinemas pouco depois do episódio ir ao ar.
A Nova Geração ainda teve mais duas temporadas de 26 episódios cada, a sexta estreando em 21 de setembro de 1992, e a sétima em 20 de setembro de 1993, para um total de 178 episódios. Um dos episódios da sexta temporada, Relíquias (Relics), trouxe a participação de James Doohan no papel de Montgomery Scott. O último episódio da série, Tudo o que é bom... (All Good Things...), televisionado em 23 de maio de 1994, seguiu o exemplo do primeiro, e foi um especial de 90 minutos, mais tarde dividido para as reprises. Um dos motivos que levaram ao cancelamento da série foi a decisão da Paramount de investir mais em Deep Space Nine, que estreou em 3 de janeiro de 1993, e, segundo alguns, estava até roubando audiência da Nova Geração. Seja como for, embora no fim a série já não tivesse mais o vigor da terceira, quarta e quinta temporadas, pode-se dizer que terminou no auge, e não em declínio.
A sexta temporada ainda estava no ar quando Rick Berman decidiu levar a Nova Geração aos cinemas. Ao todo, a série ganhou quatro filmes, embora na minha opinião infelizmente só um deles preste. O primeiro destes filmes, Star Trek: Generations (que, em português, curiosamente virou Jornada nas Estrelas: Generations), estreou nos cinemas seis meses após o fim da série, em novembro de 1994, e tentava ser uma espécie de passagem de bastão de Kirk para Picard. Dirigido por David Carson, o filme começa no século XXIII, com a primeira viagem da Enterprise-B, com Kirk (William Shatner), Chekov (Walter Koenig) e Scott como convidados. Durante a viagem, a nave recebe um pedido de ajuda e deve resgatar um grupo de refugiados atingidos por uma estranha faixa de energia, dentre os quais estão Guinan e o misterioso Tolian Soran (Malcolm McDowell). Durante o resgate a tal faixa retorna, e Kirk é aparentemente morto durante o incidente.
Já no Século XXIV, é a Enterprise-D e sua tripulação, comandada por Picard, que se vê às voltas com Soran. Eles acabam descobrindo que a tal faixa energética leva a um lugar conhecido como Nexus, onde todos os desejos de uma pessoa se tornam realidade. Soran estaria tentando chegar ao Nexus de propósito, mas para isso terá de destruir um sistema solar inteiro. Após muitas reviravoltas, Picard descobre que Kirk está vivo, mas no Nexus, e ambos se aliam para derrotar Soran. Infelizmente, durante a luta Kirk acaba morrendo de verdade. Como se isso já não bastasse, a Enterprise-D também é destruída, o que leva à construção de uma Enterprise-E para que a série possa continuar.
Financeiramente, Generations foi até bem sucedido, pois custou 35 milhões de dólares e arrecadou 75 milhões só nos Estados Unidos; este desempenho, porém, foi considerado abaixo das expectativas, principalmente porque a arrecadação do primeiro final de semana, 23 milhões, foi bastante alta. O roteiro confuso e a morte de Kirk costumam ser citados como os principais motivos pelos quais o filme falhou em manter a média de público nas semanas seguintes. Ainda assim a Paramount ficou satisfeita com a repercussão do filme, e apenas dois meses após sua estréia pediu a Berman um novo filme da Nova Geração. Curiosamente, este segundo filme, que tinha tudo para dar errado, foi o que deu mais certo, e acabou sendo considerado um dos melhores filmes de Jornada nas Estrelas.
E por que tudo para dar errado? Bem, para começar, eles queriam um filme que agradasse tanto aos fãs quanto a quem nunca tivesse visto Jornada nas Estrelas na vida. Além disso, Berman queria que envolvesse viagem no tempo. Os roteiristas queriam que os vilões fossem os Borgs. E todos acabariam chegando à conclusão de que seria interessante mostrar pela primeira vez "como tudo começou", como a humanidade deixou suas desavenças de lado para dar início a uma era de paz, prosperidade, desenvolvimento tecnológico e exploração espacial. Dessa mistureba toda, nasceu Star Trek: First Contact (Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato), que estreou em 1996.
Dirigido por Jonathan Frakes, Primeiro Contato mostra o primeiro encontro de Picard com os Borgs desde que ele foi desassimilado. E os Borgs não planejam nada menos do que voltar no tempo e assimilar a Terra justamente quando esta está mais vulnerável, logo após a Terceira Guerra Mundial, antes de Zefram Cochrane voar à velocidade da luz com sua nave Phoenix e chamar a atenção dos Vulcanos, fazendo o Primeiro Contato do título e levando a humanidade à tal era de paz e prosperidade. Para impedi-los, a tripulação da Enterprise-E também volta no tempo, mas acaba descobrindo que Cochrane (James Cromwell) é mais humano e menos lendário do que todos imaginavam. Ainda por cima, a própria Enterprise acaba invadida pelos Borgs, que começam a assimilar toda a tripulação para evitar que eles os impeçam. O filme inclui até mesmo uma Rainha Borg (Alice Krige), que tenta corromper Data para que ele traia seus companheiros de tripulação.
Primeiro Contato é um filme memorável, com seqüências de ação, suspense e comédia. A recepção da crítica foi extremamente favorável, e os efeitos especiais eram o que havia de mais moderno para a época - incluindo a primeira vez em que uma Enterprise era feita de computação gráfica, e não um modelo em escala. O filme custou 45 milhões, arrecadou 30 só no primeiro fim de semana, e mais de 90 só nos Estados Unidos, resultado considerado satisfatório, e conseguiu uma indicação ao Oscar de melhor maquiagem. Também vale mencionar, como curiosidade, que Primeiro Contato é o primeiro filme de Jornada nas Estrelas sem a participação de nenhum dos atores da Série Clássica.
O sucesso de Primeiro Contato levou a mais uma requisição instantânea por uma seqüência. Infelizmente, Star Trek: Insurrection (Jornada nas Estrelas: Insurreição), de 1998 e também dirigido por Jonathan Frakes, não é tão espetacular quanto seu antecessor, se parecendo mais com um episódio gigante (e dos bem ruinzinhos) da série de TV do que com um filme de cinema. Desta vez, a tripulação da Enterprise-E visita o planeta Ba'ku, que emana uma estranha forma de radiação regenerativa, que permite que seus habitantes, que vivem em completo isolamento e rejeitam qualquer avanço tecnológico, tenham vidas incrivelmente longas. O problema é que esta radiação é cobiçada pelos Son'a, uma grupo de alienígenas que já estendeu suas vidas artificialmente tantas vezes que seus corpos estão começando a se deteriorar rapidamente, e que quer utilizá-la para se livrar deste incômodo, mesmo que isto vá causar o efeito colateral de tornar o planeta inabitável. Picard e os seus se vêem então no meio de um incidente diplomático, que só é agravado pelo fato de que a tripulação da Enterprise também começa a ser afetada pelos efeitos da radiação. Insurreição custou 58 milhões e só arrecadou 70, o que não foi nada satisfatório, e foi considerado fraco tanto pelas críticas quanto pelos fãs.
Talvez tivesse sido melhor terminar a série ali mesmo, mas não, alguém tinha de ter a brilhante idéia de fazer mais um filme. Assim, surgiu Star Trek Nemesis (que, em português, virou Jornada nas Estrelas: Nêmesis, embora o mais correto fosse "Nêmese"), de 2002, dirigido por Stuart Baird, e que é provavelmente o pior filme da história da franquia. Em Nêmesis, Riker e Troi se casam, e estão prestes a deixar a tripulação da Enterprise-E quando esta recebe uma mensagem, segundo a qual os restos de um andróide muito parecido com Data foram encontrados na Zona Neutra Romulana - e o filme já começa mal quando descobrimos que este andróide, um antecessor de Data, se chama B-4, de "before", "antes", em inglês. Seja como for, a Enterprise é mandada em missão diplomática até o Império Romulano, onde descobre que houve um golpe de estado em Remo, agora controlado pelo Pretório Shinzon (Tom Hardy), que ainda por cima é um clone imperfeito de Picard. Seu plano é seqüestrar Picard e roubar seu DNA, e depois usar sua nave, a Scimitar, para destruir a Terra, e reinar como novo líder do Império Romulano. Evidentemente, a tripulação da Enterprise consegue impedi-lo, mas não sem que a nave quase seja destruída no processo. Data, por outro lado, não dá tanta sorte, e acaba tendo que se sacrificar para destruir a Scimitar.
Além de ser muito ruim, Nêmesis ainda deu muito azar, pois estreou praticamente junto com Harry Potter e a Câmara Secreta, 007: Um Novo Dia para Morrer e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei. Isto fez com que ele se tornasse o único filme de Jornada nas Estrelas a não conseguir a arrecadação mais alta de seu fim de semana de estréia. No total, Nêmesis custou 60 milhões de dólares, mas só arrecadou 43 nos Estados Unidos. Mesmo que se considere a bilheteria do mundo inteiro, ele mal se pagou. Se já não tivesse sido concebido para ser o último da Nova Geração, poderia-se até argumentar que ele foi o responsável pelo encerramento da série.
Atualmente, a tripulação da Nova Geração está aposentada. Ao contrário da Série Clássica, não há planos para se ressucitar ou revitalizar esta série. Mas não faz mal. Depois de 15 anos servindo à Federação, vamos deixar os coitados seguirem com suas carreiras, e nos lembrarmos com carinho de todas as aventuras que viveram. Menos de Nêmesis.
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