sábado, 29 de dezembro de 2007

Escrito por em 29.12.07 com 6 comentários

Hanafuda

Como eu já disse por aqui, há alguns anos eu descobri que o mundo dos baralhos tinha muito mais a nos oferecer que o velho padrão anglo-americano e suas variações enfeitadas. Naquela época, me pus a pesquisar sobre o assunto, e descobri vários novos tipos de baralhos interessantes, nem todos eles seguindo o esquema de quatro naipes tão familiar a nós. Um destes baralhos exóticos acabou chamando bastante minha atenção, não somente por ter figuras bastante bonitas, mas também por ser japonês - e, como vocês já devem ter notado, as coisas japonesas costumam exercer uma espécie de fascínio sobre a minha pessoa. Já que recentemente eu terminei uma série sobre baralhos, gostaria de aproveitar que ainda estamos no clima para falar um pouquinho sobre ele. O tema de hoje, portanto, é o baralho Hanafuda!

Desde tempos imemoriais, a nobreza japonesa tinha jogos semelhantes aos jogos de baralho, mas que não usavam cartas; a maioria deles usava conchas, daquelas encontradas na praia, finamente pintadas e decoradas. Estes jogos seguiam vários conjuntos de regras diferentes, mas os mais populares eram aqueles onde o objetivo era combinar conchas da mesma "família", ou seja, que fizessem parte de um mesmo grupo previamente determinado. Este jogo se chamava E Awase, literalmente "combinar figuras".

Os primeiros baralhos europeus chegaram ao Japão com os portugueses, na metade do século XVI. Eram baralhos do extinto padrão português, mencionado aqui no post número 227, que tinham 48 cartas (do 2 ao 9 mais ás e três figuras de cada um dos quatro naipes) e dragões ilustrando os ases. Jogar com os baralhos portugueses logo se tornou um passatempo muito popular entre os japoneses, principalmente entre os das camadas sociais mais baixas, que não tinham acesso às conchas decoradas. Como conseguir um baralho português não era lá muito fácil, em pouco tempo começaram a surgir os fabricantes japoneses, que faziam seus próprios baralhos pintados à mão.

Um baralho HanafudaOs baralhos portugueses ficaram conhecidos como karuta (palavra que veio de carta), e assim também foram batizados os primeiros baralhos fabricados no Japão. De todos eles, o mais semelhante ao baralho português era o Tensho Karuta, hoje conhecido por este nome por ter surgido durante a era Tensho, que durou de 1573 a 1591. Um baralho de Tensho Karuta também tinha 48 cartas, divididas em quatro naipes: oru, koppu, pau e isu. Se você acha que isso soa familiar, espere até saber que cada naipe tinha 12 cartas, sendo numéricas de 2 a 8, um dragão, e três figuras chamadas sota, kaba e rei. As cartas do Tensho Karuta eram levemente menores que as dos baralhos europeus; imagina-se que isto se deva ao fato de que os marinheiros portugueses costumavam cortar fora as bordas de suas cartas quando estas ficavam desgastadas, então os baralhos que chegaram ao Japão já não tinham seu tamanho original. O Tensho Karuta era usado para vários tipos de jogos, desde os tradicionais jogos de combinar japoneses até os jogos ensinados pelos europeus, que tradicionalmente envolviam dinheiro.

Em 1633, o governo do Japão adotou uma política extremamente nacionalista, que, dentre outras medidas, bania qualquer uso de baralhos estrangeiros, e proibía qualquer jogo que pudesse envolver apostas. A punição para quem desobedecesse esta lei normalmente era a morte, mas os amantes do baralho não estavam dispostos a deixar uma coisa tão insiginificante atrapalhar seu passatempo preferido. Para burlar a proibição, os fabricantes começaram a inventar baralhos cujas ilustrações lembrassem cada vez menos os originais portugueses, para iludir os fiscais do governo. O mais popular destes baralhos surgiu no início do século XVIII, e ficou conhecido como Mekuri (um verbo que significa algo como "virar as cartas sobre a mesa", mais ou menos como o verbo inglês to flip). Cada fabricante inventava seu próprio baralho de Mekuri, com suas próprias figuras, o que fez com que não existisse um "baralho de Mekuri padrão"; ainda assim, todos eles tinham um traço em comum: 48 cartas divididas em 4 naipes de 12 cartas cada, exatamente como o Tensho Karuta. Não demorou muito para que o governo percebesse a intenção dos fabricantes, e uma nova lei, de 1790, proibiu também o Mekuri, alegando que suas cartas também podiam ser usadas em jogos que envolvessem apostas.

Com a proibição do Mekuri, os fabricantes decidiram por uma nova estratégia: inventar um baralho ainda mais diferente do Tensho Karuta, e que pudesse ser utilizados nos jogos tradicionais japoneses, como o E Awase, que não haviam sido banidos; desta forma, o governo não poderia banir estes baralhos sem banir os jogos tradicionais, ainda bastante queridos pela nobreza. Assim, na metade do século XIX surgiu o Hanafuda ("cartas de flores"), que acabou se tornando o único baralho japonês sobrevivente, mesmo quando as leis que proibiam os baralhos foram revogadas em 1885.

Assim como ocorria com o Mekuri, o Hanafuda não tinha um "baralho padrão", mas dezenas de versões diferentes, sendo que todas tinham o mesmo número de cartas (48) e todas utilizavam o mesmo motivo em suas ilustrações (flores). No início do século XX, porém, uma destas versões, conhecida como hachihachibana ("flores de oito-oito", devido ao nome do jogo mais popular jogado com ela, hachihachi, ou "oito-oito") se tornou tão popular que todos os fabricantes começaram a copiá-la. Atualmente, esta é considerada a versão "oficial" do Hanafuda, embora algumas outras, como a echigobana e awabana ainda sejam comercializadas. A única diferença entre estas versões está nas figuras, mais bem trabalhadas e decoradas com detalhes dourados e prateados no echigobana, mais simples e coloridas no awabana.

Um baralho de Hanafuda possui 48 cartas. Ao invés delas serem divididas em 4 naipes de 12 cartas cada, é justamente o contrário: 12 "naipes" (na verdade, famílias) de 4 cartas cada. Cada família representa uma flor ou folha diferente; na figura que ilustra este post, de cima para baixo, elas são Matsu (pinheiro), Ume (ameixeira), Sakura (cerejeira), Fuji (glicínia), Shobu (íris), Botan (peônia), Hagi (lespedeza), Susuki (eulália), Kiku (crisântemo), Momiji (bordo), Yanagi (salgueiro) e Kiri (paulínia). Como o Hanafuda não é muito jogado fora do Japão, estas famílias não possuem nomes oficiais em outros idiomas, mas entre jogadores não-japoneses (e até entre alguns japoneses) elas costumam ser relacioandas aos meses do ano - Matsu seria janeiro e Kiri dezembro, Sakura março, Susuki agosto, e assim por diante.

Individualmente, as cartas do Hanafuda são divididas em quatro tipos: as menos valiosas são as chamadas kasu ("lixo"), que só trazem a figura da flor ou folha; cada família tem dois kasu, exceto novembro, que só tem um, e dezembro, que tem três. Em seguida temos os tan ("faixas"), cuja ilustração traz uma faixa vertical pendurada junto às flores; nas famílias de abril, maio, julho e novembro esta faixa é vermelha e lisa (akatan), nas famílias de junho, setembro e outubro ela é azul (aotan), e nas famílias de janeiro, fevereiro e março ela é vermelha com um poema escrito dentro (tanzaku). O segundo tipo de carta mais valioso é conhecido como tane ("semente") e traz uma figura distintiva: um rouxinol (fevereiro), um cuco (abril), uma ponte (maio), duas borboletas (junho), um javali (julho), três gansos (agosto), um copo de saquê (setembro), um veado (outubro), ou uma andorinha (novembro). Finalmente, temos as cartas mais valiosas do baralho, chamadas hikari ("luzes"); as hikari são as cartas que chamam mais atenção, com as figuras mais bonitas: um grou em frente ao Sol (janeiro), uma cortina em frente às flores de cerejeira (março), uma Lua cheia (agosto), um homem caminhando na chuva com um guarda-chuva e um sapo (novembro) e uma fênix (dezembro).

Assim como o Tensho Karuta e a maioria dos outros baralhos japoneses, o Hanafuda tem cartas pequenas, em torno de 50 x 70 mm. As cartas podem ser feitas de papel, madeira, plástico ou vinil, e são bem grossas se comparadas com as ocidentais, com algumas edições tendo até 3 mm de espessura. As figuras são impressas em tons de vermelho, com alguns detalhes em preto, verde, amarelo e azul. Em quase todas as cartas o fundo é branco, exceto na da fênix, que tem fundo amarelo, e na da Lua cheia e na kasu de novembro (conhecida como "relâmpago"), onde o fundo é vermelho. Todas as cartas possuem uma fina borda, normalmente pintada na cor preta, mas que em edições mais trabalhadas pode ser de metal. Diferentemente dos baralhos ocidentais, o verso das cartas do Hanafuda costuma ser liso, de uma única cor, normalmente preto ou vermelho.

Assim como qualquer baralho, o Hanafuda pode ser usado para jogar uma infinidade de jogos. Os dois mais famosos, considerados mais tradicionais, são o japonês koi-koi e o coreano go-stop. Além destes, também são bastante populares o Hana Awase ("combinando flores"), que existe inclusive em versão arcade (!); o hachihachi, que enfatiza mais a sorte que a estratégia, e já foi tão popular que seu baralho acabou se tornando o padrão; o tensho, considerado o de placar mais complicado e também o de maior duração; e o Higo Bana, criado no Havaí. Como eu estou a fim de explicar um deles para vocês, escolhi o koi-koi, que tem as regras mais "genéricas" - ou seja, aprendendo o koi-koi, você pode aprender os demais facilmente.

O koi-koi é um jogo relativamente simples, para dois jogadores, onde o objetivo é combinar as cartas de sua mão com cartas que ficam dispostas sobre a mesa. Antes do jogo começar, o baralho é embaralhado, e cada jogador recebe oito cartas, ficando oito outras cartas com a face para cima sobre a mesa, e as demais 24 cartas em uma espécie de "morto". Em sua vez de jogar, um jogador confere se alguma das cartas de sua mão é da mesma família que uma das cartas que está sobre a mesa; se for, ele poderá capturá-la, pegando para si a carta que jogou e que estava sobre a mesa. O jogador então revela a carta do topo do morto; se ela também for da mesma família que uma das que está sobre a mesa, o jogador fará uma nova captura, pegando estas duas cartas (a que tirou do topo do morto e a da mesma família que ela que estava sobre a mesa); caso a que revelou do morto não combine com nenhuma das que estão sobre a mesa, ele não faz uma nova captura, e a carta que saiu do morto fica sobre a mesa. Se nenhuma das cartas de sua mão for da mesma família das que estão sobre a mesa, o jogador escolhe uma carta qualquer e a coloca sobre a mesa.

O jogo prossegue até que um jogador consiga um yaku ("combinação", veja adiante). Neste momento, ele pode escolher parar o jogo, ou dizer "koi-koi" (algo como "vambora"). Se um jogador disser koi-koi e conseguir outro yaku, seu placar será dobrado, se após este outro yaku ele disser koi-koi novamente, e conseguir um terceiro yaku, o placar será triplicado, se disser koi-koi mais uma vez e conseguir um quarto yaku, quadruplicado, e assim sucessivamente. O risco é que a mão termina quando um jogador consegue um yaku e decide parar, e aí só este jogador recebe pontos, o outro não recebe nada - em outras palavras, se você tem dois yaku, disse koi-koi duas vezes, mas aí o oponente conseguiu um yaku e decidiu parar, ele ganha os pontos, e você não ganha nada. Na rara hipótese de ambos os jogadores ficarem sem cartas na mão antes de alguém decidir parar, ninguém ganha os pontos daquela mão, mesmo que um dos jogadores tenha feito um yaku e dito koi-koi.

Logo que as cartas são embaralhadas e distribuídas, certas combinações podem influenciar o placar: se houver um hikari dentre as cartas que ficam com a face para cima sobre a mesa, o placar para aquela mão será dobrado, se houverem dois será triplicado, três quadruplicado, e assim por diante; se houverem três cartas de uma mesma família dentre as que estão para serem capturadas, o jogador que jogar a quarta carta capturará as três; se houverem quatro cartas da mesma família, ou quatro pares (quatro grupos de duas cartas da mesma família cada) sobre a mesa, a mão é cancelada e as cartas são reembaralhadas; finalmente, se um jogador tiver em sua mão quatro cartas de uma mesma família ou quatro pares, este jogador ganha a mão automaticamente, e recebe 6 pontos por isso. Um jogo de koi-koi é composto de quantas mãos forem necessárias até que um dos jogadores consiga 50 pontos. Neste momento, ele é declarado vencedor da partida.

Após cada mão, o jogador que decidiu parar ganha pontos de acordo com as cartas que capturou, que são combinadas para formar yaku. Os yaku e seus valores em pontos são: dez cartas kasu (1 ponto, mais 1 para cada carta além da décima, ou seja, 13 kasu valem 4 pontos), 5 cartas tan (1 ponto, mais 1 para cada carta além da quinta, ou seja, 7 tan valem 3 pontos), os três aotan (3 pontos), os três tanzaku (3 pontos), os três aotan e os três tanzaku (11 pontos), 5 cartas tane (1 ponto, mais 1 para cada carta além da quinta), 3 hikari exceto o homem da chuva (8 pontos), 4 hikari exceto o homem da chuva (12 pontos), 4 hikari incluindo o homem da chuva (4 pontos), e todos os 5 hikari (16 pontos). Existem ainda quatro yaku "especiais", com nomes próprios, e que valem 5 pontos cada: inoshikachou (javali, veado e borboletas), godori (rouxinol, cuco e gansos), tsukimi sake (Lua cheia e copo de saquê), hanami sake (cortina e copo de saquê), e tsukimi hanami sake (cortina, Lua cheia e copo de saquê); as cartas destes yaku também podem ser utilizadas em outros yaku, ou seja, além de ganhar os 5 pontos do inoshikachou, se você tiver mais duas tane também ganhará o ponto por ter 5 tane - por causa disso, um tsukimi hanami sake vale efetivamente 15 pontos (5 dele mesmo, 5 do tsukimi sake e 5 do hanami sake). Finalmente, a carta do copo de saquê possui uma propriedade especial: apesar de ser tane, ela também conta como kasu para o yaku de dez kasu - isto faz com que a carta do copo de saquê seja a melhor de se capturar, pois pode fazer parte de cinco yakus diferentes.

Um baralho Hwatu; as três cartas separadas são curingasAlém de bastante popular no Japão, o Hanafuda também é fabricado, comercializado e jogado na Coréia do Sul e no Havaí. O Hanafuda chegou à Coréia na época da invasão japonesa (entre 1905 e 1945) e lá ganhou o nome de Hwatu, que também significa "cartas de flores". Um baralho de Hwatu é praticamente idêntico a um de Hanafuda, com a diferença de que as cartas são mais finas, normalmente feitas de papel, possuem uma grossa borda vermelha, e os cinco hikari são marcados em um de seus cantos com um ideograma chinês que significa "luz". Além disso, os aotan também têm uma frase escrita nas faixas, e a carta da Lua cheia traz um logotipo do fabricante dentro da Lua. Mas a característica mais curiosa do Hwatu é que seus baralhos costumam ter de um a seis curingas. Estes curingas podem ter qualquer ilustração que o fabricante deseje, como seu logotipo, animais, bolas de futebol, personagens de desenho animado, flores de várias famílias diferentes juntas, um tan de outra cor que não azul ou vermelha; enfim, qualquer coisa. Dependendo do jogo, estes curingas possuem funções como substituir uma carta qualquer, dobrar os pontos de um jogador, conferir pontos ao perdedor da mão, ou outra coisa deste tipo. O jogo mais popular da Coréia do Sul, o go-stop é praticamente idêntico ao koi-koi (tanto que tem este nome porque para continuar o jogador fala "go" e para parar diz "stop"), exceto pelo uso dos curingas e por alguns yaku diferentes.

O Hanafuda chegou ao Havaí através de expatriados japoneses da Segunda Guerra Mundial; já foi muito popular, mas vem perdendo jogadores ano após ano. O baralho utilizado por lá é idêntico ao japonês, mas a fabricante Puna tem em seu catálogo uma variação enfeitada que utiliza flores e animais típicos do Havaí, como palmeiras e baleias. O mais famoso jogo havaiano é o Higo Bana, mais parecido com o Hana Awase que com o koi-koi. No Higo Bana não há a escolha entre parar ou continuar, com cada mão terminando quando ambos os jogadores ficarem sem cartas na mão. O placar é zerado ao início de cada mão, e ganha o jogo quem conseguir ganhar quatro mãos primeiro. Todas as cartas capturadas valem pontos (hikari valem 20, tan valem 10, tane valem 5, e kasu valem 0) e podem ser usadas para formar 8 tipos de yaku de 3 cartas cada, sendo que cada yaku deduz 50 pontos do total do oponente. Curiosamente, no Higo Bana os tan valem mais que os tane, o homem da chuva é considerado tane (e não hikari), e a carta do relâmpago é uma espécie de curinga, podendo ser utilizada para capturar qualquer carta da mesa.

Infelizmente, fora do Japão, da Coréia do Sul e do Havaí, o Hanafuda é um total desconhecido, o que significa que, se algum de nós quiser comprar um, vai ter de ser um importado de bem longe. Os de melhor qualidade, e mais famosos no Japão, por incrível que pareça são os da Nintendo, que, por mais incrível ainda que pareça, era uma fabricante de baralhos antes de se aventurar a fabricar videogames. Se alguém se interessou e quiser tentar jogar no computador, este site tem uma versão simplificada do Hana Awase (onde diz "Hanafuda Anyone?") e uma do go-stop, mas eu recomendo a do Hana Awase, mais bonita e fácil de jogar.
Ler mais

sábado, 22 de dezembro de 2007

Escrito por em 22.12.07 com 3 comentários

Fullmetal Alchemist

O penúltimo anime que eu assisti do início até o final foi Saber Marionette J. E isso foi em 2002. De lá pra cá, uma série de fatores contribuiu para que eu não conseguisse acompanhar mais nenhum; os dois principais foram a falta de tempo, já que compromissos vários me impediram de acompanhar qualquer coisa televisionada antes das 9 da noite, e a falta de interesse, já que a maioria dos anime que anda passando por aí não chama mesmo a atenção - principalmente porque eu passei um bom tempo sem TV por assinatura, e a TV aberta não é exatamente conhecida por passar os melhores anime.

Ainda assim, de vez em quando coisas estranhas acontecem, e de onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Um dia, a Rede TV decidiu passar Fullmetal Alchemist. Não era exatamente em um horário em que eu conseguia acompanhar (6 da tarde, mais ou menos), mas mesmo assim eu consegui ver alguns episódios. Eu já tinha lido sobre Fullmetal na revista Dragonslayer, e realmente achei o desenho bem interessante. No início desse ano, eu voltei a ter aqui em casa o canal Animax, que só passa anime o dia inteiro. Infelizmente, meus compromissos continuaram fazendo com que eu não conseguisse acompanhar nenhum. Fullmetal, pelo menos, passa lá à noite, o que já era um bom começo. Depois que eu escrevi aqui o post sobre Zillion, lá no meio do ano, resolvi tomar vergonha na cara e acompanhar. E assim, antes que o ano acabe, vocês serão brindados com mais um post sobre um anime!

Alphonse e Edward ElricFullmetal Alchemist, que tem o nome original de Hagane no Renkinjitsushi (literalmente, "o alquimista de aço"), foi criado em janeiro de 2001 como um mangá shonen, ou seja, direcionado a meninos. O mangá fez tanto sucesso que continua sendo publicado até hoje, e não parece que vai acabar tão cedo. Todo esse sucesso levou também à criação do anime, pelo estúdio Bones, que estreou no Japão em outubro de 2003. Como o mangá ainda estava sendo publicado na época em que o anime foi feito, muitos detalhes são diferentes, principalmente o final da série - que, no mangá, ainda nem chegou.

O anime de Fullmetal teve 51 episódios, divididos em 4 "temporadas" (de 13, 12, 16 e 10 episódios, respectivamente). Uma temporada estreava na semana seguinte à que a anterior tinha acabado, como se tudo fosse uma coisa só, mas as aberturas e encerramentos eram diferentes. O último episódio foi televisionado em outubro de 2004; depois disso ainda foi lançado um filme, Shamballa o Yuku Mono ("O Conquistador de Shamballa"), ainda inédito no Brasil, ambientado dois anos após o final da série, e cinco OVAs, episódios lançados diretamente em DVD, a maioria deles sem qualquer importância para a história do anime, apenas mostrando os personagens em situações inusitadas.

Mas do que se trata um anime chamado "Fullmetal Alchemist"? Assim como diversos outros anime, ele não é ambientado em nosso mundo, mas em um mundo alternativo, onde a alquimia se desenvolveu como ciência. Este mundo lembra a Terra do início do século XX: existem aparatos tecnológicos mais ou menos complexos, como trens, carros, rádios e telefones, mas não avançados, como televisões. A maioria da população ainda vive na zona rural, com as grandes cidades sendo poucas e relativamente isoladas. A maior parte da ação se passa em um país chamado Amestris, que, inusitadamente, lembra bastante a Alemanha nazista: é governada pelos militares, e tem como chefe de estado um Führer, que atua tanto como presidente quanto como chefe do exército. Além disso, Amestris está constantemente em guerra com as nações vizinhas, e chegou a massacrar uma delas, Ishval, cujos habitantes agora vivem como nômades.

O maior poder de Amestris vem da alquimia, pouco conhecida - ou demonizada - nas demais nações, mas amplamente utilizada por seu exército, que recruta alquimistas para fazer parte de suas fileiras, sob o título de Alquimistas Nacionais. Sendo a alquimia uma ciência, com muitos livros escritos sobre o assunto, qualquer um pode se tornar um alquimista, embora alguns tenham mais talento do que outros. Através de muito estudo, o alquimista aprende a desenhar os círculos alquímicos, através dos quais canalizará um poder quase mágico para obter feitos incríveis. Apesar de extremamente poderosa, a alquimia possui uma grave limitação, conhecida como Princípio da Troca Equivalente: para conseguir uma coisa, o alquimista deve dar outra coisa de igual valor em troca. Em outras palavras, a alquimia é, basicamente, transmutação: usando o círculo, o alquimista transforma uma coisa em outra, sendo impossível criar uma coisa do nada. Embora ainda assim um alquimista habilidoso consiga efeitos impressionantes - como consertar um aparelho quebrado em segundos - algumas proezas são impossíveis simplesmente pelo alquimista não ter como dar algo de igual valor em troca - sendo ressucitar os mortos o melhor exemplo. Teoricamente, um alquimista deve desenhar o círculo alquímico toda vez que desejar realizar uma transmutação, mas como o mesmo círculo pode ser utilizado inúmeras vezes para o mesmo efeito, alguns alquimistas agilizam o processo levando um círculo consigo, na forma de uma tatuagem, bordado em sua roupa, ou desenhado em um papel.

Winry RockbellEm uma pequena cidade do interior de Amestris, chamada Resembool, vivem os irmãos Edward e Alphonse Elric, apelidados Ed e Al. Filhos de um grande alquimista, Ed e Al também passaram a se interessar pela alquimia desde crianças, e desde cedo demonstraram talento para a coisa. Seu pai, porém, os abandonou quando Al ainda era um bebê, e desde então sua mãe, Trisha, ficou bastante doente, talvez por depressão. Um dia, ela não resiste e morre, deixando os dois irmãos, ainda crianças, sob os cuidados da vizinha Pinako Rockbell, mecânica de automail, uma espécie de prótese extremamente avançada, semelhante a um membro biônico, e avó de Winry, melhor amiga dos dois, e também uma orfã, já que seus pais morreram na guerra de Ishval. Ed e Al, porém, jamais se conformaram com a morte da mãe: primeiro, eles decidiram enviar cartas para todos os conhecidos de seu pai, tentando fazer com que ele voltasse para casa; depois, tiveram uma idéia "brilhante": utilizar a alquimia para ressucitar sua mãe. Em uma noite de tempestade, os dois desenharam o círculo alquímico e o ativaram. E se arrependeram pelo resto da vida.

Quando o círculo se ativou, Ed perdeu sua perna esquerda, levada pela Troca Equivalente. Al sofreu ainda mais: todo seu corpo foi tragado para dentro do círculo. Ainda assim, o que surgiu diante de Ed não foi sua mãe, mas um amontoado disforme de carne e ossos, de aparência nada humana. Arrependido, Ed decide salvar o irmão, mas o máximo que consegue fazer é fixar a alma de Al a uma antiga armadura, que estava próxima ao círculo. Pela Troca Equivalente, Ed perdeu também seu braço direito.

Al então passou a ser uma armadura viva, e levou Ed à casa de Pinako, para que ela salvasse sua vida. Pinako criou automails para substituir o braço e a perna de Ed, para que ele possa viver uma vida normal, mas infelizmente não pôde fazer nada por Al.

Enquanto Ed está se recuperando, os irmãos Elric recebem a visita de Roy Mustang, Coronel do exército e Alquimista Nacional, que recebeu uma das cartas enviadas pelos irmãos quando procuravam por seu pai. Mesmo sabendo que a alquimia humana é proibida, ele se impressiona por Ed e Al terem conseguido um efeito alquímico tão difícil ainda tão jovens, e os convida para serem Alquimistas Nacionais. Ed decide aceitar, pois, com os recursos disponíveis aos Alquimistas Nacionais ao seu alcance, poderá encontrar uma forma de recuperar o corpo de Al, bem como seu braço e perna originais.

Alex Armstrong, Liza Hawkeye e Roy MustangEd se sai muito bem no teste, e se torna o Alquimista Nacional mais jovem da história, passando na prova com apenas 12 anos de idade. Além disso, ele impressiona a todos por ser capaz de usar alquimia sem um círculo, algo que se torna sua marca registrada ao longo da série. Como todo Alquimista Nacional possui um codinome, através do qual é conhecido nas batalhas, o Führer escolhe para Ed o codinome Fullmetal, por causa de seu braço e perna mecânicos (embora a maior parte dos que encontram os irmãos ache que Fullmetal é o Al, por causa da armadura).

Como Alquimista Nacional, Ed fica sabendo de um artefato lendário, a Pedra Filosofal, com a qual um alquimista pode ignorar o Princípio da Troca Equivalente, obtendo o efeito que bem desejar. Os irmãos Elric então decidem sair em uma jornada em busca da Pedra Filosofal, para conseguir seus corpos de volta. Em torno desta busca se desenvolve a história do anime, com Ed e Al crecendo e amadurecendo ao longo de sua jornada.

Embora devote a maior parte de seu tempo a encontrar a Pedra Filosofal, Ed ainda faz parte do exército, e deve seguir as ordens de seus superiores. Embora entre em conflito com a maioria dos militares, Ed ainda conquista valiosos aliados no exército, como o Coronel Mustang e sua assistente Tenente Liza Hawkeye, que possui uma mira fora do comum; o Tenente Coronel Maes Hughes, melhor amigo de Mustang e membro da Divisão de Investigações do exército; e o hilário Major Alex Armstrong, de dois metros de altura, super musculoso, narcisista, mas de bom coração, que trata os irmãos Elric praticamente como seus filhos. Mas a maior aliada de Ed e Al ainda é Winry Rockbell, que cresceu e se tornou ela mesma uma mecânica de automail, sendo não só a responsável pelo bom funcionamento do braço e perna de Ed como também a ligação dos irmãos com sua cidade natal e sua infância.

Mas ser um Alquimista Nacional também rendeu a Ed um inimigo poderoso, conhecido simplesmente como Scar. Nativo de Ishval, Scar odeia a todos os Alquimistas Nacionais, por causa de sua participação no massacre de sua nação. Ainda por cima, a alquimia era vista como ciência do demônio em Ishval, o que fazia com que todos os alquimistas fossem considerados hereges. Scar, por algum motivo, tem um braço todo tatuado capaz de realizar efeitos alquímicos de destruição, e planeja utilizá-lo para matar todos os Alquimistas Nacionais, incluindo Ed.

Cinco dos sete HomúnculosOs piores inimigos de Ed e Al, porém, estão relacionados à sua busca pela Pedra Filosofal: autodenominados Homúnculos, eles não são humanos, mas criaturas artificiais, criadas através de alquimia. Imortais, mas sem alma, os Homúnculos procuram a Pedra Filosofal porque querem se tornar humanos; incapazes de usar alquimia, precisam de um alquimista para fazer o favor para eles. Por causa disso, toda vez que encontram um alquimista com potencial para encontrar a Pedra, eles o perseguem, e criam diversas situações para forçá-lo a abandonar o que está fazendo e seguir a Pedra até encontrá-la. Desnecessário dizer, os Homúnculos vêem em Ed e Al os candidatos perfeitos para alcançar seus objetivos. Ao todo, existem sete Homúnculos, um para cada Pecado Capital; três deles - Luxúria, uma mulher gostosona com unhas afiadas como espadas; Gula, um gordinho que tem o poder de comer qualquer material; e Inveja, que pode mudar de forma, assumindo a aparência de qualquer pessoa - atazanam os irmãos Elric desde o primeiro episódio; os outros quatro - Preguiça, Ira, Ganância e Orgulho - aparecem aos poucos, ao longo da série, mas eu não vou dizer como eles são nem seus poderes, para não estragar algumas surpresas.

Falando nisso, Fullmetal é um anime cheio de segredos e reviravoltas, portanto mais não vou falar, sob o risco de estragar alguma delas. Se você planeja assistir (ou ler o mangá) tente fazê-lo sem ler spoilers antes - a Wikipedia, por exemplo, está cheia deles - ou perderá parte da graça.

Fullmetal tem suas falhas, como uma incoerência ou outra aqui e ali, mas nada que tire seus méritos. Não é a toa que ele se tornou um dos mais populares anime do Japão e dos Estados Unidos, ganhando o prêmio Animage Anime Grand Prix de 2003 e sendo escolhido o anime mais popular de todos os tempos pela TV Asahi. Se você é fã do gênero, vale uma olhada.
Ler mais

sábado, 15 de dezembro de 2007

Escrito por em 15.12.07 com 1 comentário

Mythbusters

Eu tenho o péssimo hábito de fazer minhas refeições assistindo televisão. Já me disseram que faz mal, mas fazer o quê, fui acostumado assim - se bem que, se não "fez mal" até hoje, acho que não faz mais. De qualquer forma, durante a semana isso não chega a ser um problema, já que normalmente almoço e janto na hora em que estão passando noticiários, então aproveito para me inteirar sobre o que acontece no Brasil e no mundo. O almoço de domingo, porém, sempre foi um pouco mais complicado: como todo mundo sabe, domingo não passa nada que presta na televisão, principalmente à tarde, e como o almoço de domingo costuma sair um pouco mais tarde que os dos outros dias da semana, eu me sentava para comer justamente na hora em que não estava passando nada que presta - ou, quando eu achava algo que prestasse, dentro de poucas semanas este programa era invariavelmente substituído por outro que não prestava. Este problema, felizmente, encontrou solução há uns poucos meses, quando, ao mudar de canal atrás de algo que prestasse, passei pelo Discovery Channel, onde estava passando Mythbusters: Os Caçadores de Mitos. Que não somente se tornou meu programa preferido para o almoço de domingo como também é o tema do post de hoje!

Tory, Kari, Jamie, Buster, Adam e Grant


Apesar de ter começado a acompanhar Mythbusters neste dia, eu já conhecia o programa de antes, inclusive do quadro do Fantástico, que eu acho meio sem graça - afinal, o programa original tem uma hora de duração, enquanto o quadro tem no máximo 10 minutos, então não tem como render da mesma forma. Apesar de achar o programa extremamente interessante, eu só tinha assistido a alguns episódios soltos, até porque acompanhar séries de televisão não é um dos meus afazeres preferidos. Hoje, porém, me considero até um fã dos Mythbusters, e só lamento que a Discovery não tenha se interessado em lançá-lo como outras séries em DVD, em boxes de temporadas completas, pois eu com certeza compraria - até existem DVDs dos Mythbusters, mas são só três, com os cinco primeiros episódios e o primeiro piloto.

Mas quem são os Mythbusters? Os homens que se denominam Caçadores de Mitos (na verdade, "Detonadores de Mitos", em uma tradução literal) são dois especialistas em efeitos especiais, Jamie Hyneman e Adam Savage, que juntos possuem mais de 30 anos de experiência na área. Originalmente chamado Tell Tales or True (algo como "fofocas ou verdade"), o programa foi concebido pelo produtor Peter Rees, e apresentado ao Discovery Channel em 2002. Rees convidou Jamie para apresentar o programa, mas como ele se sentia desconfortável sozinho nesta função, pediu ajuda a Adam, a quem conheceu produzindo comerciais. Jamie e Adam gravaram três pilotos para o programa, já com o nome que ele leva hoje, que foram televisionados na forma de especiais no primeiro trimestre de 2003. O grande sucesso desses especiais levou a Discovery a transformá-lo em uma série semanal, que estreou em 23 de setembro de 2003. O programa se mantém semanal até hoje, embora de vez em quando a Discovery mude o dia da semana em que ele é exibido. Atualmente o programa está em sua sexta temporada, contando com 111 episódios, sendo que 16 destes são considerados "especiais", e outros três tiveram duas horas de duração cada, ao invés da uma hora convencional (incluindo os comerciais).

A proposta do programa é simples e interessante: Adam e Jamie têm a missão de provar cientificamente se um "mito" pode ser verdade ou não. Um mito é qualquer informação que role por aí por e-mail (exemplo: Coca-Cola limpa manchas de sangue do asfalto), algo que tenha aparecido em um filme (exemplo: soprar pó-de-arroz sobre raios infravermelhos faz com que eles fiquem visíveis), algo que "todo mundo sabe" (exemplo: correr na chuva faz com que você se molhe menos) ou até mesmo comprovar se alguma coisa tida como impossível é possível (exemplo: achar uma agulha em um palheiro). Para comprovar (ou não) algumas destas informações, Jamie e Adam utilizam máquinas complexas construídas por eles mesmos, e, como alguns mitos podem levar a ferimentos ou até mesmo à morte, um boneco chamado Buster, feito de gelatina balística, a substância que mais se assemelha ao corpo humano em densidade e viscosidade, costuma assumir o papel do pobre coitado que sofreu os efeitos do mito. A maioria dos episódios se passa no prédio das M5 Industries, a companhia de efeitos especiais de Jamie, localizada em São Francisco, mas alguns mitos mais perigosos ou explosivos podem demandar locais mais apropriados, como galpões abandonados ou o Deserto Mojave. Mesmo com todas as precauções, não é incomum que muitos dos experimentos explodam ou dêem errado, então sempre vale aquele antigo conselho de "não tentem isto em casa".

Em sua primeira temporada, o programa mostrava basicamente Jamie e Adam tentando comprovar os mitos, intercaladamente com entrevistas com a folclorista Heather Joseph-Witham, que explicava a origem de alguns mitos, e com algumas pessoas que diziam ter vivenciado ou ouvido falar daquele mito. A partir da segunda temporada, as entrevistas foram abolidas em prol de maior destaque para as experiências, e a tarefa de detonar os mitos foi dividida entre Jamie e Adam e uma "equipe auxiliar", formada pelos assistentes de Jamie na M5i, Tory Belleci, Kari Byron e Grant Imahara. Cada programa normalmente lida com dois ou três mitos diferentes, sendo que o principal e mais complexo fica a cargo de Jamie e Adam, e os outros ficam com a equipe auxiliar - não é incomum, porém, que ambas as equipes trabalhem em um mesmo mito, especialmente se ele for muito complexo, como alguns que tomaram todo o tempo do programa e acabaram sendo o "mito exclusivo" do episódio. Além de Tory, Kari e Grant, Jamie e Adam contam em alguns episódios com alguns outros ajudantes, todos técnicos da M5i. Embora não faça parte da equipe, o programa conta ainda com um narrador, Robert Lee, que explica rapidamente os mitos do dia e recapitula o trabalho após cada comercial.

O procedimento dos Mythbusters para comprovar ou não um mito normalmente envolve reproduzir as condições nas quais o mito aconteceria e ver se ele acontece mesmo, e depois testá-lo em novas condições, para ver se o efeito se repete - um dos exemplos mais corriqueiros é quando o mito envolve armas antigas; primeiro os Mythbusters testam o mito com armas da época, depois o repetem com armas modernas. Depois do teste, o mito pode ser classificado de três formas: confirmado, ou seja, o esperado acontece mesmo (exemplo: submergir evita que uma pessoa seja atingida por um tiro); detonado, ou seja, o mito é nada mais que um mito, porque na "vida real" o esperado não acontece (exemplo: beber Diet Coke com Mentos não explode seu estômago); ou plausível, ou seja, o esperado pode acontecer, mas apenas em situações especiais, pouco prováveis, ou influenciadas por variáveis que os Mythbusters não conseguem reproduzir (exemplo: é possível trazer um navio afundado de volta à superfície usando bolinhas de pingue-pongue, mas foram necessárias milhares de bolinhas). Alguns mitos mais complicados podem ser detonados ou confirmados apenas em parte, ou ainda apresentar resultados inconclusivos, ou seja, pode ser que o mito ocorra, mas por pura sorte.

Mythbusters é um programa "para toda a família", e algumas precauções são tomadas para que ele não irrite os zelosos pais da América: palavrões e "linguajar inapropriado", por exemplo, são evitados ou substituídos por buzinas, mugidos e miados, enquanto a boca de quem os proferiu é coberta por aqueles símbolos usados em palavrões de histórias em quadrinhos. Componentes especialmente perigosos, como substâncias que podem explodir quando misturadas umas às outras, têm seus nomes omitidos e seus rótulos "borrados" por um efeito especial, para que crianças não tentem reproduzir as experiências em casa. E mitos que podem gerar constrangimento, como por exemplo se é possível secar um cachorro poodle no microondas, nem são tentados, apesar da insistência de alguns telespectadores.

Os telespectadores, falando nisso, podem escrever para o programa, sugerindo novos mitos ou criticando os métodos que os Mythbusters utilizaram para detoná-los. Por causa disso, de vez em quando é feito um episódio especial, onde mitos anteriormente detonados são testados novamente. Até hoje, porém, apenas dois mitos passaram de detonado pra plausível, e apenas um de detonado para confirmado; todos os demais mitos "retestados" continuaram detonados.

Apesar de ter muita ciência envolvida, Mythbusters tenta ser mais parecido com uma série normal de TV do que com um programa do Discovery Channel (inclusive, a partir da terceira temporada foi incluído um impagável "Cuidado: Conteúdo Científico" imediatamente antes de qualquer explicação científica); talvez sem querer, talvez propositadamente, os Mythbusters até se comportam como personagens: Adam é brincalhão, descontraído e quer sempre que alguma coisa exploda, enquanto Jamie é sério, compenetrado, e não costuma achar graça em nada; por causa disso, as soluções de Jamie para comprovar ou detonar os mitos tendem a ser mais científicas, enquanto as de Adam são mais intuitivas. Os integrantes da segunda equipe também têm suas peculiaridades: Tory é autoconfiante ao extremo, e não raro se machuca durante os experimentos; Kari faz o gênero garota louquinha, que acha graça em tudo e adora resultados catastróficos; e Grant é o japonês nerd, que pesquisa sobre os mitos na internet e adora construir robôs e equipamentos complicados.

Eu gosto de Mythbusters por três motivos; o primeiro é o mesmo pelo qual eu gosto do Snopes: eu odeio coisas "que todo mundo sabe", mas que ninguém nunca tentou comprovar se é verdade ou não, e ainda tenta justificar com argumentos do tipo "aconteceu com um amigo do primo do vizinho da minha tia". O segundo motivo é porque o programa é muito divertido, principalmente quando Adam resolve explodir tudo já que não está conseguindo comprovar o mito. E o terceiro porque é entretenimento misturado com conhecimento, e conhecimento nunca é demais.

Mythbusters é exibido no Brasil no Discovery Channel, às quartas-feiras às 19 horas, com reprise à meia-noite, 5 da manhã e 13 horas de quinta-feira, e às 14 horas do domingo seguinte. Atualmente nestes horários estão sendo exibidos os episódios da quinta temporada, e de segunda a sexta ao meio-dia vão ao ar os da quarta temporada. É dublado, mas as vozes combinam tanto com os "personagens" que eu já nem sei se me acostumaria a assistir com o som original.
Ler mais

sábado, 8 de dezembro de 2007

Escrito por em 8.12.07 com 0 comentários

Hellboy

Há muito tempo que eu não coleciono quadrinhos. A principal razão para isso é que estava se tornando uma atividade muito cara e pouco recompensadora, já que eu não estava mais achando tanta graça assim nas histórias. Mas eu continuo gostando de super-heróis, e procuro me inteirar do que anda acontecendo com eles atualmente, seja pela internet ou lendo "emprestado". E de vez em quando eu ainda compro uma coisa ou outra, embora isto seja a cada dia mais raro. Normalmente eu me limito a publicações da Marvel e da DC, mas ultimamente um herói que não é de nenhuma das duas tem me chamado a atenção: Hellboy, o tema do post de hoje.

Confesso que descobri Hellboy através do filme. Quer dizer, eu já sabia que existia um herói chamado Hellboy, mas nunca tinha lido um quadrinho sequer dele até assistir o filme. Também confesso que uma das razões que me levaram a assistir o filme foi que Selma Blair, uma de minhas atrizes preferidas, estava no elenco. Mas, como disse um amigo meu, foi um filme que eu fui assistir sem esperar nada de mais, e acabei me divertindo muito. E, de certa forma, me tornando fã de Hellboy.

Hellboy, versão quadrinhosHellboy foi criado em 1993 pelo desenhista e roteirista Mike Mignola. Sua primeira história foi publicada na revista San Diego Comic-Con Comics no 2, publicada pela editora Dark Horse; a revista que leva seu nome, Hellboy, foi publicada pela primeira vez em 1994, e ganhou um spin-off, BPRD em 2002. Hellboy foi o primeiro personagem criado por Mignola, que antes disso só havia trabalhado para a Marvel, como colorista do Demolidor e ilustrador de capas de várias edições, e para a DC, onde desenhou capas de várias minisséries. Para criar seu primeiro super-herói, Mignola se inspirou em autores clássicos do terror sobrenatural, como H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, e no gênio dos quadrinhos Jack Kirby. Como não tinha muita experiência como roteirista, pediu a seu amigo John Byrne que escrevesse a primeira história de Hellboy; a partir da segunda, porém, ele mesmo assumiu, tendo escrito a maior parte das histórias do herói desde então. Mignola também desenhou todas as histórias de Hellboy até este ano, quando Duncan Fegredo assumiu o traço, e ele passou a se concentrar nos cargos de roteirista e ilustrador de capas. As histórias de Hellboy usam vários elementos do folclore russo, irlandês e japonês, e já foram consideradas por muitos como as mais criativas histórias de super-heróis criadas nos últimos anos, tendo ganhado vários prêmios.

Mas quem é Hellboy? Como o nome pode sugerir, ele, na verdade, é um demônio, de nome Anung Un Rama, conjurado para o nosso mundo em 1944 pelo feiticeiro russo Grigory Rasputin, que trabalhava em segredo com os nazistas no chamado Projeto Ragnarok, que traria forças do além para desequilibrar as forças da Segunda Guerra Mundial, dando a vitória aos alemães. Durante o ritual, porém, forças aliadas impediram Rasputin de concluir o processo adequadamente, e o que passou pelo portal foi uma espécie de "demônio neném", de pele vermelha, chifres, pés de bode, rabo com ponta de seta e uma enorme mão de pedra. Indo contra tudo o que o bom senso recomenda, o professor Trevor Bruttenholm, renomado ocultista que acompanhava os militares, decidiu adotá-lo, dando-lhe o nome de Hellboy, que, em inglês, significa "garoto do inferno".

Após este episódio, o governo dos Estados Unidos criou, sob a supervisão do prof. Bruttenholm, o Escritório para Pesquisa e Defesa Paranormal (BPRD na sigla em inglês, de Bureau for Paranormal Research and Defense), um departamento ultra-secreto dedicado a combater ameaças sobrenaturais. Hellboy foi criado pelo professor dentro do BPRD, onde aprendeu ideiais de justiça, honra, lealdade e fraternidade, se tornando o mais valoroso agente do departamento. Ao longo dos anos, novos soldados "não convencionais" se uniram ao BPRD, como o homem-peixe Abe Sapiens, a pirocinética Liz Sherman, o fantasma Johann Kraus e o homúnculo Roger. Atualmente, estes agentes são enviados em missões de campo, enquanto os humanos, como o diretor Thomas Manning e a cientista especialista em folclore Kate Corrigan, permanecem como apoio.

Como Hellboy é um demônio, seu metabolismo é diferente, o que faz com que, mesmo tendo se passado mais de 60 anos de sua chegada, ele ainda seja considerado como um jovem na casa dos 20 e poucos anos. Graças a esta característica, as histórias de Hellboy se situam em um amplo espaço de tempo, desde o final da Segunda Guerra Mundial até os dias atuais. Em 1952, Hellboy foi condecorado pelas Nações Unidas por seus serviços prestados à humanidade com os títulos de "humano honorário" e "maior investigador paranormal do mundo", o que lhe permite andar normalmente pelas ruas e interagir com as pessoas, embora algumas se assustem com sua aparência.

Falando nisso, apesar de ser um demônio, Hellboy não segue o estereótipo de sua raça: ele tem bom coração, está sempre disposto a ajudar, é leal a seus amigos, e talvez seu único defeito seja um mau humor constante, mas que pode até ser considerado simpático - ele, inclusive, de certa forma renega sua condição de demônio, já que serra seus chifres e só deixa dois cotocos, para ter uma aparência menos ameaçadora. O mérito por este bom caratismo é do prof. Bruttenholm, que lhe criou em um ambiente familiar de amor e companheirismo, tanto que Hellboy se refere a ele como "pai". Hellboy é, portanto, a prova de que até mesmo um demônio pode se tornar uma pessoa de bem dependendo de sua criação. Em termos de super-heróis, ele está mais para um herói bonzinho clássico, como o Super-Homem ou o Homem-Aranha, do que para um dos heróis bad boys tão populares hoje em dia.

Como todo super-herói, Hellboy também tem seus poderes. Para começar, ele é muito mais forte e resistente que um ser humano, mas não é indestrutível; sua pele é muito dura e ele possui uma espécie de "fator de cura", que permite que seus ferimentos regenerem mais rapidamente, mas ainda assim ele pode morrer se sofrer dano maciço. Ninguém sabe, porém, quanto de dano seria "maciço", já que em algumas histórias ele parou uma metralhadora após receber uma centena de tiros no peito, teve uma espada atravessada na barriga, levou uma surra de um monstro do tamanho de uma casa, e mesmo assim saiu andando. Além desta força e resistência, Hellboy ainda enxerga melhor e mais longe que um humano, e possui uma capacidade inata para compreender linguagens ancestrais e místicas. O fato de que ele envelhece lentamente também pode ser considerado um poder.

Hellboy, versão filmeAlém destes poderes, Hellboy também conta com vários artefatos fornecidos pelo BPRD, a maioria de caráter religioso ou sobrenatural, como água benta, relíquias sagradas, ferraduras de sete furos e alho. Hellboy também carrega um revólver gigante, especialmente fabricado para ele (e que, no filme, se chama "Samaritano", embora nos quadrinhos não tenha nome), mas não é muito bom de mira, e prefere o combate corpo a corpo. Mas o mais poderoso artefato que Hellboy carrega não foi fornecido pelo BPRD, mas veio com ele de onde quer que ele tenha vindo: sua mão direita, conhecida como "a mão direita da destruição". A boa notícia é que esta mão, assim como o antebraço que a acompanha, é feita de pedra, não sente dor, é invulnerável e indestrutível; a má notícia é que ela trará o apocalipse e destruirá a humanidade. Embora no filme ela faça parte de um conjunto onde ela é a "chave" e uma enorme pedra é a "fechadura", nos quadrinhos jamais foi revelado de que forma exatamente a mão traria o apocalipse, mas é certo que ela não precisa estar presa ao braço de Hellboy para que possa ser usada desta forma; Hellboy sabe disso, e sabe que permanecer vivo e com a mão no lugar é a única forma de evitar que os vilões a usem para este fim maligno. O próprio Rasputin já teria sugerido a Hellboy que sua chegada à Terra fazia parte de seu plano original, e que seu destino seria condenar a humanidade, embora este seja um destino que o herói renega e tenta evitar a qualquer custo.

Após dez anos vivendo aventuras nos quadrinhos, Hellboy chegou ao cinema pelas mãos do diretor Guillermo del Toro (de Blade 2 e do recente O Labirinto do Fauno), provavelmente inspirado pelo sucesso de filmes como os do Homem-Aranha e dos X-Men. Lançado em 2004, Hellboy não fica devendo nada aos filmes de super-heróis mais famosos, embora não seja tão grandioso nem tão badalado. O filme começa mostrando a origem de Hellboy, conjurado acidentalmente para a Terra por Rasputin (Karel Roden) quando este planejava trazer o demônio Ogdru Jahad, supostamente para ajudar os nazistas, mas na verdade para destruir o mundo. O tempo passa e, nos dias atuais, Hellboy (Ron Perlman), após ter sido adotado pelo prof. Bruttenholm (John Hurt), e criado para ser um herói, já é um agente do BPRD (que no filme é ligado ao FBI), executa missões ao lado de Abe Sapiens (Doug Jones) e teve um romance mal-resolvido com Liz Sherman (Selma Blair). Rasputin é então ressucitado pelos nazistas Ilsa Haupstein (Bridget Hodson) e Karl Ruprecht Kroenen (Ladislav Beran), e planeja usar a mão direita de Hellboy para libertar Ogdru Jahad. Cabe a Hellboy impedi-lo, enquanto tentar reatar seu romance com Liz, e aprende a conviver com um novo agente designado para o BPRD, John Myers (Rupert Evans).

O filme foi extremamente bem recebido pelos fãs, apesar de ter algumas diferenças em relação aos quadrinhos - Hellboy, por exemplo, é considerado uma "lenda urbana", e sua existência é acobertada pelo FBI para não gerar pânico na população; além disso, ele é indestrutível, e totalmente invulnerável ao fogo criado por Liz, o que nos quadrinhos não é verdade. O filme também foi bem sucedido junto aos críticos, e indicado para quatro categorias do Saturn Award (uma espécie de Oscar da ficção científica, fantasia e horror, guardadas as devidas proporções), ganhando o de melhor maquiagem (com louvor, já que Hellboy e Abe estão bem realísticos, e Ron Perlman quase irreconhecível).

Tanto sucesso levaria, claro, a uma continuação, que já devia ter saído, mas esbarrou em um pequeno problema: os estúdios Revolution, que produziram o filme e estavam produzindo a seqüência, faliram em agosto de 2006. Após algumas negociações, a Universal decidiu assumir a produção, e as filmagens começaram em junho deste ano. Hellboy 2: The Golden Army tem sua data de estréia prevista para 11 de julho do ano que vem, e trará mais uma vez del Toro na direção, e Perlman, Blair e Jones como os agentes do BPRD, que deverão ganhar a companhia de Johann Kraus (John Alexander, com voz de Thomas Kretschmann). A história do segundo filme terá mais elementos de folclore, e será mais parecida com os quadrinhos, com criaturas místicas lideradas pelo Príncipe Nuada (Luke Goss) invadindo a Terra, e o BPRD tendo que impedi-los.

Enquanto o segundo filme não vem, Hellboy pode ser encontrado em dois filmes de animação, que podem ser encontrados por aqui em DVD ou passando regularmente na HBO. Ambos foram produzidos pela Starz Media's Film Roman, com roteiro de Mignola e Tad Stones, e com Perlman, Jones, Blair e Hurt dublando os mesmos personagens que fizeram no filme.

Hellboy, versão desenhoO primeiro desenho, Hellboy: Sword of Storms (Hellboy: A Espada da Tempestade em DVD, ou Hellboy e sua Espada Samurai na HBO), foi lançado em agosto de 2006. Nele, o prof. Sakai, um estudioso do folclore japonês, decide ler um pergaminho proibido, e é possuído pelos Espíritos do Trovão e do Relâmpago, que planejam libertar seus irmãos, os dragões, para que estes dominem o mundo. Após Sakai atacar um colega, o BPRD é mandado para investigar, e, durante a investigação, Hellboy, ao tocar em uma espada mística, é transportado para uma terra fantástica, cheia de criaturas do folclore japonês. Hellboy precisa escapar desta terra com a espada, para poder deter os Espíritos antes que eles consigam libertar os dragões - alguns, aliás, já começam a acordar, e os pobres Liz e Abe têm que segurá-los enquanto Hellboy não volta.

O segundo desenho, Hellboy: Blood and Iron (Hellboy: Sangue e Ferro em DVD, ou Hellboy e o Espírito do Fantasma na HBO - apenas como comentário, "espírito do fantasma" não faz muito sentido na minha opinião), foi lançado em março de 2007. Desta vez o folclore explorado é o europeu: Hellboy e o BPRD se vêem envolvidos com uma vampira, que já havia sido confrontada e destruída pelo prof. Bruttenholm em 1939, mas que agora está prestes a ser ressucitada por duas harpias que servem à deusa Hecate, que no final decide vir à Terra em pessoa e cair na porrada com Hellboy.

Um terceiro desenho, Hellboy: The Phantom Claw ("a garra fantasma"), está em pré-produção, e deve ser lançado em 2008. Pouco se sabe sobre a história a não ser o fato de que Hellboy irá acompanhado de Kate ao castelo onde ele foi conjurado para a Terra, e lá se deparará com o fantasma de Rasputin. Lobster Johnson, um personagem bastante popular nos quadrinhos, também aparecerá neste desenho, mas ainda não se sabe se Liz e Abe acompanharão Hellboy em sua aventura.

Atualmente, Hellboy é sem dúvida o super-herói mais popular fora do eixo Marvel/DC (posto que na década de 1990 pertencia a outro herói vindo do inferno, Spawn), tanto que ele e seus colegas do BPRD ganharam expansões tanto para o jogo de miniaturas HeroClix quanto para o card game VS, os jogos oficiais de Marvel e DC no momento. Hellboy também ganhou um RPG, compatível com GURPS e publicado pela Steve Jackson Games em 2002, e um jogo de videogame, Hellboy: Asylum Seeker, lançado para PC e Playstation em 2003; um segundo jogo, Hellboy: The Science of Evil, está em desenvolvimento, e deve ser lançado no final deste ano para Playstation 3, Xbox 360 e PSP.
Ler mais

sábado, 1 de dezembro de 2007

Escrito por em 1.12.07 com 2 comentários

Baralho (XI)

Hoje encerraremos a série de posts sobre baralhos, falando sobre o quarto e último tipo, o baralho suíço. Surgido no século XVI, o baralho suíço lembra o alemão em vários aspectos, mas é considerado um baralho diferente por um motivo muito simples: seus naipes são únicos, e não estão presentes em nenhum outro baralho que tenha sobrevivido.

9 de Escudos, séc XIXComo sobreviveram pouquíssimos exemplares originais do século XVI, não se sabe como o baralho suíço surgiu, ou por que seus naipes ficaram diferentes dos demais, mas alguns de seus elementos levam a crer que, assim como o baralho alemão, ele talvez seja também um descendente das Cartas de Caçada, que podem ter sido populares nas regiões do país de cultura alemã. Alguns dos primeiros baralhos suíços realmente lembravam as Cartas de Caçada, com naipes pitorescos como chapéus e penas; com o passar do tempo, eles foram sofrendo influências dos baralhos alemães e italianos, até que, um dia, se chegou ao padrão que resiste até hoje, cujos naipes são conhecidos como Eichel, Schilten, Rosen e Schellen. Como ocorre com o baralho alemão, estes naipes não têm nomes "oficiais" em português, mas eu os chamo de Castanhas, Escudos, Flores e Sinos - há quem chame as Flores de "Rosas", mas eu, particularmente, não acho que elas se pareçam com rosas.

Dois dos naipes do baralho suíço vieram claramente do baralho alemão, as Castanhas e os Sinos, bastante parecidos com seus primos mais do norte. A teoria mais provável para a origem das Flores - redondas e amarelas, com miolos vermelhos - é que elas tenham sido inspiradas pelas Moedas dos baralhos italianos, já que, em alguns padrões regionais, a decoração interna das Moedas se parece mesmo com uma flor. Os Escudos, porém, têm uma origem mais nebulosa, pois não se parecem com nada presente em nenhum outro baralho: nas cartas numéricas, eles são em preto-e-branco, nas figuras são coloridos, e cada escudo traz uma decoração diferente em seu interior; provavelmente eles sobreviveram de algum modelo das Cartas de Caçada, mas não há como se saber com certeza.

Um baralho suíço possui 36 cartas de 58 x 89 mm cada, sendo nove cartas de cada naipe. Quatro delas são numéricas, o 6, 7, 8 e 9, impressas em um único sentido da carta e decoradas com um número de naipes igual ao seu valor numérico, e mais um pequeno número no canto superior esquerdo e inferior direito (este invertido) para facilitar a identificação na mão; as outras cinco, em ordem de importância, são conhecidas como Banner, Under, Ober, Rei e Sau.

O Banner, para todos os efeitos, é o 10, e é talvez a evidência mais clara de que o baralho suíço descende das Cartas de Caçada, onde a carta 10 trazia uma bandeira com o símbolo do naipe no meio. Assim como esta carta, o Banner traz a figura de uma flâmula branca, azul e vermelha, presa à ponta de uma lança; em cada naipe a lança possui um esquema de cores diferente, mas sempre em amarelo, azul, vemelho e preto. Originalmente a flâmula era impressa em um único sentido da carta, justamente como nas Cartas de Caçada, mas atualmente o Banner é impresso nos dois sentidos, e em sua parte branca, evidentemente, traz o símbolo do naipe.

Rei de Sinos, 1789As três figuras do baralho suíço são as mesmas do baralho alemão, o Rei, Ober e Unter, que aqui se chama Under (porque esta é a pronúncia para "inferior" no dialeto da região onde o baralho surgiu). Também como no baralho alemão, os Unders representam "valetes menores", os Obers "valetes maiores", e os Reis, reis mesmo. As roupas dos Obers e Unders são curiosas e coloridas, principalmente a do Under de Sinos, que parece um bufão. Também é curioso notar que os Obers de Castanhas e Sinos e o Under de Flores estão fumando cachimbo, enquanto o Ober de Escudos fuma um cigarro. Os Reis usam coroas, estão sentados em seus tronos - com exceção do Rei de Flores - e seguram o símbolo de seu naipe, exceto o Rei de Escudos, que segura um cálice, e um detalhe que chama a atenção é a barba imensa do Rei de Castanhas. As figuras são impressas em azul, amarelo, vermelho e preto, e não têm índices, mas em compensação trazem o nome da figura (König, Ober ou Under) impresso no canto superior esquerdo e, invertido, no inferior direito.

Assim como o Banner, os Reis, Obers e Unders também eram originalmente impressos em um só sentido da carta, mas atualmente são impressos nos dois, e separados por uma linha bastante curiosa: para começar, ela é branca, mas tem uma fina borda preta; além disso, ela só toca a borda da carta nos Reis de Castanhas, Sinos e Escudos, nas demais figuras ela termina junto com o desenho da figura, como se só servisse mesmo para separar as duas ilustrações. Como se isso já não fosse o bastante, a linha é diagonal, mas não segue o mesmo sentido em todas as cartas: nos quatro Unders e no Ober de Castanhas ela é inclinada para a direita (/), enquanto nos quatro Reis e nos outros três Obers ela é inclinada para a esquerda (\); os graus de inclinação das linhas também são diferentes, sendo mais acentuado em algumas cartas que em outras.

Finalmente, temos o Sau, a carta que equivale ao Ás no baralho suíço, também chamado de Daus por influência do baralho alemão. O Sau traz dois símbolos do naipe acompanhados por uma decoração central, que nos de Sinos e Escudos costuma trazer o nome do fabricante. Há alguma controvérsia sobre se o Sau originalmente era o 2, como o Daus do baralho alemão, o que faria com que as cartas até hoje sejam impressas em um único sentido da carta, como as numéricas; ou se ele originalmente era o 1, como o Ás dos baralhos latinos, e ganhou dois símbolos do naipe porque passou a ser impresso em ambos os sentidos da carta. Como esta discussão não altera o valor do Sau, muita gente nem se atém a ela. O Sau mais curioso é o de Escudos, pois seus escudos não têm o mesmo formato dos demais, lembrando grandes corações, o que para alguns é um indício de que eles foram adaptados dos Corações do baralho alemão.

Banner de Flores, 1903O baralho suíço só possui um único padrão regional, conhecido simplesmente como "baralho suíço" ou Jass, o nome do único jogo que ainda é jogado com ele. Variações enfeitadas são bastante comuns, e podem ser divididas em dois tipos básicos: as fabricadas para serem dadas como brinde por empresas suíças, nas quais os naipes costumam ser alterados para objetos relacionados à empresa em questão; e as que mantêm os naipes originais mas mudam as figuras, normalmente usando personagens caricatos no lugar dos Reis, Obers e Unders. As variações enfeitadas mais famosas do baralho suíço foram criadas pela fabricante A. G. Müller, sendo a mais famosa a conhecida como Jass Plus, que traz ilustrações tridimensionais do artista canadense Raymond Inauen (também responsável pelo baralho Piquet Plus, da mesma fabricante). A A. G. Müller também criou duas "combinações" do baralho suíço com o francês, o Combi-Jass, na qual todas as cartas são divididas no meio na diagonal, com uma das metades tendo uma carta do baralho suíço e a outra a carta equivalente no baralho francês, padrão suíço moderno; e o Swiss Poker, composto de 53 cartas com grossas bordas, onde ficam quatro índices, um em cada canto, compostos por uma letra ou número mais um pequeno símbolo do naipe, ficando as ilustrações originais do baralho suíço em um quadrado interno, de fundo amarelo. Uma curiosidade sobre o Swiss Poker é que ele traz cartas que normalmente não existem no baralho suíço (os 2, 3, 4, 5 e até um curinga), e usa os índices do baralho francês para as figuras (A para os Sau, K para os Reis, Q para os Obers e J para os Unders).

Além de todas estas variações, o baralho suíço também possui uma "versão alternativa", chamada Kaiserjass. Originalmente utilizado para jogar a versão para 6 jogadores do Jass, o baralho do Kaiserjass é idêntico ao do Jass, exceto pelo número de cartas: são 48, sendo as extras um 3, 4 e 5 de cada naipe. Por esta razão, o Kaiserjass é muito valorizado por colecionadores, embora não seja muito comprado por jogadores, que preferem a versão normal, para 4 jogadores, do Jass.

Assim como ocorre com o baralho alemão, a sombra da extinção paira permanentemente sobre o baralho suíço. No passado, ele já foi fabricado na Áustria, Bélgica, França, Itália e Alemanha, além de pelas principais fabricantes suíças; hoje, ele só é fabricado pela A. G. Müller, que, ainda por cima, também foi comprada pela Carta Mundi. Por enquanto o catálogo da A. G. Müller ainda conta com uma farta variedade de baralhos suíços, mas ninguém sabe até quando, e por um motivo muito simples: a cada dia que passa, o baralho suíço perde popularidade. Como já foi dito, atualmente ele só é usado para jogar um único jogo, o Jass, e assim mesmo apenas nos cantões da suíça de cultura alemã. Felizmente, muitos jogadores e colecionadores destes cantões se esforçam para manter viva esta parte tão importante da tradição local, mas ainda assim o número de jogadores jovens que se interessa em aprender o Jass, e a adquirir um legítimo baralho suíço para jogá-lo, é muito pequeno, e o de jogadores dispostos a usar este baralho tão peculiar para jogar outros jogos é quase nula. Infelizmente, a possibilidade de que o Jass se torne um jogo de velhinhos e o baralho suíço uma peça de colecionador é a cada dia mais real.

Série Baralhos

Baralho Suíço

Ler mais