sábado, 24 de março de 2007

Escrito por em 24.3.07 com 0 comentários

Olimpíadas (XIX)

E vamos a mais Olimpíadas!

Calgary 1988


Após o fiasco financeiro de Montreal, poucos imaginavam que outra cidade canadense iria pleitear o direito de sediar uma Olimpíada tão cedo. Mas organizar uma Olimpíada de Inverno era bem mais barato que uma de Verão, então Calgary, que já havia se candidatado sem sucesso em 1964 e 1968, decidiu tentar mais uma vez. Apenas duas outras cidades fizeram oposição: Falun, na Suécia, e Cortina d'Ampezzo, Itália. Na reunião do COI de 1981, os canadenses ganharam um voto de confiança, e uma chance de mostrar que poderiam sediar um evento esportivo de grande porte sem deixar uma conta astronômica.

A escolha de Calgary, porém, não foi tranquila. Além do fantasma de Montreal, existia uma plausível preocupação com o chinook, um vento quente da região que costumava levar a temperatura para a casa dos graus positivos, mesmo em pleno inverno, algo indesejável quando se planeja praticar esportes que dependem de gelo e neve. Mas Calgary não estava disposta a permitir que a primeira Olimpíada de Inverno em solo canadense entrasse para a história de forma negativa. No plano financeiro, a cidade fez um acordo com a Província de Alberta, na qual ficava localizada, e com o governo canadense, segundo a qual Calgary só entraria com 50 milhões de dólares, enquanto Alberta seria responsável por 125 milhões, e o Canadá arcaria com mais 225 milhões. Este dinheiro foi quase integralmente recuperado com hábeis negociações que concederam à rede de televisão norte-americana ABC exclusividade para a transmissão de imagens para todo o planeta, exceto Canadá, pelo preço de 398 milhões de dólares. A geração das imagens e sua transmissão em solo canadense ficariam por conta da CTV, que pagou mais 45 milhões. Outros 90 milhões foram arrecadados durante a preparação para os Jogos, com patrocinadores e licenciamentos, como uma loteria vendida pela Petro Canada, cujos ganhadores teriam o direito de levar a tocha olímpica por 1 km cada durante o revezamento. Graças a estes esforços, Calgary se tornou a primeira Olimpíada de Inverno a conseguir lucro, algo em torno de 100 milhões de dólares. Este dinheiro foi usado para criar um fundo de ajuda à formação de novos atletas, usado até hoje.

No plano esportivo, foi feito o possível para se evitar o chinook: pela primeira vez, os Jogos de Inverno aconteceriam em um intervalo de dezesseis dias, com mais espaço entre as competições, caso fosse necessário repetir ou adiar alguma delas. Também pela primeira vez, as provas da patinação em velocidade aconteceriam em um rinque fechado, construído especialmente para os Jogos, para evitar problemas com o gelo. Nas provas do esqui alpino, realizadas no resort de Nakiska, também construído para os Jogos, foi utilizada muita neve artificial, para suprir uma eventual falta da natural. Além do rinque e do resort, a cidade construiu um belíssimo Parque Olímpico para provas de esqui e trenó, mais o Centro Nórdico de Canmore para combinado nórdico e biatlo, o Centro Max Bell para os esportes de demonstração, e dois estádios de hóquei. As únicas construções já existentes na cidade aproveitadas para os Jogos foram o Saddledome, um estádio utilizado para hóquei e patinação artística, e o Estádio McMahon, normalmente usado para futebol (o canadense, da bola oval, semelhante ao americano), mas que em 1988 abrigou as cerimônias de abertura e encerramento.

Os Jogos de Calgary foram realizados entre 13 e 28 de fevereiro, e contaram com a participação de 1.423 atletas, sendo 301 mulheres, que defenderam 57 nações em 46 provas de 10 esportes: biatlo, bobsleding, combinado nórdico, esqui alpino, esqui cross country, hóquei no gelo, luge, patinação artística no gelo, patinação no gelo em velocidade e saltos com esqui (clique aqui para ver todas as provas do programa). O programa contou ainda com três esportes de demonstração, curling, esqui estilo livre e patinação no gelo em velocidade em pista curta (que é considerado pela Federação Internacional de Patinação um esporte diferente da patinação em velocidade na pista mais longa), e com quatro provas usadas para promover as Paralimpíadas de Inverno, uma masculina e uma feminina do esqui alpino, disputada por amputados, e uma masculina e uma feminina do esqui cross country, disputada por atletas cegos na distância de 5 km. Pela primeira vez uma Olimpíada teve dois mascotes, os ursinhos polares Hidy e Howdy, que vestiam roupas de caubói para simbolizar o oeste canadense, onde Calgary está localizada. O revezamento da tocha foi o mais longo da história, durando 88 dias, e concedendo a honra de acender a pira a Robyn Perry, uma patinadora artística de apenas 12 anos.

Uma coisa curiosa sobre os Jogos de Inverno de 1988 é que muitos consideram como seus dois maiores destaques um atleta e uma equipe que não somente não tinham a menor chance de vencer como também não tiveram nenhum desempenho excepcional. O primeiro foi o britânico Eddie Edwards, apelidado "A Águia", que competiu nos saltos com esqui. Eddie foi o único britânico a participar da prova, e assim mesmo porque pagou todas as despesas de viagem e equipamento. Eddie trabalhava como gesseiro, e lhe sobrava pouco tempo para treinos. Isso somado ao fato de que ele era nove quilos mais pesado que o mais pesado de seus adversários, e possuía um alto grau de miopia, que o obrigava a competir com grossos óculos, que embaçavam durante a descida deixando-o cego, acabou fazendo com que Eddie terminasse ambas as provas individuais do salto com esqui em último - e bem longe do penúltimo. O insucesso de Eddie, porém, acabou favorecendo-o: ele ganhou uma torcida própria, e, quanto piores eram seus saltos, mais aplaudido ele era. Eddie acabou se tornando uma celebridade, dando entrevistas para programas de TV, e sendo apelidado de Mr. Magoo pela imprensa escrita. Graças a esta fama, após os Jogos Eddie lançou um livro e um vídeo que supostamente ensinam a esquiar, gravou três músicas - uma delas inclusive conseguindo a proeza de entrar no Top 50 britânico - e se tornou garoto-propaganda de vários produtos no Reino Unido. O único insatisfeito com o sucesso de Eddie, ao que parece, foi o COI, que considerou que a imagem do esporte estava sendo arranhada, e decidiu criar uma nova regra segundo a qual só podem participar dos saltos com esqui nos Jogos de Inverno esquiadores que estejam dentre os 30% mais bem colocados no ranking da modalidade.

Outro "destaque" de 1988 acabou se tornando até mais famoso que Eddie: o time de bobsleding da Jamaica. Praticamente uma contradição em si mesmo - como um país que nem tem neve pode ter uma equipe de trenó? - o time acabou sendo criado quando dois norte-americanos, George Fitch e William Maloney, se mudaram para a Jamaica, para cuidar de negócios de suas famílias, e assistiram a uma corrida de carrinhos de rolimã na rua que acharam muito semelhante a uma prova de bobsleding. Eles então decidiram arriscar e montar um time que pudessem inscrever nas Olimpíadas, já que, afinal, o Canadá não era tão longe assim da Jamaica. O time jamaicano, com quatro integrantes, realmente conseguiu participar dos Jogos, mas acabou em último lugar, principalmente devido a uma forte colisão na segunda descida. Ainda assim, de tão insólito, chamou a atenção do mundo, abriu portas para equipes de bobsleding de outros países tropicais - inclusive do Brasil - e acabou inspirando um filme, Jamaica Abaixo de Zero (Cool Runnings, no original), lançado em 1993, com o comediante John Candy no papel de um ex-atleta que decide montar uma equipe de bobsleding da Jamaica e atuar como seu técnico.

Dentre os destaques sem aspas, o maior foi o finlandês Matti Nykänen, três ouros no salto com esqui, nas duas provas individuais e na prova por equipes, que fez sua estréia em Calgary. Dono de uma determinação impressionante, Nykänen não se importou nem com o chinook, que o obrigou a repetir vários saltos, fazendo cada um mais perfeito que o outro. O medalhista de prata na prova da colina baixa, o tchecoslovaco Pavel Ploch, declarou após a prova que parecia que Nykänen havia vindo de outro planeta. Durante uma entrevista ao término da competição, Nykänen se limitou a dizer "eu vim para ganhar três medalhas, e as consegui".

O esqui alpino aumentou seu número de provas, com a inclusão do slalom super gigante e o retorno do combinado, ausente do programa desde 1948. Os maiores destaques, porém, foram campeões de duas das provas "velhas", o slalom e o slalom gigante: o folclórico italiano Alberto Tomba, apelidado "Tomba la Bomba", que declarou que sua motivação para ganhar o ouro foi a promessa de seu pai de lhe comprar uma Ferrari; e a suíça Vreni Schneider, 24 anos, considerada a melhor esquiadora suíça da história e segunda mais bem sucedida de todos os tempos por seus bons resultados em competições internacionais.

No biatlo, o alemão oriental Frank-Peter Roetsch foi ouro e o soviético Valeriy Medvedtsev prata nas duas competições individuais, mas na por equipes a União Soviética levou a melhor, enquanto a Alemanha Oriental não passou de uma quinta posição. Como de costume, a Alemanha Oriental dominou o luge, com o ouro no simples masculino, ouro e prata nas duplas masculinas, e o pódio inteiro no simples feminino. No cross country, o sueco Gunde Svan adicionou mais dois ouros a sua coleção, nos 50 km e no revezamento 4 x 10 km, sendo que neste ele partiu praticamente empatado com os soviéticos, mas abriu uma folga de 27 segundos em seu trecho.

Na patinação artística, mais uma vez o destaque foi a alemã oriental Katarina Witt, que ganhou seu segundo ouro com facilidade. No masculino a disputa foi bem mais apertada, com o norte-americano Brian Boitano superando por pouco o canadense favorito Brian Orser. Tanto nas duplas mistas quanto na dança no gelo, o ouro e a prata foram para a União Soviética, com belas exibições.

Na outra patinação, a da velocidade, graças ao estádio coberto e climatizado, o recorde mundial foi quebrado em sete das dez provas, e o recorde olímpico nas outras três. O maior destaque foi a holandesa Yvonne van Gennip, que sofreu um corte no pé e teve de operar a apenas dois meses dos Jogos, mas contrariando todas as expectativas levou para casa o ouro dos 1.500, 3.000 e 5.000 metros, quebrando o recorde olímpico na primeira prova e o mundial nas duas outras. O sueco Tomas Gustafson conseguiu dois ouros, nos 5.000 metros com recorde olímpico e nos 10.000 com mundial; e dois atletas da Alemanha Oriental conseguiram um ouro com recorde mundial e uma prata, curiosamente nas mesmas provas mas ao inverso: Uwe-Jens Mey, nos 500 e 1.000 metros masculino, e Christa Luding-Rothenburger, nos 1.000 e nos 500 metros feminino.

Apesar de todo o sucesso do evento, o Canadá, assim como em Montreal, em 1976, não ganhou uma medalhinha de ouro sequer, se limitando a duas pratas e três bronzes. Por conta disso, o governo canadense decidiu investir em um programa chamado Own the Podium ("ganhe o pódio"), para formar atletas de alto nível para lutar pelo ouro olímpico. Até agora, o programa tem dado resultado - basta observar o desempenho dos atletas canadenses nas Olimpíadas mais recentes.

Seul 1988


Por quase duas décadas, os Jogos Olímpicos viveram um período conturbado. Em 1972, terroristas sequestraram e mataram atletas em plena Vila Olímpica. Em 1976, países africanos descontentes com uma excursão do time de rugby da Nova Zelândia à racista África do Sul decidiram boicotar os Jogos. Em 1980, foi a vez de os Estados Unidos e seus aliados capitalistas se recusarem a viajar para Moscou, oficialmente em protesto contra a invasão do Afeganistão pela União Soviética. O troco veio em 1984, quando os soviéticos conclamaram seus aliados a boicotar os Jogos de Los Angeles. E, para os Jogos de 1988, as perspectivas também não eram das melhores. Afinal, eles ocorreriam na Coréia do Sul.

Muita gente não deve ter entendido este "afinal", principalmente se for levada em consideração a Coréia do Sul que conhecemos hoje; mas, na época, as coisas eram um pouco diferentes. Originalmente parte do Império Chinês, a Coréia se tornou um país independente em 1895. A liberdade durou pouco, já que em 1910 o país foi invadido pelo Japão, que o anexou sob o nome de Chosun - muitos atletas nascidos na Coréia, inclusive, tiveram de defender o Japão nas Olimpíadas no período em que o país esteve anexado. A Coréia só se livraria do domínio japonês após a Segunda Guerra Mundial, quando cairia em uma nova situação delicada: assim como fizeram com a Alemanha, os vitoriosos da Guerra, Estados Unidos e União Soviética, decidiram dividir a Coréia em duas. Usando como base o Paralelo 38, foram criados dois novos países: a Coréia do Norte, comunista, e a Coréia do Sul, capitalista.

Na divisão, o Norte levou vantagem: era mais industrializado, contava com mais cidades, e tinha uma forte sensação de unidade, ao contrário do Sul, predominantemente rural e dividido por intensos conflitos tribais. Se aproveitando desta vantagem, em 1950 o Norte decidiu invadir o Sul, buscando dominá-lo e reunificar a Coréia. Os Estados Unidos, evidentemente, se opuseram, e enviaram suas tropas para defender o lado capitalista. Começava então a Guerra da Coréia, que se encerraria três anos depois, graças a muita diplomacia, com um armistício.

Com o apoio dos Estados Unidos, o Sul se industrializou de forma rapidíssima, e na década de 60 já era um dos maiores exportadores de tecidos, automóveis e equipamentos eletrônicos do planeta. Na política, porém, as coisas eram menos agradáveis: em 1961, Park Chung-Hee instalou uma ditadura sangrenta, que só foi encerrada quando o chefe da polícia secreta, Chun Doo-Hwan, o assassinou e tomou seu lugar em 1979, decretando lei marcial. E foi justamente sob o governo de Doo-Hwan que Seul apresentou ao COI sua candidatura a sede dos Jogos de 1988.

Como ainda estava na época em que ninguém queria se comprometer a sediar uma Olimpíada, a única oponente de Seul foi Nagóia, no Japão. Dizem as lendas que, sem problemas financeiros, o governo sul-coreano abriu os bolsos e gastou milhões de dólares em obras e benesses para impressionar os dirigentes do COI, que acabaram escolhendo sua capital como sede olímpica na reunião de 1981. Consta que Juan Antonio Samaranch, o espanhol Presidente do COI, ao abrir o envelope com o resultado da votação, arregalou os olhos e engoliu em seco, dizendo a assessores mais tarde: "o que fizemos, o que fizemos?"

Nem bem Seul foi escolhida para sede, a Coréia do Norte anunciou um boicote. Sob uma certa condição. Querendo aproveitar o sucesso dos vizinhos e rivais, o Norte exigiu que algumas das provas fossem disputadas em território norte-coreano, ou conclamaria os governos do mundo a boicotar os Jogos, que afinal de contas ocorreriam em uma ditadura. O protesto do Norte poderia ter sido considerado um mero chororô, mas acabou ganhando três aliados de peso, Itália, Cuba e a ONU, que sugeriu ao COI aceitar a idéia e levá-la adiante, visando a reunificação da Coréia. Entre 1985 e 1987, Samaranch se encontrou com representantes do Norte e do Sul, mas nenhum dos lados se mostrava interessado em uma reunificação, e ambos se mostravam irredutíveis - o Norte querendo provas lá, o Sul não querendo. Então, em 10 de junho de 1987, irrompeu um protesto monumental em Seul, com estudantes, operários, comerciantes e até políticos exigindo reformas na ditadura de Doo-Hwan. A polícia reagiu com brutalidade, e apenas por vontade divina não se perpetrou um massacre.

A esperança de Jogos Olímpicos na Coréia parecia cada vez mais distante, até que Doo-Hwan tomou uma atitude inesperada: em 1o de julho, decretou o fim de sua própria ditadura, e marcou eleições livres para dezembro. A Coréia do Sul já entrou em 1988 como uma democracia, tendo Roo Tae-Woo como presidente, e imediatamente se iniciaram as negociações diplomáticas para que o anunciado boicote da Coréia do Norte fosse esvaziado. Samaranch, mais uma vez, lançou mão do programa Solidariedade Olímpica, que dispunha de 25 milhões de dólares para fundear as despesas de viagem dos países mais pobres à longínqua Coréia do Sul. Samaranch ainda enviou convites personalizados a todas as nações integrantes do COI, ao invés dos convites padronizados usualmente remetidos pelos organizadores. A imprensa também fez sua parte, ressaltando a importância de um confronto Estados Unidos x União Soviética, Alemanha Ocidental x Oriental, Japão x China, após duas edições dos Jogos sem estas emoções. Samaranch até encontrou um aliado de última hora no representante da União Soviética no COI, Vitaly Smirnov, que declarou que "ninguém ganha com um boicote; perdem apenas as novas gerações". Acabou que o boicote organizado pela Coréia do Norte até existiu, mas só quem se juntou a ela foram Cuba, Etiópia, Nicarágua, Madagascar, Albânia e as Ilhas Seychelles.

Enquanto as negociações diplomáticas ocorriam, as obras na capital sul-coreana correram a todo vapor: tomando como exemplo os Jogos de 1984, os sul-coreanos colocaram um empreendedor, Park Seh-Jik, à frente do projeto, e arrecadaram com empresas privadas o dinheiro que o governo não conseguisse fornecer. Com um planejamento tipicamente oriental, os organizadores convenceram o COI a realizar as disputas na segunda metade de setembro, a época de clima mais agradável no ano naquela região do globo. Para montar a infraestrutura necessária, escolheram um terreno enorme, mas desprezado até pela especulação imobiliária, por ser considerado inútil e de difícil recuperação, às margens do Rio Han. Ali, erigiram o monumental Complexo Jamsil, um parque imponente e repleto de verde, onde ficavam o estádio utilizado para o atletismo e o futebol, um segundo estádio para futebol e hóquei, um estádio de beisebol e um centro aquático coberto. A apenas 3.500 metros dali fizeram o Complexo Olímpico, com outro centro aquático coberto, um velódromo, quadras de tênis, três ginásios, um museu, uma praça enorme e duas Vilas Olímpicas, uma para os atletas e outra para os jornalistas. Além destes dois complexos ainda seriam utilizadas as instalações dos estádios e ginásios de Dongdaemun e Changchung, além das universidades de Hanyang e Sungkyunkwan, mais raias artificiais no Rio Han para o remo e a canoagem. O planejamento foi tão eficiente que todas as instalações já estavam prontas e sendo testadas nos Jogos Asiáticos mais de um ano antes da abertura das Olimpíadas. Animadíssimos com a escolha de sua cidade, a população de Seul sozinha comprou antecipadamente quase 80% dos 4,7 milhões de ingressos à venda. O mascote escolhido para os Jogos, o tigre Hodori, foi um verdadeiro campeão de popularidade, vendendo mais de 500 mil bichos de pelúcia, além de camisetas, bonés, adesivos e pins, uma verdadeira febre no final dos anos 80. No fim, os Jogos de Seul consumiram o absurdo de 3,1 bilhões de dólares, mas talvez o mais absurdo seja que este valor foi integralmente pago antes mesmo de se encerrarem as competições, transformando Seul na terceira Olimpíada lucrativa da História, e acabando de vez com o desinteresse dos governos em indicar sedes para o evento.

Os Jogos de Seul se desenrolaram entre 17 de setembro e 2 de outubro, contando com a participação recorde de 159 nações, que enviaram 9.421 atletas, sendo 2.438 mulheres, para competir em 237 provas de 28 esportes: atletismo, basquete, boxe, canoagem, ciclismo, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, ginástica rítmica, handebol, hóquei, judô, levantamento de peso, luta olímpica, nado sincronizado, natação, pentatlo moderno, polo aquático, remo, saltos ornamentais, tênis, tênis de mesa, tiro com arco, tiro esportivo, vela e vôlei. Exagerados, os organizadores programaram nada menos que cinco esportes de demonstração: badminton, beisebol, boliche, taekwondo e as provas femininas do judô (clique aqui para ver todas as provas do programa). A cerimônia de abertura foi simples, mas tocante; seu ponto alto foi a entrada no estádio, carregando a tocha olímpica, de Sohn Kee-Chung, um senhor de 76 anos, vencedor da maratona dos Jogos de 1936, quando a Coréia ainda estava dominada pelo Japão. A platéia, desnecessário dizer, foi ao delírio quando o narrador do Estádio Olímpico anunciou de quem se tratava. A única gafe da cerimônia ocorreu após a pira ser acesa, quando os organizadores soltaram centenas de pombas brancas para celebrar a paz; muitas das pombas, talvez desorientadas com os aplausos e flashes, voaram diretamente para dentro da pira, e morreram queimadas.

Quiseram os organizadores ser a queima das pombas o único problema a ser enfrentado por Seul. Depois de contornar os dois maiores fantasmas dos últimos Jogos, o boicote e o terrorismo - um avião da Korean Airlines chegou a ser explodido quando sobrevoava a Birmânia, matando 115 pessoas, em protesto contra a realização dos Jogos, mas depois disto nenhum outro atentado aconteceu - a Coréia do Sul acabou revelando ao mundo um novo fantasma do esporte, bem mais difícil de ser combatido: o doping. Em outras edições dos Jogos, atletas já haviam sido desqualificados pelo uso de substâncias proibidas que aumentavam sua resistência, velocidade, massa muscular ou fôlego, mas em Seul ocorreu o primeiro caso de doping a ganhar as manchetes dos jornais e pôr em risco a seriedade do esporte. Em Seul, o canadense Ben Johnson, vencedor da prova dos 100 metros, considerada a mais nobre do atletismo, por sua vez considerado o carro-chefe dos Jogos Olímpicos ao lado da natação, perdeu a medalha pelo uso de esteróides anabolizantes.

Johnson, na verdade, nasceu na Jamaica, filho de uma família paupérrima, irmão de mais cinco. Quando tinha catorze anos, seus pais se separaram, e ele acabou se mudando com a mãe e três irmãos para o Canadá, onde foi descoberto pelo treinador Charlie Francis. Johnson começaria a competir em 1976, um ano após sua chegada ao Canadá, mas só ganharia projeção nos Jogos de 1984, quando conseguiu uma medalha de bronze nos 100 metros. Imediatamente se tornou rival do norte-americano Carl Lewis, vencedor da prova. Entre 1984 e 1985, Lewis venceu Johnson seis vezes. A partir daí, foi o canadense quem suplantou o rival em cinco ocasiões, incluindo o Mundial de 1987, quando Johnson quebrou o recorde mundial pela primeira vez. Lewis, porém, compartilhava com alguns amigos a desconfiança de que seu rival evoluía à base de anabolizantes, embora não tivesse como provar. A seu favor, Johnson tinha o fato de que passava em todos os exames anti-doping a que se submetia.

A final dos 100 metros de Seul foi um dos eventos mais aguardados da competição, não sobrando lugares no estádio nem nas escadarias. Johnson largou na frente, e manteve uma certa distância dos demais até a linha de chegada, que cruzou triunfante, com o braço direito erguido, indicador apontando o céu: novo recorde olímpico e mundial, enquanto Lewis se contentava com a prata. Terminada a prova, Johnson foi ao vestiário, providenciou o frasco de urina necessário ao exame anti-doping, saiu do estádio com a medalha no peito, e foi comemorar sua vitória em restaurantes e boates. Parecia não saber que, enquanto isso, nos laboratórios do COI, um dos frascos dava positivo para dopagem. Para preservar os atletas e evitar má-fé, os frascos não são identificados, de forma que, quando um deles dá positivo, o coordenador do programa anti-doping - na ocasião, o Príncipe Alexandre de Merode, da Bélgica - é chamado, para consultar uma lista, descobrir a que atleta pertence aquele frasco, e avisar ao chefe da delegação correspondente, para que este esteja presente no exame da contra-prova. O Príncipe assim o fez, e Carol Ann Letheren, a chefe da delegação canadense, decidiu chamar Johnson, que dormia em um hotel, para ter uma chance de se defender caso a contra-prova também desse positivo, o que, de fato, aconteceu.

Johnson se tornou o 40o atleta flagrado no anti-doping, e com certeza o mais famoso. Assumiu o erro, e pediu aos jovens atletas que não seguissem seu exemplo. Francis, seu treinador, também declarou tê-lo influenciado a recorrer ao doping, pois, segundo ele, cada vez mais atletas aderiam a esta prática e, se ele não o fizesse, ficaria para trás. Constatada a culpa de Johnson por uma comissão instituída pelo governo canadense, o atleta teve não somente sua medalha cassada, mas também seu recorde mundial de 1987, e foi suspenso por dois anos. Nunca mais conseguiu se recuperar, abandonando as competições de alto nível.

Antes de Johnson, dois outros atletas, dois búlgaros do levantamento de peso, haviam sido flagrados em Seul, o que motivou a desistência da Bulgária de todas as categorias desse esporte. Além destes três casos, houve a que pode ser considerada a maior desconfiança de toda a história do atletismo, embora nada jamais tenha sido provado, a que se gerou em torno da norte-americana Florence Griffith-Joyner. Também de família pobre, sétima de onze filhos, Florence teve uma adolescência problemática, até ser descoberta pelo treinador Robert Kersee, que em 1982 a convenceu a praticar o atletismo. Florence teve alguns resultados pouco expressivos até os Jogos de 1984, quando além de ganhar a medalha de prata nos 200 metros, chamou a atenção do mundo por suas unhas multicoloridas e compridíssimas, figurino bem mais sexy que das oponentes, e pelo rosto sempre cheio de maquiagem.

Depois desta prata, porém, Florence não conseguiu mais nada de expressivo, e chegou a abandonar o atletismo e trabalhar como caixa de banco até 1986, quando se casou com o medalhista de ouro no salto triplo de 1984 Al Joyner, irmão da medalha de prata no heptatlo de 1984, Jackie Joyner-Kersee, esposa de seu antigo treinador. Al Joyner começou a treinar Florence, que conseguiu uma nova prata no mundial de 1987, se credenciando para a disputa olímpica em 1988.

Em Seul, Florence ganharia nada menos que três ouros, nos 100 e 200 metros e no revezamento 4 x 100 metros, além de uma prata no revezamento 4 x 400 metros. Após a desclassificação de Ben Johnson, porém, muitos começaram a desconfiar de sua performance, boa demais para alguém que havia ficado dois anos afastado do esporte e voltado a competir apenas dois anos antes dos Jogos. Somado a isso ainda havia o fato de que Florence e Johnson eram amigos íntimos, que frequentemente se aconselhavam, e começaram a obter resultados impactantes na mesma época - além, é claro, de possuir uma massa muscular considerável até mesmo para um atleta de ponta; Florence, inclusive, se assemelhava mais a uma fisiculturista que a uma velocista. Como Florence era casada com o irmão de Joyner-Kersee, acabou sobrando também para ela, que ganhou dois ouros, no heptatlo e no salto em distância. Para a felicidade das cunhadas, nada jamais foi provado, mas a desconfiança persiste até hoje, agravada pelo fato de que Florence decidiu se aposentar prematuramente, em fevereiro de 1989, coincidentemente na mesma época em que o exame anti-doping passou a ser obrigatório em todas as competições. Florence faleceu em 1998, oficialmente de um ataque epilético causado por um defeito congênito no cérebro, que fez com que ela se sufocasse com o travesseiro enquanto dormia. Para os desconfiados, os anabolizantes cobraram seu preço.

Mas nem tudo foi problemas em Seul. Carl Lewis, por exemplo, aumentou sua coleção de medalhas com um ouro no salto em distância e uma prata nos 200 metros, além do ouro que herdou de Johnson nos 100 metros. Nas piscinas, Michael Gross não conseguiu reprisar seu feito de quatro anos antes, mas ainda assim levou um ouro nos 200 metros borboleta e um bronze no revezamento 4 x 100 metros livre; Vladimir Salnikov, ouro nos 1.500 metros em 1980 reprisou a medalha oito anos depois; e Greg Louganis teve mais uma exibição magistral, ganhando os ouros da plataforma e do trampolim, o primeiro após um salto conhecido como o "Salto da Morte", o segundo após bater a cabeça no trampolim e assustar a todos os presentes. Louganis se recuperou e venceu a prova, mas causou polêmica ao revelar, bem depois da prova, que era portador do vírus da AIDS. Depois de Seul, Louganis encerrou sua carreira esportiva, e passou a trabalhar como modelo.

Ainda nas piscinas, o grande destaque da natação masculina foi o norte-americano Matt Biondi, cinco ouros, nos 50 e 100 metros livre, revezamentos 4 x 100 e 4 x 200 metros livre e 4 x 100 metros medley, prata nos 100 metros borboleta e bronze nos 200 metros livre. Nos 100 metros borboleta, Biondi perdeu o ouro para o primeiro negro a conseguir um ouro em toda a história da natação olímpica, Anthony Nesty, do Suriname, que após ganhar a prova por uma diferença de um centésimo, atribuiu a vitória ao hábito de usar as unhas mais compridas que as dos demais nadadores. Nos 100 metros costas, um nadador também resolveu inventar moda, mas não foi tão bem sucedido: o norte-americano David Berkoff tomava um grande fôlego antes da largada, e percorria dois terços da ida na piscina por baixo da água, combinando as braçadas do nado de costas com as pernadas do borboleta, e conseguindo mais velocidade que seus rivais. Com esta técnica, Berkoff se tornou o primeiro homem a nadar os 100 metros costas em menos de 55 segundos, e em uma das eliminatórias ainda quebrou o recorde olímpico e mundial, mas na final foi surpreendido pelo japonês Daichi Suzuki, que venceu a prova por 13 centímetros. Depois de Seul, a Federação Internacional de Natação decidiu proibir o estilo de Berkoff, limitando a quinze metros a distância que os nadadores podem percorrer debaixo d'água após a largada.

Outro atleta que merece destaque na natação é o húngaro Tamas Darnyi, ouro, recorde olímpico e mundial tanto nos 100 quanto nos 200 metros medley. No feminino, a volta das meninas da Alemanha Oriental, ausentes em 1984 por conta do boicote, revelou uma nova menina prodígio, Kristin Otto, 22 anos, conhecida pelos ombros impressionantemente largos, ganhadora de seis ouros, nos 50 e 100 metros livre, 100 metros borboleta, 100 metros costas e nos revezamentos 4 x 100 metros livre e medley. A Alemanha Oriental ainda ganhou quatro outros ouros com quatro outras atletas diferentes, fazendo dez de quinze possíveis, sendo que três dos perdidos foram para a mesma oponente, a norte-americana Janet Evans, 17 anos, ouro nos 400 e 800 metros livre e 400 metros medley. Mas o ouro mais inesperado e impressionante de todos foi para Tania Dangalakova, da Bulgária, nos 100 metros peito, uma nadadora de 24 anos que nos intervalos das competições amamentava seu filho recém-nascido.

Já que estamos falando das mulheres, podemos citar que, na equitação, pela primeira vez as três medalhas do adestramento foram para amazonas, ficando Nicole Uphoff, da Alemanha Ocidental, com o ouro, a francesa Margit Otto-Crépin com a prata, e a suíça Christine Stueckelberger, ouro em 1976, com o bronze. Nos saltos ornamentais, os ouros foram para duas adolescentes chinesas, Xu Yanmei, de dezessete anos, na plataforma, e Gao Min, dezoito, no trampolim. Na ginástica, a romena Daniela Silivas subiu ao pódio em todas as modalidades, conquistando o ouro nas barras assimétricas, trave de equilíbrio e exercícios de solo, prata nos combinados individual e por equipes, e bronze no salto sobre o cavalo, conseguindo ainda quatro notas 10 nas barras assimétricas. Mas proeza mesmo foi a de Christa Luding-Rothenburger, da Alemanha Oriental, prata no sprint do ciclismo. Se vocês subirem um pouquinho a página, vão ver que ela também ganhou um ouro e uma prata na patinação no gelo em velocidade em Calgary. Graças a estas três medalhas, Christa entrou para história como a primeira e única pessoa a ganhar medalhas em Olimpíadas de Inverno e de Verão no mesmo ano.

O ciclismo aliás, foi um dos esportes mais emocionantes, graças a uma nova regra que limitava a apenas um atleta por nação em cada prova. No sprint masculino, por exemplo, a Alemanha Oriental teve de realizar antes dos Jogos uma mini-seletiva entre o campeão de 1980, Lutz Hesslich, e o recordista mundial Michael Huebner. Hesslich ganhou e não decepcionou, trazendo seu segundo ouro sem encontrar adversários. Outra prova que merece destaque é a dos 1.000 metros contra o relógio, onde todos esperavam ansiosamente por mais uma vitória de um alemão oriental, Maic Malchow, recordista mundial desde 1983, e que não pôde participar em 1984 por causa do boicote. Malchow acabou decepcionando, terminando em sexto lugar, mas o soviético Aleksandr Kirichenko deu um show, ganhando o ouro mesmo depois de furar o pneu quando ainda faltava um terço da prova, e terminá-la com ele quase vazio.

Uma das atitudes mais lembradas de 1988 foi a do velejador canadense Lawrence Lemieux, classe Finn, que estava em segundo lugar na última regata, com chances de ganhar uma medalha de prata, mas, vendo que os velejadores do barco de Cingapura da classe 470 haviam caído ao mar e se ferido com um vento forte, abandonou seu curso e foi salvá-los. Lemieux esperou pelo barco da organização, ajudou a transferir os velejadores feridos para ele, e retornou à sua regata, onde terminou em 22o lugar, perdendo totalmente qualquer chance de medalha. Por seu heroísmo, porém, durante a cerimônia de premiação Samaranch o premiou com a Medalha Pierre de Coubertin, conferida apenas aos atletas que demonstram o verdadeiro ideal olímpico.

O ideal olímpico, infelizmente, quase foi deixado de lado nas competições do boxe: na categoria dos médios-ligeiros, os juízes favoreceram descaradamente o pugilista sul-coreano Park Si-Hun, dando a ele a vitória por três votos a dois e a medalha de ouro, diante do norte-americano Roy Jones, que não somente lutou bem melhor como foi alvo de cabeçadas, mordidas e golpes baixos de Si-Hun sumariamente ignorados pelos árbitros. Fato igualmente lamentável ocorreu na semifinal dos galos, onde, após Byun Jong-Il ser desclassificado pelo árbitro neozelandês Keith Walker por dar uma cabeçada em seu oponente, o búlgaro Alexander Hristov, seu treinador, Lee Heung-Soo, decidiu invadir o ringue e agredir o árbitro pelas costas. Não somente ninguém impediu como outros membros da delegação sul-coreana gostaram da idéia e também foram participar da pancadaria. Walker apanhou por meio minuto até que o chefe da arbitragem, o búlgaro Emil Jechev, conseguisse entrar na arena acompanhado de seguranças para impedir o linchamento. Jechev acabou apanhando também, sob alegação de favorecimento a Hristov, e Jong-Il decidiu fazer um protesto: sentou no meio do ringue e lá ficou por mais de uma hora, querendo que o resultado da partida fosse revertido e que ele avançasse para a final. Evidentemente, o protesto não deu em nada, Jong-Il foi pra casa, e Hristov acabou perdendo o ouro para o norte-americano Kenndy McKinney. Mas felizmente nem tudo foi roubo e confusão no pugilismo, que viu a primeira vitória de um negro africano neste esporte, o queniano Robert Wangila nos meio-médios; a primeira medalha de um australiano com Graheme Cheney, prata nos meio-médios ligeiros; e o ouro do canadense Lennox Lewis, futuro campeão profissional, nos superpesados.

Após um hiato de 64 anos, durante os quais só apareceu duas vezes como esporte de demonstração, o tênis voltou ao programa olímpico, e viu uma exibição de gala da alemã ocidental Steffi Graf, dezenove anos, ouro nas simples e bronze nas duplas. Graf ganhou o ouro de Seul derrotando na final a ídolo argentina Gabriela Sabatini, mas seu feito se torna ainda mais impressionante se somado ao fato de que, em 1988, ela também ganhou os quatro Grand Slams, os torneios mais importantes da temporada do tênis, se tornando a única tenista, no masculino ou feminino, a completar o Golden Slam. Falando em tênis, em Seul estreou nas Olimpíadas o tênis de mesa, que os organizadores malandramente incluíram no programa por terem grandes chances de ganhar medalhas. De certa forma, o plano sul-coreano foi frustrado por seus vizinhos chineses: a Coréia do Sul terminou o torneio com ouro e prata nas simples masculinas, bronze nas duplas masculinas e ouro nas duplas femininas, enquanto a China faria ouro nas duplas masculinas, prata nas duplas femininas, e o pódio inteiro nas simples femininas.

Nos esportes coletivos, a União Soviética ganhou o ouro do basquete após despachar o último time universitário dos Estados Unidos a participar de uma Olimpíada na semifinal, e ganhar da favoritíssima Iugoslávia na final, graças a um time cuja base era de três excelentes jogadores lituanos, dentre eles o ídolo Arvydas Sabonis. Os Estados Unidos, pelo menos, ganharam no feminino de forma invicta, dominando todos os seus jogos. Os Estados Unidos surpreenderam no vôlei, repetindo o ouro do masculino de 1984, desta vez com todos os comunistas participando, inclusive a União Soviética, que perdeu para os americanos na final; outra surpresa deste torneio foi um bronze da Argentina, que até então não havia conseguido resultados expressivos neste esporte. No feminino, a União Soviética ficou com o ouro ao derrotar uma surpreendente equipe do Peru, que até então estava invicta. No hóquei masculino a Grã-Bretanha ganhou um novo ouro após 68 anos, derrotando a Alemanha Ocidental na final, enquanto no feminino a Austrália subiu ao local mais alto do pódio, deixando a Coréia do Sul em segundo - a Holanda foi bronze nos dois campeonatos. No handebol masculino, a União Soviética ganhou a final contra a Coréia do Sul, campeã do feminino após derrotar a Noruega, deixando os soviéticos em terceiro; no pólo aquático a Iugoslávia, apesar de só contar com seis dos atletas campeões de 1984, conseguiu reprisar o ouro, perdendo apenas uma partida, para os Estados Unidos, que ficaram com a prata; e no futebol, apesar de uma excelente campanha do Brasil, que todos apontavam como favorito, o ouro foi mais uma vez para os soviéticos, que derrotaram os brasileiros na prorrogação da final.

Já que falamos no Brasil, passemos ao desempenho da delegação nacional, a maior de todos os tempos, com 172 atletas, sendo 34 mulheres, tamanho talvez justificado pela animação após o bom desempenho em Los Angeles, mas muito criticado pela presença de vários atletas sem chance nenhuma de sucesso, e por submeter vários cavalos da equipe nacional de equitação a uma demoradíssima viagem de navio. De fato, se compararmos os resultados de Seul com os de Los Angeles, uma delegação deste tamanho parece exagerada. Mas isso não quer dizer que o desempenho do país tenha sido ruim.

Como de praxe, houver grandes decepções, a maior delas no futebol, que levou a seleção favorita, dirigida por Carlos Alberto Silva e com nomes como Taffarel, Romário e Bebeto. O Brasil despachou todos os seus adversários, começando na fase de classificação por Nigéria, Austrália e Iugoslávia, passando nas quartas de final pela Argentina, e derrotando, nos pênaltis, a Alemanha Ocidental na semifinal. Na final, contra a União Soviética, o Brasil saiu na frente, com um gol de Romário, mas no segundo tempo, graças a um pênalti, os soviéticos empataram. O Brasil então perdeu inúmeras oportunidades de gol, e o jogo foi para a prorrogação, que permaneceu empatada, com chances desperdiçadas de ambos os lados, até que, a um minuto do fim, graças a uma bobeira da defesa, a União Soviética marcou e decidiu o jogo, adiando mais uma vez a conquista do ouro olímpico para o futebol brasileiro.

No vôlei, a Geração de Prata de Los Angeles vivia uma difícil transição, principalmente por não se adaptar a um técnico sul-coreano contratado para dirigir a equipe. Às vésperas dos Jogos, o time se rebelou e conseguiu a volta de Bebeto de Freitas, mas mesmo assim não conseguiu uma boa campanha, perdendo na primeira fase para a Coréia do Sul, na semifinal para os Estados Unidos, e na disputa do bronze para a Argentina, terminando em quarto lugar. O basquete, campeão pan-americano em 1987 e único time a vencer os Estados Unidos dentro dos Estados Unidos, com um time que contava com nomes como Guerrinha, Israel e Oscar, fez uma boa participação, mas perdeu dos Estados Unidos e da Espanha na primeira fase, e da União Soviética nas quartas de final, terminando em quinto lugar. E de certa forma também foi uma decepção a prata de Joaquim Cruz nos 800 metros do atletismo, já que quatro anos antes ele havia ganhado o ouro na mesma prova. Esta prata acabou surgindo de uma tática equivocada: como dois brasileiros haviam se classificado - Cruz e Zequinha Barbosa - o treinador Luís Alberto de Oliveira optou por uma tática de equipe, onde Zequinha estabeleceria o ritmo da prova na primeira metade, evitando a arrancada do marroquino Saïd Aouita, invicto desde 1985, para depois ir desacelerando e guardando forças para um sprint decisivo, enquanto Joaquim Cruz utilizava sua tática habitual de acompanhar os líderes e arrancar com passadas largas perto do final. O treinador imaginava que, assim, conseguiria colocar os dois brasileiros no pódio, mas na hora da prova Zequinha resolveu ficar mais tempo que o necessário liderando, e acabou se cansando, não conseguindo dar a arrancada final, e terminando em sexto lugar. Cruz manteve o planejamento original, e de fato liderava a prova até faltar cinquenta metros, quando, ao ver que Aouita não tinha mais forças para alcançá-lo, decidiu reduzir o ritmo. Infelizmente, o desconhecido queniano Paul Ereng veio em uma arrancada velocíssima e o ultrapassou, deixando Cruz com a prata.

Além destas duas pratas, o Brasil ainda conseguiu três bronzes: um no atletismo, com Robson Caetano nos 200 metros, chegando à frente do mais cotado britânico Lindford Christie; e dois na vela, o primeiro com Torben Grael e Nelson Falcão na classe Star, que lideraram a disputa até a última regata, mas infelizmente a terminaram em oitavo, perdendo muitos pontos; e o outro com Lars Grael e Clínio de Freitas na classe Tornado, que perderam a prata para um barco da Nova Zelândia por uma diferença ínfima. Mas felizmente não foi só isso: o Brasil também conseguiu sua primeira medalha de ouro no judô, com Aurélio Miguel nos meio-pesados. Lutando sempre com tranquilidade e confiança, Aurélio deixou esgotar o tempo de todos os seus combates, mas sempre levou a melhor na decisão dos jurados, graças à sua qualidade técnica.

Seul foi o palco do último combate esportivo entre capitalismo e comunismo. Antes da Olimpíada seguinte, a União Soviética se desmancharia, a Alemanha se reunificaria, e o mapa esportivo do mundo seria alterado. Mais do que isso, a Olimpíada seguinte veria uma mudança no próprio conceito de esporte olímpico, cunhado há quase um século pelo Barão de Coubertin: a partir de 1992, começariam a competir os profissionais.

Série Olimpíadas

Calgary 1988
Seul 1988

0 Comentários:

Postar um comentário