Na reunião do COI de 1966, ficou decidido que finalmente uma Olimpíada de Inverno aconteceria fora da Europa e dos Estados Unidos, quando foi escolhida a cidade japonesa de Sapporo para sediar o evento. De certa forma, foi corrigida uma injustiça, já que Sapporo havia sido a primeira escolha para sede dos Jogos de 1940, dos quais teve de abrir mão devido à guerra entre o Japão e a China, e que acabariam cancelados por causa da Segunda Guerra Mundial. Para ser escolhida, Sapporo venceu as cidades de Åre, na Suécia; Banff, no Canadá; e Salt Lake City, nos Estados Unidos.
Realizados entre 3 e 13 de fevereiro, os Jogos de Inverno de 1972 contaram com a participação de 1.006 atletas, sendo 205 mulheres, que representaram 35 nações em 35 provas de 10 esportes: biatlo, bobsleding, combinado nórdico, esqui alpino, esqui cross country, hóquei no gelo, luge, patinação artística no gelo, patinação no gelo em velocidade e saltos com esqui (clique aqui para ver todas as provas do programa). As cerimônias de abertura e encerramento ocorreram no Makomanai, na verdade um estádio de futebol, mas nem por isso foram menos belas. O único problema em relação às instalações foi com as pistas de esqui e bobsleding, escavadas diretamente em uma montanha próxima, o que demandou um grande esforço e levou um certo tempo para ficar pronto. Assim como em 1964, os japoneses utilizaram todas as novidades tecnológicas que conseguiram inventar para facilitar a vida dos atletas e árbitros, e fazer com que a transmissão do evento pela televisão fosse a melhor possível.
A única coisa que não foi novidade foi a briga do COI contra os supostos profissionais. Três dias antes da abertura do evento, o norte-americano Avery Brundage, presidente do COI, havia ameaçado banir dos Jogos vários esquiadores, acusados de receber dinheiro de fabricantes de esquis para utilizar seus equipamentos - jogadores de hóquei que comprovadamente não tinham outra profissão, por outro lado, nem foram incomodados. Os esquiadores fizeram um grande protesto, mas felizmente a idéia de Brundage não foi para a frente, e apenas um atleta acabou sendo impedido de participar, o austríaco Karl Schranz, curiosamente o protagonista do episódio do "homem de preto" de quatro anos antes. Detalhe: os Jogos de 1972 foram os últimos em que um esquiador ganhou medalhas utilizando esquis de madeira; a partir de então, todos os atletas de alto nível passariam a utilizar modernos esquis de fibra de vidro, produtos das companhias acusadas de patrociná-los.
As denúncias de profissionalismo no hóquei podem não ter levado a punições do COI, mas tiveram uma conseqüência grave: desde 1969, em protesto contra os falsos amadores do leste europeu, o time do Canadá, um dos mais fortes, anunciou que se recusaria a disputar qualquer competição em que um destes times estivesse envolvido - e isto, evidentemente, incluía as Olimpíadas. Os Jogos de 1972, portanto, foram os primeiros sem a participação do Canadá, o que abriu caminho para um fácil ouro invicto - quatro vitórias e um empate com a Suécia - da União Soviética, com os Estados Unidos em segundo e a Tchecoslováquia em terceiro. O Canadá só voltaria às competições internacionais em 1980, após uma licença do COI para que profissionais pudessem disputar este esporte em Olimpíadas.
O Japão, que jamais havia ganhado um ouro em Olimpíadas de Inverno, fez bonito na disputa dos saltos com esqui, prova da colina baixa, onde conseguiu todas as três medalhas. Yukio Kasaya ganhou o ouro, quase dez pontos à frente de seu compatriota Akitsugu Konno, cinco pontos à frente de Seiji Aochi, que por sua vez somou quatro pontos a mais que o quarto colocado. Desnecessário dizer, a platéia foi ao delírio com a performance dos japoneses.
Mas o Japão parou por aí, ao contrário da União Soviética, mais uma vez a recordista de títulos dos Jogos. A principal atleta soviética foi Galina Kulakova, que ganhou três ouros no esqui cross country, nas distâncias de 5 e 10 km e no revezamento 3 x 5 km. Outras duas medalhas vieram do cross country, com o revezamento 4 x 10 km e com Vyacheslav Vedenin nos 30 km, o primeiro homem soviético a ganhar uma prova de cross country. Completaram o quadro de ouros soviéticos a dupla da patinação artística Irina Rodnina e Aleksei Ulanov, e a equipe do revezamento 4 x 7,5 km do biatlo.
O biatlo, aliás, teve seu primeiro bicampeão, o norueguês Magnar Solberg, ouro nos 20 km. Os alemães mandaram no trenó, com os atletas do luge da Alemanha Oriental ganhando as seis medalhas do individual - três do masculino e três do feminino - e mais o ouro do trenó de duplas masculino; e os da Alemanha Ocidental fazendo ouro e prata no bobsleding de duplas e bronze no de quatro ocupantes. Outros destaques do evento foram a suíça Marie-Thérès Nadig, dois ouros no esqui alpino, na descida e no slalom gigante; e o patinador holandês Ard Schenk, três ouros na velocidade, distâncias de 1.500, 5.000 e 10.000 metros. E a maior surpresa ficou por conta do espanhol Francisco Fernandez Ochoa, apelidado Paquito, ganhador do ouro no slalom do esqui alpino, um segundo à frente do favorito, o italiano Gustav Thöni. A medalha de Paquito é o único ouro da Espanha em Olimpíadas de Inverno até hoje, e uma das duas únicas medalhas do país - a outra foi um bronze em 1992.
Os Jogos de Inverno de 1972 foram um belo evento, mas o mundo ainda era um lugar maluco para se viver - e infelizmente isso seria comprovado sete meses depois, durante as Olimpíadas de Verão.
Na manhã do dia 5 de setembro de 1972, oito terroristas palestinos conseguiram burlar a segurança da Vila Olímpica de Munique, Alemanha Ocidental, e invadiram o prédio onde se alojava a delgação de Israel. Moishe Weinber, treinador da luta greco-romana e agente do serviço secreto israelense, percebeu o que acontecia e tentou escapar - morreu esfaqueado e metralhado. Joseph Romano, halterofilista, reagiu ao ataque, e acabou também assassinado. Outros nove israelenses - dois halterofilistas, dois lutadores, três técnicos e dois fiscais de prova - foram feitos reféns. Liderados por um dos engenheiros que trabalhara na construção da Vila, os terroristas exigiam a libertação de 236 palestinos presos em Israel, além de um avião para levá-los, em segurança, para fora do país. Pela primeira vez as Olimpíadas eram manchadas simultaneamente pela política, pelo terrorismo e pelo ódio racial. Os desdobramentos do episódio, porém, seriam piores do que as autoridades poderiam imaginar.
Minutos após a ação dos criminosos, o prédio já estava cercado por jornalistas e policiais, acompanhados de Hans Dietrich Genscher, o Ministro do Interior da Alemanha Ocidental, que se ofereceu como negociador. O resto do mundo ainda ficaria algumas horas sem saber o que acontecia, e qual era a gravidade da situação. Israel, como era esperado, se recusou a negociar com os terroristas, responsabilizando a Alemanha Ocidental pela segurança dos reféns. O presidente do Comitê Olímpico Internacional, o norte-americano Avery Brundage, se recusou a interromper o evento, absurdamente declarando que as disputas esportivas continuariam, paralelamente às negociações. Na última reunião do COI, Brundage já havia comunicado sua decisão de deixar o cargo, e seu sucessor, Lord Killanin, um inglês radicado na Irlanda, já havia sido escolhido; mas Killanin só iria assumir o cargo após a Cerimônia de Encerramento, e Brundage considerava que qualquer atraso nos jogos devido ao episódio do sequestro seria uma mancha em seu currículo. Evidentemente, porém, era impossível seguir com os Jogos em meio àquela situação. Então, pela primeira vez, uma Olimpíada foi interrompida, durante 34 horas.
Sem conseguir chegar a uma solução para o impasse, a polícia de Munique combinou com o COI que simularia uma concessão aos terroristas: fingiria aceitar todas as suas revindicações, e os levaria de helicóptero ao aeroporto de Fuerstfeldbrueck, onde um avião os aguardaria para levá-los ao Cairo, onde seriam recebidos sem punições. Paralelamente, no aeroporto seria preparada uma emboscada, onde atiradores de elite esperariam para abater os terroristas e salvar os reféns.
O plano falhou miseravelmente. Para começar, eram apenas cinco atiradores para abater oito terroristas. Além disso, a chegada dos helicópteros - um trazendo os palestinos, outro os reféns israelenses - ocorreria à noite do dia 6 de setembro, e os atiradores não dispunham de miras infravermelhas para a pontaria noturna. Ao saltar de seu helicóptero, um dos terroristas percebeu a armadilha, e jogou uma granada no helicóptero que trazia os reféns, que explodiu. Abandonado o plano da tocaia, os atiradores iniciaram um tiroteio. Saldo da ação: dezesseis mortos - cinco terroristas, um atirador, mais os nove reféns e o piloto de seu helicóptero.
Envergonhado e angustiado, o presidente do comitê organizador, Willi Daume, para desespero de Brundage, pediu o cancelamento da Olimpíada, sendo apoiado pelos comitês da Holanda e da Noruega, que ordenaram que seus atletas abandonassem a Vila e retornassem a seus países de origem. Munique, porém, havia desprendido muito esforço e muito dinheiro para ver seu evento acabar abruptamente. A cidade havia sido escolhida na reunião do COI de 1966, vencendo Detroit, Madrid e Montreal, graças a um ousado e arrojado projeto de reurbanização, que visava transformar em parque olímpico um terreno de 300 hectares onde estavam depositadas toneladas de sobras e ruínas da Segunda Guerra. A um custo monumental de três bilhões de dólares, a Prefeitura abriu mais de cem quilômetros de ruas e avenidas, levantou trinta pontes sobre o Rio Isar, construiu um lago artificial majestoso, implementou um sistema de metrô na cidade e ergueu um Estádio Olímpico maravilhoso, com teto de plástico e vidro transparente, que também seria usado na final da Copa do Mundo de 1974, além de um moderníssimo ginásio de doze mil lugares para o basquete, uma sensacional piscina com arquibancada para dez mil, um estádio de hóquei na grama, um velódromo, um ginásio exclusivo para o vôlei e uma raia para o remo. 169 câmeras, sendo cem a cores, fariam o televisionamento do evento, ajudadas por 21 caminhões-estúdio e trezentas torres de transmissão, uma delas com 290 metros de altura, capaz de enviar dois sinais diferentes simultaneamente aos satélites de telecomunicações. Parecia injusto que o ódio dos terroristas e a ação desastrada da polícia acabassem com isso tudo de uma hora para outra.
O COI, portanto, optou não por interromper a Olimpíada, mas por uma emocionante cerimônia em honra dos mortos em pleno Estádio Olímpico. Após a execução da Abertura Egmont de Beethoven, o chefe da delegação de Israel, Schmeul Lalkin, fez um belo discurso, onde agradeceu ao COI pela homenagem, e culpou a polícia de Munique pelo desastre. De certa forma, este discurso salvou os Jogos, apesar de uma tentativa de Brundage em sentido contrário: ao invés de se limitar aos acontecimentos, Brundage resolveu aproveitar seu discurso para criticar as nações africanas: assim como a África do Sul, a Rodésia também se encontrava proibida de participar dos Jogos, devido a políticas racistas de seu governo, mas, pouco antes do evento de 1972, Brundage decidiu readmitir a Rodésia, assim como havia feito com a África do Sul quatro anos antes. As nações da África, então, decidiram que não se oporiam à sua participação, desde que seus atletas fossem nativos. Quando a delegação da Rodésia embarcou em direção à Alemanha Ocidental, porém, quase a totalidade de seus atletas eram brancos, descendentes de seus colonizadores britânicos, ou britânicos que optaram pela cidadania rodésia. Imediatamente, 32 nações africanas anunciaram um boicote aos Jogos, acompanhado por um protesto de inúmeras nações do resto do mundo. Acuado, Brundage voltou atrás e proibiu os atletas da Rodésia de competir. Mas, ao invés de deixar o assunto quieto, decidiu voltar a ele justamente no discurso em homenagem aos mortos do ataque terrorista. A situação só não degringolou de vez devido à diplomacia de Daume e Killanin.
No plano puramente esportivo, os Jogos de Munique foram um grande sucesso. Realizados entre 26 de agosto e 10 de setembro, contaram com a participação de nada menos que 7.147 atletas, sendo pela primeira vez mais de mil mulheres - 1.299 para ser mais exato. Esta gente toda representou nada menos que 122 nações, em 195 provas de 23 esportes: atletismo, basquete, boxe, canoagem, ciclismo, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, handebol, hóquei, judô, levantamento de peso, luta olímpica, natação, pentatlo moderno, polo aquático, remo, saltos ornamentais, tiro com arco, tiro esportivo, vela e vôlei; além de badminton e esqui aquático como esportes de demonstração (clique aqui para ver todas as provas do programa). Pela primeira vez foram disputados em Olimpíadas o handebol de quadra e a canoagem estilo slalom. Também pela primeira vez as Olimpíadas tiveram um mascote oficial, o cão dachshund Waldi, e pictogramas oficiais para representar os esportes, criados pelo designer Otl Aicher.
O maior destaque dos Jogos de 1972 veio da natação, o bigodudo norte-americano Mark Spitz, 22 anos, sete medalhas de ouro, sete recordes mundiais. Considerado arrogante e antipático por seus colegas e desconcentrado e indisciplinado por seus treinadores, a ponto de ter sido expulso do famoso Santa Clara Swim Club, Spitz já havia participado dos Jogos de 1968, onde planejava ganhar seis medalhas de ouro. Sua certeza era tanta que o acabou atrapalhando, e ele conseguiu apenas duas, nos revezamentos, além de uma prata e um bronze. Em 1972, Spitz decidiu não fazer alarde, e treinar exaustivamente para subir ao lugar mais alto do pódio em todas as provas que disputasse. Sua saga começou no dia 28 de agosto, quando ganhou o ouro nos 200 metros borboleta, e apenas uma hora depois do final da prova ajudou a equipe dos Estados Unidos a vencer o revezamento 4 x 100 metros livre. No dia seguinte, Spitz triunfaria mais uma vez, nos 200 metros livre, e em 31 de agosto teria uma nova jornada dupla, vencendo os 100 metros borboleta, e mais uma vez apenas uma hora depois conquistando o título do revezamento 4 x 200 metros livre. Dia 3 de setembro, Spitz disputou os 100 metros livre. Seu treinador chegou a tentar convencê-lo a desistir, pois seus rivais estavam bem menos desgastados, e mais valiam cinco ouros e cinco recordes mundiais em cinco provas do que em seis. Spitz, porém, confiante de seu sucesso, se apresentou adotando uma nova tática: ao invés de explodir no final, começou a prova já em ritmo alucinante, apenas administrando nas últimas braçadas para chegar ao sexto ouro e sexto recorde. Spitz encerraria sua gloriosa carreira olímpica no dia 4 de setembro, com mais um ouro e mais um recorde no revezamento 4 x 100 medley. Até hoje, ele é único atleta a ganhar sete ouros em uma mesma edição dos Jogos, e desde então muitos têm tentado igualá-lo, mas sem sucesso. O mais curioso é que um dos ouros de Spitz quase foi anulado por uma acusação de profissionalismo: ao vencer os 200 metros livre, ele decidiu comemorar calçando os tênis nas mãos, e batendo palmas com eles. Muitos o acusaram de ter recebido dinheiro do fabricante de calçados para este gesto, mas Spitz declarou que estava apenas feliz, e não conseguia pensar em nada além de brincar. Seu status de amador foi mantido, mas, curiosamente, após os Jogos Spitz abandonou a natação e a faculdade de odontologia para se tornar garoto-propaganda. A alegria de Spitz durante os jogos não foi manchada apenas por este episódio: o sequestro dos atletas israelenses ocorreu apenas um dia depois de seu último ouro. Sendo judeu, Spitz foi retirado de Munique às pressas, os Estados Unidos temendo que ele também pudesse ser alvo dos terroristas, e não pôde participar da festa de encerramento.
A natação ainda apresentou ao mundo outra menina-prodígio, a australiana Shane Gould, três ouros, três recordes mundiais, uma prata e um bronze, única pessoa até hoje a deter simultaneamente o recorde mundial de todas as distâncias existentes no nado livre, tudo isso aos quinze anos de idade. Outra recordista precoce foi Ulrike Meyfarth, da Alemanha Ocidental, ouro e recorde mundial no salto em altura aos 16 anos, até hoje a mais jovem a subir ao alto do pódio no atletismo. E não se pode esquecer de Liselott Linsenhoff, também da Alemanha Ocidental, primeira mulher a ganhar um ouro em uma prova individual da equitação, no adestramento.
Mas a musa dos Jogos veio mais uma vez da ginástica, a soviética Olga Korbut, 17 anos, cabelos presos em maria-chiquinhas. Originalmente uma reserva, Korbut entrou na competição graças à contusão de uma colega. Em sua primeira participação, nos exercícios combinados, um erro nas barras assimétricas faria com que ela ficasse em sétimo lugar; mesmo assim, ela se tornou a preferida das emissoras de televisão - nenhum outro atleta de 1972, nem mesmo Mark Spitz, apareceu tanto durante a cobertura do evento. No dia seguinte, nas disputas individuais, Korbut ganhou dois ouros e uma prata, além de inventar um novo movimento justamente nas barras assimétricas (batizado posteriormente de "Korbut Flip") e ajudar suas colegas soviéticas a chegar ao ouro por equipes.
Outro soviético de destaque foi Valeriy Borzov, apelidado "o iceberg galopante", vencedor dos 100 e dos 200 metros do atletismo, o primeiro de sua pátria a conquistar o ouro em provas de velocidade. Nos 100 metros, Borzov acabou beneficiado por uma confusão dos favoritos norte-americanos, que entenderam que as quartas-de-final da prova seriam realizadas às 19 horas, quando na verdade o seriam às 16, e acabaram desclassificados por não estarem presentes na largada.
Falando em confusões, os Jogos de 1972 tiveram muitas delas, como o favorito dos 3.000 metros steeplechase, o australiano Kerry O'Brien, perdendo uma sapatilha, escorregando em uma barreira e se espatifando dentro do fosso de água a apenas 200 metros do fim em uma das eliminatórias. Ou o erro dos delegados dos Estados Unidos, que ao inscrever Jim Ryun, um dos favoritos para os 1.500 metros, ao invés de fornecer seu melhor tempo nesta prova preencheram o formulário com seu melhor tempo na prova da milha, quase 20 segundos maior, já que a prova tinha quase 100 metros a mais. O resultado foi que Ryun, ao invés de ser cabeça-de-chave, caiu em uma eliminatória dificílima. Ainda assim, ele chegou aos mil metros com chances de se classificar, mas tropeçou no calcanhar de um adversário e levou um tombo. Ryun ainda se levantou e completou a prova aplaudidíssimo, mas ficou de fora da final.
Outra confusão monumental envolvendo os delegados norte-americanos tirou o ouro de Rick DeMont, vencedor dos 400 metros livre da natação. Um garoto de 16 anos, DeMont era asmático, e havia começado a praticar o esporte por recomendação médica. Tendo conseguido a vaga olímpica nas seletivas de seu país, preencheu a ficha de inscrição corretamente, inclusive a parte que dizia respeito a problemas de saúde e medicamentos utilizados. DeMont, porém, utilizava um medicamento que continha efedrina, substância banida pelo COI desde a Olimpíada anterior. O absurdo foi que nenhum dos médicos dos Estados Unidos, nem mesmo os que leram sua ficha, o alertaram de que ele não poderia competir após tomar este remédio. O resultado foi que DeMont venceu a prova, subiu ao pódio, recebeu a medalha, e três dias depois foi desclassificado por uso de efedrina. Em sua defesa, alegou que realmente tomara o medicamento, mas que ninguém o alertara que este era proibido. Em novo absurdo, a delegação norte-americana tirou o corpo fora, como se não soubesse que seu atleta ingeria aquele remédio, e até chegou a simular uma invasão ao quarto de DeMont na Vila Olímpica, para encontrar o remédio proibido que ele escondia - sobre o criado-mudo, à vista de todos.
Mas nenhuma confusão foi maior do que a que aconteceu na final do basquete. Disputavam o ouro dois inimigos mortais, Estados Unidos e União Soviética, sendo que os norte-americanos ganharam todos os ouros da modalidade desde 1936. Os soviéticos lideraram a partida até faltarem seis segundos, quando o placar estava 49 x 48. Então, em uma distração, Sasha Belov teve a bola roubada por Doug Collins, que sofreu falta. Faltando três segundos, Collins converteu dois lances livres, e os Estados Unidos passaram à frente pela primeira vez no placar, 50 x 49. Bola em jogo, o treinador soviético começou a gritar desesperadamente, e o ataque soviético terminou com um dos norte-americanos colocando a bola para fora, quando faltava apenas um segundo. Os americanos começaram a comemorar, e a rede de televisão ABC até já exibia o time como campeão, e o placar de 50 x 49 como final. O técnico soviético, porém, continuava a berrar e gesticular na direção da mesa. Segundo ele, havia pedido um tempo durante os lances livres de Collins, quando ainda faltavam três segundos, que a mesa não havia considerado. O árbitro da partida, o brasileiro Renato Righetto, e o chefe da cronometragem, o francês André Chopard, alegaram não ter ouvido o pedido de tempo, talvez devido ao barulho da torcida, e que agora era impossível voltar o cronômetro, pois já havia acontecido um novo ataque dos soviéticos depois do lance. Aí ocorreu a confusão: o presidente da FIBA, a Federação Internacional de Basquetebol, o inglês William Jones, decidiu interferir, e ordenar que o tempo fosse concedido, e o cronômetro retornasse aos três segundos. Evidentemente, o presidente da FIBA nada apitava em uma Olimpíada, mas, inexplicavelmente, Righetto e Chopard o obedeceram. O técnico norte-americano, então, colocou seus atletas agarrados nos soviéticos, em uma marcação onde nenhuma jogada ensaiada pudesse dar certo após a reposição de bola. A sorte, porém, não estava com os Estados Unidos: o jogador que repôs a bola fez um lançamento todo torto, que milagrosamente caiu nas mãos de Belov, que em três segundos se enfiou entre seus marcadores - segundo os norte-americanos, faltosamente - e arremessou. O jogo acabou, e durante um instante que pareceu durar quarenta anos, a bola rodou no aro. Até cair e dar a vitória aos soviéticos, 51 x 50. Os Estados Unidos ainda recorreram buscando a anulação destes últimos dois pontos, mas o júri de apelação da FIBA - com três dos cinco membros nascidos em países comunistas - rejeitou o recurso. Os norte-americanos então se recusaram a receber suas medalhas de prata, que estão até hoje em um cofre da FIBA.
Os árbitros também seriam acusados de beneficiar um atleta soviético no pugilismo, quando, logo na primeira luta da categoria médios-ligeiros, o norte-americano Reggie Jones massacrou Valeriy Tregubov, que terminou a pugna sangrando e com um olho fechado, e mesmo assim foi declarado vencedor. A platéia se revoltou, e vaiou o resultado por quinze minutos, atrasando a peleja seguinte. O maior pugilista de 1972, felizmente, não precisou da ajuda dos árbitros: o cubano Teófilo Stevenson, categoria pesados, futura lenda do esporte, demoliu seus adversários a caminho do primeiro de seus três ouros, inclusive o favorito norte-americano Duane Bobick, considerado sucessor de Joe Frazier e George Foreman, que jogou a toalha para não ser nocauteado.
No judô, o holandês Willem Ruska ganhou duas medalhas de ouro, na categoria pesados e na dos absolutos, aberta a atletas de qualquer peso. No hóquei, a Alemanha Ocidental encerrou o domínio de Índia e Paquistão, batendo este na final por 1 a 0, o que gerou um protesto dos paquistaneses, que jogaram um barril de água no presidente da Federação Internacional de Hóquei e foram suspensos por três anos. No futebol, a Polônia chegou ao ouro, com um time considerado um dos melhores de todos os tempos daquele país, futuro terceiro lugar na Copa de 1974. O finlandês Lasse Virén reviveu as antigas glórias de seus conterrâneos ao vencer os 5.000 e os 10.000 metros do atletismo, proeza que repetiria na Olimpíada seguinte. E um eco de 1968 se fez presente na prova dos 400 metros, quando os atletas negros Vincent Matthews e Wayne Collet, após receber suas medalhas de ouro e prata no pódio, ao invés de ouvir o hino e fitar a bandeira, decidiram conversar entre si, rir e brincar com as medalhas, como forma de protesto. Foram vaiadíssimos pelo público e, assim como Smith e Carlos quatro anos antes, banidos para sempre das Olimpíadas pelo COI, o que acabou prejudicando o revezamento 4 x 400 dos Estados Unidos.
O Brasil enviou a Munique 89 atletas, sendo 5 mulheres. A maior esperança de medalhas residia no futebol, que, afinal de contas, havia conseguido a posse definitiva da Taça Jules Rimet dois anos antes, no México, com uma exibição impecável. O time de juvenis enviado à Alemanha, porém, mesmo contando com futuros craques como Falcão e Dirceu, foi tristemente eliminado na primeira fase, após empatar com a Hungria e perder para Dinamarca e Irã. O basquete também não foi bem, perdendo para Estados Unidos, Austrália e Cuba na primeira fase, e se limitando ao sétimo lugar. O vôlei, por outro lado, mesmo terminando sua participação em oitavo, teve uma campanha considerada boa, pois terminou à frente de Estados Unidos e Cuba, seus maiores rivais da época, ouro e prata no Pan-Americano do ano anterior, quando o Brasil ficou com o bronze.
Falando em bronze, foram dois os conquistados em Munique, um com Nelson Prudêncio dos Santos no salto triplo, batido mais uma vez pelo soviético Viktor Saneyev, e desta vez também pelo alemão oriental Joerg Drehmel; e outro do judô, a primeira de muitas medalhas que este esporte traria ao Brasil, na categoria meio-pesados com Chiaki Ishii, que ainda ficaria em sétimo na categoria dos absolutos. Na natação, as equipes de revezamento conseguiram duas excelentes colocações, quarto lugar no 4 x 100 metros livre e quinto no 4 x 100 medley, em ambos quebrando o recorde sul-americano. Na vela, dois barcos também conseguiram quartos lugares, o de Reinaldo Conrad e Burkhard Cordes na categoria Flying Dutchman, e o de Joerg Bruder e Jan Willem Aten na categoria Star.
Felizmente, as Olimpíadas sobreviveriam à estupidez humana. Em seu discurso de encerramento do evento, já como presidente do COI, Lord Killanin criticou a invasão da política no esporte, principalmente o conflito ideológico entre Estados Unidos e União Soviética, cada vez mais empenhados em uma luta particular para cada um superar seu rival no número de medalhas de ouro. Killanin criticou ainda a mercantilização dos Jogos, sem saber de um dado preocupante: recebia de Brundage um COI falido, sem dinheiro suficiente em seus cofres para pagar três meses de salários de seus funcionários. Com muita diplomacia e uma empenhada busca de patrocínio, Killanin salvaria o COI da falência, e garantiria a sobrevivência das Olimpíadas. No plano político, porém, o inglês não seria tão bem-sucedido: a partir dos Jogos seguintes, uma série de boicotes mancharia as competições.
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Sapporo 1972 |
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