domingo, 19 de novembro de 2006

Escrito por em 19.11.06 com 0 comentários

Olimpíadas (XIV)

E hoje é dia de mais Olimpíadas!

Grenoble 1968


Na décima edição dos Jogos de Inverno, as Olimpíadas voltaram para a França, com a escolha para sede da bela cidade alpina de Grenoble. Para a alegria dos franceses, foi uma escolha tranquila - vencendo Calgary, no Canadá; Lahti, na Finlândia; Sapporo, no Japão; Oslo, na Noruega; e, adivinhem, Lake Placid, nos Estados Unidos - e desta vez não houve nenhum acidente, falta de gelo ou episódio controverso. O foco poderia ficar simplesmente no esporte, como sempre deveria ser.

Aliás, minto: houve pelo menos um fato controverso, mas este valeu por todos, sendo considerado até hoje a maior controvérsia da história das Olimpíadas de Inverno. Foi no esqui alpino, onde competiu o francês Jean-Claude Killy. Vencedor de 12 das 16 etapas da Copa do Mundo em 1966 e 1967, Killy era considerado não só a maior esperança de medalhas da França dentro de casa, mas também sério candidato ao chamado "Alpine Sweep", vencer as três provas da competição. A primeira destas três provas foi o downhill, onde Killy conquistou o ouro com meros oito centésimos de segundo sobre seu compatriota Guy Périllat. Em seguida veio o slalom gigante, que Killy venceu facilmente, mais de dois segundos de vantagem sobre o suíço Willy Favre. Restava então o slalom, onde Killy liderava com folgas até a vez do austríaco Karl Schranz competir. E foi aí que começou a controvérsia: no meio da prova, em um trecho onde havia uma certa neblina, Schranz saiu da pista e parou. Ele alegou que um estranho homem todo vestido de preto passou correndo à sua frente, o que fez com que ele se assustasse e errasse o caminho. Os fiscais decidiram permitir que ele tentasse novamente, e então ele fez um tempo melhor que o de Killy. Killy, porém, recorreu da decisão, e os fiscais, não encontrando nenhum sinal do tal homem de preto nas fitas da competição ou nas imediações do local, optaram por desclassificar Schranz e declarar Killy vencedor. Desnecessário dizer, a emenda saiu pior que o soneto, com Schranz acusando os fiscais de favorecimento aos donos da casa.

Homens de preto à parte, a transmissão da ABC, que praticamente acompanhou todos os passos de Killy e da patinadora artística norte-americana Peggy Fleming, única medalha de ouro dos Estados Unidos no evento, contribuiu para aumentar a popularidade das Olimpíadas de Inverno nos Estados Unidos, onde até então elas eram consideradas um evento secundário em relação aos Mundiais. Além disso, os Jogos de Grenoble foram os primeiros Jogos de Inverno transmitidos a cores, e trouxeram várias inovações: pela primeira vez as medalhas foram personalizadas, com pictogramas representando os esportes que premiariam; pela primeira vez os medalhistas tiveram de passar por exames anti-doping, para garantir que tivessem jogado limpo; pela primeira vez todas as mulheres inscritas tiveram de passar por exames de feminilidade, para garantir que não houvesse nenhum homem ou hermafrodita entre elas, o que poderia representar uma vantagem desleal. E pela primeira vez os Jogos tiveram um mascote, embora não-oficial: o esquiador Schuss, vendido sob a forma de bonequinhos e bottons para ajudar a arrecadar fundos para os Jogos.

SchussParticiparam dos Jogos de Inverno de Grenoble 1.158 atletas, sendo 211 mulheres, em 35 provas de 10 esportes: biatlo, bobsleding, combinado nórdico, esqui alpino, esqui cross country, hóquei no gelo, luge, patinação artística no gelo, patinação no gelo em velocidade e saltos com esqui (clique aqui para ver todas as provas do programa). 37 nações foram representadas, com o Marrocos fazendo sua primeira aparição - algo curiosa para um país tão quente - e as Alemanhas Ocidental e Oriental voltando a competir de forma separada, abandonando a idéia da Alemanha Unida.

A Alemanha Oriental, aliás, poderia ter ganhado as medalhas de ouro e prata do luge feminino, e ainda ter terminado com sua terceira atleta na quarta posição, mas as alemãs se utilizaram de um método inusitado para vencer: aqueceram as lâminas de seus trenós antes das provas, o que fazia com que o atrito com o gelo se tornasse menor, e o trenó descesse mais rápido. Acabaram desclassificadas. No mesmo luge, porém, outro atleta da mesma Alemanha Oriental entraria para a História, Thomas Köhler, campeão da prova individual em 1964, e que em 1968 se tornou o primeiro homem a ganhar o ouro tanto no trenó individual quanto no de duplas.

Na outra categoria de trenó, o bobsleding, o italiano Eugenio Monti, que em 1964 perdera a chance de ganhar o ouro ao altruisticamente ajudar seus rivais, desta vez conseguiu subir ao alto do pódio em ambas as categorias, no trenó de dois e de quatro homens. No de dois homens, os trenós da Itália e da Alemanha Ocidental concluíram sua última volta com o exato mesmo tempo, mas os juízes decidiram dar o ouro apenas para a Itália por esta ter feito o melhor tempo na volta de classificação.

Falando em empates, na patinação em velocidade a tradição dos empates continuou, com duas pratas sendo distribuídas nos 500 metros e nos 1.500 metros masculinos, e um incrível tríplice empate na segunda colocação dos 500 metros feminino. O alto do pódio, porém, foi bem variado, com um atleta diferente vencendo cada uma das oito provas.

No esqui cross country, o italiano Franco Nones se tornou o primeiro atleta a ganhar uma medalha de ouro neste esporte sem ter nascido na Escandinávia ou União Soviética. Mas o maior destaque deste esporte foi a sueca Toini Gustafsson: aos 30 anos de idade, ela venceu a prova dos 10 km com mais de um minuto de vantagem sobre a norueguesa Berit Mørdre Lammedal. Quatro dias depois, ela largou em último para a prova dos 5 km, mas a 1 km do final já estava a quatro segundos da líder, a soviética Galina Kulakova. Gustafsson apertou o passo, e venceu a prova com três segundos de vantagem. E na prova do revezamento 3 x 5 km, ela ajudou sua Suécia a ganhar a medalha de prata, conseguindo um recorde de trecho mais rápido da competição.

Por fim, o hóquei no gelo teve uma das tabelas mais curiosas da História dos Jogos Olímpicos: os oito times mais fortes da competição foram colocados no Grupo A, e os seis mais fracos no Grupo B. Os times jogariam dentro de cada grupo entre si, sendo que os do Grupo B disputariam da nona à décima-segunda posição, e a disputa pelas três medalhas ficaria restrita aos times do Grupo A. Não somente isso, mas o Grupo A também contaria como o Mundial de hóquei no gelo de 1968, e como o campeonato europeu de hóquei no gelo de 1968, mesmo tendo Estados Unidos e Canadá entre seus participantes. A União Soviética, ao vencer o torneio, ganhou três títulos de uma vez só, o olímpico, o mundial e o europeu. Felizmente, depois de 1968, a Federação Internacional de Hóquei no Gelo decidiu separar os campeonatos, o que deve ter facilitado muito a vida dos fãs.

Cidade do México 1968


Na reunião do COI de 1963, finalmente uma cidade da América Latina recebeu o direito de sediar uma Olimpíada. E essa escolha veio acompanhada de uma enorme controvérsia. Não que os presentes imaginavam que alguma das outras candidatas pudesse fazer uma Olimpíada melhor que a capital mexicana - além da Cidade do México, concorreram a francesa Lyon, Buenos Aires e Detroit - mas o fato de ter sido escolhida uma sede a 2.300 metros de altitude despertou certa preocupação nos médicos e treinadores. Os mais alarmistas imaginavam que inúmeras mortes iriam ocorrer em decorrência do ar rarefeito; os mais otimistas garantiam que três semanas de preparação em altitude semelhante eram suficientes para afastar qualquer risco de desastre. Felizmente, nenhuma tragédia se abateu sobre os atletas, mas os Jogos de 1968 realmente entraram para a História como uma das edições mais curiosas dos Jogos Olímpicos.

Embora o evento estivesse marcado para o mês de outubro, as confusões começaram já em fevereiro, quando o norte-americano Avery Brundage, presidente do COI, decidiu criticar a ONU, por ter pedido, em 1960, que o Comitê excluísse da prática olímpica a África do Sul, onde na época vigia a racista política do apartheid. Brundage achava um exagero banir um país dos Jogos "por tão pouco", e readmitiu a África do Sul para os Jogos de 1968. Imediatamente, surgiram ameaças de boicote de quase vinte países da África, dos principais atletas negros dos Estados Unidos, e até mesmo da União Soviética. Nem os organizadores mexicanos gostaram da idéia, embora não pudessem boicotar seu próprio evento. Tanta pressão levou Brundage a recuar, e excluir a África do Sul novamente dos quadros da entidade.

No plano político, o mundo fervia. Em abril, começou a Primavera de Praga, uma tentativa do governo da Tchecoslováquia de romper pacificamente suas ligações com a União Soviética. Em maio, estudantes franceses fizeram as Barricadas de Paris, uma manifestação seguida de uma greve descomunal. Ainda em maio, nos Estados Unidos, foi assassinado o líder ativista negro Martin Luther King; em junho, o ministro da justiça Robert Kennedy, irmão do ex-presidente John Kennedy, também seria alvo de um assassinato. Em agosto, tanques da União Soviética invadiriam Praga, esmagando a Primavera. E poucos dias antes dos Jogos, seria a vez de um protesto no México, onde mais de dez mil estudantes e professores expressavam sua indignação com o fato de milhões de dólares serem gastos em uma Olimpíada enquanto a maior parte da população mexicana passava fome, ser dissolvido com brutalidade pela polícia, o que resultou na morte de quase trezentas pessoas, no evento que ficou conhecido como o Massacre de Tlatelolco. Nas estatísticas oficiais, apenas quatro mortos e vinte feridos. Questionado sobre o evento, Brundage se limitou a declarar que o COI não se metia em assuntos internos dos países-sede.

É claro que, dentre tantos protestos, algum iria aparecer nos Jogos. De fato, a imagem mais emblemática da Olimpíada de 1968 aconteceu na prova dos 200 metros do atletismo. Dois dos corredores, os norte-americanos Tommie Smith e John Carlos, faziam parte do movimento Black Power, que pregava o orgulho da raça negra. Dentre os símbolos do movimento estavam as meias e luvas negras. Ao embarcar para o México, Smith, Carlos e muitos outros atletas que faziam parte do movimento levaram suas meias e luvas, com a idéia de fazer um protesto contra a discriminação racial. Carlos era então o recordista mundial dos 200 metros, e havia sido o primeiro homem a correr a distância em menos de 20 segundos. Na primeira eliminatória para a prova, Smith igualou o recorde olímpico, e decidiu que ele também brigaria para subir ao pódio. Uma vez que ele e Carlos fossem medalhistas, o protesto teria muito mais impacto.

No dia da prova, Smith e Carlos vestiram suas meias pretas, e camuflaram as luvas em seus agasalhos. Smith, com uma contratura de coxa, havia pedido a Carlos que se matasse para vencer - ao menos um dos dois deveria levar o protesto adiante. De fato, Carlos liderou a prova até o meio da reta, quando Smith, em um lampejo, reuniu todas as suas forças, o ultrapassou em uma arrancada fenomenal e, vislumbrando seu triunfo, abriu os braços em delírio. Distraído com o ato do companheiro, Carlos se deixou ultrapassar pelo branco australiano Peter Norman, mas ainda assim chegou em terceiro. Antes da premiação, Smith e Carlos descalçaram suas sapatilhas e calçaram suas luvas - Carlos, então, percebeu que havia esquecido as suas na Vila Olímpica, e Norman, ao perceber o que pretendiam fazer sugeriu, que eles compartilhassem o par de luvas de Smith, com cada um usando uma luva em uma das mãos. Percebendo que o colega simpatizava com seu mvimento, Carlos e Smith ofereceram um dos bottons que usariam em seus agasalhos, sobre o escudo dos Estados Unidos, com dizeres a favor dos direitos civis, a Norman, que o pregou sobre o escudo da Austrália. Ninguém percebeu que os atletas estavam só de meias e calçando luvas, até que a bandeira dos Estados Unidos começou a subir e o hino a tocar. Smith e Carlos baixaram suas cabeças e ergueram os punhos cerrados, se recusando a fitar seu pendão. Na entrevista coletiva, Smith declarou que tal ato demonstrava sua descrença pela letra do hino, que dizia que a América era a terra da liberdade. "Todos me chamarão agora de americano" - disse ele - "Se eu tivesse feito algo de errado, todos me chamariam, apenas, de negro".

A atitude não agradou nem um pouco ao COI, que detestava ver seu esporte misturado com política. Brundage ameaçou cassar as medalhas dos corredores se estes não fossem exemplarmente punidos. O comitê olímpico norte-americano, então, os expulsou da delegação, os enviou de volta para os Estados Unidos, e os baniu das Olimpíadas pelo resto da vida - Norman não receberia punição da Austrália, mas cairia no ostracismo ao retornar a seu país natal, e sempre declararia em entrevistas que estaria sendo prejudicado de propósito por sua participação no ato. A exagerada punição pareceu ainda mais injusta quando, dois dias depois, três negros norte-americanos conquistaram as três medalhas dos 400 metros. Todos os três subiram ao pódio com as boinas do Black Power na cabeça, e cerraram seus punhos ao fazê-lo, mas voltaram à posição tradicional, tirando as boinas e fitando a bandeira, quando o hino foi executado. O COI novamente protestou, mas os Estados Unidos, que precisavam dos quatro na equipe de revezamento 4 x 400 metros, se limitaram a puni-los com uma advertência por escrito. Parece que esta punição também foi suficiente ao COI, que nada mais disse depois de tal advertência, mas aí os revoltados foram os negros de outras nações, solidários a Smith e Carlos. O time cubano do revezamento 4 x 100 metros, após ganhar a medalha de prata, declarou na entrevista coletiva que enviaria suas medalhas ao movimento Black Power, para os ajudar lutar contra a hipocrisia dos Estados Unidos. Brundage nada comentou. Não se sabe se relacionado a estes episódios, mas os Jogos de 1968 seriam os últimos com o norte-americano à frente do COI. Pouco antes do evento de 1972, ele deixaria a presidência.

Participaram dos Jogos da Cidade do México 5.531 atletas, sendo 781 mulheres, que representaram 112 nações em 172 provas de 20 esportes: atletismo, basquete, boxe, canoagem, ciclismo, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, hóquei, levantamento de peso, luta olímpica, natação, pentatlo moderno, polo aquático, remo, saltos ornamentais, tiro esportivo, vela e vôlei (clique aqui para ver todas as provas do programa). Após 44 anos, o tênis voltou ao programa olímpico, mas como esporte de demonstração, acompanhado da pelota basca. O judô foi suprimido, mas a natação teria a estréia de 9 provas. O tiro também contou com duas novidades, a estréia do skeet, uma das mais interessantes modalidades, onde os atiradores caminham pelo estande da prova, buscando acertar, de oito posições diferentes, discos lançados com altura e angulação diferentes, às vezes dois de uma só vez; e a participação, pela primeira vez, de mulheres, na prova da carabina, atirador deitado. As mulheres, aliás, foram homenageadas na cerimônia de abertura com a escolha de Norma Enriqueta Basilio, atleta dos 400 metros, para acender a pira olímpica.

Protestos à parte, o atletismo foi o esporte mais beneficiado em 1968: pela primeira vez foram usadas as pistas sintéticas de tartan, muito melhores para os corredores que os materiais usados até então. Pela primeira vez também os atletas do salto em altura e do salto com vara puderam cair sobre macios colchões infláveis após transpor o sarrafo. Graças ao ar rarefeito, inúmeros recordes foram quebrados, sendo o mais impressionante o do salto em distância, onde o norte-americano Bob Beamon estabeleceu um recorde mundial 55 cm maior que o anterior, recorde este que permaneceu até 1991, e que é até hoje o recorde olímpico. Outro norte-americano, Dick Fosbury, revolucionou o salto em altura pulando com as costas para o sarrafo, passando a cabeça primeiro, em um movimento que ficou conhecido como "Fosbury Flop", e que hoje é o padrão para a prova.

Outro norte-americano do atletismo de destaque foi Al Oerter, que ganhou seu quarto ouro seguido no arremesso de disco. Em 1956, aos 20 anos de idade, Oerter havia conseguido sua primeira medalha de ouro nos Jogos de Melbourne. Entre 1956 e 1960, viveu um batalhão de problemas, mas em Roma repetiria seu título com extrema facilidade. Depois dos Jogos de 1960, atletas europeus conseguiram igualar e quebrar seus recordes, o que lhe deu um incentivo extra para tentar um terceiro ouro em Tóquio, em 1964, mesmo com uma grave lesão no abdômen. Proibido de competir pelos médicos da delegação, Oerter empacotou o peito e a barriga em sacos plásticos cheios de gelo, e recebeu sua terceira medalha de ouro chorando de dor. Na Cidade do México, já aos 32 anos, Oerter foi apenas como figurante, já que muitos outros atletas já conseguiam lançar o disco a mais de 65 metros, e ele nunca havia passado dos 63. Uma forte chuva no dia da prova desconcentraria os adversários, porém, e, com um arremesso de pouco mais de 64 metros, Oerter ganhou o ouro mais uma vez e entrou para a História.

Dentre as mulheres, duas competiram pelo título de destaque dos Jogos, a ginasta tchecoslovaca Vera Caslavska e a nadadora norte-americana Debbie Meyer. Linda e loura, Caslavska, uma secretária de 24 anos, já havia conquistado uma prata por equipes em Roma, e três ouros e uma prata em Tóquio, além de quatro Mundiais. Quando começou a Primavera de Praga, ela foi uma das atletas que assinaram o Manifesto das 2.000 Palavras, um documento contra o domínio soviético em sua Tchecoslováquia natal. Quando os tanques soviéticos invadiram Praga para esmagar o movimento, Caslavska se encontrava em um campo de treinamento na Morávia. Avisada de sua iminente prisão, ela fugiu para um sítio de amigos no alto das montanhas. Mesmo acuada e fugida, Caslavska conseguiu manter seu treinamento, e a poucos dias dos Jogos obteve um salvo-conduto do governo para competir. Sua performance foi excepcional: ouro nas barras assimétricas, no salto sobre o cavalo, nos exercícios de solo e nos exercícios combinados; prata nos exercícios combinados por equipes, atrás da União Soviética, e outra prata na trave de equilíbrio , atrás mais uma vez de uma soviética, Natalya Kuchinskaya. Antes mesmo do término dos Jogos, Caslavska anunciou sua aposentadoria, e se casou, no México, com o meio-fundista Josef Odlozil, em uma lindíssima cerimônia na Plaza Xocalo. De volta à Tchecoslováquia, Caslavska seria perseguida até o fim do comunismo, quando, justa e recompensadoramente, se tornaria a primeira mulher a presidir o comitê olímpico tcheco.

Já a norte-americana Meyer era, de certa forma, uma antítese de Caslavska: morena, 16 anos e jeito de moleque, muitos acreditavam que sua performance seria abalada pela altitude. Contra todos os prognósticos, Meyer não somente venceu a prova dos 400 metros estilo livre, como também estabeleceu um novo recorde olímpico, mais de doze segundos abaixo do anterior, chegando cinco metros à frente de sua compatriota Linda Gustavson. Para provar que não foi sorte, dois dias depois ela venceu os 200 metros estilo livre, mais uma vez com recorde olímpico, e dois dias mais tarde deu um verdadeiro banho, completando os 800 metros estilo livre mais de dez segundos à frente da também norte-americana Pamela Kruse, e se tornando a primeira mulher a ganhar três ouros na natação em uma mesma edição dos Jogos.

A Suécia também foi destaque, graças à medalha de prata dos quatro irmãos Petersson na prova de estrada por equipes do ciclismo, e à desclassificação de Hans-Gunnar Liljenwall, o primeiro atleta pego no exame anti-doping das Olimpíadas, por competir no pentatlo moderno com uma grande quantidade de álcool em seu organismo. Inusitada também foi a participação do atleta John Stephen Akhwari, da Tanzânia, que completou a maratona chegando em último lugar, mesmo após deslocar o joelho enquanto corria.

O futebol viu o primeiro boicote étnico-religioso da história das Olimpíadas, quando o Marrocos se recusou a enfrentar Israel, ao saber que ambos os times haviam caído no mesmo grupo na primeira fase da competição. O COI desclassificou os marroquinos e chamou o time de Gana, mas a vitória de Israel sobre os ganeses desencadeou uma pancadaria que começou no gramado, se estendeu pelas arquibancadas, e chegou até a Vila Olímpica. Alheios à essa confusão, os jogadores da Hungria conquistaram mais um ouro, desta vez diante da Bulgária. A surpresa foi o Japão em terceiro lugar, derrotando o México na disputa pelo bronze.

Em meio a tantos protestos, uma das comemorações que mais chamou a atenção foi a do peso-pesado norte-americano George Foreman, dezoito anos, apenas dezoito lutas na carreira, medalha de ouro no boxe, massacrando todos os seus oponentes sem a menor margem de dúvida. Ao vencer a final, contra o soviético Joans Cepulis, por nocaute no segundo round, Foreman comemorou não protestando, mas subindo ao pódio visivelmente emocionado, carregando uma bandeirinha dos Estados Unidos que mal cabia em sua mão - ato este que gerou críticas de ativistas negros mais radicais, que o acusaram de subserviência às autoridades brancas. Após este triunfo, Foreman construiria uma digna e sólida carreira, se tornando campeão mundial em 1973, perdendo a Luta do Século para Muhammad Ali no ano seguinte, e permanecendo em atividade até a década de 90, sendo campeão mundial mais uma vez em 1994, e só parando definitivamente de lutar em 1999, aos 50 anos de idade. Hoje, ele é conhecido por emprestar seu nome a uma linha de chapas elétricas para cozinha, conhecidas popularmente como grills.

O Brasil enviou à Cidade do México 82 atletas, sendo quatro mulheres, e voltou com uma medalha de prata de duas de bronze. A prova mais emocionante envolvendo um brasileiro foi a do salto triplo, onde Nelson Prudêncio dos Santos brigou com o italiano Giuseppe Gentile e com o soviético Viktor Saneyev salto a salto pelo ouro. Após seu último salto, Prudêncio conseguiu uma marca espetacular, quase um metro acima de seu recorde pessoal. Saneyev, porém, destronaria o brasileiro também em seu último salto, ficando com o ouro e deixando a prata para Prudêncio, o melhor resultado de um brasileiro em Olimpíadas desde o ouro de Adhemar Ferreira da Silva em 1956.

As duas medalhas de bronze vieram do pugilismo, categoria moscas, com Servílio de Oliveira, e da vela, categoria Flying Dutchman, com Reinaldo Conrad e Burkhard Cordes, mas muito outros brasileiros se destacaram mesmo sem ter subido ao pódio, em especial a dupla Edgard Gisjen e Harry Klein, da categoria double sculls do remo, vencedores da Petite Finale, que define da sétima à décima-sexta colocações. Outras duas sétimas colocações vieram na categoria Star da vela, com os gêmeos Axel e Erik Schmidt à frente de treze outras embarcações, e na equitação, no Prêmio das Nações por equipes, onde um total de 15 times competiram. O basquete mais uma vez perdeu apenas para Estados Unidos e União Soviética, na semifinal e na disputa do bronze, respectivamente, e terminou em quarto lugar. Também em quarto lugar ficou o nadador José Sylvio Fiolo nos 100 metros estilo peito, uma mera batida de mão, um décimo de segundo atrás do medalhista de bronze.

O México planejava ganhara muitas medalhas de ouro, principalmente porque seus atletas já estavam acostumados à altitude. Infelizmente para eles, só ganharam três. Ainda assim, a torcida fez uma bonita festa, e, fora o Massacre de Tlatelolco, todos os protestos foram pacíficos. Infelizmente, os Jogos seguintes não teriam a mesma sorte. Mas isso já não é assunto para hoje.

Série Olimpíadas

Grenoble 1968
Cidade do México 1968

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