domingo, 16 de abril de 2006

Escrito por em 16.4.06 com 0 comentários

Olimpíadas (III)

E hoje teremos o terceiro post sobre as Olimpíadas!

Londres 1908


A princípio, os Jogos de 1908 ocorreriam em Roma, sede escolhida pelo COI logo após os Jogos de 1904. Em 1906, porém, uma violenta erupção do Vesúvio destruiu parte da cidade de Nápoles, e todo o dinheiro que seria destinado à Olimpíada acabou indo para a reconstrução da cidade. Durante os Jogos Intercalados de 1906, o presidente do Comitê Olímpico Italiano procurou o Barão de Coubertin, e oficialmente cancelou a realização dos Jogos seguintes na capital de seu país.

Isto deixou Coubertin com um enorme problema, pois faltava pouco mais de dois anos para que fosse escolhida uma nova sede e iniciados os preparativos. Desesperado, ele desabafou com seu amigo Lorde William Desborough, presidente do recém fundado Comitê Olímpico Britânico. Animado com a possibilidade de realizar os Jogos em sua pátria antes do esperado, Desborough prometeu ao Barão que convenceria o Rei Eduardo VII a patrocinar todas as obras necessárias à realização de uma Olimpíada em Londres. Assim, dois meses depois do final dos Jogos de 1906, a capital inglesa era anunciada como a próxima sede do evento.

Os ingleses, infelizmente, incorreram no mesmo erro dos norte-americanos e dos franceses antes deles: programaram os Jogos para ocorrer simultaneamente a uma feira, desta vez a Franco-British Exhibition, que comemoraria a assinatura de um tratado entre a França e a Grã-Bretanha. Como de costume, combinar os Jogos com a feira fez com que eles se estendessem além de um período aceitável, por longos seis meses, de 27 de abril a 31 de outubro. Por outro lado, os britânicos se esmeraram como apenas os gregos o tinham feito, construindo todas as instalações necessárias à prática esportiva, ao invés de usar locais prontos e inadequados. A menina dos olhos dos Jogos de 1908 era o impressionante White City Stadium, uma maravilha arquitetônica da época, construído em tempo recorde, com capacidade para 100 mil espectadores, campo de futebol, pista de atletismo, velódromo para o ciclismo, uma imensa piscina descoberta de 100 metros de comprimento, e um anexo onde aconteceriam as competições de ginástica e luta.

Participaram desta edição dos Jogos 2.035 atletas, sendo 1.999 homens e 36 mulheres, competindo em 111 provas de 24 esportes: atletismo, boxe, cabo de guerra, ciclismo, esgrima, futebol, ginástica, hóquei, lacrosse, luta olímpica, motonáutica, natação, patinação artística no gelo, polo, polo aquático, raquetes, remo, rugby union, saltos ornamentais, tênis, tênis real, tiro com arco, tiro esportivo e vela (clique aqui para ver todas as provas do programa), além de uma partida de ciclopolo que acabaria não sendo considerada como parte do programa oficial pelo COI. 22 nações foram representadas, incluindo a Australásia, uma combinação das delegações de Austrália e Nova Zelândia. Os jogos tiveram uma cerimônia de abertura, embora esta tenha sido meio tensa: querendo repetir o ocorrido nos Jogos de 1906, os organizadores programaram um desfile das delegações com suas bandeiras, dividido em quatro partes. Primeiro, viria a Grécia, criadora dos jogos originais; depois, viriam as delegações de nações que não fossem de língua inglesa, em ordem alfabética em inglês; então as nações de língua inglesa, novamente em ordem alfabética; e finalmente a delegação da Grã-Bretanha anfitriã. Cada delegação, ao passar diante da Família Real, deveria curvar sua bandeira em sinal de respeito.

A tensão começou com uma escaramuça entre as delegações da Finlândia e da Rússia. Na época, a Rússia havia invadido a Finlândia, e considerou inadmissível que os finlandeses desfilassem separados da delegação russa. Como os finlandeses não queriam desfilar sob a bandeira da Rússia, e os russos não aceitavam que eles desfilassem sob a bandeira da Finlândia, um acordo foi feito e os finlandeses desfilaram separados, mas sem bandeira alguma. Depois ocorreu um problema com a Suécia, pois não havia nenhuma bandeira sueca para o desfile. Acabou que a Suécia não desfilou. E então veio o problema mais grave: na época, a Irlanda não era independente, fazendo parte do Reino Unido. Muitos dos atletas irlandeses, porém, queriam desfilar sob sua própria bandeira, algo que não foi permitido de forma alguma pela delegação britânica. Pior, nem mesmo desfilar separadamente como a Finlândia lhes foi permitido. Muitos dos atletas irlandeses preferiram desistir de competir a ganhar medalhas para o opressor, e foram para casa. O porta-bandeira dos Estados Unidos, o lançador de martelo John Flanagan, nascido na Irlanda, tomou as dores dos irlandeses e, ao passar diante do Rei Eduardo VII, não curvou a bandeira, sequer olhou para a cara do monarca, o que causou um enorme constrangimento em todo o estádio - o episódio entraria para a história como se os norte-americanos tivessem desafiado a monarquia, com inclusive um atleta declarando aos jornais que "nossa bandeira não se curva para nenhum rei". A partir de então, os Jogos de 1908 viraram uma verdadeira guerra entre os EUA e a Grã-Bretanha, com direito a provocações, vaias e torcida contra. Se para mais nada, pelo menos isso serviu para manter as Olimpíadas nos jornais de seu início até seu final, algo que jamais havia ocorrido.

As controvérsias ainda se estenderiam através dos jogos, principalmente devido aos árbitros e fiscais. Até então, era costume que somente árbitros e fiscais locais atuassem nas provas. Os fiscais britânicos, porém, eram tidos como rigorosos demais. Na prova de sprint do ciclismo, eles desclassificaram todos os competidores, alegando que eles estavam tornando a prova muito demorada de propósito, e não permitiram a realização de uma nova prova, fazendo com que, ineditamente, uma prova Olímpica não tivesse vencedor. Nos 400m do atletismo eles desclassificaram o norte-americano John Carpenter, acusado de invadir a raia do britânico Wyndham Halswelle, embora ninguém mais no estádio tenha visto isso. Pior ainda, na Maratona o vencedor seria o italiano Dorando Pietri, que chegou ao estádio com uma larga vantagem sobre os oponentes. Pietri, porém, chegou quase morto, e cambaleou na direção contrária da linha de chegada. Um dos fiscais, acreditem ou não, correu até lá, o amparou, e praticamente o carregou até a linha de chegada, fazendo com que Pietri fosse desclassificado, e o norte-americano John Hayes declarado vencedor. Como Pietri não havia sido o causador de sua desclassificação, a Rainha Alexandra lhe conferiu uma taça de ouro como prêmio por seu esforço.

Mas, como sempre, também houve pontos positivos: os britânicos William e Charlotte Dodd se tornaram os primeiros irmãos medalhistas olímpicos, ouro e prata no tiro com arco, respectivamente. O sueco Oscar Swahn se tornou o mais velho medalhista olímpico da história ao ganhar um ouro aos 60 anos, no tiro. E o norte-americano Ray Ewry se tornou o único atleta até hoje a ganhar oito ouros olímpicos em eventos individuais, todos no salto em altura e no salto em distância. Um fato curioso sobre 1908 é que a distância da Maratona passou oficialmente de 40 km para 42.195 metros, distância usada até hoje. A curiosidade vem do fato de que os 2.195 metros foram adicionados para que a linha de chegada ficasse exatamente à frente do Camarote Real do White City Stadium. Talvez, se fossem apenas 40 km, Pietri tivesse conseguido completar a prova.

Ao final dos Jogos, durante uma reunião do COI que fez as vezes de cerimônia de encerramento, ficou decidido que, a partir de 1912, os árbitros e fiscais seriam de diferentes nacionalidades, para evitar acusações de favorecimento. Além disso, os esportes, se quisessem fazer parte do programa olímpico, teriam de ter regulamentos oficiais idênticos no mundo inteiro, para evitar controvérsias de interpretação. Finalmente, foi definido o Juramento dos Atletas, que seria lido por um atleta selecionado em cada cerimônia de abertura dos jogos. A leitura do Juramento, porém, só começaria a ser feita em 1920.

Estocolmo 1912


As primeiras Olimpíadas podem não ter saído exatamente da forma que o Barão de Coubertin imaginara, mas isso começou a mudar com os Jogos de Estocolmo, capital da Suécia. A cidade decidiu se concentrar exclusivamente no evento, sem concomitá-lo com nenhuma feira ou exposição, algo que não acontecia desde 1896. Pela primeira vez em uma Olimpíada "oficial" foram introduzidas todas as inovações dos Jogos Extemporâneos de 1906. Também pela primeira vez foi instalado um moderno sistema de som nas pistas, gramados, quadras, ginásios, e até mesmo em algumas ruas, para que o público soubesse em tempo real (ou quase) o que estava acontecendo em cada esporte. O Estádio Olímpico, construído especialmente para a ocasião, era um primor de beleza e tecnologia, proporcionando conforto tanto aos espectadores quanto aos atletas. Junto ao cais foi construída uma fabulosa piscina de 100 metros de comprimento, com trampolim acoplado para a disputa dos saltos. Equipamentos fotográficos e cronômetros semi-eletrônicos, jamais utilizados em qualquer competição esportiva, fizeram sua estréia em Estocolmo, tornando a vida dos fiscais do atletismo e da natação muito mais fácil - fiscais estes, aliás, que vieram de todas as nações representadas, ao invés de serem todos do país-sede, como foi até 1908. Falando nisso, esta também foi a primeira Olimpíada da qual participaram países de todos os cinco continentes, mesmo com a enorme distância entre alguns deles e a Escandinávia. Graças ao verão escandinavo, o sol brilhava dezoito horas por dia, o que permitiu a realização de mais eventos em um mesmo dia, e deu aos turistas a chance de aproveitá-los ao máximo. Embora ainda longos, os Jogos de 1912 duraram apenas 80 dias, entre 5 de maio e 22 de julho, bem melhor que os vários meses das edições anteriores. Animadíssimo, o Barão declarou na Cerimônia de Abertura que aqueles seriam Jogos como jamais havia se visto.

Participaram dos Jogos 2.547 atletas, sendo 57 mulheres, representando 28 nações em 102 provas de 16 esportes: atletismo, cabo de guerra, ciclismo, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, luta olímpica, natação, pentatlo moderno, pólo aquático, remo, saltos ornamentais, tênis, tiro esportivo e vela (clique aqui para ver todas as provas do programa). Somente a ginástica foi responsável pela inscrição de 1.275 atletas. Estocolmo ainda inovou ao trazer pela primeira vez os esportes de demonstração, que faziam parte do programa olímpico mas não valiam medalhas, o beisebol e a glima, uma modalidade de luta de origem escandinava - ainda houve demonstrações de três esportes típicos suecos, o pärk, o varpa e o stångstörtning, mas sem competição. Devido a uma lei da época, os organizadores não permitiram a inclusão do boxe, mesmo após os apelos do Barão. Menos mal, isto fez com que o COI criasse uma regra para a partir dos próximos Jogos, segundo a qual a elaboração do programa é de competência exclusiva do COI, e não pode ser contestada pelos organizadores.

Mesmo com este problema com o boxe, o Barão estava tão animado com os Jogos de Estocolmo que decidiu ele mesmo inventar uma modalidade: o pentatlo moderno, que simula a jornada de um mensageiro militar para entregar uma carta a seu superior, passando por provas de equitação, esgrima, tiro, natação e corrida. Embora não seja particularmente atraente ao público, e praticado principalmente por militares, o pentatlo moderno é um grande orgulho do COI, e está no programa olímpico até hoje.

Mas o Barão não foi o único a inventar alguma coisa em 1912. Nas disputas da natação, um príncipe havaiano, de nome Duke Kahanamoku, competindo pelos Estados Unidos, surpreendeu o mundo ao apresentá-lo a uma nova modalidade de nado que havia inventado, e que posteriormente seria conhecida como crawl - literalmente, rastejo, devido à forma que o nadador se move na água. Até então, nas disputas de nado livre, cada competidor nadava da maneira que bem entendesse (afinal, era estilo livre), e a maioria fazia muito barulho e marola em busca da maior velocidade. O estilo de Kahanamoku era limpo, silencioso, e incrivelmente rápido. Tão eficiente que, a partir de então, todos os nadadores do estilo livre passaram a utilizá-lo. E o mais impressionante desta história é que, mesmo tão superior, talvez Kahanamoku não tivesse ganho uma medalha sequer: devido a uma confusão nos horários das semifinais, os nadadores norte-americanos chegaram atrasados à piscina, e seriam desclassificados, não fosse a intervenção do australiano Cecil Healy, que achava injusta uma final sem seus maiores rivais, e insistiu para que os organizadores lhes dessem uma nova chance. Graças a ele, que ficou com a medalha de prata, Kahanamoku ganhou o ouro, chegando quase um segundo à sua frente.

A maior proeza dos Jogos de 1912 foi também sua maior injustiça: o norte-americano Jim Thorpe, descendente de índios, realizou a incrível façanha de conquistar o ouro tanto do decatlo quanto do pentatlo (o do atlestismo, não o moderno), algo até então inimaginável, e ainda com alguns resultados espetaculares. Um ano depois, porém, o Comitê Olímpico dos EUA acusou Thorpe de profissionalismo, e ambas as suas medalhas foram cassadas pelo COI. Thorpe nem era profissional, mas havia recebido uma quantia insignificante por ter se apresentado com um time de beisebol praticamente amador, e isso bastava para o Comitê norte-americano. A cassação das medalhas de Thorpe sempre foi vista como um problema racial, já que ele era meio-índio, e havia derrotado outros americanos na prova, entre eles Avery Brundage, que em 1929 se tornaria presidente do Comitê dos EUA, e em 1952 presidente do COI. Graças à oposição de Brundage, o caso só foi revisto setenta anos depois, e Thorpe só recuperaria suas medalhas em 1983, trinta anos após sua morte.

Como as medalhas de Thorpe só seriam cassadas em 1913, o único problema realmente sério dos Jogos de 1912 foi a morte do português Francisco Lázaro, de 21 anos, que sofreu um ataque cardíaco durante a Maratona, fato que só foi divulgado após a prova, pois os organizadores não queriam atrapalhá-la. Este fato teve repercussão negativa, mas fora esta infelicidade, não houve nenhuma desclassificação, mamata ou controvérsia, fato inédito na Maratona desde 1896.

No campo dos incidentes diplomáticos, mais uma vez a Rússia impediu que a Finlândia competisse de forma independente. Pior ainda, graças à amizade entre o Rei Gustavo V da Suécia e o czar Nicolau II da Rússia, a cada vitória dos finlandeses era o hino russo que tocava, e a bandeira russa que era hasteada. Pelo menos o COI, ao registrar os medalhistas, deu todas as medalhas conquistadas aos finlandeses para a Finlândia, e não para a Rússia. Ainda no que concerne as nações, Austrália e Nova Zelândia mais uma vez competiram como Australásia, uma única delegação para os atletas dos dois países.

Na Cerimônia de Encerramento, Coubertin fez um discurso comovidíssimo, onde pedia a concordância entre as nações. Berlim, capital da Alemanha, foi escolhida para sede dos Jogos de 1916, Jogos estes que o Barão imaginava serem de ainda mais brilho que os de 1912. Diferentemente do que ocorria na antigüidade, porém, o esporte não foi capaz de interromper a guerra. Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, as Olimpíadas foram suspensas por tempo indeterminado.

Série Olimpíadas

Londres 1908
Estocolmo 1912

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