domingo, 7 de maio de 2006

Escrito por em 7.5.06 com 0 comentários

Olimpíadas (IV)

E hoje vamos a mais um post sobre as Olimpíadas!

Antuérpia 1920


Além de defensor obstinado do esporte, o Barão de Coubertin também era um sonhador. Em 1912, após as Olimpíadas de Estocolmo, uma guerra de proporções jamais vistas parecia cada vez mais próxima, e várias nações, como o Reino Unido, França e Alemanha, já começavam a preparar seus exércitos para o pior. Ainda assim, o Barão escolheu Berlim para sede dos Jogos de 1916, pois imaginava que a mobilização para a realização de uma Olimpíada acalmaria os ânimos dos europeus, diminuindo as possibilidades de instauração de um conflito armado.

Infelizmente, os homens que fazem a guerra nem sempre se demovem com facilidade. Em junho de 1914, o Arquiduque Franz Ferdinand, do Império Austro-Húngaro, foi assassinado em Sarajevo por Gavrilo Princip, um nacionalista sérvio. O Império Austro-Húngaro já vinha querendo invadir a Sérvia há meses, e o assassinato de Ferdinand foi o pretexto de que eles precisavam. Um mês após o assassinato, o Império Austro-Húngaro invadiu a Sérvia, e a Alemanha se declarou favorável à invasão, sob protestos da França, que exigia sua neutralidade. A Rússia também protestou, e começou a mobilizar seus exércitos. Dia 1o de agosto a Alemanha declararia guerra à Rússia, e dia 3 à França, invadindo a Bélgica em seguida. Dia 4, a Grã-Bretanha decidiu se aliar à França, e declarou guerra à Alemanha. No início de 1915, Turquia e Bulgária se aliaram à Alemanha, e a Itália se aliou à França. Começava a Primeira Guerra Mundial, que só ganhou este nome após o envolvimento dos EUA, em 1917.

Os alemães, confiantes de que a Guerra seria curta, não retiraram a candidatura de Berlim. O Barão, porém, já começava a desconfiar que não haveria Olimpíadas nem em Berlim, nem em nenhum outro lugar. Em 1915, ele inaugurou a sede do COI em Zurique, na Suíça, um país neutro, para que o COI não fosse afetado pela Guerra. Seu primeiro ato na nova sede foi cancelar os Jogos de 1916, mas manter os de 1920, sem alterar a numeração, ou seja, os inexistentes Jogos de 1916 seriam a sexta edição, e os de 1920 a sétima. Por pouco o Barão não teria de adiar também os Jogos de 1920, já que a Guerra só terminaria com a assinatura do tratado de Versalhes, em julho de 1919.

Com milhares de mortos e a maioria dos países arrasada pela Guerra, o Barão teria de tomar providências sérias para fomentar o interesse em uma nova Olimpíada, a começar pela sede. Estrategicamente, ele escolheu Antuérpia, na Bélgica, uma das cidades que mais sofreram com a invasão alemã. A escolha surtiu o efeito esperado: felicíssimos com a oportunidade de mostrar ao mundo que a invasão não os havia derrotado, os belgas se mobilizaram para a realização dos Jogos de forma impressionante, principalmente devido à falta de dinheiro e à necessidade de reconstruções. Graças à ajuda financeira de comerciantes de diamantes, todas as obras necessárias ficaram prontas em tempo recorde, embora algumas tivessem imperfeições, como um desnível na pista de atletismo que transformava as raias de dentro em uma verdadeira piscina em dias de chuva. Também não puderam ser construídos alojamentos para os atletas, mas muitas casas de família e comércio se ofereceram para hospedá-los, tudo para que os Jogos não precisassem ser mais uma vez adiados. Em troca de toda esta boa vontade, o governo belga só fez uma exigência ao COI: Alemanha, Áustria, Hungria, Turquia e Bulgária, os "vilões" da Guerra, deveriam ser proibidos de participar. Coubertin não queria proibi-los, mas também não podia deixar de atender a um pedido tão bem motivado. A solução encontrada foi política e curiosa: o COI preparou os convites destinados aos Comitês Olímpicos dos cinco rejeitados, mas a organização, "inexplicavelmente", se esqueceu de postá-los. Ao ser indagado sobre o fato, o Barão lastimou a falta de memória dos organizadores, preservando a imagem do COI perante os cinco excluídos.

Mesmo com a exclusão dos cinco "esquecidos" e com a falta de dinheiro geral causada pela Guerra, Antuérpia viu um número recorde de 29 nações participantes, dentre elas, pela primeira vez, o Brasil. A Grã-Bretanha, porém, quase não atendeu ao convite do COI. À época, era ela a nação que mais incentivava o esporte, com extensivo programa governamental, e, aos olhos dos britânicos, era impossível que eles não ficassem com o primeiro lugar do quadro de medalhas, sempre perdendo para os EUA. Se dependesse dos dirigentes, não haveria um único atleta britânico em Antuérpia. Os atletas, porém, desejando competir após tanto tempo paralisados pela Guerra, se mobilizaram, e conseguiram convencer seus dirigentes de que sua participação era importante, mesmo que não tivessem o maior número de ouros. Este episódio, assim como os ânimos exaltados em algumas competições devido a rancores remanescentes da Guerra, levaram Coubertin a uma decisão: a partir daqueles Jogos, o COI não divulgaria mais o infame Quadro de Medalhas, que deixaria de ser oficial. Os jornalistas, se quisessem, que contabilizassem quem ganhou mais; para o COI, o que importava era o triunfo dos atletas, não de suas nações.

Os Jogos de Antuérpia começariam em 20 de abril, com uma cerimônia jamais vista, onde, além dos desfiles das delegações e de um pequeno espetáculo, haveria a leitura do juramento do atleta, a revoada de pombas brancas para simbolizar a paz, e o hasteamento da Bandeira Olímpica, com os cinco anéis entrelaçados, cada um representando um continente em busca da paz. Estas três inovações se tornariam novas tradições do COI, sendo realizados a cada edição dos Jogos até hoje. Foram competir em Antuérpia 2.607 atletas, dos quais 64 eram mulheres. A escolha do programa foi meio confusa, e até mesmo chegou a se considerar a exclusão da Maratona, que sempre dava confusão, fato que só não se concretizou graças a uma intervenção pessoal do Barão. Após muita discussão, ficou definido que os atletas competiriam em 156 provas de 24 esportes: atletismo, boxe, cabo de guerra, ciclismo, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, hóquei, hóquei no gelo, levantamento de peso, luta olímpica, natação, patinação artística no gelo, pentatlo moderno, polo, polo aquático, remo, rugby union, saltos ornamentais, tênis, tiro com arco, tiro esportivo e vela; mais corfebol como esporte de demonstração (clique aqui para ver todas as provas do programa). Tantas competições fizeram com que os Jogos mais uma vez durassem mais de cinco meses, só se encerrando a 12 de setembro.

O maior destaque dos Jogos de 1920 foram os finlandeses, finalmente livres para competir por sua própria bandeira. Levando apenas 64 atletas, eles conseguiram 34 medalhas, sendo 15 de ouro. Paavo Nurmi, então um estreante, conseguiria 3 delas, nos 10.000 metros, no Cross Country e no Cross Country por equipes; e Hannes Kolehmainen, que já havia ganhado o ouro nos 5.000 metros, 10.000 metros e Cross Country em 1912, desta vez ganhou a Maratona.

A Itália também fez bonito, ganhando 13 ouros, cinco deles na esgrima, com Nedo Nadi; e a Grã-Bretanha se tornaria tricampeã olímpica do pólo aquático, mesmo após uma final conturbada contra a Bélgica. Mas a história mais curiosa envolveu a delegação dos EUA: com pouco dinheiro, os dirigentes alugaram um cargueiro, que havia servido para transportar os caixões dos mortos na Guerra, para levar os atletas até a Bélgica. Viajando em condições deploráveis, ao fazer uma escala na Islândia muitos deles se amotinaram e abandonaram o navio. Viajando de favor, os amotinados ainda conseguiriam chegar a Antuérpia em 14 de agosto, e mesmo com tantas condições adversas, os EUA mais uma vez ganhariam mais medalhas que seus oponentes, um total de 96, sendo 41 de ouro, mais que o dobro da Suécia, "segunda colocada" não-oficial. De todas estas vitórias, a mais suada foi a do rugby: sem apoio dos dirigentes, uns poucos jogadores que desejavam ir aos Jogos decidiram bancar suas próprias viagens, na esperança de formar um time durante a viagem. Acabou que vários atletas de outras modalidades se uniram a eles para completar o mínimo necessário. Por sorte, além dos EUA só a França se inscreveu, e os norte-americanos ganharam o ouro com uma única vitória. Também merecem menção os dois ouros do remador Jack Kelly, que dali a 9 anos viria a se tornar pai da atriz e Princesa de Mônaco Grace Kelly.

O Brasil fez sua primeira participação olímpica em 1920, e fez bonito, ganhando três medalhas, uma de cada cor. O Comitê Olímpico Brasileiro só viria a ser fundado em 1935, mas desde 1913 o país contava com um representante no COI, o embaixador Raul Paranhos do Rio Branco, que conseguiu um convite para que o Brasil participasse dos Jogos de 1920. A Confederação Brasileira de Desportes montou uma delegação de 22 atletas, que iriam competir na natação, pólo aquático, remo e tiro. O pólo aquático acabaria na sexta colocação entre 12, após uma vitória, um empate e uma derrota; e o remo terminaria em quarto entre nove; mas seria do tiro que viriam as primeiras medalhas olímpicas brasileiras. E elas quase que não vêm, pois, após uma viagem de navio de 28 dias, os atletas perceberam que suas armas e munição haviam sido roubadas durante a viagem. Um dos atletas, Afrânio Antônio da Costa, era amigo do Coronel George Sanders, líder da equipe dos EUA, que decidiu emprestar aos brasileiros duas pistolas Colt e duas mil balas. Graças a isso, no dia 2 de agosto, Afrânio conquistaria a prata na pistola livre individual. Mais tarde, no mesmo dia, o Brasil ainda conseguiria um bronze na pistola livre por equipes. No dia seguinte, Guilherme Paraense se tornaria o primeiro campeão olímpico brasileiro, ao vencer a prova de tiro rápido individual. A equipe do tiro brasileiro encerraria sua participação com um quarto lugar no tiro rápido por equipes.

No final, os Jogos de 1920 foram uma grande demonstração de que, mesmo sem conseguir interromper a Guerra, o esporte pôde sobreviver a ela. E isto deu novo fôlego ao COI, que já planejava uma novidade para a edição seguinte, em 1924. Mas isso nós veremos na semana que vem.

Série Olimpíadas

Antuérpia 1920

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