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sábado, 26 de outubro de 2024

Escrito por em 26.10.24 com 0 comentários

Jochen Rindt

No final de 2020, eu decidi que, em 2021, faria uma série mensal de posts sobre pilotos de Fórmula 1, chegando até a fazer uma lista com 12 pilotos que já foram campeões mundiais, sobre os quais eu escreveria os posts. Não me lembro bem o que aconteceu, mas eu acabei abandonando essa ideia e escrevendo só quatro posts - sobre Mario Andretti, Alain Prost, Niki Lauda e Graham Hill - os quais publiquei ao longo do ano. Essa semana, fui arrumar uns papéis e achei a tal lista - sim, eu ainda anoto muita coisa em papel, pra poder consultar rapidamente quando o note não estiver ligado - e fiquei com vontade de escrever sobre mais um deles. Não digo que escreverei sobre todos os oito que ficaram faltando, mas esse tem uma história interessante, sobre a qual eu gostaria de escrever. Hoje é dia de Jochen Rindt no átomo!

Karl Jochen Rindt nasceu em 18 de abril de 1942 em Mainz, Alemanha, filho de uma tenista austríaca com um advogado alemão; ele tinha um meio-irmão, Uwe, fruto de um primeiro casamento de sua mãe, e a principal fonte de renda da família era um moinho que produzia temperos, o qual Rindt herdou e usou para financiar sua carreira no automobilismo. Os pais de Rindt morreriam em decorrência de um bombardeio aliado durante a Segunda Guerra Mundial quando ele tinha um ano e meio de idade, e ele e Uwe seriam levados para serem criados por seus avós maternos, na cidade de Graz, Áustria. Rindt jamais se naturalizaria austríaco, permanecendo um cidadão alemão até o fim de sua vida, mas, na hora de começar sua carreira no automobilismo, preferiria correr como austríaco. Uma vez, ao ser perguntado se se sentia mais alemão ou austríaco, ele diria que "se sentia europeu".

Rindt foi uma criança agitada, que não parava quieta e estava sempre envolvido em atividades arriscadas; seu comportamento faria com que ele fosse seguidamente expulso das escolas nas quais estava matriculado, e, quando ele tinha 14 anos, talvez por já não haver nenhuma escola em Graz que o aceitasse, seus avós o mandariam para Londres, para que ele concluísse seus estudos e, de quebra, aprendesse inglês. Em Londres, Rindt aprenderia a dirigir sozinho, mas seria jovem demais pra tirar carteira de motorista, de forma que só poderia dirigir escondido. Ao retornar à Áustria durante as férias escolares, ele quebraria o fêmur esquiando, próximo à cabeça do osso, e a cicatrização deixaria sua perna esquerda quatro centímetros mais curta que a direita, o que faria com que ele mancasse pelo resto da vida; mesmo com a perna engessada, ele dirigiria escondido, levando seus amigos a eventos noturnos da cidade. Aos 16 anos, ele ganharia uma motoneta, que usaria para desafiar os amigos para corridas em pistas de motocross. Aos 18, ele ganharia seu primeiro carro, um fusca com mais de dez anos de uso, e só conseguiria tirar a carteira de motorista graças à influência política de seu avô, já que ele havia sido parado pela polícia nada menos que oito vezes dirigindo abaixo da idade apropriada - a última delas na véspera de seu aniversário de 18 anos.

Rindt decidiria definitivamente ser piloto de automobilismo em 1961, quando ele e alguns amigos de escola, incluindo o também futuro piloto Helmut Marko, conseguiriam ingressos para assistir o Grande Prêmio da Alemanha, em Nürburgring. Naquele mesmo ano, ele decidiria se inscrever em uma corrida amadora que ocorreria no autódromo de Zeltweg, na Áustria, dirigindo o carro de sua avó, um Simca Monthléry. Rindt perderia o prazo, e só conseguiria correr porque um dos comissários da corrida era nascido em Graz e conhecia sua família. Ele acabaria desclassificado porque, ao ser advertido por direção perigosa, não se encaminharia aos boxes para pagar a punição; após a desclassificação, ele alegaria que não conhecia as regras. Rindt se inscreveria em várias corridas com o Simca da vovó, sempre sem conseguir bons resultados; o dono de uma concessionária da Alfa Romeo em Graz, entretanto, veria que ele tinha talento, e ofereceria vender para ele um Alfa Romeo GT 1300 preparado para corridas a preço de fábrica, abrindo mão de seu lucro em troca de publicidade. Com esse Alfa, Rindt conseguiria oito vitórias ao longo de 1961 e 1962.

Em 1963, o piloto Kurt Bardi-Barry, que também era dono de uma agência de viagens, ofereceria a Rindt uma vaga em sua equipe na Fórmula Júnior, categoria de carros baratos que tinha provas em vários países europeus. Dirigindo um Cooper T67, em sua primeira prova, em Vallelunga, Itália, Rindt faria a pole position, mas terminaria a corrida em segundo, atrás justamente de Barry. Na segunda prova, em Casenatico, também na Itália, Rindt conseguiria a vitória com uma manobra ousada: após um acidente, uma ambulância entraria na pista, e todos os pilotos diminuiriam para que ela passasse - menos Rindt, que ultrapassaria não somente os demais pilotos como também a própria ambulância, que ainda estava em movimento, o que, de alguma forma, não foi considerado ilegal. Nesse campeonato, Rindt ganharia a fama de piloto extremamente rápido porém irresponsável, inclusive quase atropelando um grupo de espectadores durante uma prova de rua em Budapeste, Hungria.

No ano seguinte, a Fórmula Júnior seria dividida em duas categorias, a Fórmula 3, com regulamento mais restrito, e a Fórmula 2, que permitiria o uso de carros de Fórmula 1 dos anos anteriores. Barry optaria por seguir na Fórmula 2, usando carros Brabham BT10 (os usados na Fórmula 1 em 1963) com motores Cosworth, considerados lentos e de performance inconsistente, mas os únicos que ele podia pagar. Rindt seria convidado para ser novamente seu colega de equipe, estreando em Aspern, Áustria, em abril de 1964, abandonando a corrida com problemas mecânicos. Na corrida seguinte, em Crystal Palace, Inglaterra, entretanto, ele faria uma exibição de gala, ganhando a prova com Graham Hill chegando em segundo; ao ser perguntado como havia conseguido um desempenho tão bom com um motor Cosworth, ele responderia que "deixava para frear dois metros mais à frente". Esse resultado renderia um convite para as 24 Horas de Le Mans, onde ele dividiria uma Ferrari 250LM da equipe North American Racing Team com o inglês David Piper; a dupla abandonaria após apenas uma hora, com um problema em um duto de óleo.

A boa performance de Rindt na Fórmula 2 e em Le Mans também renderia um convite para que ele estreasse na Fórmula 1, no Grande Prêmio da Áustria, em Zeltweg, pela equipe Rob Walker Racing Team, que usava carros Brabham BT11 (os do ano corrente) e motores BRM, muito mais potentes. Rindt faria uma boa corrida, mas abandonaria após 58 das 105 voltas, com um problema na barra de direção. Sua pilotagem seria tão boa, porém, que a equipe Cooper o contrataria para ser segundo piloto, ao lado do neozelandês Bruce McLaren, na temporada completa de 1965, na qual, em dez provas, ele só não se classificaria para Mônaco, abandonaria na África do Sul, França, Holanda e México, e conseguiria duas pontuações, um quarto lugar na Alemanha e um sexto nos Estados Unidos, terminando o campeonato na 13a colocação e com contrato renovado com a Cooper para 1966.

Como muitos outros pilotos de sua época, Rindt decidiria disputar os campeonatos de Fórmula 1 e Fórmula 2 simultaneamente. Na Fórmula 2, dirigindo pela Roy Winkelmann Racing com um Brabham-Cosworth, ele seria vice-campeão em 1965, atrás do lendário Jim Clark. Rindt não disputaria a temporada de 1966, mas, em 1967, faria sua melhor temporada na categoria, vencendo cinco das dez provas e ganhando o apelido de "Rei da Fórmula 2" - uma regra que entraria em vigor naquele ano, entretanto, diria que pilotos da Fórmula 1 não podiam ser campeões da Fórmula 2, o que faria com que o título de 1967 fosse para o belga Jacky Ickx. Ele ganharia mais três provas em 1968 e mais duas em 1969, sempre pela Winkelmann; em 1970, ele decidiria se inscrever com sua própria equipe, a Jochen Rindt Racing, usando um Lotus-Ford, e teria sua última vitória na Fórmula 2 na primeira prova do ano, em Thruxton, Inglaterra. Sua última prova na Fórmula 2 seria em agosto, em Salzburgo, na Áustria, numa pista que ele mesmo ajudou a projetar.

Além de vice-campeão da Fórmula 2, em 1965 Rindt seria campeão das 24 Horas de Le Mans, mais uma vez pilotando uma Ferrari 250LM da equipe North American Racing Team, mas agora dividindo-a com o norte-americano Masten Gregory. Ambos os pilotos diriam que, antes de a corrida começar, achavam que não tinham chances, que o carro não parecia competitivo, e esperavam que ele quebrasse logo para que eles pudessem pegar o dinheiro da participação e ir para casa; uma série de circunstâncias, entretanto, acabaria levando os dois a uma improvável vitória. Para começar, na época os carros começavam estacionados ao longo da pista, e os pilotos de pé na linha de largada; a um sinal da organização, os pilotos corriam, e quem entrasse no carro primeiro largava primeiro. Rindt não foi o primeiro a entrar no carro, mas conseguiu entrar de forma que seu pé já estava no acelerador e a Ferrari estava em movimento antes de ele entrar totalmente, se sentar e afivelar o cinto, o que fez com que ele pulasse na frente. Enquanto Gregory estava pilotando, um problema de motor fez com que somente 6 dos 12 cilindros funcionassem, e ele teve de ficar parado nos boxes meia hora enquanto os mecânicos consertavam. Rindt chegou a achar que eles iriam abandonar, tirou o macacão e vestiu uma roupa para ir para casa, mas o carro votou a funcionar. Como, na época, não havia período máximo para cada piloto dirigir, Gregory falou que continuaria guiando enquanto houvesse luz natural, e Rindt assumiria durante a noite, o que ele concordou. Rindt pegaria o carro na 18a posição, e, dirigindo como um maníaco, o entregaria a Gregory, no nascer do sol, em terceiro. Gregory dirigiria todas as horas que faltavam, temeroso de que o carro fosse quebrar a qualquer momento. Não somente não quebrou, como os dois primeiros é que tiveram problemas, um com um estouro de um pneu, outro com a caixa de câmbio, fazendo com que Gregory vencesse a prova cinco voltas à frente do segundo colocado.

Rindt ainda participaria mais duas vezes das 24 Horas de Le Mans, abandonando ambas: em 1966, ao lado do inglês Innes Ireland, pilotando um Ford GT40 pela equipe Comstock Racing, ele teria um estouro de motor com três horas de prova, e, em 1967, correndo pela Porsche, em um Porsche 907 LH, ao lado do alemão Gerhard Mitter, abandonaria após 9 horas com um problema na caixa de câmbio. Em 1965, pilotando a mesma Ferrari 250LM com a qual foi campeão em Le Mans, ele ganharia, sozinho, uma prova de 500 km em Zeltweg, graças a uma estratégia inusitada: as luzes de freio não se acendiam automaticamente, sendo necessário que ele pressionasse um botão quando freasse; Rindt acionaria o botão um pouco antes de realmente frear, o que faria com que seu maior adversário, o inglês Mike Parkes, que pilotava uma Ferrari mais potente, e vinha logo atrás, tivesse de frear antes do ponto ideal, o que permitiu que Rindt se mantivesse na frente até a vitória.

Rindt também participaria das 500 Milhas de Indianápolis duas vezes, em 1967, pela Eagle, do piloto norte-americano Dan Gurney, e em 1968, pela Brabham, abandonando por quebra em ambas as ocasiões; ele detestava a pista oval e, em uma entrevista após a prova de 1968, diria que só corria lá pelo dinheiro. Em 1969, pela Lotus, ele também disputaria a Tasman Series, categoria de carros de fórmula com corridas na Austrália e Nova Zelândia; em sete provas, teria duas vitórias, dois segundos lugares e três abandonos, se sagrando vice-campeão, atrás do neozelandês Chris Amon.

Mas a carreira principal de Rindt foi mesmo feita na Fórmula 1. Em 1966, após a saída de McLaren, ele seria promovido a primeiro piloto da Cooper, que correria naquele ano com motores Maserati, bem mais potentes que os Climax do ano anterior, ao lado do norte-americano Richie Ginther, que correria apenas em Mônaco e na Bélgica; na terceira corrida, na França, o inglês John Surtees viria da Ferrari para ser o novo primeiro piloto, e Rindt voltaria a ser o segundo pelo restante da temporada - na França, terceira etapa, e no México, a última, a Cooper ainda teria um terceiro carro, pilotado, respectivamente, por Amon e pelo mexicano Moisés Solana.

O primeiro pódio de Rindt na Fórmula 1 viria na segunda corrida do ano, na Bélgica, disputada sob forte chuva. Rindt largaria em segundo, e ultrapassaria o pole Surtees, então ainda na Ferrari, na quarta volta, mas rodaria na volta 21, quando Surtees o ultrapassaria e venceria a corrida, deixando-o em segundo. Rindt também seria segundo nos Estados Unidos, atrás de Jim Clark, e terceiro na Alemanha, atrás de Jack Brabham e Surtees, pontuando também na França, Inglaterra e Itália - ele só não pontuaria em Mônaco e no México, onde abandonou. No fim, Rindt terminaria o campeonato na terceira posição, com Brabham sendo campeão pela terceira vez e Surtees chegando em segundo - Surtees abandonaria cinco das nove provas, mas, além da vitória na Bélgica e do segundo lugar na Alemanha, venceria também no México e seria terceiro nos Estados Unidos.

Em 1967, Rindt se casaria com a modelo finlandesa Nina Lincoln, filha do piloto Curtis Lincoln, a quem ele conheceria no início de sua carreira, enquanto ainda fazia corridas amadoras. Os dois ficaram noivos no ano anterior, mas, de repente, Nina devolveu o anel de noivado, dizendo não ter certeza de se queria mesmo se casar; Rindt o enviou de volta para ela com um bilhete que dizia "mantenha-o até se decidir". Nina voltaria atrás e aceitaria se casar assim que leu o bilhete, dizendo que gostava de homens que sabem o que querem. Os dois comprariam uma casa em Genebra, Suíça, e tiveram uma única filha, chamada Natasha, nascida no ano seguinte. Na Fórmula 1, com um carro menos confiável que no ano anterior, que seria alterado duas vezes ao longo da temporada, das 11 provas Rindt abandonaria oito e sequer viajaria para disputar a última, no México, completando apenas duas, na Bélgica e na Itália, chegando em quarto em ambas e terminando o campeonato em 13o lugar. Com a saída de Surtees para a Honda, Rindt seria mais uma vez promovido a primeiro piloto, começando o ano tendo como companheiro de equipe o mexicano Pedro Rodríguez, que daria lugar ao inglês Richard Attwood na oitava prova, no Canadá, e a Ickx nas duas seguintes, na Itália e Estados Unidos, voltando para ser o único carro da Cooper no México; na sexta etapa, na Inglaterra, a Cooper ainda teria um terceiro carro, com o galês Alan Rees.

Apesar do mau ano, o visível talento de Rindt faria com que, para 1968, além da proposta de renovar com a Cooper, ele recebesse convites da Brabham, Ferrari, BRM, Matra e McLaren - das principais equipes, somente a Honda de Surtees e a Lotus de Jim Clark e Graham Hill não entrariam em contato com ele. Rindt acabaria optando pela Brabham, que havia sido campeã nos dois anos anteriores, em 1967 com o neozelandês Denny Hulme e em 1966 com Jack Brabham, mas, passando por dificuldades financeiras, a equipe não conseguiria construir um carro competitivo. Tendo como colega de equipe o próprio Jack Brabham - e Gurney dirigindo um terceiro carro na quinta etapa, na Holanda - Rindt conquistaria sua primeira pole, na França, mas só conseguiria completar duas provas: a primeira do ano, disputada em 1o de janeiro na África do Sul, e a oitava, na Alemanha, em ambas terminando em terceiro lugar, o suficiente para que ele terminasse o campeonato na 12a posição. Seria em 1968 que Jim Clark perderia a vida durante uma corrida de Fórmula 2, fato que deixaria Rindt muito abalado; ao ser entrevistado sobre o assunto, ele declararia "se nem Clark estava a salvo, o que será de nós?".

A morte de Clark abriria uma vaga na Lotus, pra onde Rindt iria em 1969, ser colega de equipe de Graham Hill, campeão em 1968. Ele aceitaria a proposta pela chance de ser campeão mundial, mas confidenciaria a amigos se sentir desconfortável com a mudança, porque os carros da Lotus se envolviam em muitos acidentes - entre 1967 e 1969, foram 31, com Hill envolvido em nove, o que o levaria a comentar, em tom jocoso, "quando estou correndo e vejo minha própria roda me ultrapassar, sei que estou em uma Lotus". Em sua primeira entrevista após assinar contrato, Rindt diria "na Lotus, ou serei campeão mundial, ou morrerei".

Além de Rindt e Hill, a Lotus teria um terceiro carro durante quase toda a temporada, com o norte-americano Mario Andretti ao volante na África do Sul, Alemanha e Estados Unidos, e o inglês John Miles guiando na França, Inglaterra, Itália, Canadá e México - somente na Espanha, Mônaco e Holanda, segunda, terceira e quarta provas do campeonato, eles correriam com apenas dois carros. Em sua estreia na Lotus, na África do Sul, Rindt abandonaria com problemas na bomba de combustível, mas, na segunda prova do ano, na Espanha, ele e Hill se envolveriam ambos em acidentes gravíssimos, que poderiam ter matado os dois: na sexta volta, a suspensão traseira do carro de Hill se quebrou, fazendo com que ele se chocasse com violência contra um guard rail, e, na vigésima, quando vinha a 225 km/h, Rindt veria a asa traseira de seu carro se soltar, o que faria com que a Lotus decolasse, passasse por cima do mesmo guard rail no qual Hill havia batido, e atingisse com violência o carro de Hill, que estava estacionado fora da pista, capotando em seguida. Dois fiscais de prova seriam atingidos pelos destroços, um perdendo o olho, o outro quebrando um pé, e Rindt quebraria o nariz, tendo de ficar fora da corrida seguinte, em Mônaco, onde seria substituído por Attwood.

Rindt colocaria a culpa dos acidentes no dono da equipe, Colin Chapman, o inventor do modelo de asa traseira usado nos carros da Lotus, dizendo que elas não eram seguras, causavam a quebra da suspensão traseira, e que Chapman deveria ter calculado que a asa poderia se soltar; à TV austríaca, ele diria que a asa era "uma insanidade", mas que "colocar razão na cabeça de Chapman" era impossível. Em uma entrevista subsequente, ele diria que jamais se sentia confortável dentro de uma Lotus, e que só estava na equipe por dinheiro. Essas declarações azedariam sua relação com Chapman, e, embora Rindt tenha seguido na equipe em 1969 e 1970, os dois pouco se falavam.

Ao retornar à temporada, na Holanda, Rindt faria várias apresentações memoráveis, mas seria traído pela pouca confiabilidade do carro, abandonando lá e na França. Na Inglaterra, ele estava disputando o primeiro lugar com o escocês Jackie Stewart, e poderia ter vencido, mas teve de parar nos boxes porque parte do assoalho do carro havia se soltado e estava roçando nos pneus, chegando em quarto. Rindt abandonaria mais uma vez na Alemanha, e, na Itália, estaria envolvido naquela que é considerada por muitos como a chegada mais incrível da Fórmula 1: na última volta, Rindt, Stewart, McLaren e o francês Jean-Pierre Beltoise entraram na última curva juntos, com Stewart vencendo a prova apenas oito centésimos à frente de Rindt, que chegaria nove centésimos à frente de Beltoise, que bateria McLaren por apenas dois centésimos, sendo essa a diferença mais apertada entre os quatro primeiros na história da categoria. Ele ainda seria terceiro no Canadá antes de finalmente conseguir sua primeira vitória na Fórmula 1, nos Estados Unidos, que infelizmente seria eclipsada por mais um grave acidente envolvendo Hill. Se tivesse um carro mais confiável, Rindt, que terminou o ano abandonando mais uma vez, no México, poderia ter disputado o título com Stewart, que se sagrou campeão naquele ano; ele acabaria terminando o campeonato apenas em quarto, atrás de Stewart, Ickx e McLaren.

Em 1970, ainda se recuperando de seu acidente nos Estados Unidos, Hill seria colocado por Chapman na equipe Rob Walker, que era uma espécie de segunda equipe da Lotus, correndo com carros do ano anterior, o que faria com que Rindt fosse promovido a primeiro piloto, ao lado de Miles; mais uma vez, em quase todo o campeonato a Lotus teria três carros na pista, com o espanhol Álex Soler-Roig dirigindo o terceiro carro na Espanha, Bélgica e França, e o brasileiro Emerson Fittipaldi o guiando na Inglaterra, Alemanha, Áustria e Itália - somente na África do Sul, Mônaco, Holanda, Canadá, Estados Unidos e México a equipe correria com dois carros, mas, nas duas últimas, os pilotos seriam Emerson e o sueco Reine Wisell.

Rindt começaria o ano abandonando a corrida sul-africana com problemas de motor faltando apenas oito voltas para o final, quando estava em quarto. Na segunda prova, na Espanha, a Lotus estrearia um carro revolucionário, o Lotus 72, com dois radiadores e várias outras novidades, mas que não se mostraria confiável, quebrando na nona volta. O Lotus 72 voltaria para a fábrica para modificações, e Rindt teria que usar o Lotus 49, do ano anterior, na terceira prova, em Mônaco, mas a equipe só tinha pneus próprios para o 72, o que faria com que o 49 ficasse quase impossível de dirigir; Rindt não se abalaria e faria o que seu engenheiro chamaria de "a corrida de sua vida", largando em oitavo e conseguindo ultrapassagens improváveis na estreita pista do principado, até Brabham sair da pista na última volta e permitir que Rindt conseguisse sua segunda vitória.

Nos treinos para a corrida seguinte, na Bélgica, Rindt usaria o 72, mas, ainda com sérios problemas de dirigibilidade, optaria por usar o 49 na corrida, abandonando com problemas de motor. O 72 finalmente seria consertado, e garantiria a Rindt quatro vitórias seguidas, na Holanda, França, Inglaterra e Alemanha; os problemas viriam de outros lados, entretanto: na Holanda, o inglês Piers Courage morreria em um incêndio após um acidente, o que deixaria Rindt extremamente abalado; na França, ele não conseguiria usar o capacete totalmente fechado, achando o calor insuportável, e optaria por usar um capacete antigo, aberto na frente, sendo atingido por uma pedra que cortaria sua bochecha; e na Inglaterra ele quase seria desclassificado por uma suposta irregularidade na asa traseira, só tendo sua vitória confirmada após os comissários deliberarem por três horas.

O Grande Prêmio da Alemanha, pela primeira vez, seria disputado em Hockenheim, após os pilotos pedirem modificações na pista de Nürburgring em nome da segurança. Rindt travaria uma grande batalha com Ickx, com várias trocas de liderança, e, após mais uma vitória, poderia ser campeão antecipado na corrida seguinte, caso vencesse novamente. Essa corrida não somente ocorreria na Áustria, mas também em uma nova pista, a Österreichring, que ele mesmo havia ajudado a projetar. Para delírio da torcida austríaca, Rindt conseguiria a pole position, mas o título seria adiado, já que ele teria de abandonar com problemas de motor após 21 das 60 voltas, com Ickx conseguindo a vitória e mantendo a chance de ser campeão. Rindt evidentemente não sabia, mas essa acabaria sendo sua última corrida na Fórmula 1.

A corrida seguinte seria na Itália, em Monza, pista conhecida pela alta velocidade. Como a Ferrari de Ickx era cerca de 16 km/h mais rápida que a Lotus, Chapman optaria por uma estratégia arriscada, mas permitida pelo regulamento: tirar as asas do carro para diminuir o arrasto. Miles reclamou da decisão, dizendo que era impossível fazer o carro andar em linha reta, mas Rindt não disse nada, e ainda comentou nos boxes que estava mais rápido que as Ferraris na reta. Durante o segundo treino livre, quando estava prestes a fazer a curva Parabólica, Rindt saiu da pista a 330 km/h, batendo no muro com violência e morrendo instantaneamente. A investigação concluiria que o acidente em si foi causado não pela falta da asa, mas por uma falha nos freios dianteiros, e que não foi o impacto que matou o piloto e sim um evento bizarro: após o acidente com Courage, Rindt passaria a usar um cinto de segurança de quatro pontos, menos seguro que o de cinco pontos já existente, mas mais fácil de o piloto soltar no evento de um incêndio; com o impacto da batida, o piloto escorregaria para a frente, e o cinto de segurança cortaria sua garganta.

Quando Rindt morreu, ele ainda não estava com o título garantido, mas o único que poderia tirá-lo dele era Ickx, que abandonaria na Itália com problemas de embreagem. Ickx venceria no Canadá, mas, nos Estados Unidos, precisaria de no mínimo um terceiro lugar para manter suas chances. Ele acabaria chegando em quarto, muito por mérito de Emerson, que de certa forma substituiria Rindt na Lotus e manteria o título com a equipe britânica ao ganhar a prova. Ickx ainda ganharia a corrida no México, mas não seria o suficiente, terminando o campeonato com 40 pontos contra 45 de Rindt. Assim, o austríaco Jochen Rindt se tornaria o primeiro, e todos esperamos único, campeão póstumo da Fórmula 1, com sua esposa Nina recebendo o troféu em seu nome, em uma cerimônia em Paris em novembro de 1970.

Apesar de conhecido como um piloto irresponsável - até mesmo fora das pistas, sendo famoso por fazer drifting com seu Jaguar nas ruas da capital austríaca, Viena, e tendo sido extremamente criticado por capotar um Mini Cooper com sua esposa grávida dentro durante uma apresentação em Grosshöflein, também na Áustria - Rindt era árduo defensor de mudanças na Fórmula 1 para garantir mais segurança aos pilotos, ao ponto de ser alvo de críticas de seus colegas e da imprensa especializada, que diziam que suas preocupações eram exageradas. Ele se tornaria grande amigo de Stewart, a quem conheceria em 1964 na Fórmula 2, também grande defensor de maior segurança, e, junto com o sueco Jo Bonnier, formava um trio pejorativamente conhecido como "Conexão Genebra", já que os três tinham casa na cidade suíça, que viviam, por assim dizer, enchendo o saco dos organizadores das provas, apontando onde eles achavam que faltava segurança. Infelizmente, mesmo com a morte de Rindt, ainda levaria anos para que verdadeiras medidas de segurança fossem implementadas, e muitos outros pilotos perderiam a vida em acidentes evitáveis, incluindo o brasileiro Ayrton Senna.

Rindt seria um dos primeiros pilotos a conseguir lucrativos contratos individuais de patrocínio, numa época em que os principais patrocínios iam para as equipes, com os pilotos muitas vezes tendo de pagar para correr. Parte desse sucesso se daria através de uma amizade com Bernie Ecclestone, que ele conheceria enquanto pilotava para a Cooper. Rindt jamais contrataria Ecclestone oficialmente como empresário, mas permitia que ele buscasse contratos de publicidade, o que ele dizia fazer em nome da amizade; o modelo de contrato estabelecido por Ecclestone para obter patrocínios para Rindt seria considerado tão bem sucedido que acabaria sendo imitado por muitos outros pilotos e seus empresários nos anos seguintes. A amizade entre os dois era tão grande que, no dia do acidente, não seria alguém da Lotus, mas Ecclestone quem chegaria primeiro ao carro destroçado e carregaria o capacete de Rindt de volta para os boxes - seria Ecclestone quem negociaria a ida de Rindt para a Lotus, e o convenceria a mudar de equipe mesmo ele querendo continuar na Brabham, de forma que muitos acham que ele se sentiu culpado pelo destino do piloto. A filha de Rindt, Natasha, manteria a amizade com Ecclestone, e trabalharia a seu lado na FOM até ele se aposentar da função.

O sucesso de Rindt no automobilismo ajudaria a popularizar o esporte na Áustria, o que levaria ao surgimento de uma nova e bem sucedida geração de pilotos, da qual faria parte Niki Lauda; até hoje, ele é considerado o principal responsável pelo interesse dos austríacos no automobilismo, e os quatro títulos que ele e Lauda ganharam, pelo surgimento de novos pilotos austríacos todos os anos. Em 1965, Rindt criaria a primeira exposição de carros de corrida da Áustria, a Jochen Rindt Show, realizada anualmente em Viena com a presença de pilotos e chefes de equipe da Fórmula 1; após sua morte, em 1970, a exposição passaria para a cidade de Essen, na Alemanha, sendo realizada até hoje com o nome de Essen Motor Show. Ele também seria o apresentador de um programa mensal de TV na Áustria, chamado Motorama, no qual eram apresentados os principais eventos do automobilismo naquele mês, dicas para viajar e para dirigir em estradas do país, e entrevistas feitas pelo próprio Rindt com outros pilotos. Mas, para muitos, o legado mais duradouro de Rindt seria que ele ajudaria a projetar os dois principais circuitos da Áustria, o Salzburgring, em Salzburgo, e o Österreichring, em Spielberg, hoje chamado Red Bull Ring, etapa do Campeonato Mundial de Fórmula 1 entre 1970 e 1987, entre 1997 e 2003 e ininterruptamente desde 2014.
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domingo, 13 de fevereiro de 2022

Escrito por em 13.2.22 com 0 comentários

José Carlos Pace

O Brasil já teve seis pilotos com vitórias na Fórmula 1. Três deles foram campeões, e já ganharam posts por aqui: Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna. Outros dois, Rubens Barrichello e Felipe Massa, ainda estão em atividade (em outras categorias) e, embora eu de vez em quando pense em escrever sobre eles, ainda não será hoje. Hoje eu vou falar do sexto dessa lista, aquele que é o menos conhecido por quem começou a acompanhar a Fórmula 1 recentemente. Hoje é dia de José Carlos Pace no átomo.

Pace nasceu em 6 de outubro de 1944 em São Paulo. Desde criança, sempre se interessou por esportes, e praticava judô e natação. Membro da equipe juvenil do Palmeiras, poderia ter seguido carreira nas piscinas - inclusive sendo detentor durante algum tempo do recorde brasileiro dos 100 metros Livre - mas faltava constantemente aos treinos dos fins de semana da parte da manhã, não porque não conseguia acordar cedo, mas porque preferia ficar acompanhando corridas automobilísticas, no rádio ou presencialmente. Um dia, chegaria atrasado a um treino por ficar esperando a largada de uma corrida, e acabaria sendo expulso da equipe. Enquanto fazia natação, Pace ganharia o apelido que o acompanharia durante toda a vida: Moco - nome de uma pequena coruja que, segundo a crendice popular, "se faz de surda" quando não está interessada no que está acontecendo a seu redor; Pace ganharia o apelido porque, quando o treinador ou os colegas lhe perguntavam alguma coisa, ele só respondia se lhe interessasse, caso contrário, fingia que não tinha escutado.

Apaixonado pela velocidade, após sair da natação Pace tentaria começar uma carreira no kart, mas sua família era contra; dono de uma tecelagem, seu pai tinha esperança de que ele se formasse em administração e assumisse os negócios da família. Ele então começaria a disputar corridas ilegais no bairro do Pacaembu, e sua família, temerosa por sua segurança, decidiria comprar um kart e inscrevê-lo em algumas provas no estado de São Paulo.

Pace não faria carreira no kart, porém: em 1963, aos 18 anos, ele seria convidado pela equipe Willys para disputar o Campeonato Paulista de Turismo, sendo campeão na categoria 1.000 cc. No ano seguinte, ele seria convidado pela equipe DKW para participar do II Prêmio Aniversário do Automóvel Clube do Estado de São Paulo. Em 1967, a Fórmula Ford estrearia no Brasil, e ele conseguiria um convite para disputar o campeonato, correndo ao lado dos irmãos Wilson e Emerson Fittipaldi, e terminando em terceiro lugar. Piloto veloz, constante e de bons resultados, passaria a década de 1960 obtendo convites e patrocínios para as principais provas de turismo e de protótipos do país, sendo vencedor das 12 Horas de Interlagos, das 1.000 milhas de Interlagos, dos 500 km de Salvador, das 3 Horas da Guanabara, e tricampeão dos 1.000 km de Brasília, além de campeão por três anos seguidos do Brasileiro de Turismo.

Aos 25 anos, entretanto, temendo ficar velho para iniciar uma carreira internacional, Pace decidiria arriscar: venderia tudo o que tinha e viajaria para a Inglaterra, para ficar na casa de um amigo e, sem qualquer referência, entrar em contato com a equipe Russell, que buscava jovens pilotos para correr no Forward Trust Championship, uma categoria regional da Fórmula 3 Britânica que seria disputada entre 1970 e 1973. A aposta daria certo, e a Russell o contrataria para o campeonato de 1970, no qual ele, pilotando uma Lotus do ano anterior, venceria 8 das 36 provas e chegaria entre os cinco primeiros 31 vezes, se sagrando campeão já em sua primeira participação, à frente do australiano Dave Walker e do inglês Bev Bond, pilotos da Equipe Lotus e favoritos ao título. Vale dizer que, ao longo de toda sua carreira internacional, ele usaria o nome Carlos Pace, deixando de lado o José.

A Russell quis renovar com Pace para 1971, mas o título lhe renderia uma oportunidade ainda maior: na época, Frank Williams ainda não era dono da Equipe Williams que ganharia vários títulos na Fórmula 1, mas estava começando no automobilismo com uma equipe menor, chamada Frank Williams Racing Cars, que começou a disputar os campeonatos de Fórmula 1 e Fórmula 2 em 1969, sempre usando carros de outras equipes do ano anterior (o que, na época, era permitido pelo regulamento). Williams ofereceria a Pace uma vaga na Fórmula 2, e, acreditando que ali estava a oportunidade para ele chegar na Fórmula 1, o piloto aceitaria. Problemas com o carro fariam com que ele só conseguisse disputar as sete últimas provas do campeonato, sem obter resultados expressivos, mas Pace ganharia muita experiência, inclusive dividindo as pistas, mais uma vez, com Wilson e Emerson Fittipaldi, que corriam pela equipe Bardahl.

Pace pode não ter tido nenhum resultado expressivo na temporada regular, mas seria vencedor de uma prova extra, que não contava para o campeonato, realizada em Ímola, na Itália; essa vitória, aliada a seu estilo de pilotagem e vontade de competir, lhe renderia um convite para correr já em 1972 na Fórmula 1 pela Williams, usando um March do ano anterior. Pace não correria na primeira corrida da temporada, o GP da Argentina, fazendo sua estreia na segunda, o GP da África do Sul, no qual chegaria em 17o; já na corrida seguinte, o GP da Espanha, ele conseguiria seus primeiros pontos, um sexto lugar no GP da Espanha. Ele pontuaria também ao chegar em quinto no GP da Bélgica, mas, das oito outras corridas da temporada, só completaria mais duas, em Mônaco (onde foi mais uma vez 17o) e no Canadá (onde foi nono). Mesmo com um carro muito fraco, ele terminaria em 18o lugar no campeonato, e teria desempenho enormemente superior ao de seu colega de equipe, o mais experiente francês Henri Pescarolo.

Simultaneamente à temporada da Fórmula 1, Pace competiria na Fórmula 2 em 1972; ele disputaria quatro corridas pela equipe Pygmée e duas pela equipe Surtees, do campeão mundial de Fórmula 1 em 1964 John Surtees, incluindo o GP da Áustria, onde conseguiria a pole position. Também pela Surtees, ele disputaria a Victory Race, uma corrida que não fazia parte de nenhum campeonato, disputada no circuito de Brands Hatch, Inglaterra, usando carros de Fórmula 1, e que só teve duas edições realizadas, em 1971 e 1972; Pace chegaria em segundo lugar, atrás apenas do francês Jean-Pierre Beltoise, da BRM.

Seu bom desempenho faria com que ele seguisse com a Surtees na Fórmula 2 em 1973, quando disputaria apenas as três primeiras provas, e se transferisse para a equipe na Fórmula 1. Infelizmente, o carro da Surtees não era muito confiável, e Pace abandonaria 8 das 15 provas; em compensação, ele conseguiria seu primeiro pódio, um terceiro lugar na Áustria, pontuando também na prova imediatamente anterior, na Alemanha, onde quebraria o recorde de volta mais rápida do perigoso circuito de Nürburgring. Pace terminaria o campeonato na 11a posição, superando mais uma vez um colega de equipe mais experiente, o inglês Mike Hailwood, que sequer pontuaria - vale citar como curiosidade que, no GP do Brasil, a Surtees inscreveria um terceiro carro, pilotado pelo também brasileiro Luiz Bueno, que chegaria em 12o lugar; esse terceiro carro, no GP da África do Sul, ficaria com o italiano Andrea de Adamich, e, na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, com o alemão Jochen Mass.

Ainda em 1973, Pace receberia um convite da Ferrari para disputar as 24 Horas de Le Mans, dividindo carro com o italiano Arturo Merzario; eles conseguiriam terminar a prova na segunda colocação. A dupla também conseguiria a segunda colocação nos 1.000 km de Nürburging e a terceira nas 6 Horas de Watkins Glen - prova na qual Pace já havia sido terceiro no ano anterior, dividindo um Ford com o inglês Derek Bell. Também pela Ferrari, e também em 1973, ele disputaria o World Sportscar Championship, o campeonato de turismo da FIA, mas sem resultados expressivos.

Pace começaria a temporada de 1974 da Fórmula 1 ainda na Surtees, tendo Mass como colega de equipe, abandonando quatro provas e conseguindo um quarto lugar no GP do Brasil. Sua relação com o dono da equipe, entretanto, não era boa, e, após o GP da Suécia, sétima prova do campeonato, Pace decidiria deixar a equipe. Ele receberia um convite para correr pela Ferrari, mas não poderia aceitar por uma questão de patrocínio: no momento, todos os contratos de patrocínio da Ferrari já estavam fechados, e não havia como colocar no carro o logotipo da cervejaria Brahma, patrocinadora de Pace; se ele aceitasse o convite da Ferrari, deveria ficar o restante do ano sem correr, estreando pela equipe italiana apenas em 1975. Enquanto decidia qual seria o melhor curso de ação, Pace ficaria de fora do GP da Holanda, oitava etapa do campeonato.

Não querendo ficar fora das pistas pelo restante do ano, Pace conseguiria que a Brahma pagasse pela inscrição na prova seguinte, o GP da França, de um segundo carro da equipe Hexagon, que corria apenas com um, pilotado pelo irlandês John Watson, e usava carros da Brabham do ano anterior. Ele não iria bem nos treinos e não conseguiria se classificar (por causa do grande número de carros inscritos, na época nem todos largavam, apenas os que conseguissem os melhores tempos), mas chamaria a atenção de Bernie Ecclestone, o comandante da equipe Brabham, que poderia ser definida como "inconstante": apesar de ter um carro considerado forte, lutava para ter bons resultados e trocava frequentemente de piloto, com seu primeiro carro sendo do argentino Carlos Reutemann, mas o segundo tendo começado o ano com o inglês Richard Robarts, passado para o belga Teddy Pilette, e estando com Rikky von Opel, de Liechtenstein, até Ecclestone decidir que ele seria de Pace a partir da décima etapa, o GP da Inglaterra.

Nas seis corridas que disputaria pela Brabham em 1974, Pace abandonaria na Áustria, após um estouro de motor quando estava em segundo lugar; conseguiria um quinto lugar na Itália, onde quebraria o recorde de volta mais rápida da tradicional pista de Monza; e seria segundo nos Estados Unidos, em uma dobradinha da Brabham com Reutemann em primeiro, curiosamente após decidir mudar a pintura de seu capacete: até então, ele trazia uma seta amarela apontando para baixo, mas, imediatamente antes do GP dos EUA, Pace pediria para que a seta passasse a apontar para a frente. Os repórteres perceberiam a coincidência e perguntariam se a mudança teria ocorrido por algum tipo de superstição; Pace sempre negaria, e alegaria estar cansado da seta antiga, a qual achava "sem estética".

Para 1975, Reutemann e Pace seriam a dupla oficial da Brabham. Pace começaria o ano abandonando na Argentina, mas, na segunda corrida, o GP do Brasil, conseguiria sua primeira e única vitória na Fórmula 1, justamente em casa, e, ainda por cima, fazendo uma dobradinha brasileira com Emerson Fittipaldi, que na época corria pela McLaren, e chegaria em segundo. Na terceira prova do campeonato, na África do Sul, Pace conseguiria sua primeira pole position na Fórmula 1, mas, com problemas nos freios, terminaria a prova em quarto. O começo parecia animador, ainda mais quando, após abandonar na Espanha, Pace conseguiria mais um pódio, um terceiro lugar, em Mônaco, atrás de Niki Lauda, da Ferrari, que venceria a prova, e de Emerson, que chegaria em segundo. Pace ainda seria oitavo na Bélgica, pontuaria na Holanda, ao chegar em quinto, e obteria mais um pódio ao terminar em segundo na Inglaterra - mais uma vez numa dobradinha brasileira, dessa vez com Emerson em primeiro - mas, mais uma vez, o carro não se mostraria confiável o suficiente, o que o levaria a abandonar as outras seis provas - inclusive as quatro últimas, seguidas. Ainda assim, seus resultados fariam com que ele terminasse em sexto lugar no campeonato, a melhor colocação de sua carreira, e, aliados aos de Reutemann, dariam à Brabham o vice-campeonato de construtores, atrás apenas da Ferrari.

Paralelamente ao campeonato de Fórmula 1, em 1975 Pace disputaria Campeonato Brasileiro de Turismo, no qual seria o campeão do Grupo 1 - Classe C. Dividindo um Ford Maverick com Paulo Gomes, Pace também seria vencedor, no mesmo ano, das 25 Horas de Interlagos e das 12 Horas de Tarumã; esses resultados, aliados a outros que conseguiria com o mesmo carro, também dariam a Pace o título de 1975 do Torneio Sulamericano de Maverick.

Reutemann e Pace seriam mantidos para 1976, mas a Brabham teria um novo motor, trocando o Ford Cosworth V8 pelo em teoria mais poderoso Alfa Romeo de 12 cilindros. Os pilotos teriam problemas de adaptação, e Pace não conseguiria um novo pódio, tendo como melhores resultados dois quartos lugares, na França e na Alemanha; ele pontuaria também ao chegar em sexto na Espanha, e terminaria o campeonato em 14o. Após 12 provas, Reutemann seria contratado pela Ferrari para o lugar de Lauda, que havia sofrido seu famoso acidente em Nürburgring, e Pace passaria a ter como colega de equipe primeiro o alemão Rolf Stommelen - que já havia pilotado um terceiro carro da Brabham no GP da Alemanha daquele ano - e, nas duas últimas provas do campeonato, o australiano Larry Perkins.

1976 também seria o ano em que Pace, de certa forma, faria sua estreia no cinema: naquele ano, seria filmado Um Momento, Uma Vida, no qual Al Pacino interpreta Bobby Deerfield, um piloto de Fórmula 1 obcecado pela vitória, mas que, após presenciar um violento acidente fatal, passa a ter seu desempenho prejudicado pelo medo da morte. Pace seria o "dublê" de Pacino, no sentido de que, toda vez que o carro de Deerfield aparece na tela, na verdade é o Brabham de Pace.

Pace renovaria com a Brabham para 1977, e passaria a ter Watson como colega de equipe. Infelizmente, ele só participaria das três primeiras provas do ano, conseguindo mais um pódio, um segundo lugar no GP da Argentina, abandonando no Brasil, e chegando em 13o na África do Sul.

Apesar de ter nascido em uma grande metrópole e de ser apaixonado por velocidade, Pace gostava do isolamento, e, quando vinha ao Brasil, gostava de ficar em fazendas de amigos, especialmente na de Gomes, no interior do Mato Grosso. Em 1977, após o GP da África do Sul, seria disputado o GP dos Estados Unidos Oeste, e, ao retornar da África e antes de seguir para a Califórnia, Pace decidiria vir ao Brasil e se hospedar na fazenda de outro piloto, Marivaldo Fernandes, na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Pace havia, inclusive, sido aprovado no teste para conseguir brevê de piloto de aviação, para facilitar suas viagens pelo interior do país, e negociava a compra de um pequeno avião bimotor.

Seria Marivaldo quem estaria no comando da aeronave no dia 18 de março de 1977, porém, quando ele e Pace decolariam do pequeno aeroporto de Ribeirão Preto rumo a São Paulo, para que Marivaldo fechasse alguns negócios; o plano era ir e voltar no mesmo dia, e ambos decidiriam pela viagem subitamente no dia anterior, enquanto estavam na piscina da fazenda. Na hora estabelecida para o retorno à fazenda, o tempo estava muito instável, e, justamente quando o avião decolou do Campo de Marte, em São Paulo, começou uma tempestade. Incapaz de alcançar a altitude adequada, o bimotor se chocaria contra a Serra da Cantareira, na altura da cidade de Mariporã, matando instantaneamente seus três ocupantes - além de Marivaldo e Pace, estava no avião o piloto reserva Carlos Roberto de Oliveira. Pace tinha apenas 32 anos, e já era apontado como provável segundo brasileiro campeão da Fórmula 1, devido a seus excelentes testes no início da temporada.

Os restos mortais de Pace seriam enterrados no Cemitério do Araçá, em São Paulo. Ele deixaria sua esposa, Elda, e um casal de filhos, Rodrigo e Patrícia, que jamais se interessaram por automobilismo. Em 1985, o Autódromo de Interlagos, em São Paulo, onde Pace conseguiria sua única vitória na Fórmula 1 exatamente dez anos antes, seria renomeado para Autódromo José Carlos Pace em sua homenagem.
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domingo, 14 de novembro de 2021

Escrito por em 14.11.21 com 0 comentários

Graham Hill

Eu já falei aqui sobre pilotos que correram nas décadas de 1990, 1980, 1970 e até mesmo 1950, quando falei da Maria Teresa de Filippis. Nunca falei, porém, de um piloto da década de 1960. Essa semana estava pensando sobre isso, e decidi que iria escolher um para completar essa lista. Por isso, hoje é dia de Graham Hill no átomo!


Norman Graham Hill nasceu em Londres, na Inglaterra, em 15 de fevereiro de 1929. Diferentemente do que ocorre na história de outros pilotos, ele não tinha nenhum apreço nem por carros, nem por corridas na infância, estando mais interessado em engenharia; para isso, estudou na Hendon Technical College, se formando aos 17 anos e sendo contratado pela Smiths Instruments como engenheiro-aprendiz. No ano seguinte, ele teria de se alistar para o serviço militar obrigatório, que existiu no Reino Unido até 1960, e escolheu a marinha, sendo alocado como engenheiro auxiliar na sala de máquinas do navio HMS Swiftsure. Hill chegaria a pensar em seguir carreira na marinha, e chegaria ao posto de petty officer, mais ou menos equivalente a sargento, mas, aos 24 anos, optaria por dar baixa e voltar a trabalhar na Smiths Instruments, agora como engenheiro pleno.

Até então, Hill sequer tinha carteira de motorista, mas seu novo cargo exigia que ele se deslocasse para várias cidades próximas, então ele finalmente teve de obter uma. Ele também compraria um carro usado, em péssimo estado, mas que, em entrevistas posteriores, diria ser um dos responsáveis por seu estilo de pilotagem, já que o carro era tão ruim que ele precisava antecipar como ele iria se comportar a cada trecho da estrada, mais ou menos como em uma prova de automobilismo. Viajando a trabalho, Hill teria a oportunidade de assistir a várias corridas de moto, e, inicialmente, pensaria em se tornar piloto de motovelocidade, mas, em 1954, ele veria um anúncio do Universal Motor Racing Club, no autódromo de Brands Hatch, oferecendo a quem estivesse interessado a oportunidade de guiar um carro de Fórmula 3 por apenas 5 shillings cada volta. Ele faria sua estreia pilotando um Cooper, e se sairia tão bem que receberia um convite da equipe para ser um de seus pilotos no ano seguinte.

Hill disputaria a Fórmula 3 britânica pela Cooper até o final da temporada de 1956, sem obter nenhum resultado expressivo; ele faria amizade, porém, com os mecânicos da equipe Lotus, e, com seu conhecimento de engenharia, convenceria o mecânico-chefe a contratá-lo para a temporada de 1957 da Fórmula 2 - não como piloto, mas como mecânico. Na antepenúltima corrida da temporada, em Silverstone, entretanto, a Cooper teria um problema com um de seus pilotos, e convidaria Hill para substituí-lo; ele aceitaria e chegaria em quinto lugar. Impressionado com sua performance, Colin Chapman, dono da Lotus, que estava assistindo à prova, ofereceu a ele um lugar como piloto da Lotus nas duas últimas provas, em Goodwood, na qual ele chegou mais uma vez em quinto, e Oulton Park. Isso renderia a ele um contrato para ser piloto da Lotus na Fórmula 2 por toda a temporada de 1958.

Mas Hill mirava alto, e, após conseguir o segundo lugar na primeira prova do ano, em Goodwood, e um quarto lugar na segunda, em Aintree, convenceu Chapman a inscrevê-lo na Fórmula 1, começando pelo Grande Prêmio de Mônaco, segunda prova da temporada, a qual ele abandonaria com problemas de câmbio. Hill disputaria todo o restante da temporada exceto as 500 Milhas de Indianápolis, já que Champman decidiria não inscrever a equipe nessa prova; ele não daria muita sorte, contudo, abandonando cinco das sete provas restantes, chegando em sexto na Itália e apenas em 16o no Marrocos. Ao final da temporada, ele voltaria para a Fórmula 2, onde disputaria quatro provas, abandonando duas e chegando na décima-quarta posição nas outras duas.

O mesmo esquema seria adotado para 1959: Hill começaria a temporada na Fórmula 2, e, após três provas, iria para a Fórmula 1, onde disputaria sete das nove provas da temporada (sendo as exceções as 500 Milhas de Indianápolis e o Grande Prêmio dos Estados Unidos), retornando à Fórmula 2 para as seis últimas provas do campeonato. Na Fórmula 1, onde seria colega de equipe do inglês Innes Ireland, ele abandonaria cinco provas, seria sétimo na Holanda e nono na Inglaterra, mas na Fórmula 2 ele conseguiria um segundo lugar em Brands Hatch, na última prova da temporada. Em 1958 e 1959 ele também disputaria as 24 Horas de Le Mans pela Lotus, dividindo carro em 1958 com o também inglês Cliff Allison, seu colega de equipe na Fórmula 1 naquele ano, e em 1959 com o australiano Derek Jolly, mas em ambas as ocasiões abandonaria com problemas mecânicos - em 1958 após apenas três voltas.

Numa época em que os capacetes eram pouco mais que um boné feito de couro, Hill foi um dos primeiros pilotos a criar uma pintura de capacete pela qual ele pudesse ser facilmente reconhecido: ele pediria permissão ao London Rowing Club, um dos mais antigos clubes de remo do Reino Unido, para que seu capacete tivesse as mesmas cores e mesmo desenho do usado pelos remadores de lá - azul-marinho com oito linhas brancas verticais paralelas no topo da cabeça, representando as raias de uma competição de remo. Hill era apaixonado por remo, esporte que começou a praticar na marinha, e se filiou ao London Rowing Club em 1952, disputando várias competições e chegando a vinte finais, das quais ganhou oito. Em 1954, ele faria parte da tripulação do barco de oito remadores que representaria o clube na famosíssima Henley Royal Regatta, perdendo na semifinal para um barco francês que representava a Union Sportif Metropolitaine des Transports. Hill teria de abandonar as competições de remo por falta de compatibilidade de datas com as competições de automobilismo, mas seguiria sendo fã e apoiador, inclusive doando dinheiro e criando campanhas de arrecadação de fundos para o London Rowing Club.

Hill conheceria sua esposa, Bette, em uma festa de Natal organizada pelo Auriol Rowing Club, clube pelo qual ele remava, em 1950; ela também era remadora, do Stuart Ladies' Rowing Club, e, durante um tempo, ele serviria como técnico não-oficial de sua equipe. Os dois se casariam em 1955, antes mesmo de ele estrear na Fórmula 1; como todo o dinheiro que ele tinha estava sendo investido em sua carreira no automobilismo, a família dela teve que pagar por todo o casamento. O casal teria três filhos, Brigitte, Samantha e Damon, que decidiu ser piloto como o pai, chegou a ser colega de equipe de Ayrton Senna na Williams, e, em 1996, se tornou o primeiro filho de um Campeão Mundial de Fórmula 1 a se tornar também Campeão Mundial - feito até hoje somente igualado por Nico Rosberg, campeão em 2016 e filho do campeão de 1982, Keke Rosberg.

Insatisfeito com o desempenho da Lotus, Hill decidiria aceitar um convite da equipe BRM para disputar a temporada de 1960 da Fórmula 1, sendo colega de equipe do sueco Jo Bonnier e do norte-americano Dan Gurney. Ele impressionaria a todos na equipe com seu método de preparação para as provas, anotando todas as regulagens de seu carro e passando horas conversando com os mecânicos, inclusive sobre aspectos técnicos que não costumavam ser de interesse dos pilotos; por causa disso, ele ficaria conhecido como um dos primeiros "gênios de acerto do carro", pilotos que, usando sua própria experiência, modificavam o carro para obter mais velocidade sem abrir mão do controle. Com seus acertos, ele conseguiria seu primeiro pódio, um terceiro lugar na Holanda, mas a única outra corrida que ele terminaria seria Mônaco, onde chegaria em sétimo, já que o carro não se mostraria muito confiável e o levaria a abandonar outras seis provas, além de ficar fora de duas: as 500 Milhas de Indianápolis, na última vez em que fizeram parte do calendário da Fórmula 1, e o Grande Prêmio da Itália, no qual, em protesto pelo que consideraram um alteração no traçado do circuito feita especificamente para privilegiar a Ferrari em detrimento da segurança, Lotus, BRM e Cooper decidiriam boicotar a corrida.

Também em 1960, Hill ganharia sua primeira prova no automobilismo, a Targa Florio, prova de 500 milhas disputada entre 1906 e 1977 em um circuito misto na ilha da Sicília, na Itália, na qual dividiria um Porsche com o alemão Edgar Barth. A vitória renderia um convite da Porsche para disputar as 24 Horas de Le Mans, dividindo carro com Bonnier, mas mais uma vez ele não conseguiria completar a prova. Hill também disputaria, mas não completaria, as 24 Horas de Le Mans nos dois anos seguinte, em 1961 pela Ferrari, junto com o inglês Stirling Moss, e em 1962 pela Aston Martin, junto com o norte-americano Richie Ginther; Ginther também seria seu parceiro quando ele finalmente conseguiria completar a prova, em 1963, correndo pela BRM e chegando em oitavo.

Hill seguiria com a BRM na Fórmula 1 em 1961, ano no qual a equipe, com problemas financeiros que inclusive a levaram a abandonar seu motor próprio e correr com motores Climax, decidiria inscrever apenas dois pilotos, Hill e o inglês Tony Brooks. Mais uma vez ele não teria um bom ano, abandonando cinco das oito provas, mas conseguiria pontuar nos Estados Unidos (quinto) e na França (sexto), além de chegar em sétimo na Holanda.

Em 1962,  a maioria das equipes investiria em motores V8, e a BRM, que voltaria a produzir seus próprios motores, conseguiria desenvolver um dos mais potentes. A temporada seria uma verdadeira batalha entre Hill, que teria Ginther como colega de equipe, e o escocês Jim Clark, da Lotus, já tido como um dos maiores talentos da categoria. Hill, que pela primeira vez faria uma temporada completa sem nenhum abandono, conseguiria sua primeira vitória logo na primeira corrida do ano, na Holanda, e também subiria ao lugar mais alto do pódio na Alemanha, Itália e na África do Sul, além de chegar em segundo nos Estados Unidos e na Bélgica - ele também pontuaria na Inglaterra (quarto) e em Mônaco (sexto), somente ficando fora da zona de pontuação na França (nono), em uma corrida cheia de abandonos e acidentes que marcaria a primeira e única vitória da Porsche na Fórmula 1, com Gurney. Com esses resultados, Hill seria campeão mundial pela primeira vez de lavada, somando 52 pontos contra 30 de Clark, que teve três vitórias mas quatro abandonos - o resultado oficial, porém, seria 42 a 30, pois o regulamento da época previa que cada piloto só poderia somar seus cinco melhores resultados, que, no caso de Hill, eram quatro vitórias e um segundo lugar.

Clark daria o troco no ano seguinte, 1963, que começaria com mais uma vitória de Hill, sua primeira em Mônaco, mas depois teria quatro vitórias seguidas do escocês, de um total de sete em dez provas, com Hill só voltando a vencer nos Estados Unidos, antepenúltima prova da temporada - além deles dois, somente o inglês John Surtees, da Ferrari, conseguiu uma vitória naquele ano, na Alemanha. Além das duas vitórias, Hill teria três terceiros lugares, na França, Inglaterra e África do Sul, seria quarto no México, abandonaria na Bélgica, Holanda, Itália e Alemanha; ele acabaria com o vice-campeonato, com 29 pontos contra 54 de Clark, que, sem os descontos (a partir desse ano contariam os seis melhores resultados), faria 73; curiosamente, Ginther, mesmo sem nenhuma vitória, faria até mais pontos que seu colega Hill, 34, mas, com os descontos, ficaria com os mesmos 29, terminando em terceiro porque o desempate era justamente pelo número de vitórias. Hill também tentaria, em 1963, se classificar pela primeira vez para as 500 Milhas de Indianápolis, pela equipe MT Harvey Aluminum, mas, após sofrer um acidente nos treinos livres que destruiria o carro, preferiria não participar dos treinos classificatórios.

1964 veria mais uma grande batalha entre Hill e Clark, e parecia que o título novamente ficaria com um dos dois. Hill mais uma vez começaria o ano vencendo em Mônaco, e Clark, em seguida, engataria uma sequência de vitórias, mas dessa vez de apenas duas, na Holanda e Bélgica. Gurney, agora pela Brabham, venceria mais uma vez na França, e Surtees mais uma vez venceria na Alemanha. Mas Hill, mais uma vez, obteria apenas mais uma vitória, de novo nos Estados Unidos, e Clark também conseguiria apenas mais uma, na Inglaterra, enquanto Surtees venceria na Itália, para delírio dos ferraristas, e seu colega de equipe, o italiano Lorenzo Bandini, venceria na Áustria. Com esses resultados, e graças a quatro abandonos de Surtees, quatro de Clark e apenas dois de Hill, esses três pilotos chegariam com chances de título à última prova, o Grande Prêmio do México, que fazia sua estreia naquele ano. Hill se envolveria em um acidente com Bandini e iria para o fundo do pelotão, chegando apenas em 11o; Clark teria de abandonar, acreditem ou não, na última volta, com um vazamento de óleo; e Surtees, chegando em segundo após Bandini, por ordem da Ferrari, trocar de posição com ele, seria campeão - a vitória seria de Gurney. Curiosamente, com três segundos lugares (na França, Inglaterra e Alemanha), um quarto na Holanda e um quinto na Bélgica, Hill somou 41 pontos contra 40 de Surtees, mas, graças à regra dos descontos, teve que descartar dois pontos desse quinto lugar, ficando com 39 pontos e o segundo vice-campeonato seguido.

Também em 1964, Hill conseguiria seu primeiro pódio nas 24 Horas de Le Mans, um segundo lugar, correndo pela Ferrari e dividindo carro com Bonnier. No ano seguinte, dividindo uma BRM com o escocês Jackie Stewart, ele chegaria em décimo, e em 1966, dividindo um Ford com o australiano Brian Muir, abandonaria após se envolver em um acidente. Entre 1964 e 1968, Hill também disputaria algumas provas da Tasman Series, um campeonato regional com provas na Austrália e Nova Zelândia. Nos dois primeiros anos ele correria pela Brabham, e obteria duas vitórias, uma em Longford em 1964 (quando disputou duas provas) e uma em Pukekohe em 1965 (quando disputou quatro). Seu melhor ano na categoria seria 1966, quando disputaria, pela BRM, cinco das oito provas do campeonato, subindo ao pódio em todas (vitórias em Pukekohe Park e Lakeside, segundo em Warwick e Longford, terceiro em Sandown), conseguindo o vice-campeonato. Entre 1967 e 1969 ele correria pela Lotus, mas em 1967 disputaria apenas a prova de Warwick, abandonando; em 1968 disputaria quatro provas e conseguiria dois segundos lugares e um terceiro, terminando o campeonato em quarto lugar; e em 1969, único ano em que disputou a temporada completa, teve dois segundos lugares e terminou o campeonato em quinto.

Na Fórmula 1, em 1965, tendo Stewart como colega de equipe, Hill somente venceria, pelo terceiro ano seguido, em Mônaco e nos Estados Unidos; Clark, com um carro claramente superior, começaria o ano vencendo na África do Sul, optaria por não correr em Mônaco para disputar as 500 Milhas de Indianápolis, realizadas no mesmo dia (que ele venceria, diga-se de passagem), e depois engataria cinco vitórias seguidas. As outras duas vitórias do ano seriam de Stewart, na Itália, e de Ginther, no México, na primeira vitória da Honda na Fórmula 1. Hill seria segundo lugar na Inglaterra, Alemanha e Itália, terceiro na África do Sul, quarto na Holanda, quinto na Bélgica e França, e abandonaria no México; terminaria o campeonato com 47 pontos, ficando com 40 após os descontos. Essa pontuação lhe daria seu terceiro vice-campeonato seguido, 14 pontos atrás de Clark, que, além das seis vitórias, teria um décimo lugar na Itália e dois abandonos. O ano seguinte, 1966, seria o último de Hill na BRM. Sem conseguir repetir o desempenho dos anos anteriores, ele seria segundo na Holanda, terceiro na Inglaterra e em Mônaco, quarto na Alemanha e abandonaria as outras cinco provas, terminando o campeonato em quinto.

Também em 1966, Hill decidiria se inscrever mais uma vez para as 500 Milhas de Indianápolis, dessa vez pela equipe Mecom Racing Enterprises. Ele se classificaria em 15o, largando na quinta fila; dos 33 pilotos, apenas Hill, Clark, Stewart e o canadense Billy Foster não eram norte-americanos. Logo na largada, um grande acidente causado por um toque entre Foster e Gordon Johncock tiraria 11 dos 33 pilotos da prova, incluindo Gurney e A.J. Foyt, causando uma bandeira vermelha que interromperia a prova por quase uma hora e meia. A relargada seria feita em fila indiana, mas, com apenas uma volta, a corrida entraria em bandeira amarela graças a uma batida de Johnny Boyd na curva 1. O restante da corrida, felizmente, não teria grandes complicações, exceto por duas rodadas de Clark, ambas sozinho, mas que não resultaram em acidentes nem em grande perda de tempo para o piloto.

A chegada, entretanto, foi extremamente controversa: na época, os tempos de cada volta eram anotados manualmente pelos chefes de equipe e comissários de corrida, que, volta a volta, atualizavam, também manualmente, aquele totem enorme que mostra as posições de cada carro na corrida. De acordo com a Lotus, mesmo com as duas rodadas, Clark liderava com uma volta de vantagem sobre Stewart, mas, faltando dez voltas, o totem mostrava Stewart em primeiro, Hill em segundo e Clark em terceiro. Enquanto a equipe de Clark protestava, Stewart teve um problema na pressão do óleo que o levaria a abandonar, e Hill assumiria a ponta. Na bandeirada, o resultado oficial declararia Hill como vencedor, 41,13 segundos à frente de Clark. O próprio Hill se diria "confuso" e "surpreso" com o resultado, mas a equipe de transmissão da IMS Radio Network, que transmitiu a corrida pelo rádio, confirmaria que, de acordo com suas anotações, ele havia sido o vencedor. A Lotus optaria por não entrar com um protesto oficial, e aceitaria o resultado, após um dos mecânicos levantar a hipótese de que Stewart e Hill teriam passado Clark durante sua segunda rodada, o que não teria sido levado em conta pelo chefe de equipe da Lotus, Andy Granatelli.

Ao longo dos anos seguintes, várias teorias surgiriam para tentar explicar a confusão, a maioria delas envolvendo o carro de Al Unser, que era quase idêntico ao de Clark, de forma que os comissários ou Granatelli poderiam ter se confundido e anotado como voltas de Clark algumas que eram de Unser e vice-versa; para aumentar ainda mais a confusão, Johncock declararia que o vencedor havia sido ele, alegando que, após o acidente, teve de ir para os boxes trocar o bico do carro, e, como relargou dos boxes, os comissários não anotaram sua primeira volta, o que fez com que ele desse 201 voltas até receber a bandeirada a invés de 200. Seja como for, como a vitória de Hill jamais foi oficialmente contestada, ele é considerado o campeão legítimo da prova, se tornando o primeiro estreante a vencer as 500 Milhas desde George Souders em 1927.

Em 1967, Hill retornaria à Lotus, que teria um projeto ousado, com várias inovações aerodinâmicas, ele e Clark como pilotos, e o poderosíssimo motor Ford Cosworth DFV, que viria a se tornar o mais vitorioso do automobilismo, com mais de 150 vitórias na Fórmula 1, além de mais algumas em Le Mans e Indianápolis. O carro, porém, era muito arisco e pouco confiável, o que fez com que Hill abandonasse em nada menos que oito das onze corridas; nas três restantes, ele foi segundo em Mônaco e nos Estados Unidos, e quarto no Canadá, terminando o campeonato em sétimo. Clark teria quatro vitórias, mas um igual número de abandonos, e terminaria em terceiro; o campeão seria o neozelandês Denny Hulme, da Brabham, com apenas duas vitórias mas uma temporada mais consistente. A Lotus inscreveria Hill nas 500 Milhas de Indianápolis em 1967 e 1968, mas em ambos os anos ele abandonaria, no primeiro com problemas mecânicos, no segundo após se envolver em um acidente.

Para 1968, tendo solucionado os problemas de confiabilidade do carro, a Lotus esperava um ano dominante, com Hill e Clark brigando pelo título. De fato, Clark venceu a primeira corrida do ano, na África do Sul, mas pouco depois sofreria um acidente fatal numa corrida de Fórmula 2 em Hockenheim, Alemanha, da qual ele só participaria devido a obrigações contratuais com a Firestone, um dos patrocinadores da Lotus. Sem Clark, Hill, que passaria a ter como colega de equipe o inglês Jackie Oliver, passaria a ter todos os esforços da equipe concentrados em seu título. Ele conseguiria apenas três vitórias, na Espanha, Mônaco e México, mas com outros três segundos lugares, na África do Sul, Alemanha e Estados Unidos, e um quarto no Canadá (sendo também nono na Holanda e abandonando na Bélgica, França, Inglaterra e Itália), garantiria o bicampeonato com 48 pontos, contra 36 de Stewart, então na equipe Matra.

Tendo como colega de equipe o austríaco Jochen Rindt, Hill lutaria pelo tricampeonato em 1969, mas conseguiria apenas uma vitória, em Mônaco, e um segundo lugar, na África do Sul, terminando o campeonato em sétimo. A vitória em Mônaco seria sua última na Fórmula 1 e sua quinta no principado, o que lhe valeu o apelido de "Mr. Mônaco". Na penúltima etapa do campeonato, nos Estados Unidos, ele sofreria um grave acidente no qual quebraria as duas pernas, e chegaria a ouvir dos médicos que jamais poderia voltar a correr. Bem-humorado, ele pediria, durante uma entrevista, que alguém avisasse à sua esposa que ele teria de ficar um tempo sem poder dançar. Em 1969, a Lotus também o inscreveria nas 500 Milhas de Indianápolis, mas ele nem chegaria a participar dos treinos classificatórios, devido a um problema no carro.

Chapman não estava satisfeito com Hill na equipe, achando que ele não estava em sua melhor forma e não deu tudo que podia em 1969, e decidiu negociá-lo com a equipe Rob Walker, que corria com carros Lotus do ano anterior (o que era permitido pelo regulamento da época). Hill não ficou nada satisfeito, mas, como contratualmente ele era obrigado, e ainda estava se recuperando de seu acidente, decidiu não criar caso. Ele não conseguiria nenhum pódio, mas terminaria na zona de pontuação em quatro corridas, somando sete pontos e terminando o campeonato em 13o, ótimo para a Rob Walker, mas péssimo para seus padrões. No fim do ano, ele romperia contrato amigavelmente e decidiria se transferir para a Brabham. Suas duas temporadas pela equipe seriam péssimas: em 1971, tendo como colega de equipe o australiano Tim Schenken, ele abandonaria seis das onze corridas, e só marcaria pontos na Inglaterra, onde chegou em quinto; no ano seguinte, correndo ao lado do argentino Carlos Reutemann e do brasileiro Wilson Fittipaldi, seria sexto na África do Sul e na Alemanha e quinto na Itália, mas só.

1972, porém, seria o ano em que Hill conseguiria uma das maiores proezas da história do automobilismo: após seis anos fora da prova, ele aceitaria um convite da Matra para disputar as 24 Horas de Le Mans, dividindo carro com o francês Henri Pescarolo. Hill e Pescarolo venceriam a prova, o que transformaria Hill no primeiro, e até hoje único, piloto a conquistar a Tríplice Coroa do Automobilismo - título honorífico concedido a quem conseguir vencer, ao longo da carreira, o Grande Prêmio de Mônaco, as 500 Milhas de Indianápolis e as 24 Horas de Le Mans. O "título" (que não tem troféu, por isso é honorífico) foi criado pela imprensa na década de 1930, quando o italiano Tazio Nuvolari venceu o GP de Mônaco em 1932 e Le Mans em 1933; ao longo dos anos, outros seis pilotos chegariam perto, vencendo duas das três provas necessárias: o francês Maurice Trintignant (Le Mans em 1954, Mônaco em 1955 e 1958), o norte-americano A.J.Foyt (Indianápolis em 1961, 1964, 1967 e 1977, Le Mans em 1967), o neozelandês Bruce McLaren (Mônaco em 1962, Le Mans em 1966), o austríaco Jochen Rindt (Le Mans em 1965, Mônaco em 1970), o colombiano Juan Pablo Montoya (Indianápolis em 2000 e 2015, Mônaco em 2003) e o espanhol Fernando Alonso (Mônaco em 2006 e 2007, Le Mans em 2018 e 2019), sendo esses dois últimos os únicos que ainda têm chance e completar a trinca.

Uma coisa que precisa ser dita sobre Hill é que, numa época em que a maioria das provas sequer passava na televisão, de alguma forma ele conseguiu se tornar uma grande celebridade, sendo um convidado frequente na programação de TV do Reino Unido, com suas mais famosas participações tendo ocorrido nos programas Call my Bluff e Jim'll Fix It, da BBC. Ele também seria convidado para apresentar uma série sobre direção defensiva e segurança nas estradas, produzida pela Thames Television, chamada Advanced Driving with Graham Hill, e faria participações especiais em vários filmes para o cinema, os mais famosos sendo Grand Prix, de 1966, e Caravan to Vaccarès, de 1974. Enquanto se recuperava de seu acidente em 1969, ele escreveria uma autobiografia, Life to the Limit (algo como "vivendo no limite"), lançado em 1970; o livro faria tanto sucesso que ele escreveria mais três: Graham Hill's Motor Racing Book (1970), Graham Hill's Car Racing Guide (1971) e Advanced Driving with Graham Hill (1975).

Durante a temporada de 1972, a Brabham estava em processo de venda, após a aposentadoria de seu fundador, o piloto australiano Jack Brabham, ao fim do qual ela seria assumida por Bernie Ecclestone. Não se sentindo à vontade no ambiente da equipe, e não querendo pilotar por uma menor, Hill decidiria fundar sua própria equipe. Na época, era comum equipes de Fórmula 1 conseguirem gordos patrocínios de fabricantes de cigarros em troca de colocar o nome da marca como nome da equipe; assim, após conseguir patrocínio da fabricante de cigarros Embassy, Hill criaria a equipe Embassy, pela qual disputaria a temporada de 1973 como único piloto.

As três primeiras provas de 1973 seriam na Argentina, Brasil e África do Sul; Hill decidiria não viajar, de forma que a estreia da Embassy ocorreria na quarta corrida, na Espanha, que ele abandonaria com um problema nos freios. Como era de se esperar para uma equipe pequena e iniciante, seu melhor resultado seria um nono lugar na corrida seguinte, na Bélgica. Em 1974, ele decidiria contratar um segundo piloto, o inglês Guy Edwards, e correria nove das onze primeiras provas do campeonato, não viajando para a África do Sul e sendo substituído na Inglaterra pelo também inglês Peter Gethin; nas quatro últimas provas do ano, o segundo carro da Embassy seria do alemão Rolf Stommelen. Hill marcaria seus únicos pontos pela Embassy nesse ano, ao chegar em sexto na Suécia.

Em 1975, a Embassy começaria com Hill e Stommelen. Hill seria décimo na Argentina, 12o no Brasil e não conseguiria se classificar na África do Sul; ele então pensaria em se aposentar, sendo substituído na Espanha pelo francês François Migault, mas ainda decidiria tentar se classificar para o Grande Prêmio de Mônaco, quinta etapa da temporada, sem sucesso. Com a aposentadoria de Hill, no Grande Prêmio da Bélgica de 1975 a Fórmula 1 pela primeira vez não teria no grid nenhum piloto que correu durante a chamada Era Romântica da categoria, entre 1950 e 1960. Após a aposentadoria, ele seria substituído pelo inglês Tony Brise, que conseguiria mais pontos para a equipe ao também ser sexto na Suécia; Stommelen seria substituído na Bélgica por Migault, na Suécia pelo australiano Vern Schuppan, e na Holanda, França, Inglaterra e Alemanha pelo também australiano Alan Jones, que viria a ser campeão mundial em 1980 pela Williams, e conseguiria o melhor resultado da história da Embassy, um quinto lugar na Alemanha.

Vale registrar também que, a partir do Grande Prêmio da Espanha de 1975, a Embassy passou a correr com chassis fabricados por ela mesma, denominados GH1 e apelidados Hill; em 1974 e nas três primeiras provas de 1975 a equipe usaria chassis Lola, e em 1973 Hill correria com carros comprados da equipe Shadow, idênticos aos usados por eles, exceto na pintura. Em todos os três anos, os motores usados seriam o Ford Cosworth DFV V8. Hill ficaria extremamente animado com o chassis que a equipe desenvolvia para 1976, denominado GH2 e criado pelo projetista Andy Smallman. Brise começaria a testá-lo em Silverstone em meados de 1975, e a equipe acreditava que, com ele, poderia obter até mesmo um pódio.

Em 29 de novembro de 1975, a equipe decidiria testar o GH2 no circuito de Paul Ricard, França. Após os testes, Hill, que tinha brevê de piloto de aviação, viria pilotando o biplano da equipe de volta até Londres, quando ocorreria uma tragédia. Já se aproximavam as dez horas da noite, e havia um denso nevoeiro na região do aeródromo de Elstree, onde o biplano deveria pousar, o que o levaria a se chocar contra árvores que rodeavam o campo de golfe de Arkley, próximo ao aeródromo, explodindo e matando todos os ocupantes instantaneamente. Além de Hill, estariam a bordo Brise, Smallman, o chefe de equipe Ray Brimble e dois mecânicos, Terry Richards e Tony Alcock. Uma investigação seria aberta, e concluiria que o acidente foi causado por erro de Hill, que voava muito baixo. Após o acidente, o gerente da equipe, Allan Turner, decidiria encerrá-la, vendendo todos os seus ativos para a equipe Wolf.

Hill faleceria aos 46 anos, menos de vinte deles dedicados à Fórmula 1. Seus restos mortais seriam sepultados no pequeno cemitério de Shenleybury, próximo a onde a família Hill residia; na década de 1990, esse cemitério seria desativado, e seus restos seriam transferidos para um memorial na propriedade dos Hill. Após sua morte, duas estradas da Inglaterra seriam renomeadas para Estrada Graham Hill, uma no vilarejo de Silverstone, onde fica o circuito de mesmo nome, e uma na cidade de Bourne, onde ficava a sede da BRM; uma das curvas do circuito de Brands Hatch também passaria a se chamar Curva Graham Hill em sua homenagem.
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domingo, 12 de setembro de 2021

Escrito por em 12.9.21 com 0 comentários

Mulheres na Fórmula 1

Apesar de ser um esporte misto, o automobilismo é predominantemente masculino. As razões para isso são várias, mas o resultado é que, especialmente na Fórmula 1, a presença feminina ainda é extraordinariamente reduzida em todas as equipes. Quando se fala de pilotos, então, a proporção é absurdamente desigual, pois, junto às centenas de homens que já pilotaram um carro de Fórmula 1 em eventos oficiais da categoria, estão apenas seis, meia dúzia, de mulheres. Hoje eu gostaria de fazer uma coisa um pouquinho diferente e, ao invés de falar sobre a carreira de um único piloto, falar um pouco sobre cada uma dessas mulheres que conseguiram ultrapassar essa barreira e dirigir um carro de Fórmula 1 num evento oficial, provando que sexo não tem nada a ver com pilotagem.

Antes de começarmos, porém, duas coisas: junto ao nome de cada uma delas, no início de cada sessão, eu vou colocar em quais anos elas estiveram ligadas à Fórmula 1, e de quantas provas elas participaram. Vocês vão reparar que, nessa última linha, teremos até três números: para quantas provas elas foram efetivamente inscritas, em quantas conseguiram realmente largar, e quantas concluíram. A razão para a diferença entre o número de largadas e chegadas é óbvia, já que, se o piloto sofre algum acidente, ou se seu carro se quebra, não conclui a prova, tendo de abandoná-la antes do final, mas a razão para a diferença entre o número de provas e o número de largadas pode ser estranha para alguns. Acontece que o número de "vagas" em uma corrida de Fórmula 1 é limitado, ou seja, se houver um número muito grande de carros inscritos, nem todos poderão participar da prova, apenas os que tiverem os melhores tempos durante o treino de classificação. Como, desde 1996, o número de carros inscritos em uma mesma prova jamais passou de 24, todos participam de todas as provas, mas, até 1995, era comum pilotos ficarem de fora das provas porque não obtiveram um tempo suficientemente bom para se classificar para elas. É por isso que, para todas as pilotos que veremos hoje, há uma diferença entre o número de provas - aquelas das quais elas participaram do treino classificatório - e largadas - as provas para as quais elas realmente conseguiram se classificar.

Além disso, eu só vou falar hoje das mulheres que efetivamente participaram de eventos oficiais da Fórmula 1, ou seja, não contam testes de pré-temporada, testes privados de equipes para escolher seus pilotos, ou testes conduzidos em circuitos que não faziam parte do calendário da Fórmula 1 naquele ano. Desde 2002, o número de mulheres nesses tipos de testes vem aumentando, mas, infelizmente, ter uma delas disputando um evento oficial parece ser uma realidade ainda muito distante da que vivemos.

Maria Teresa de Filippis
1958-1959
5 provas, 3 largadas, 1 chegada

A primeiríssima mulher a dirigir um carro de Fórmula 1 seria Maria Teresa de Filippis, nascida em 11 de novembro de 1926 em Nápoles, Itália. Filha de um conde e praticante de hipismo e tênis na infância e adolescência, ela se envolveria com o automobilismo em 1948, aos 22 anos, graças a uma aposta com seus dois irmãos mais velhos, que a desafiaram a completar uma prova de 10 km entre Salerno e Cava de Tirreni, dirigindo um Fiat 500. No ano seguinte, ela começaria a disputar o campeonato italiano de carros esporte, sendo vice-campeã em 1954. Sua performance chamaria a atenção da montadora Maserati, que a contrataria para participar de várias provas de endurance e montanha; na época, a Maserati era uma das equipes mais fortes da Fórmula 1, e de Filippis vivia pedindo por uma chance que nunca veio, até que a montadora resolveu sair oficialmente da categoria após o título do argentino Juan Manuel Fangio em 1957.

Pelas regras da época, porém, era permitido a equipes, ou até mesmo a pessoas físicas, comprar carros de qualquer montadora e inscrevê-los nas corridas de Fórmula 1. Foi isso que de Filippis fez, comprando uma Maserati 250F e se inscrevendo para o GP de Mônaco de 1958; ela faria o 22º tempo dentre 30 inscritos, mas somente os 16 melhores tempos se classificaram para a corrida. Ela não se inscreveria pra as duas provas seguintes, o GP da Holanda e as 500 Milhas de Indianápolis, mas tentaria novamente para o GP da Bélgica, onde seria beneficiada pelo baixo número de inscritos: com apenas 19 carros disputando tempo, os organizadores decidiram que todos se classificariam, e de Filippis, mesmo com o pior tempo de todos, se tornaria a primeira mulher a disputar um Grande Prêmio de Fórmula 1. Essa seria também a única corrida que ela completaria, chegando em décimo e último dentre os que completaram a prova.

De Filippis seria proibida de se inscrever na corrida seguinte, o GP da França, pelo diretor de prova, que lhe diria que "o único capacete que uma mulher deve usar é o do secador de cabelos do salão de cabeleireiro", e, com pouco dinheiro, também deixaria passar os GPs da Inglaterra e da Alemanha; para o GP de Portugal, ela não precisaria inscrever seu próprio carro, recebendo um convite da equipe Scuderia Centro Sud, que também corria com uma Maserati 250F. De Filippis mais uma vez faria o pior tempo na classificação, mas, com apenas 15 inscritos, mais uma vez poderia largar; sua corrida duraria apenas seis voltas, contudo, com um estouro de motor a obrigando a abandonar. A corrida seguinte seria o GP da Itália, no qual ela mais uma vez se inscreveu com seu próprio carro; novamente, ela faria o pior tempo entre os 21 inscritos, mas, novamente, poderia largar mesmo assim - e, novamente, teria de abandonar com um estouro de motor, dessa vez após 57 das 70 voltas previstas.

Sem dinheiro para consertar o motor, ela decidiria abandonar a Fórmula 1, mas ainda teria a oportunidade de correr mais uma prova, ao receber um convite da equipe Porsche para disputar a primeira corrida de 1959, o Grande Prêmio de Mônaco. Assim como no ano anterior, ela não conseguiria se classificar, fazendo o 21º tempo entre 24 inscritos, com só os 16 primeiros largando. Ela também seria convidada pela Porsche para disputar o GP da Alemanha, mas desistiria após um acidente numa corrida de turismo, que estava sendo disputada no mesmo circuito, em Berlim, imediatamente antes do treino classificatório da Fórmula 1, matar o piloto francês Jean Behra, que, na Fórmula 1, dirigia pela Ferrari, mas, nessa prova, estava pilotando um Porsche RSK.

De Filippis abandonaria o automobilismo, se casaria com o químico austríaco Theodor Huschek em 1960, e não teria mais nenhum envolvimento com o esporte a motor até 1979, quando se filiou ao Clube Internacional de Ex-Pilotos de Grandes Prêmios de Fórmula 1, do qual foi eleita vice-presidente em 1997. Ela faleceria em 2016, aos 89 anos, de causas não divulgadas, e é hoje considerada uma das pioneiras do esporte a motor.

Lella Lombardi
1974-1976
17 provas, 12 largadas, 7 chegadas

Maria Grazia Lombardi nasceu em 26 de março de 1941 na pequenina Frugarolo, Itália. Em uma história que parece saída de um filme da Disney, seu pai era açougueiro, e, na adolescência, ela dirigia o carro que fazia as entregas das carnes para os clientes; ao ver a maestria com que ela dirigia em alta velocidade pelas tortuosas ruas da cidade, o dono de uma oficina mecânica lhe emprestou um kart, com o qual ela disputou várias provas regionais. Com o dinheiro que ganhou no kart, ela comprou um carro usado que possibilitou que ela disputasse a temporada de 1965 da Fórmula Monza. Após três anos nessa categoria, ela receberia um convite da equipe Tecno para disputar a Fórmula 3 italiana, e, já em seu ano de estreia, 1968, seria vice-campeã, atrás de seu colega de equipe, Franco Bernabei. Sem patrocínio, ela ficaria de fora da temporada 1969, mas, em 1970, se transferiria para a Fórmula 850 italiana, onde, dirigindo um Biraghi, seria campeã. No ano seguinte, ela se transferiria para a Fórmula Ford britânica, onde conseguiria seu segundo título, mas, mais uma vez sem patrocínio, retornaria à Itália e à Fórmula 3, terminando em décimo as temporadas de 1972 e 1973. Em 1974, ela disputaria a Fórmula 5000 europeia pela equipe Shellsport Luxembourg, terminando em quinto no campeonato, e correria duas provas da Fórmula 5000 dos Estados Unidos pela equipe Mir Racing, somando dois pontos.

Lella estrearia na Fórmula 1 também em 1974, ao aceitar um convite da equipe APG para disputar o GP da Inglaterra. Ela não se classificaria, mas também não faria feio, terminando a classificação com o 29º tempo entre 35 pilotos, com os 25 melhores tempos tendo se classificado. Ao pesquisar quem seria aquela piloto, a equipe March se impressionaria com sua carreira, e a convidaria para fazer a temporada completa de 1975 com o terceiro carro da equipe, ao lado do também italiano Vittorio Brambilla e do alemão Hans-Joachim Stuck. A rigor, somente a primeira corrida de seu contrato seria disputada pela March, já que, a partir da segunda, ela conseguiria um patrocínio da fabricante italiana de café Lavazza, e passaria, oficialmente, a correr pela equipe Lavazza - que era um carro igualzinho aos outros dois March, apenas com nome e pintura diferentes.

A primeira prova de Lella em 1975 seria o GP da África do Sul, no qual ela se tornaria a primeira mulher da história a se classificar por uma prova por tempo (já que de Filippis havia se classificado porque os organizadores haviam decidido que todos os inscritos iriam correr), fazendo o último tempo dentre os 26 classificados e deixando de fora o brasileiro Wilson Fittipaldi e o bicampeão mundial Graham Hill. Infelizmente, Lella não completaria a prova, com problemas no sistema de combustível após 22 das 78 voltas previstas.

A segunda prova de Lella em 1975, porém, a primeira pela Lavazza, seria o GP da Espanha, no circuito de rua de Montjuïc. O fim de semana começaria com confusão, já que os pilotos, no ano anterior, exigiram novas barreiras de segurança para a corrida, que não foram corretamente instaladas pelos organizadores, o que os levou a ameaçar uma greve. A reinstalação das barreiras levaria ao cancelamento dos treinos de sexta e duraria a noite toda, mas, na manhã de sábado, os pilotos ainda não estavam satisfeitos, e ameaçaram não correr. Eles só mudaram de ideia porque o governo da Espanha ameaçou processar as equipes por quebra de contrato e apreender seus carros. Diante do horário já tardio para iniciar a classificação, ficou acertado que todos os 26 pilotos inscritos correriam, com Lella fazendo o 24º melhor tempo. O então campeão Emerson Fittipaldi deu apenas as três voltas mínimas que o regulamento exigia, fez o pior tempo, e anunciou que não iria correr no domingo.

A corrida seria cheia de acidentes, começando com um logo na largada que envolveria quatro carros, dentre eles os dois da primeira fila: Brambilla bateria em Mario Andretti, então na Parnelli, que acertaria o pole position Niki Lauda, que se chocaria contra seu colega de Ferrari, Clay Regazzoni. Na quarta volta, o motor da Tyrrell de Jody Scheckter explodiria, jogaria óleo na pista, e causaria uma batida entre Alan Jones, da Hesketh, e Mark Donohue, da Penske. Na volta 24, Ronnie Peterson, da Lotus, se chocaria com François Migault, da Embassy, ao tentar ultrapassá-lo. Mas o pior ocorreria na volta 26: a asa traseira do alemão Rolf Stommelen, também da Embassy, se quebraria, fazendo com que ele se chocasse tão violentamente contra a barreira de pneus que seu carro levantaria voo, cruzaria a pista e acertaria outra barreira do outro lado, matando um bombeiro, dois fotógrafos e um espectador - o piloto sofreria fraturas nas pernas, pulsos e costelas, mas sobreviveria. Na volta 29, os organizadores decidiriam suspender a prova, alegando falta de segurança; Lella estava ocupando o sexto lugar na ocasião, o que faria com que ela se tornasse a primeira e única mulher até hoje a pontuar na Fórmula 1 - como menos de três quartos da prova haviam sido disputados, segundo o regulamento da época, os pilotos só receberiam metade dos pontos, e, como o sexto lugar então valia um ponto, Lella marcaria meio ponto. O vencedor seria o alemão Jochen Mass, da McLaren, e essa seria a última vez que a Fórmula 1 correria em Montjuïc.

Lella não conseguiria se classificar para a corrida seguinte, o GP de Mônaco, fazendo o 25º e penúltimo tempo dentre os 26 inscritos, com apenas os 18 melhores se classificando; depois disso, ela engataria uma sequência de oito classificações, largando mas abandonando nos GPs da Bélgica e Suécia, sendo 14ª na Holanda, 18ª na França, abandonaria na Inglaterra, quase pontuaria de novo na Alemanha, sendo 7ª no dificílimo circuito de Nürburgring, 17ª na Áustria e abandonaria na Itália. Como seu contrato com a Lavazza não previa o GP dos Estados Unidos, última etapa da temporada, ela seria contratada para fazer essa prova pela Williams; todos os 24 pilotos inscritos se classificariam automaticamente, mas nenhum dos dois Williams alinharia para largar, Lella com problemas de ignição.

Lella começaria 1976 mais uma vez na Lavazza, terminando em 14º no GP do Brasil, mas a March decidiria dar o terceiro carro para Peterson, e ela ficaria sem lugar para  restante da temporada. Com a ajuda da Lavazza, ela conseguiria um carro na equipe RAM a partir da nona etapa do campeonato, o GP da Inglaterra, mas não se classificaria nem para ele, nem para o seguinte, o GP da Alemanha. Ela ainda seria 14ª na Áustria, naquela que seria a última corrida com a presença de uma mulher na Fórmula 1, mas, sem interesse da equipe, não completaria o campeonato.

Depois da Fórmula 1, Lella correria no endurance: entre 1976 e 1980, ela disputaria as 24 Horas de Le Mans, em 1977 participaria das 24 Horas de Daytona, e, entre 1978 e 1980, competiria no endurance italiano, vencendo, em 1979, as 6 Horas de Pergusa e as 6 Horas de Vallelunga. A partir de 1980, Lella se dedicaria ao turismo, disputando várias categorias até 1988, quando decidiria se aposentar; no ano seguinte, ela fundaria sua própria equipe de turismo, a Lombardi Autosport, que existe até hoje e disputa o campeonato italiano. Ela faleceria em 1992, aos 50 anos, em Milão, vítima de um câncer no seio. Em 1998, ela receberia uma estátua em sua homenagem em Frugarolo.

Divina Galica
1976, 1978
3 provas, 0 largadas

Divina Mary Galica (pronuncia-se "galitsa") nasceu em Bushey Heath, Inglaterra, em 13 de agosto de 1944. Na infância, gostava de esportes de inverno, e, na adolescência, decidiu se tornar esquiadora. Aos 19 anos, foi selecionada para a equipe britânica que competiu nas Olimpíadas de Inverno de 1964, em Innsbruck, Áustria, onde participou das provas de downhill e slalom. Em 1968, ela conseguiria duas medalhas de bronze na Copa do Mundo de esqui, nas provas de downhill das etapas de Bad Gastein, Áustria, e Chamonix, França, o que lhe renderia o posto de capitã da equipe olímpica de esqui do Reino Unido para as Olimpíadas de Inverno de 1968, em Grenoble, França, participando do downhill, do slalom e do slalom gigante, ficando em oitavo lugar nesse último. Ela manteria o posto para as Olimpíadas de Inverno de 1972, em Sapporo, Japão, onde também participaria das três provas e terminaria em sétimo lugar no slalom gigante.

Galica começaria no automobilismo por acaso, já com trinta anos, ao ser convidada para uma prova de celebridades em Herfordshire, Inglaterra. Surpresa com sua própria performance, ela decidiria experimentar correr em karts, passando por algumas provas também da Fórmula Renault, Fórmula Vauxhall e Fórmula 2, mas sempre com contratos assinados por prova, nunca para a temporada completa. Em 1976, ela seria convidada para disputar a Shellsport International Series, categoria cujas provas eram todas disputadas no Reino Unido, pela equipe Shellsport Whiting, que usava carros de Fórmula 1 da Surtess do ano anterior. Galica não conseguiria nenhum pódio, mas terminaria na zona de pontuação em dez das 13 provas, o que lhe garantiria o quarto lugar no campeonato. Esse desempenho animaria a a ShellSport Whiting a inscrevê-la no GP da Inglaterra de Fórmula 1 daquele ano, disputado em Brands Hatch, mas ela ficaria com o 28º tempo, sendo que somente os 26 melhores se classificariam - como curiosidade, vale citar que esse foi o único treino classificatório da história da Fórmula 1 a contar com a presença de duas mulheres, já que Lella Lombardi também participou.

Em 1977, Galica faria mais uma temporada com a Shellsport Whiting na International Series, conseguindo um segundo lugar na prova de Snetterton e dois terceiros, em Mallory Park e Thruxton; graças a esses resultados, mesmo somente completando seis das 14 provas, ela terminaria em sexto lugar no campeonato. Esse desempenho lhe renderia um convite da equipe Hesketh para participar das duas primeiras provas da temporada de 1978 da Fórmula 1, mas, após ela terminar com o pior tempo nos treinos classificatórios tanto do GP da Argentina quanto do GP do Brasil, o contrato não seria renovado para o restante da temporada.

Depois de sua passagem pela Fórmula 1, Galica correria algumas provas do Aurora AFX F1 Championship, campeonato que usava o mesmo regulamento da Fórmula 1, inclusive no relativo à construção dos carros, entre 1978 e 1980, conseguindo um segundo lugar em Zandvoort, Holanda, em seu ano de estreia. Ela também disputaria algumas provas do campeonato europeu de Fórmula 2 entre 1977 e 1980, mas sem resultados expressivos, e, de 1983 a 1989, correria com carros esporte e caminhões em diversas provas pela Europa. No início da década de 1990, ela voltaria ao esqui, inclusive conseguindo se classificar para representar o Reino Unido na prova do esqui em velocidade das Olimpíadas de 1992, em Albertville, França, terminando em vigésimo lugar.

Em 1990, Galica se tornaria instrutora de jovens pilotos na prestigiada Skip Barber Racing School, onde chegaria a ocupar o posto de vice-presidente. Em 1997, por sua importância para o esporte feminino britânico, em especial o esporte a motor, ela seria nomeada Membro da Ordem do Império Britânico. Em 2005, ela deixaria a Skip Barber para se tornar uma das diretoras da iRacing.com, e, desde 2018, também atua como instrutora de jovens pilotos na Bertil Roos Racing School. Aos 76 anos, Galica não tem nenhuma intenção de deixar de vez as pistas.

Desiré Wilson
1980
1 prova, 0 largadas

Desiré Randall nasceu em Brakpan, África do Sul, em 26 de novembro de 1953. Ela começaria sua carreira aos 12 anos de idade, não no kart, mas correndo em midget cars, pequenos carros construídos especialmente para corridas em pistas de terra. Em 1972, ela faria sua estreia nos monopostos ao estrear na Fórmula V sul-africana, onde, em sua primeira temporada, já terminaria em quarto lugar no campeonato. Ela ficaria mais dois anos na categoria, terminando mais uma vez em quarto em 1973 e sendo vice-campeã em 1974, e, sentindo que talvez tivesse uma chance na Fórmula 1, decidiria se transferir para a Fórmula Ford sul-africana, que tinha mais visibilidade, em 1975, sendo campeã já em sua temporada de estreia. Após um bicampeonato em 1976, ela receberia um convite para se transferir para a Fórmula Ford britânica em 1977, decidindo disputar também, simultaneamente, os campeonatos da Holanda e de Benelux (que tinha provas na Bélgica, Holanda e Luxemburgo), terminando em terceiro lugar em todos os três campeonatos. Antes de se mudar para a Inglaterra, ela se casaria com o arquiteto sul-africano Alan Wilson, e mudaria seu nome para Desiré Wilson.

Em 1978, ela se transferiria para o Aurora AFX F1 Championship, e, em 1980, se tornaria a única mulher a vencer uma prova pilotando um carro de Fórmula 1, a segunda da temporada, em Brands Hatch, com um carro da equipe Theodore Racing Hong Kong, que usava chassis fabricados pela Wolf. Com mais um segundo lugar em Thruxton e um terceiro em Mallory Park, ela estava na luta pelo título, mas sua equipe faliu, e ela ficou sem ter como prosseguir no campeonato. Ela, então, decidiria aceitar um convite do piloto inglês Alain de Cadenet, dono de sua própria equipe, para dividir o carro com ele em provas de endurance, chegando em segundo lugar nos 1000 km de Brands Hatch e vencendo os 1000 km de Monza e as 6 Horas de Silverstone daquele ano.

Seu bom desempenho em Brands Hatch chamaria a atenção de John MacDonald, chefe da equipe RAM, que corria na Fórmula 1 como uma espécie de subsidiária da Williams, usando carros do ano anterior. Ela seria inscrita para o GP da Inglaterra de 1980, que seria disputado naquele circuito, com sua equipe usando o nome de Brands Hatch Racing. Infelizmente, com um carro muito inferior aos demais, ela faria o pior tempo entre os 27 inscritos, e não se classificaria para a corrida. Ainda em 1980, ela e de Cadenet tentariam correr as 24 Horas de Le Mans, mas se envolveriam em um acidente durante os treinos, e não poderiam largar, mesmo tendo obtido o oitavo tempo. Durante a década de 1980, ela correria várias provas de endurance, como as 24 Horas de Daytona e as 24 Horas de Spa Francorchamps; seu melhor resultado seria nas 24 Horas de Le Mans de 1983, quando, dividindo um Porsche com os alemães Axel Plankenhorn e Jürgen Lässig, terminaria em sétimo lugar.

Em 1981, Wilson quase conseguiria correr uma prova de Fórmula 1: pilotando uma Tyrrell, ela participaria do GP da África do Sul daquele ano, que estava previsto para ser a primeira prova do campeonato. A infame Guerra FISA-FOCA estava em seu início, e as equipes filiadas à FISA, como Ferrari e Alfa Romeo, exigiram a mudança da data da corrida, o que, segundo os organizadores, era impossível; as equipes filiadas à FOCA insistiram em correr na data estipulada, e a FIA determinou que a corrida poderia acontecer, mas sem fazer parte do campeonato. Wilson largaria em 16º, e, após deixar o carro morrer na largada, se recuperaria e galgaria várias posições, tendo de abandonar a prova após completar 51 das 77 voltas ao sair sozinha da pista e tocar um muro enquanto abria passagem para o argentino Carlos Reutemann, da Williams, que liderava a prova e estava colocando uma volta sobre ela.

Como não conseguiu arrecadar o patrocínio necessário para continuar com a Tyrrell no restante da temporada, Wilson decidiria se dedicar ao turismo e endurance, sem resultados expressivos. Em 1982, ela decidiria aceitar um convite da Theodore Racing, que ressurgia das cinzas, para correr as 500 Milhas de Indianápólis, não conseguindo se classificar devido a problemas de motor - mas poderia ter sido pior, já que o segundo piloto da Theodore, o norte-americano Gordon Smiley, teve uma quebra durante os treinos, se acidentou e morreu. Em 1983, ela seria contratada pela equipe Wysard para disputar o campeonato da Fórmula Indy, não conseguindo se classificar mais uma vez para as 500 Milhas, mas conseguindo um décimo lugar em Cleveland. Ela seguiria com a Wysard em 1984, mas, por razões de patrocínio, só conseguiria se inscrever para duas provas, a de Long Beach e as 500 Milhas, não conseguindo se classificar para nenhuma das duas.

Ela ainda disputaria três provas da Fórmula Indy em 1986 pela equipe Machinists Union Racing, completando as três, mas sem resultados expressivos; chegaria em sexto na prova de Phoenix da Indy Lights, categoria de acesso à Indy, do mesmo ano, correndo pela equipe ARS; e disputaria a prova de Denver da Indy Lights de 1991 pela Leading Edge Motorsports, chegando em 12º. Sua última competição de destaque foi o Campeonato Norte-Americano de Turismo de 1997, correndo pela equipe Schader Motorsports, tendo como melhor resultado um sexto lugar em Long Beach. No final daquela temporada, ela se aposentaria das pistas; hoje, ela é considerada um dos maiores nomes do automobilismo sul-africano, e dá palestras para incentivar meninas a entrarem no esporte, além de participar de eventos de caridade e corridas de ex-pilotos.

Giovanna Amati
1992
3 provas, 0 largadas

Giovanna Amati nasceu em Roma, Itália, em 20 de julho de 1959, filha da atriz Anna Maria Pancani e de Giovanni Amati, que era dono de uma cadeia de cinemas. Aos 19 anos, ela foi sequestrada por três bandidos que a estupraram e a mantiveram em cativeiro trancada numa jaula de madeira durante 75 dias, somente a libertando após sua família pagar uma fiança de 800 milhões de liras (o equivalente, na época, a 933 mil dólares). O líder do grupo, o francês Jean Daniel Nieto, entretanto, se apaixonou por ela e a procurou após libertá-la para saber se estava tudo bem, sendo preso após o encontro; os jornais da época adoraram a história, publicando que a vítima e o sequestrador estavam vivendo um romance proibido.

Amati entraria para o automobilismo porque seu pai era amigo do piloto italiano de Fórmula 1 Elio de Angelis; ela começaria sua carreira na Fórmula Abarth em 1981, onde ficaria por quatro anos, conseguindo algumas vitórias mas sem nunca lutar pelo título. Seu desempenho lhe renderia um convite da equipe Ravarotto Racing para se transferir para a Fórmula 3 italiana em 1985; sem conseguir nenhuma vitória, e após marcar apenas 5 pontos, ela se transferiria para a Team Coperchini para a temporada de 1986, que seria ainda pior, com apenas 2 pontos. Mesmo assim, ela conseguiria se transferir, no ano seguinte, para a Fórmula 3000 internacional, onde ficaria também por dois anos, novamente sem resultados expressivos. Após uma tentativa na Fórmula 3 japonesa em 1989, mais uma vez sem nenhum destaque, ela retornaria para a Fórmula 3000 em 1990, disputando também o campeonato de 1991, concomitantemente com a Fórmula 3000 britânica.

Diante dessa carreira nada brilhante, seria uma surpresa quando, em janeiro de 1992, ela seria contratada pela equipe Brabham para a temporada daquele ano da Fórmula 1. Sua carreira seria super breve, porém: após fazer o pior tempo dentre os 30 pilotos inscritos nas três primeiras provas do ano, os GPs da África do Sul, México e Brasil, ela seria demitida e substituída pelo inglês Damon Hill, filho do bicampeão mundial Graham Hill.

Depois da Fórmula 1, Amati passaria para as provas de turismo e endurance, disputando a Porsche Supercup, o campeonato mundial de GT, os 1000 km de Monza, as 12 Horas de Sebring, a International Sports Racing Series e a Sports Racing World Cup, onde conseguiria o melhor resultado de sua vida, um terceiro lugar no campeonato de 1999, com duas vitórias. No final de 1999, ela decidiria se aposentar do automobilismo, se tornando comentarista esportiva na TV italiana e escrevendo colunas sobre esportes em diversas publicações do país.

Susie Wolff
2012-2015
0 provas

Ok, lá no começo do post eu falei que só iria falar sobre pilotos que participaram de eventos oficiais da categoria. Então como assim Susie Wolff, a mais recente mulher a pilotar um Fórmula 1, tem zero provas? A questão é que Wolff, contratada pela Williams para ser piloto de testes, realmente jamais participou de uma corrida ou de uma sessão de classificação, mas participou de quatro treinos livres, daqueles que acontecem na sexta-feira, e, segundo a FIA, os treinos livres são eventos oficiais da Fórmula 1. Diante disso, achei que caberia incluí-la nesse post também.

Wolff nasceu Suzanne Stodart, em 6 de dezembro de 1982, em Oban, Escócia. Seus pais eram donos de uma concessionária de motocicletas, e seu pai costumava disputar provas de motovelocidade voltadas para amadores no Reino Unido, então não foi problema nenhum quando a pequena Susie, ainda com 8 anos, decidiu que queria correr em karts. Ela ficaria nos karts, correndo em várias categorias, até o ano 2000, ganhando vários títulos e, por quatro vezes seguidas, o prêmio de Melhor Piloto de Kart Feminina do Reino Unido. Aos 19 anos, ela decidiria se transferir para o campeonato britânico de Fórmula Renault, onde ficaria até 2004, temporada na qual conseguiria dois segundos lugares, um terceiro, e terminaria na zona de pontuação em 19 das 20 provas - só não o fazendo na última porque teve de abandonar com problemas mecânicos. Esse desempenho lhe garantiria um convite para correr, em 2005, no campeonato britânico de Fórmula 3 - o qual ela teve de abandonar após apenas duas provas, ao fraturar o tornozelo em um acidente - e para disputar a etapa de Brands Hatch da Porsche Carrera Cup GB.

Após essa experiência pilotando um Porsche, ela seria convidada pela equipe Mücke Motorsport para se transferir para a DTM, talvez o mais importante campeonato de turismo no planeta, no qual dirigiria um Mercedes Benz Classe C. Ela ficaria dois anos com a Mücke, se transferindo para a Persson Motorsport, que corria com o mesmo Mercedes, em 2008, ficando com a equipe até 2012. Sua melhor temporada seria a de 2010, na qual conseguiria um sétimo lugar em Lausitz, Alemanha. Em 2011, ela se casaria com o ex-piloto e investidor austríaco Toto Wolff, e mudaria seu nome de piloto, oficialmente, de Susie Stodart para Susie Wolff.

Seria por influência de Wolff que, no final de 2012, Susie seria contratada pela Williams para ser um "piloto de desenvolvimento", ou seja, para realizar testes visando o aperfeiçoamento do carro. Em 2014, entretanto, a equipe decidiria escalá-la para pilotar seu segundo carro, então pertencente ao finlandês Valtteri Bottas, no primeiro treino livre para o GP da Inglaterra, quando, com problemas elétricos, completaria apenas uma volta; no mesmo ano, ela participaria do último treino livre para o GP da Alemanha, mais uma vez no lugar de Bottas, conseguindo o 15º melhor tempo dentre 22 pilotos, ficando apenas dois décimos de segundo atrás do outro piloto da Williams, o brasileiro Felipe Massa.

Susie seria promovida a piloto de testes em 2015, participando da pré-temporada completa e dos treinos livres para os GPs da Espanha e da Inglaterra, no qual ficaria em 13º lugar entre 20 pilotos. Ao final da temporada 2015, entretanto, ela decidiria não renovar seu contrato, ao ver que não teria chance de ser aproveitada em corrida. Após participar da Corrida dos Campeões, em novembro, representando a Escócia e dividindo carro com David Coulthard, ela decidiria se aposentar de vez do automobilismo.

Após a aposentadoria, Susie seria nomeada embaixadora da Mercedes em 2016, e, em 2018, se tornaria diretora esportiva da equipe Venturi Racing, da Fórmula E. Mas sua principal conquista seria se tornar co-fundadora da organização Dare to be Different ("ousando ser diferente"), que estimula meninas entre 8 e 14 anos a se envolverem no esporte a motor, visando preparar uma nova geração de jovens e talentosas pilotos mulheres. Assim como Galica, em 2017 Susie seria nomeada, por seus serviços prestados às mulheres no esporte, Membro da Ordem do Império Britânico.
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