domingo, 29 de outubro de 2023

Escrito por em 29.10.23 com 0 comentários

What If...?

Uma das ideias da Marvel que eu sempre achei mais geniais foi a revista What If...?. Eu adorava quando aparecia alguma história dela nas revistinhas da Abril que eu comprava, e às vezes penso que deve ser por isso que eu gosto tanto da saga A Era do Apocalipse - que, se a gente for parar pra pensar, é um gigantesco What If...?. Na década de 1990, quando eu era adolescente e o mercado de quadrinhos importados estava bombando aqui no Brasil, eu até pensei em fazer uma coleção completa, mas desisti depois de descobrir que era impossível para o meu patamar financeiro encomendar as edições originais das décadas de 1970 e 1980. Ainda hoje eu torço pelo lançamento de um Omnibus nacional.

Já faz um bom tempo que eu penso em fazer um post sobre What If...? aqui no átomo; me lembro que pensei em fazer um lá nos primórdios, quando comecei a falar sobre as coisas que eu gosto, e novamente depois que a série baseada em What If...? estreou no Disney+. De todas as vezes em que pensei, acabei desistindo por um motivo ou outro, mas dessa vez decidi começar a escrever para ver se conseguiria formar um post completo. Aparentemente eu consegui, porque hoje é dia de What If...? no átomo!

Segundo conta a lenda, a revista What If...? (que jamais foi lançada aqui no Brasil, mas que, quando suas histórias eram publicadas, tinha seu nome traduzido para "O Que Aconteceria Se...?") surgiria devido a incontáveis cartas dos leitores; todo mês chegavam à Marvel cartas perguntando o que teria acontecido caso o Homem-Aranha tivesse aceitado o convite do Sr. Fantástico para se unir ao Quarteto Fantástico, se Bruce Banner não tivesse impedido que Rick Jones recebesse a radiação gama da bomba que o transformou no Hulk, se o Capitão América não tivesse sido congelado ao final da Segunda Guerra Mundial, enfim, todo mês tinha alguém querendo saber como seria o Universo Marvel caso algum momento-chave não tivesse acontecido da forma como foi mostrado nos quadrinhos.

Frequentemente, os roteiristas que tinham acesso a essas cartas se pegavam imaginando as respostas para essas perguntas, até que, em medos da década de 1970, o roteirista Roy Thomas, que havia substituído Stan Lee como editor-chefe da Marvel, e já havia trabalhado escrevendo para três dos quatro principais títulos da editora - The Avengers, Fantastic Four e The Uncanny X-Men - decidiria colocar essa ideia em prática, e escreveria justamente uma história na qual o Homem-Aranha decide se unir ao Quarteto Fantástico. Depois de uma breve reunião editorial, Thomas convidaria o desenhista Jim Craig para fazer a arte de sua história, e ficaria decidido que a Marvel lançaria uma nova série bimestral, que, a cada edição, traria uma história completa, ambientada em uma realidade alternativa na qual um pequeno detalhe era diferente do que havia acontecido no Universo Marvel original, aquele mostrado mensalmente aos leitores. O nome dessa revista seria What If...?, mas seu título sempre traria a pergunta que ela responderia naquele mês - por exemplo, na capa da primeira edição, o título é What If Spider-Man Joined the Fantastic Four? ("O Que Aconteceria Se o Homem-Aranha se unisse ao Quarteto Fantástico?").

A primeira edição de What If...? seria publicada em fevereiro de 1977. Cada uma delas começava com Uatu, o Vigia, normalmente em sua casa na Lua, recontando os fatos que os leitores já viram nas histórias da continuidade normal da Marvel, cada uma delas até chegar a um determinado momento, quando ocorria um "ponto de divergência", no qual um personagem tomava uma decisão diferente da que havia tomado na história original, ou simplesmente algo não ocorria da forma como ocorreu da primeira vez, mudando totalmente o restante da história. Curiosamente, a maioria das história de What If...? terminava em tragédia, como que para mostrar que aquilo que ocorreu da primeira vez era o "certo", e que as coisas não estariam nos eixos nos cenários alternativos.

Muita gente imagina que, dessa forma, a revista What If...? teria criado o que hoje é amplamente chamado de Multiverso, um sem número de realidades alternativas, cada uma contendo diferenças em relação à "realidade principal", aquela na qual a maior parte das histórias é ambientada. Na verdade, o Multiverso, embora ainda não com esse nome, foi criado nos quadrinhos na concorrente da Marvel, a DC Comics, em uma história do Flash escrita por Gardner Fox, na qual Barry Allen, o Flash da Era de Prata, descobre uma forma de viajar para uma outra Terra, e se encontra com Jay Garrick, o Flash da Era de Ouro. Publicada na revista Flash 123, de setembro de 1961, essa história seria o ponto de partida não somente para que personagens da Era de Ouro, praticamente abandonados pela DC desde os anos 1940, voltassem a ser introduzidos na cronologia do Universo DC, agora como habitantes de uma Terra paralela, mas também para que futuros roteiristas criassem suas próprias Terras paralelas, com novas versões dos personagens DC, como o Sindicato do Crime da América, contrapartes malignas da Liga da Justiça habitantes de uma Terra paralela conhecida como Terra-3, também criadas por Fox e introduzidas na revista Justice League of America 29, de agosto de 1964.

Antes de prosseguirmos, cabe falar que a história do Flash de Fox não foi a primeira da DC a mostrar uma Terra paralela, com uma história da Mulher Maravilha, publicada na revista Wonder Woman 59, de maio de 1953, escrita por Robert Kanigher, mostrando a Princesa Amazona viajando para uma Terra paralela e tendo de enfrentar a Mulher Maravilha de lá; embora a heroína tenha voltado a revisitar essa Terra paralela alguns meses depois, essa história, ao contrário da de Fox, não teve grandes repercussões, até porque o início da década de 1950 foi uma época na qual ninguém parecia se interessar por quadrinhos de super-heróis. E vale dizer também que a criação do Multiverso foi o que acabou levando a DC a ter de publicar a saga Crise nas Infinitas Terras para colocar ordem na casa, já que, em meados da década de 1980, o Universo DC já tinha tantas Terras paralelas que era quase impossível compreender em qual delas cada história era ambientada.

Embora também se possa argumentar que What If...? tenha criado o Multiverso Marvel, a verdade é que, apesar de o Vigia dizer no início de cada história que ele estava "vislumbrando uma realidade alternativa", cada edição era autocontida, trazendo uma história que jamais voltaria a ser revisitada - as únicas exceções na série original foram as edições 4, "O Que Aconteceria Se os Invasores tivessem continuado juntos após a Segunda Guerra Mundial?", e 9, "O Que Aconteceria Se os Vingadores tivessem sido formados na década de 1950?" (essa última trazendo uma equipe formada por Homem 3D, Homem-Gorila, Vênus, Robô Humano e Marvel Boy, cinco heróis da Atlas Comics, editora que, em 1961, mudaria de nome para Marvel Comics); pouco após a publicação de cada uma, a Marvel anunciaria que elas eram parte de seu cânone, ou seja, que ocorriam em realidades alternativas que faziam parte do Universo Marvel e poderiam ser revisitadas, embora nunca tenham sido. As demais, aparentemente, eram apenas exercícios da imaginação do Vigia.

Ao todo, a série original de What If...? teria 47 edições, com a última sendo publicada em outubro de 1984; a série não possuía roteirista, desenhista ou arte-finalista fixos, com cada edição sendo produzida por uma equipe diferente - embora Thomas também tenha escrito a segunda, "O Que Aconteceria Se o Hulk tivesse a mente de Bruce Banner?", ilustrada por Herb Trimpe. No início, a série seria um grande sucesso de vendas, e motivaria ainda mais cartas sugerindo novas histórias - vale dizer que, apesar de algumas das histórias de What If...? realmente terem sido motivadas por cartas de leitores, a maioria delas eram ideias originais dos roteiristas, já que usar uma ideia de um leitor poderia trazer complicadores na hora de publicar a revista. Conforme os anos 80 avançavam, infelizmente, as vendas da revista cairiam, e os leitores passariam a reclamar que as histórias já não tinham mais a mesma criatividade das primeiras, o que acabaria levando ao cancelamento.

Além das já citadas, podemos listar como destaque a edição 3, O Que Aconteceria Se os Vingadores nunca tivessem existido?, na qual, após o Hulk sair da equipe, Hank Pym, Vespa e Thor também decidem sair, deixando o Homem de Ferro sozinho; a 8, O Que Aconteceria Se todos soubessem que o Demolidor é cego?; a 10, O Que Aconteceria Se Jane Foster tivesse encontrado o martelo do Thor?, publicada em agosto de 1978, uma espécie de prenúncio do que realmente viria a acontecer com a personagem quase quarenta anos depois; a 18, O Que Aconteceria Se o Dr. Estranho tivesse sido discípulo de Dormmamu?; a 19, O Que Aconteceria Se o Homem-Aranha jamais tivesse se tornado um combatente do crime?, na qual Peter Parker consegue impedir o assassinato do Tio Ben, e, ao invés de um super-herói, se torna um ator de Hollywood; a 20, O Que Aconteceria Se os Vingadores tivessem de lutar a Guerra Kree-Skrull sem Rick Jones?, na qual Jones, um dos maiores responsáveis pela vitória da equipe, é morto antes de o conflito começar; a 22, O Que Aconteceria Se o Dr. Destino tivesse se tornado um herói?, na qual o maior vilão da Marvel decide usar seus poderes para combater o crime ao invés de dominar o mundo; a 26, O Que Aconteceria Se o Capitão América fosse eleito Presidente?; a 27, O Que Aconteceria Se a Fênix não tivesse morrido?; e a 31, O Que Aconteceria Se Wolverine tivesse matado o Hulk?.

Nem todas as edições tinham apenas uma história, com algumas trazendo duas ou três histórias curtas ao invés de uma comprida. E nem todas eram "sérias", com a primeira edição a fazer uma paródia da Marvel sendo a 11, O Que Aconteceria Se o bullpen original da Marvel ganhasse os poderes do Quarteto Fantástico?, na qual o Sr. Fantástico, a Garota Invisível, o Tocha Humana e o Coisa são, respectivamente, Stan Lee, Flo Steinberg, Sol Brodsky e Jack Kirby; bullpen é um termo do beisebol usado para se referir aos arremessadores que não estão jogando mas podem entrar no decorrer da partida, e Marvel's Bullpen era um termo usado por Stan Lee, principalmente na seção de cartas, para se referir à sua equipe, tendo sido esse quarteto, por assim dizer, o primeiro bullpen da Marvel. Já a edição 34 foi uma "edição especial de humor", somente com grandes questões como "o que aconteceria se a Garota Invisível tingisse o cabelo?", "o que aconteceria se o Vigia fosse um comediante de stand up?", "o que aconteceria se o Homem-Aranha se casasse com a Mulher-Aranha?", "o que aconteceria se Raio Negro tivesse soluços", "o que aconteceria se todos os heróis Marvel, ao invés de em Nova Iorque, morassem em Toledo, Ohio" e "o que aconteceria se Magnum fosse uma mulher e Luke Cage fosse uma garota?" - essa última um trocadilho com o fato de o nome de Magnum em inglês ser Wonder Man e o de Luke Cage ser Power Man, o que mudaria seus nomes para Wonder Woman e Power Girl, os nomes em inglês da Mulher Maravilha e da Poderosa, da DC.

Assim como a 34, a edição 38, publicada em abril de 1983, era uma edição especial - no caso, não de humor, mas de futurologia: ambientada no ano de 2013, ela traria três histórias, acompanhando o Capitão América, o Demolidor e o casal Visão e Feiticeira Escarlate 30 anos no futuro. Hoje, já tendo se passado dez anos a mais do que a ambientação dessa edição, é curioso ver como as histórias desses heróis não chegaram nem perto do mostrado, o que comprova que se tratava de uma realidade alternativa.

Também merece ser citada, mas por outros motivos, a edição 16, O Que Aconteceria Se Shang-Chi, o Mestre do Kung Fu, lutasse ao lado de Fu Manchu?. Originalmente, Shang-Chi era filho de Fu Manchu, se rebelava e decidia combater o império criminoso do pai; acontece que Fu Manchu não era um personagem Marvel, e sim uma criação do escritor inglês Sax Rohmer, um supervilão que comandava uma organização criminosa chamada Si-Fan, e foi estrela de 13 romances e 3 contos publicados entre 1913 e 1959, posteriormente adaptados para o cinema, rádio e TV. Assim como, por exemplo, Conan, Fu Manchu foi licenciado para a Marvel, que, além de usá-lo como vilão em diversos de seus títulos, decidiu criar o personagem Shang-Chi, estrela da revista The Deadly Hands of Kung Fu (voltada para o público adulto, assim como The Savage Sword of Conan), intrinsecamente ligado a ele. Uma desvantagem que talvez não tenha sido levada em conta na época foi que, a partir do momento em que a Marvel perdeu os direitos sobre Fu Manchu, nenhuma das histórias que traziam o vilão pôde ser republicada, incluindo essa What If...?, na qual Shang-Chi, ao invés de se rebelar contra o pai, fica a seu lado e se torna um de seus principais generais. Vale dizer também que, após a Marvel perder os direitos sobre Fu Manchu, Shang-Chi ficaria anos sem dar as caras, voltando após uma retcon que mudaria o nome de seu pai para Zheng Zu e o da organização criminosa para Sociedade das Cinco Armas.

Mas a edição mais comentada de todas foi a 24, O Que Aconteceria Se o Homem-Aranha tivesse resgatado Gwen Stacy?, cuja capa já dava uma dica: "faça o que fizer, Homem-Aranha... não a salve!". Uma das mais pedidas pelos leitores nas cartas, a edição revisita um dos momentos mais chocantes e emblemáticos da Marvel (e da história dos quadrinhos, já que, para muitos estudiosos, foi essa história que marcou a transição da Era de Prata para a Era de Bronze): a morte de Gwen Stacy, a namorada de Peter Parker, enquanto ele a tentava salvar do Duende Verde. Na What If...?, ele consegue salvá-la, os dois se casam, mas, a partir daí, nada acontece conforme o esperado - em mais uma prova de que, se aconteceu daquela forma, foi porque tinha de acontecer. A edição seria a de maior vendagem de toda a série, e só não foi um sucesso de crítica porque não existia crítica de quadrinhos na época, mas é até hoje apontada como um dos melhores roteiros da Marvel e uma das melhores soluções da What If...? - que, afinal de contas, tinha que encontrar uma resposta satisfatória para cada pergunta. Lançada em dezembro de 1980, essa edição teve roteiro de Ralph Macchio e arte de Gil Kane.

Quatro anos após o cancelamento, em junho de 1988, a Marvel lançaria uma edição especial, com número 1, chamada What If Iron Man Had Been a Traitor? ("o que aconteceria se o Homem de Ferro fosse um traidor"), ambientada durante os primeiros dias dos Vingadores, quando é descoberto que o Homem de Ferro, na verdade, é um agente secreto do governo soviético. As vendas seriam boas e a Marvel receberia diversas cartas pedindo o retorno de What If...?, o que aconteceria em uma segunda série, com numeração recomeçando do 1, em julho de 1989. Essa segunda série seria mensal e mais longeva que a primeira, se encerrando na edição 114, publicada em novembro de 1998. A Marvel nega, mas se comenta que um dos motivos pelos quais ela trouxe de volta a What If...? foi o início da publicação pela DC da linha Elseworlds, que também trazia histórias ambientadas em realidades alternativas, da qual o primeiro título, Gotham by Gaslight, uma aventura do Batman na Era Vitoriana, foi lançado em fevereiro de 1989; diferentemente de What If...?, Elseworlds não era uma série regular, e sim uma linha composta por diversas edições especiais lançadas esporadicamente.

Enquanto na primeira série cada história tinha seu começo, meio e fim na mesma edição, na segunda série algumas histórias foram publicadas em partes (como O Que Aconteceria Se os Vingadores tivessem perdido a Operação Tempestade Galáctica, em duas partes nas edições 55 e 56). Além disso, algumas das histórias da segunda série eram novas versões de histórias da primeira, com desdobramentos diferentes (como a edição 32, O Que Aconteceria Se a Fênix não tivesse morrido? e a 50, O Que Aconteceria Se o Hulk tivesse matado Wolverine?). Algumas histórias eram no formato "você decide", com vários finais dentre os quais o leitor podia escolher, dependendo do que preferisse que algum personagem fizesse (como a 63, O Que Aconteceria Se o Máquina de Combate não tivesse destruído o Laser Vivo?). Em algumas das edições, a história principal era séria, mas as restantes eram de humor (como a 9, O Que Aconteceria Se os Novos X-Men tivessem morrido em sua primeira missão?, que também trazia a história "o que aconteceria se Raio Negro falasse enquanto dorme?"), e a edição 34 (cujo título era O Que Aconteceria Se ninguém vigiasse o Vigia?) seria uma nova versão da edição 34 da primeira série, toda de humor - incluindo as incríveis histórias "o que aconteceria se o Dr. Destino fosse um pediatra?" e "o que aconteceria se Galactus enfrentasse o Homem-Formiga?".

Além das já citadas, os destaques da segunda série incluem a edição 2, O Que Aconteceria Se o Demolidor tivesse matado o Rei do Crime?; a 4, O Que Aconteceria Se o uniforme alienígena tivesse possuído o Homem-Aranha?; a 10, O Que Aconteceria Se a família do Justiceiro não tivesse sido assassinada?; a 24, O Que Aconteceria Se Wolverine fosse o Senhor dos Vampiros?; a 28, O Que Aconteceria Se o Capitão América tivesse liderado um exército de Supersoldados na Segunda Guerra Mundial?; a 30, O Que Aconteceria Se a segunda criança do Quarteto Fantástico tivesse sobrevivido? (uma menina filha do Sr. Fantástico com a Mulher Invisível que, na história original, morreu no parto); a 58, O Que Aconteceria Se o Justiceiro tivesse matado o Homem-Aranha?; a 66, O Que Aconteceria Se Vampira absorvesse o poder do Thor?; a 77, O Que Aconteceria Se Legião tivesse matado Magneto? (no evento que deu origem à Era do Apocalipse); e a 78, O Que Aconteceria Se o Novo Quarteto Fantástico tivesse continuado sendo uma equipe? (com o Novo Quarteto Fantástico sendo o Homem-Aranha, o Hulk cinza, o Motoqueiro Fantasma e Wolverine).

Entre as edições 76, de agosto de 1995, e 86, de junho de 1996, a What If...? traria na capa o selo "Marvel Alterniverse", usado para identificar histórias que não se passavam na continuidade normal do Universo Marvel, como as minisséries Ruínas e A Última História dos Vingadores. Também a partir da edição 76, a revista deixaria de ter um narrador, com as histórias sendo apresentadas como se fossem histórias comuns do Universo Marvel, e não eventos recontados, e, a partir da edição 87, as histórias da revista, tanto na capa quanto no miolo, deixariam de ter o título padronizado What If...?; a capa passaria a trazer What If... starring e o nome do personagem que estrelava a história principal daquela edição, e cada história, exceto as de humor, passaria a ter um título normal (por exemplo, na edição 109, estrelada pelo Quarteto Fantástico, a capa trazia What If... starring The Fantastic Four, a história principal se chamava Tragedy in a Tiny Town, mas a história secundária, de humor, era "o que aconteceria se Vampira fosse feia?"). As histórias dessas 28 últimas edições também eram menos dependentes, por assim dizer, de momentos de destaque do Universo Marvel, simplesmente trazendo histórias ambientadas fora da cronologia do Universo Marvel regular.

Uma das edições preferidas dos fãs, que rendeu mais cartas para a Marvel, foi a 75, O Que Aconteceria Se Blink, da Geração X, não tivesse morrido?. Blink foi uma personagem criada para aparecer apenas na primeira história da Geração X, e que depois acabou incluída como uma personagem regular na Era do Apocalipse. Ela acabaria fazendo tanto sucesso que a Marvel receberia cartas todos os meses pedindo para que ela retornasse à continuidade normal - se Jean Grey pôde voltar, por que não Blink? A princípio, a Marvel não estava muito disposta a fazer isso, então publicou essa edição da What If...? para fazer um teste, optando por trazer a personagem de volta diante da boa repercussão - curiosamente, porém, ao invés de ressuscitar a Blink original, ela transportaria a Blink da Era do Apocalipse para a continuidade regular.

Mas a edição de maior impacto seria a 105, de fevereiro de 1998, What If... starring Spider-Man?, estrelada pela Garota-Aranha, a filha de Peter Parker e Mary Jane, que nasceu mutante, com os poderes do pai. Ambientada em um futuro alternativo, no qual a menina é adolescente e super-heroína, a revista seria um sucesso tão grande que levaria a Marvel a criar toda uma linha, chamada MC2, ambientada no mesmo universo, que contava com as revistas Spider-Girl, A-Next (com os sucessores dos Vingadores), J2 (estrelada pelo filho do Fanático, que era um super-herói ao invés de um vilão), Fantastic Five (o "quinteto fantástico", versão futura do Quarteto) e Wild Child (estrelada pela filha de Wolverine e Elektra). As quatro últimas revistas tiveram venda curta (A-Next e J2 tiveram 12 edições cada, Fantastic Five e Wild Child apenas cinco), mas Spider-Girl teve boas vendas, e se manteve no mercado de outubro de 1998 a setembro de 2006, em redondas 100 edições. O universo MC2 seria usado pela Marvel em diversas minisséries até 2015, quando seria destruído na minissérie Guerras Secretas.

A segunda série de What If...? também teria duas edições especiais. A primeira seria a "edição -1", lançada em julho de 1997 (entre as edições 98 e 99), que traria uma história na qual Bishop tem de impedir o vilão Fitzroy de voltar no tempo e impedir a criação dos X-Men. A segunda seria lançada somente em fevereiro de 2011, teria o número 200, e traria duas histórias: "o que aconteceria se Norman Osborn tivesse vencido o cerco de Asgard?" e "o que aconteceria se o Vigia matasse Galactus?", além de uma retrospectiva de todas as edições anteriores de What If...?, feita por Roy Thomas.

Entre o cancelamento da segunda série e o lançamento da edição 200, a Marvel lançaria nada menos que sete novas séries de What If...?. A terceira série seria composta por seis edições, todas lançadas em fevereiro de 2005, e todas elas com o número 1 - em suma, eram seis one-shots. A ideia de reviver What If...? partiria do roteirista CB Cebulski, mas Justin Gabrie, editor da Marvel na época, optaria por esse formato ao invés de uma série regular ou minissérie. Uma curiosidade sobre a terceira série é que cada roteirista atua como narrador de sua própria história. Os títulos da terceira série foram O Que Aconteceria Se Jessica Jones se unisse aos Vingadores?, O Que Aconteceria Se Karen Page tivesse sobrevivido?, O Que Aconteceria Se a Tia May tivesse morrido ao invés do Tio Ben?, O Que Aconteceria Se o Dr. Destino fosse o Coisa?, O Que Aconteceria Se Magneto e o Professor X tivessem fundado os X-Men juntos? e O Que Aconteceria Se o General Ross tivesse se transformado no Hulk?. Junto com essas seis edições, seria lançada uma edição de humor chamada Wha... Huh?, que responderia a grandes questões como "o que aconteceria se todos os Vingadores usassem barba?", "o que aconteceria se o Pantera Negra fosse branco?" e "o que aconteceria se MODOK tivesse uma coceira?".

A quarta série seria lançada em fevereiro de 2006, mais uma vez composta por seis one-shots, cada um com um nome que começava por What If? featuring e trazia em seguida o nome do herói que estrelava a edição: Demolidor, Capitão América, Namor, Thor, Quarteto Fantástico e Wolverine. Curiosamente, essa série seguia uma estrutura similar à de Elseworlds: todas eram ambientadas em uma mesma Terra alternativa, com os heróis tendo ganhado seus poderes e vivido suas aventuras em lugares e épocas diferentes da do Universo Marvel regular - o Capitão América na época da Guerra Civil, o Demolidor no Japão Feudal, Wolverine na Chicago da década de 1920, Namor foi criado por seu pai na superfície, o Quarteto Fantástico é uma equipe soviética na época da Guerra Fria, e Thor é arauto de Galactus. Todas as edições da quarta série têm novamente o Vigia como narrador.

A quinta série seria publicada em janeiro de 2007; cada uma de suas cinco edições era relacionada a uma saga da Marvel e trazia o nome dessa saga no título - por exemplo, a dos Vingadores era relacionada à saga A Queda, e trazia o título What If? Avengers Disassembled, enquanto a dos X-Men, relacionada à Era do Apocalipse, era What If? Age of Apocalypse. Mais uma vez, todas as cinco eram numeradas com o número 1. A sexta série seguia a mesma estrutura, mas suas cinco edições foram lançadas mensalmente, entre outubro de 2007 e janeiro de 2008 (duas em dezembro). Dentre os destaques, What If? Planet Hulk, What If? Annihilation e What If? Civil War. Uma sexta edição, estrelada pelo Novo Quarteto Fantástico, faria parte dessa série, mas acabaria adiada devido à morte do desenhista Mike Wieringo, sendo posteriormente ampliada e lançada em junho de 2008 como uma edição especial de 48 páginas chamada What If: This Was the Fantastic Four, cujas vendas foram totalmente revertidas para a ONG The Hero Initiative, que ajuda artistas dos quadrinhos que estejam passando por necessidades financeiras.

A sétima série, lançada em fevereiro de 2009, teria mais cinco edições seguindo o modelo estabelecido pela quinta e sexta, que incluíam What If? House of M (na qual a Feiticeira Escarlate tira os poderes de todos os heróis e vilões, não só dos mutantes) e What If? Secret Wars (na qual o Dr. Destino mantém o poder do Beyonder). Cada edição tinha duas histórias, sendo a segunda em cinco partes, uma por edição, e estrelada pelos Fugitivos e pelos Jovens Vingadores. Já a oitava série, lançada em fevereiro de 2010, que incluiria What If? Secret Invasion e What If? World War Hulk, traria em cada uma de suas cinco edições dois finais possíveis, com o leitor podendo escolher. Finalmente, a nona série, lançada em fevereiro de 2011, teria quatro edições, incluindo What If? Dark Reign, cada uma com duas histórias, a segunda em quatro partes com a interessante premissa "o que aconteceria se o simbionte do Venom se unisse a Deadpool?".

A partir daí, a Marvel decidiria mudar o modelo de What If...? e lançar minisséries ligadas cada uma a uma saga. Em setembro de 2013, seria lançada a minissérie em quatro edições What If? AvX, que mostrava caminhos alternativos para os acontecimentos da saga Vingadores vs. X-Men. Em abril de 2014, seria a vez de What If? Age of Ultron, minissérie em cinco edições com cada uma removendo um dos Vingadores do Universo Marvel antes de Hank Pym criar Ultron - respectivamente, Vespa, Homem de Ferro, Thor, Capitão América e Hank Pym, o que cria um mundo sem Ultron, mas também sem o Visão. E em outubro de 2015 seria a vez de What If? Infinity, na qual cada uma de suas cinco edições trazia um final diferente para a saga - uma delas com a vitória de Thanos, outra com Norman Osborn se apoderando da Manopla do Infinito.

Três anos se passariam antes que a Marvel decidisse lançar uma décima-terceira série (contando cada minissérie como uma série), que seria também uma volta às origens: apesar de todas as edições serem número 1 e cada uma trazer o nome de um herói (What If? Spider-Man, What If? X-Men, What If? The Punisher, What If? Ghost Rider, What If? Thor e What If? Magik), cada história era baseada em uma mudança importante em um momento-chave do Universo Marvel - Flash Thompson sendo mordido pela aranha radioativa ao invés de Peter Parker, Peter Parker decide se tornar o Justiceiro após a morte do Tio Ben, Thor foi criado pelos gigantes do gelo ao invés de Loki ser criado em Asgard etc.

Após mais três anos sem What If...?, entre junho e outubro de 2021 seria lançada a minissérie em cinco edições What If? Spider-Man: The Spider's Shadow, que, revisitando uma história da segunda série, mostrava Peter Parker se entregando ao simbionte e se transformando em Venom. Entre março e setembro de 2022, seria a vez de What If? Miles Morales, minissérie na qual, em cada uma de cinco edições, Miles Morales ganha os poderes de um herói diferente ao invés dos do Homem-Aranha (Capitão América, Wolverine, Hulk e Thor, na quinta edição os cinco Miles têm de se unir para enfrentar uma ameaça grande demais para um só). A por enquanto última série de What If...? se chama What If...? Dark, e teve quatro edições, duas lançadas em julho e duas em agosto de 2023, cada uma trazendo "versões sombrias" de acontecimentos do Universo Marvel - em uma delas, o Homem-Aranha consegue salvar Gwen Stacy, mas morre em seguida.

Antes de terminar, já que eu falei sobre as edições de humor e sobre Wha... Huh?, eu gostaria de falar sobre duas outras revistas de humor da Marvel que eu acho sensacionais. Em ordem cronológica, a primeira é Not Brand Echh, uma revista de sátira e paródia, no estilo da revista MAD. O nome da revista tem uma explicação curiosa: nas propagandas dos Estados Unidos, ao invés de falar o nome de suas concorrentes, as empresas costumam usar o termo Brand X, a "marca X", pronunciado "brend éks". Nas seções de cartas e outros avisos da Marvel, quando era necessário falar sobre sua principal concorrente, a DC, antes de Stan Lee criar o termo Distinta Concorrência (em inglês, Distinguished Competition), também era usado o Brand X, que os funcionários da Marvel pronunciavam Brand Echh - com esse echh sendo aquele som que a gente faz quando está com nojo de alguma coisa - nome que acabaria, durante um tempo, também sendo usado para se referir à DC nas páginas das revistas Marvel.

A revista seria criada por Roy Thomas e Gary Friedrich, que criaram o nome Not Brand Echh porque, em sua concepção original, seria uma revista que faria paródia dos heróis de outras editoras, principalmente da DC; ao apresentar a ideia a Stan Lee, ele decidiria que a revista faria mais sucesso - e talvez seria menos propensa a um processo - se os alvos das paródias fossem as histórias da própria Marvel. Ao longo de sua história, a Not Brand Echh chegaria a apresentar paródias envolvendo personagens da DC, da Gold Key Comics, da Tower Comics e da Warren Publishing, mas o foco principal era mesmo os personagens da própria Marvel. O lema da revista, estampado acima de seu título era "quem disse que quadrinhos precisam ser bons?".

O primeiro número de Not Brand Echh introduziria um novo personagem, Forbush Man (algo como "Homem Fuleiro"), um combatente do crime meio atrapalhado e sem nenhum superpoder, que usava como uniforme um pijama daqueles antigos, que são uma peça inteira, cobrindo os pés e com uma abertura no bumbum, e uma panela na qual ele abriu dois buracos para os olhos como máscara - e, na edição 5, seria revelado que sua identidade secreta seria Irving Forbush, o office boy da Marvel, que na verdade não existia na vida real, tendo sido criado para a revista. A maioria das histórias, entretanto, não eram estreladas pelo Forbush Man, e sim pelas já citadas paródias dos super-heróis, como Ironed Man (o "Homem Passado a Ferro"), Dr. Deranged (ou "Dr. Depravado", paródia do Dr. Estranho), Spidey-Man (sendo Spidey o apelido do Homem-Aranha em inglês, o equivalente a quando o chamam de Aranha nas histórias traduzidas para o português), o Incrível Bulk e Charlie America. Uma das histórias de maior sucesso seria Rent A Super-Hero, na qual crianças contratavam super-heróis para fazer por elas tarefas como arrumar o quarto e lavar a louça.

Not Brand Echh teria 13 edições, publicadas entre agosto de 1967 e maio de 1969, e contaria dentre seus roteiristas e desenhistas com grandes nomes da Marvel, como Stan Lee, Jack Kirby, Roy Thomas, Gene Colan, Bill Everett, e os irmãos John e Marie Severin. A partir da edição 9, ela passaria a ter formato grande e 68 páginas, ao invés das 32 habituais, uma estratégia para alavancar as vendas, que infelizmente não foram boas desde o início, e acabariam levando a seu cancelamento. Em 2017, a Marvel lançaria uma edição comemorativa dos 50 anos de lançamento da revista, com número 14, trazendo novas histórias de Forbush Man, novas paródias dos heróis e uma aventura de Deadpool - que, de certa forma, já é uma paródia por si só.

Em 1988, a Marvel decidiria tentar novamente, e lançaria uma minissérie em quatro edições chamada What The--?! - segundo a campanha publicitária, "se você procura por mais que What If...?, mas menos que WHAT THE HELL???, essa revista é pra você". A minissérie faria sucesso e seria seguida por uma série regular, mantendo a numeração. No total, somando a minissérie e a série regular, seriam lançadas 26 edições, entre agosto de 1988 e outubro de 1993. Assim como Not Brand Echh, What The--?! era uma revista de paródia escrita e desenhada por grandes nomes da Marvel, como John Byrne, Kurt Busiek, Peter David e Scott Lobdell. Além de trazer de volta Forbush Man, ela investiria em paródias como o Fantastical Four, os X-Persons, Wulvoream e Pulverizer (o "Pulverizador", paródia do Justiceiro). Seria em What The--?! que estrearia Spider-Ham, a versão porco de desenho animado do Homem-Aranha mais tarde incorporada ao Universo Marvel e lançada ao estrelato pela saga do Aranhaverso.

Para terminar de vez, vale dizer que, apesar de terem o selo da Marvel na capa, tanto Not Brand Echh quanto What The--?! alegavam ser publicadas pela Marble Comics, e que suas histórias ocorriam no Universo Marble. What The--?!, inclusive, tinha uma seção de cartas falsa, na qual cartas inventadas comentavam sobre outras histórias da Marble (jamais publicadas pela Marvel, evidentemente), e propagandas falsas, paródias de produtos que eram anunciados em revistas em quadrinhos da Era de Ouro, como o método para ganhar músculos criado pelo fisiculturista Charles Atlas.

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