Curiosamente, esse método fazia com que personagens de desenhos animados e histórias em quadrinhos já existentes ficassem desprestigiados em matéria de brinquedos. A Marvel e a DC, por exemplo, embora ainda ganhassem um dinheirinho produzindo as séries em quadrinhos criadas para vender os brinquedos - Transformers era da Marvel, He-Man era da DC - não conseguiam entrar diretamente nesse mercado. Curiosamente, era muito mais fácil encontrar um boneco do Comandante Cobra, personagem que até então não existia, do que um do Super-Homem, personagem que já tinha mais de quarenta anos de cultura pop. E, quando era feito um do Super-Homem, o do Comandante Cobra vendia dez vezes mais.
Esse cenário demoraria muito para mudar - brinquedos de sucesso baseados em personagens Marvel e DC são um fenômeno recente, tendo por volta de dez ou quinze anos - mas a primeira prova de que era possível lançar uma linha de brinquedos bem sucedida baseada em personagens pré-existentes seria Super Powers, coleção de 1984 composta de dez personagens da DC. Com uma coleção de brinquedos da DC fazendo sucesso, é claro que a Marvel não iria querer ficar para trás.
A resposta da Marvel para Super Powers seria, no tocante aos brinquedos, um grande fracasso. Não faria diferença nenhuma para a Marvel, para o mundo dos brinquedos ou para a Mattel, que os fabricou e vendeu. O mundo dos quadrinhos, entretanto, seria alterado para sempre. Porque a série que a Marvel criaria para competir com Super Powers daria origem a uma das maiores, mais importantes e mais bem sucedidas sagas da história dos quadrinhos: Guerras Secretas.
Guerras Secretas não seria a primeira vez em que personagens de várias revistas diferentes apareciam juntos em uma mesma publicação - isso acontecia desde 1940, com a criação da Sociedade da Justiça, e, na própria Marvel, era comum arcos de história como o embate entre os Defensores e os Vingadores, ocorrido em 1973. Em 1982, porém, a Marvel lançaria algo que jamais havia sido feito antes: uma minissérie - na época conhecida como "série limitada", já que teria um número pré-determinado e limitado de edições, ao invés de ser publicada indefinidamente como uma revista regular - que reuniria vários de seus principais personagens, selecionados de equipes tão diferentes quanto o Quarteto Fantástico, os X-Men e os Vingadores, envolvidos em um evento com começo, meio e fim. Eu sei que muitos de vocês imaginaram que essa minissérie foi Guerras Secretas. Mas não foi não. Foi Torneio de Campeões.
Epa, como assim? Calma que eu explico: em 1979, às vésperas das Olimpíadas de 1980, e quando ninguém ainda sabia que os Estados Unidos boicotariam o evento, o editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, teve uma ideia: uma Olimpíada de heróis. Segundo o planejamento original, a Marvel negociaria com o Comitê Olímpico Internacional o uso de marcas registradas, como o nome Jogos Olímpicos, a Tocha Olímpica e o símbolo dos cinco anéis entrelaçados, e faria uma edição especial na qual heróis e vilões competiriam em uma espécie de "Olimpíada cósmica", com o futuro do universo como prêmio. Essa edição especial serviria tanto para que a Marvel pegasse carona na popularidade das Olimpíadas quanto para estimular os jovens a se interessarem pelo evento.
A ideia de Shooter esbarraria, entretanto, em um problema considerável. Muitos alegam que teria sido o anúncio do boicote dos Estados Unidos aos Jogos o responsável pelo engavetamento do projeto, mas, na verdade, a questão foi financeira: durante as negociações, o COI pediria uma pequena fortuna pelo uso de suas marcas registradas, um valor que a Marvel, na época, não tinha como pagar. A edição especial olímpica, então, seria cancelada, mas, algum tempo depois, já depois de encerrados os Jogos de 1980, durante uma reunião da equipe criativa, o assunto voltaria à pauta. Enquanto todos se lamentavam terem perdido a oportunidade por questões financeiras, o roteirista Bill Mantlo faria um comentário simples, mas que parece que ninguém ainda tinha pensado nisso. Ele diria algo como "precisava ser Jogos Olímpicos? Não poderia ser, tipo, um monte de competidores em um torneio qualquer?".
Com essa frase, Mantlo ressucitaria o projeto, agora desvinculado dos Jogos Olímpicos e das marcas do COI. Após uma longa fase de preparação, durante a qual foi buscada a melhor forma de implementá-lo, seria lançado, em junho de 1982, o primeiro número de Torneio de Campeões (Contest of Champions, no original), minissérie em três partes com roteiro de Mark Gruenwald e arte de John Romita, Jr. e Bob Layton. Nela, um dos Anciões do Universo, a entidade conhecida como Grão Mestre, desafia uma entidade misteriosa - que, mais tarde, se revela como sendo a Morte - para um torneio que terá, como prêmio, a vida do Colecionador, outro dos Anciões do Universo, e que havia sido morto pelo vilão Korvac na revista Avengers 175, de setembro de 1978. Segundo as regras do torneio, cada um dos competidores poderá "alistar" uma equipe de heróis da Terra, e uma equipe enfrentará a outra em um duelo de força, inteligência e estratégia para determinar o vencedor. Caso a equipe do Grão Mestre vença, o Colecionador retornará à vida; caso a equipe da Morte vença, ele continuará morto.
Torneio de Campeões entraria para a história como sendo a primeira minissérie publicada pela Marvel - que, até então, só havia publicado séries regulares, mesmo que algumas delas tenham sido canceladas após pouco tempo, como a primeira versão de The Incredible Hulk, que só durou seis edições - mas não faria muito estardalhaço. Seu impacto no Universo Marvel seria nulo - ou seja, os eventos vividos pelos heróis no Torneio não se refletiriam em suas publicações mensais - e suas vendas também não seriam lá essas coisas. Sem ela, porém, talvez Guerras Secretas não tivesse existido.
Como eu disse lá na introdução, em 1984 seria lançada Super Powers, linha de brinquedos que transformava em bonecos os heróis da DC. Esse lançamento causaria grande tristeza na Marvel, não somente porque significava mais dinheiro para sua principal concorrente, mas porque, na época, para a Marvel, era extremamente difícil conseguir licenciamentos, enquanto para a DC era relativamente fácil. Basicamente, os executivos da Marvel procuravam uma empresa e praticamente imploravam para que fosse firmado um contrato de licenciamento, enquanto com a DC ocorria o contrário, com as demais empresas procurando a DC para obter licenças para lançar produtos com seus personagens. Isso ocorria porque esses executivos conheciam e estavam familiarizados com os principais personagens da DC, como Super-Homem, Batman e Mulher-Maravilha, enquanto a maioria dos da Marvel, para eles, eram novidades em relação às quais eles não tinham certeza de retorno. Em outras palavras, um executivo da indústria de brinquedos tinha certeza de que um boneco do Batman iria vender bem, mas não tinha essa mesma certeza em relação a um boneco do Homem-Aranha.
Se vocês acham que eu estou exagerando, e que isso não podia ser assim, fiquem sabendo que houve até leilão para saber quem é que lançaria Super Powers. Tanto a Kenner, fabricante dos Ursinhos Carinhosos, quanto a Mattel, fabricante do He-Man, procuraram a DC mais ou menos na mesma época, no início de 1983, querendo licenciar seus personagens para uma linha de brinquedos. A DC, então, estebeleceria uma espécie de licitação, com cada empresa tendo de apresentar planos sobre como seria a série e qual seria o retorno financeiro estimado. A DC gostaria mais dos planos da Kenner, e acabaria fechando o contrato com ela.
Já prevendo o prejuízo que teria, o presidente da Mattel, Ray Wagner, ligaria para a Marvel no mesmo dia em que a DC anunciaria que estava fechando contrato com a Kenner. Wagner falaria diretamente com Shooter, explicaria a situação e diria que planejava produzir uma série de brinquedos baseada nos heróis Marvel para concorrer com Super Powers. Mas Wagner não queria apenas um licenciamento. Em suas palavras, os personagens Marvel eram "desconhecidos", e ele não tinha certeza de que essa série venderia tão bem quanto uma série com personagens DC. O contrato entre a Mattel e a Marvel só seria firmado, portanto, caso a Marvel se comprometesse a criar algum tipo de "apoio": uma série em quadrinhos, um desenho animado, ou qualquer coisa que levasse o mesmo nome da série de brinquedos, assim como ocorria com He-Man e Comandos em Ação, para "apresentar" os personagens Marvel ao grande público e alavancar as vendas dos brinquedos. E é aqui que entra a importância de Torneio de Campeões.
Shooter imediatamente se lembraria de Torneio de Campeões, e fecharia o contrato com a Mattel já imaginando produzir outra minissérie no mesmo estilo, na qual vários heróis e vilões Marvel se enfrentariam por um objetivo qualquer. A influência da Mattel, entretanto, não se daria apenas na decisão de se criar essa minissérie; a fabricante de brinquedos também determinaria que esses heróis e vilões deveriam ter veículos próprios, pelo menos uma base de operações - que seriam lançados na forma de brinquedos, evidentemente - e chegou até mesmo a determinar o nome da minissérie: segundo seus grupos de pesquisa, os meninos dos Estados Unidos da década de 1980 se interessavam em especial por produtos que tivessem as palavras "secreto" e "guerra" em seus nomes. Assim, o nome da série de brinquedos, e, por conseguinte, da minissérie em quadrinhos, deveria ser Guerras Secretas (Secret Wars, em inglês).
Guerras Secretas seria lançada, com o nome oficial de Marvel Super Heroes Secret Wars, na forma de uma minissérie de 12 edições mensais, publicadas entre maio de 1984 e abril de 1985. O próprio Shooter escreveria os roteiros, com a arte ficando a cargo de Mike Zeck e Bob Layton. Na história, um ser cósmico super poderoso, chamado Beyonder ("beyond", em inglês, significa "além"), cria um novo planeta, usando pedaços de diferentes outros - inclusive um subúrbio da cidade de Denver, Colorado, Estados Unidos - e teletransporta para lá vários heróis e vilões da Terra. Por algum motivo que somente o Beyonder conhece, o objetivo é que o grupo de heróis enfrente o grupo de vilões em um combate até a morte, tendo como prêmio a realização de quaisquer desejos dos membros do grupo vencedor.
O grupo de heróis é composto por Capitão América, Capitã Marvel (codinome na época de Monica Rambeau, hoje conhecida como Pulsar), Homem de Ferro (que, na época, era Jim Rhodes, e não Tony Stark), Gavião Arqueiro, Mulher-Hulk, Thor, Vespa, Tocha Humana, Sr. Fantástico, o Coisa, Homem-Aranha, Hulk, Colossus, Ciclope, Noturno, Vampira, Tempestade, Wolverine, Professor X e Magneto. O grupo dos vilões tem Dr. Destino, Dr. Octopus, Homem Absorvente, Homem Molecular, Encantor, Kang, o Lagarto, Ultron, Aríete, Bate-Estaca, Destruidor, Maça e Galactus. Depois de uma escaramuça motivada principalmente pelo fato de Magneto estar no grupo dos heróis, ele e os X-Men decidem se separar e formar um terceiro grupo, eventualmente ajudando os heróis contra os vilões, mas com seus próprios objetivos; Galactus, achando aquilo tudo uma palhaçada, também decide sair do grupo dos vilões e comer o planeta. Ao longo da história, quatro outros personagens se unem aos grupos, com o Dr. Destino encontrando Garra Sônica na nave de Galactus e usando a tecnologia alienígena presente no planeta para criar duas novas vilãs, Vulcana e Titânia, usando como cobaias duas jovens que vieram junto com o subúrbio de Denver. Também em Denver estava outra nova personagem que se une ao grupo dos heróis, a segunda Mulher-Aranha (Julia Carpenter).
Diferentemente do que ocorreu em Torneio dos Campeões, Shooter decidiu que os eventos de Guerras Secretas seriam totalmente integrados ao Universo Marvel, influenciando os demais títulos da editora. É nessa minissérie, por exemplo, que o Homem-Aranha ganha seu famoso uniforme preto, que mais tarde se revela um simbionte alienígena e dá origem a Venom, um de seus maiores e mais populares inimigos. Outro desdobramento importante envolveria o Coisa, que descobre que, no planeta criado por Beyonder, ele pode mudar de forma e voltar a ser Ben Grimm; por causa disso, ele decide não voltar com os demais heróis ao final, permanecendo durante mais algum tempo no planeta, o que leva a Mulher-Hulk a assumir seu lugar no Quarteto Fantástico.
Outra grande sacada de Shooter foi não colocar as demais revistas Marvel "em suspenso" durante o ano em que Guerras Secretas foi lançada: por sua determinação - já que ele era o editor-chefe - as revistas The Amazing Spider-Man 251, Avengers 242, Captain America 292, Fantastic Four 265, The Incredible Hulk 294, Iron Man 181, Marvel Team-Up 140, The Thing 10, Thor 342 e Uncanny X-Men 180, todas lançadas em abril de 1984, terminariam com os heróis e vilões sendo levados pelo Beyonder, mas as edições seguintes das mesmas revistas, lançadas em maio de 1984, começariam com os heróis já retornando, como se os eventos de Guerras Secretas tivessem ocorrido entre uma edição e outra - o Homem-Aranha, por exemplo, já começa a história publicada em The Amazing Spider-Man 252 com o uniforme preto, sem que nenhuma explicação seja dada, e a revista The Thing 11 já mostra o Coisa como Ben Grimm vivendo aventuras no planeta criado pelo Beyonder. Isso aumentaria o interesse dos leitores pela minissérie, já que eles ficariam curiosos para saber o que ocorreu, e transformaria Guerras Secretas em um enorme sucesso de vendas: a média da minissérie foi de um milhão de exemplares por mês, enquanto a campeã de vendas da Marvel na época, Uncanny X-Men, vendia 350 mil exemplares por mês.
Estratégias de marketing à parte, Guerras Secretas é considerada até hoje uma das maiores histórias Marvel de todos os tempos, trazendo um roteiro coerente e bem amarrado, apesar das limitações impostas pelo tema "alienígena leva todo mundo para brigar em outro planeta"; ação e surpresas em cada edição, sem nenhuma sendo usada apenas para "encher linguiça"; e novidades que realmente acrescentaram oportunidades para novas histórias dos heróis envolvidos, e não somente mudanças cosméticas. Guerras Secretas é hoje considerada como a obra que inaugurou o gênero crossover, no qual diversos personagens de títulos diferentes se reúnem em uma mesma história com consequências para todos os seus títulos individuais. Até mesmo a DC, maior rival da Marvel, tem algo a agradecer a Shooter: Marv Wolfman, que havia trabalhado na Marvel na década de 1970, se inspiraria em Guerras Secretas para criar Crise nas Infinitas Terras, minissérie também em 12 edições lançada em abril de 1985 - justamente o mês no qual a última edição de Guerras Secretas foi às bancas - que colocou ordem no Multiverso da DC, e é hoje considerada uma das maiores histórias da editora.
Infelizmente, se a minissérie de Guerras Secretas foi um imenso sucesso e é ainda hoje celebrada, sua série de brinquedos foi um retumbante fracasso, e, se não fosse a minissérie, hoje já nem seria lembrada. Por incrível que pareça, o motivo não seria que os heróis Marvel eram menos conhecidos ou menos populares que os da DC como imaginava a Mattel; na verdade, quem menos tem culpa no fracasso é a Marvel, que se esforçou ao máximo para atender a tudo que a Mattel pediu, por mais absurdo ou esquisito que fosse. A culpa foi exclusivamente da própria Mattel, que, mesmo tendo tido todos os seus pedidos atendidos, meteu os pés pelas mãos na hora de criar os brinquedos.
Como já foi dito, a Mattel exigiria que a minissérie trouxesse veículos e fortalezas que ela pudesse transformar em brinquedos - o que a Marvel atendeu criando a Base Destino, uma nave para Magneto e diversos outros veículos que os heróis e vilões usam durante a história - mas, além disso, ela ainda daria pitacos quanto a quais personagens deveriam participar e como. Para começar, a Mattel exigiu que o grupo de vilões fosse liderado pelo Dr. Destino, o que constituía um problema porque ele havia morrido alguns meses antes, em uma das histórias do Quarteto Fantástico; Shooter ressucitaria Destino sem maiores explicações, e o reintegraria ao Universo Marvel após a conclusão da minissérie. Não satisfeita de pedir especificamente por um personagem morto, a Mattel ainda reclamou de sua aparência, alegando que o visual do Dr. Destino era "muito medieval", e exigindo que ele ganhasse uma nova armadura, mais parecida com um robô. Argumento semelhante seria usado para que o Homem de Ferro, que na época não era um dos mais populares heróis Marvel, fosse incluído no grupo dos heróis; segundo a Mattel, ele "parece um robô, e crianças gostam de robôs". A Mattel também "sugeriria" que todos os heróis ganhassem uniformes novos, para que ela pudesse lançar duas versões de cada boneco - daí o novo uniforme do Homem-Aranha - e pediria para que fossem incluídos personagens novos, que fariam sua estreia na linha de brinquedos antes de aparecem nos quadrinhos - postos que seriam ocupados por Vulcana, Titânia e pela nova Mulher-Aranha.
Mesmo tendo todas essas exigências atendidas, a Mattel, surpreendentemente, não usaria quase nada disso na linha de brinquedos. Para começar, só seriam lançados bonecos de Capitão América, Dr. Destino, Dr. Octopus, Homem de Ferro, Kang, Magneto, Homem-Aranha, Wolverine, Barão Zemo, Demolidor, Falcão e Duende Macabro - esses quatro últimos, caso vocês não tenham reparado, sequer estavam na minissérie. Em segundo lugar, apenas um dos personagens seria lançado em duas versões, o Homem-Aranha, que podia ser encontrado nas versões original e de uniforme preto; todos os demais usariam seus uniformes tradicionais dos quadrinhos, exceto o Dr. Destino, único a usar o uniforme novo criado para a minissérie. Para completar, absolutamente nenhum dos veículos e fortalezas lançados estava presente na minissérie, fazendo parte da linha os helicópteros Doom Copter e Turbo Copter, as motos Doom Cycle e Turbo Cycle, as naves Doom Star Glider e Star Dart Glider, o tanque Doom Roller e as fortalezas Freedom Fighter e Tower of Doom. Cada um dos personagens também vinha com um escudo que tinha uma imagem lenticular - aquela que, dependendo do ângulo pelo qual se olha, a imagem vista é diferente - coisa que também não estava presente na minissérie.
Se fosse só essa esquizofrenia em relação aos personagens, até seria um problema menor, mas havia também a questão da qualidade dos brinquedos, claramente inferior à de Super Powers e até mesmo abaixo do padrão adotado pela Mattel em suas outras linhas. Os bonecos de Super Powers, por exemplo, eram articulados no pescoço, ombros, virilha, cotovelos e joelhos, e cada um tinha um "golpe secreto" - alguns, quando tinham suas pernas pressionadas pela criança, davam um soco ou golpe de caratê, outros, ao terem os braços pressionados, davam um chute, dentre outros movimentos. Detalhes como o S do Super-Homem e o morcego no peito do Batman eram em relevo, e acessórios como capas eram feitas de tecido e removíveis. Existiam personagens de vários tamanhos, com o Robin sendo menorzinho, a Mulher Maravilha mais magrinha, e Darkseid bem maior que os outros. Em comparação, os bonecos de Secret Wars eram articulados apenas no pescoço, ombros e virilhas, tendo braços e pernas "duros", mas a pior parte é que, para cortar custos, exceto pela cabeça, todos tinham o mesmo molde - ou seja, todos tinham o corpo idêntico, com detalhes dos uniformes, como a estrela e as listras do Capitão América ou a bateria no peito do Homem de Ferro sendo pintados ao invés de em relevo. Foi esse molde, também, que impossibilitou que a série tivesse personagens femininas ou personagens maiores que os outros, como o Hulk e o Coisa. Nenhum personagem tinha acessórios - nem mesmo o Dr. Destino tinha capa - e poucos tinham armas ou equipamentos próprios além do já citado escudo com figura lenticular - sendo que até mesmo esse escudo seguia um padrão, sendo redondo para todos os heróis e quadrado para todos os vilões. A frente da cartela onde os personagens eram vendidos também era igual para todos, diferentemente do que ocorria em Super Powers, onde cada cartela trazia uma figura e o nome do personagem em questão. A parte de trás, pelo menos, era personalizada, mas trazia apenas uma mini-biografia do personagem e uma história em quatro quadrinhos tão tosca que parecia uma daquelas propagandas de biscoito de antigamente.
Mas o mais triste talvez tenha sido que a linha foi cancelada antes mesmo de se fazer qualquer tentativa para salvá-la. Isso porque, no mesmo ano de 1984 no qual ela foi lançada, a Mattel teve um prejuízo enorme por conta de se aventurar no mercado de videogames lançando o Intellivision. Wagner, responsável pela decisão de lançar o videogame, foi demitido, e todos os projetos nos quais ele estivesse envolvido - inclusive Secret Wars, já que foi ele quem negociou a licença com a Marvel - foram cancelados. O cancelamento foi tão repentino que três novos bonecos, que seriam lançados em 1985 - Electro, Constritor e Homem de Gelo, mais uma vez três que nem estavam na minissérie - já estavam em produção quando a série foi cancelada, e acabaram lançados junto com os originais na Europa, onde a série foi lançada depois, para que a Mattel tentasse recuperar parte do dinheiro investido.
A Marvel ainda passaria quase dez anos sem conseguir um contrato de licenciamento decente para uma linha de brinquedos. Como aproveitar o sucesso da minissérie só dependia dela, porém, no mesmo ano de 1985 ela já lançaria uma continuação, Guerras Secretas II, para aproveitar que o interesse dos leitores ainda estava em alta.
Guerras Secretas II seria um projeto bem diferente: além de contar com uma minissérie em nove edições, publicadas entre julho de 1985 e março de 1986, sua história se espalharia por algumas edições mensais de The Amazing Spider-Man, Alpha Flight, Avengers, Captain America, Cloak and Dagger, Daredevil, Dazzler, Doctor Strange, Fantastic Four, The Incredible Hulk, Iron Man, Micronauts, New Defenders, New Mutants, Peter Parker: The Spectacular Spider-Man, Power Man and Iron Fist, Power Pack, Rom: Spaceknight, The Thing, Thor, Uncanny X-Men e Web of Spider-Man. Nem todas as edições dessas revistas lançadas nesse período tinham histórias interligadas com a de Guerras Secretas II, com as que tinham trazendo um selo na capa para que os leitores as identificassem, prática que, depois disso, se tornaria o padrão da Marvel para todas as sagas que abrangessem vários títulos mensais da editora.
Na história - com a minissérie sendo escrita novamente por Shooter e tendo arte de Al Milgrom, mas as partes publicadas nas revistas mensais ficando a cargo dos roteiristas e desenhistas habituais de cada revista - é o Beyonder que vem à Terra, assumindo forma humana para tentar compreender melhor a humanidade em uma espécie de busca pela iluminação. Como ele mantém todos os seus poderes, mesmo na forma humana, o demônio Mefisto recruta um grupo de supervilões e arma um plano para capturá-lo e roubar esses poderes. Paralelamente a isso, devido à sua forma peculiar de experimentar a vida humana, o Beyonder entra em conflito com vários super-heróis, e chega até mesmo a se apaixonar pela mutante Cristal. Embora tenha sido um grande sucesso, Guerras Secretas II não chegou perto das vendas e da popularidade alcançadas por sua antecessora, nem teve tanto impacto no Universo Marvel.
Mês passado, o nome Guerras Secretas voltaria a ser associado a uma saga de grande impacto no Universo Marvel, com o lançamento de mais uma minissérie chamada Secret Wars. Dessa vez contando com oito edições quinzenais, mas com uma história que se espalhará por simplesmente todos os títulos regulares da editora, e mais algumas edições especiais, as novas Guerras Secretas serão para a Marvel o que a Crise nas Infinitas Terras foi para a DC, tentando colocar ordem em um universo já saturado de realidades alternativas. Nessa nova minissérie, o universo regular da Marvel e o Universo Ultimate colidem, o que leva ao fim de ambos. Do impacto, porém, é criado um novo universo, composto por fragmentos de diversas realidades - como a Era do Apocalipse, o Universo Marvel 2099 e o Universo dos Zumbis Marvel. Os principais heróis e vilões Marvel, então, se veem em uma batalha contra diversas versões alternativas de si mesmos. O Universo resultante desse conflito, segundo o editor-chefe da Marvel, Tom Breevort, passará a ser o "Universo Marvel padrão" após o fim da saga.
Um dos eventos mais relevantes das novas Guerras Secretas será o fim do Universo Ultimate, relativo a uma linha de quadrinhos lançada em 2000 com versões dos principais personagens Marvel como se eles tivessem surgido naquela época, e não nas décadas de 1960 e 1970. O Universo Ultimate é considerado um dos maiores sucessos da Marvel, e as "versões Ultimate" dos personagens influenciaram até mesmo a forma como alguns deles foram retratados nos filmes da Sony, da Fox e da Marvel Studios, de forma que cancelá-lo é uma decisão de peso - tanto que seu fim ficará a cargo da mesma dupla responsável por seu começo, o roteirista Brian Michael Bendis e o artista Mike Bagley.
Eu até concordo que, após cinquenta anos de universos paralelos e realidades alternativas, a casa já esteja bagunçada mesmo, mas uma saga dessa dimensão é sempre um evento arriscado. Tomara que suas consequências sejam tão positivas para o Universo Marvel quanto as da primeira e original minissérie.
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