Enfim, eu não sei o que as pessoas compram, mas, aparentemente, elas não compram séries clássicas. Pelo menos essa é a justificativa oficial para séries como O Túnel do Tempo nunca terem sido lançadas oficialmente em DVD por aqui. Sim, eu sei que existe uma versão "pirata original", mas não é a mesma coisa. Pelo menos não para um colecionador.
Eu já venho querendo falar sobre O Túnel do Tempo há algumas semanas (se você acha que essa é uma frase que se repete muito por aqui, é porque eu fico sempre pensando em quais poderiam ser os próximos assuntos, então sempre tenho uns três ou quatro na cabeça, que fico adiando), então decidi que hoje seria um bom dia para fazer esse post. E, de quebra, desabafar sobre o descaso das distribuidoras com lançamentos de séries clássicas em DVD. Desabafo feito, vamos ao post!
O Túnel do Tempo foi uma criação de Irwin Allen - sua terceira série, após Viagem ao Fundo do Mar e Perdidos no Espaço. Perdidos no Espaço, aliás, ainda estava no ar quando Allen foi procurado pelo canal ABC, no início de 1966. Naquele ano, a ABC estava perdendo audiência para suas duas principais concorrentes - a NBC e a CBS - e sua mais recente aposta, Batman, ainda não havia decolado. Diante do sucesso de Viagem ao Fundo do Mar e Perdidos no Espaço, os executivos da ABC chegariam à conclusão de que Allen entendia mais sobre o que o público queria ver do que eles, e pediriam para que ele criasse uma nova série de ficção científica.
Allen já vinha, há algum tempo, pensando em criar uma série que envolvesse viagens no tempo, mas a Fox - que produzia as séries criadas por Allen, vendendo-as, depois, para os canais - não queria dar a luz verde para um piloto sem o interesse concreto de um canal em exibi-la. A principal preocupação da Fox era que o piloto saísse muito caro, e depois acabasse engavetado. Quanto à primeira parte, eles realmente estavam certos: o piloto de O Túnel do Tempo, encomendado pela ABC, seria o episódio de série mais caro da história até então, custando nada menos que meio milhão de dólares, uma cifra obscena para a época. Quanto à segunda parte, eles felizmente se enganaram: a ABC ficou extremamente satisfeita com o piloto, e encomendou uma temporada completa, para ser exibida ainda em 1966.
A série é ambientada no futuro - mas não tão no futuro quanto parece, e sim em 1968, apenas dois anos à frente do ano no qual ela estreou. Nesse ano, o Projeto Tic-Toc, operação supersecreta do governo dos Estados Unidos, completa dez anos. O objetivo desse projeto é tornar viáveis as viagens no tempo, utilizando, para isso, um mecanismo experimental apelidado de Túnel do Tempo, devido ao seu formato cilíndrico e comprido. O Túnel do Tempo foi construído em segredo em uma base militar subterrânea no Arizona, e é operado por uma equipe de cientistas liderados pelo Dr. Douglas Phillips (Robert Colbert) e pelo Dr. Anthony Newman (James Darren), composta, ainda, pelo especialista em eletrônica Dr. Raymond Swain (John Zaremba) e pela electrobióloga Dra. Ann MacGregor (Lee Meriwether, que depois viria a interpretar a Mulher-Gato na série do Batman). Ao todo, o Projeto Tic-Toc emprega 36 mil pessoas, custando 7,5 bilhões de dólares por ano ao governo.
Por causa disso, como dez anos após sua criação ele não apresentou nenhum resultado digno de nota, o governo decide puxar a tomada. O Senado, porém, acha que seria um desperdício de fundos encerrar o programa assim sem mais nem menos, e envia o Senador Leroy Clark (Gary Merrill) para dar à equipe do Projeto um ultimato: a menos que a equipe envie alguém ao passado e o traga de volta durante a sua visita, sua recomendação será para que o programa seja encerrado, e o Túnel do Tempo desmontado.
Tony (como o Dr. Newman é conhecido por seus amigos íntimos) se voluntaria para ir, mas Doug (o Dr. Phillips) é contra, considerando o experimento muito perigoso. Tony contraria o colega e vai assim mesmo, não dando a Doug outra escolha senão segui-lo. Infelizmente para os dois, o Túnel não fuinciona como deveria: apesar de a viagem para o passado se mostrar um sucesso, eles se veem incapazes de retornar para o presente. Impressionado, o Senador Clark promete que o orçamento do Projeto não será cortado, e deixa um militar, o General Heywood Kirk (Whit Bissell), como supervisor, para garantir que todos os esforços sejam empregados para trazer Tony e Doug de volta antes que o Túnel possa ser considerado operacional.
Através do Túnel do Tempo, o Dr. Swain, a Dra. MacGregor e o General Kirk conseguem se comunicar com Tony e Doug, perceber em qual época eles estão, e até mesmo enviar ajuda, na forma de pequenos objetos. Eles não conseguem, porém, trazer a dupla de volta: toda vez que tentam, na verdade, os dois acabam sendo enviados para outro ponto no tempo, do passado ou do futuro. Os episódios colocam Tony e Doug em meio a acontecimentos históricos, como o naufrágio do Titanic, a Revolução Francesa e a Guerra de Troia, ou em contato com alienígenas e estranhas tecnologias presentes no futuro da humanidade. Em praticamente todos os episódios eles são tidos como "inimigos", capturados, e têm de encontrar uma forma de escapar para chegar a um "ponto de encontro", de onde a equipe do Túnel do Tempo tentará trazê-los de volta - e acabará os enviando para outra época.
Para cortar custos, a equipe de produção reaproveitaria cenários, fantasias e objetos de cena de várias produções cinematográficas e televisivas da Fox. Até mesmo cenas de filmes da Fox eram reaproveitadas, com as dos filmes em preto e branco, como Titanic, sendo colorizadas especialmente para isso. O único cenário construído especialmente para a série seria justamente a sala do Túnel do Tempo - que, na verdade, era uma parede, e se tornava um túnel através de uma combinação de uma ilusão de ótica com efeitos especiais aplicados na pós-produção. Todas as cenas externas seriam filmadas em um terreno de propriedade da Fox na Califórnia - o que, curiosamente, faria com que locais diversos como o Himalaia e a Ilha de Cracatoa acabassem ficando bem parecidos.
É interessante notar que, no universo da série, o tempo é simultâneo - passado, presente e futuro ocorrem todos ao mesmo tempo, e não de forma linear. A tecnologia do Túnel do Tempo, portanto, permite que seja visualizada uma determinada parte do tempo que os seres humanos já (ou ainda) não conseguem visualizar. O viajante do tempo, através do túnel, simplesmente se remove do "local do tempo" que está ocupando e passa a ocupar um local diferente. Não somente Tony e Doug podem ser afetados pelo Túnel; em alguns episódios, outros personagens, de propósito ou acidentalmente, são removidos de seu próprio tempo e colocados em um tempo diferente. Também fica estabelecido que os viajantes do tempo podem alterar o passado com suas ações, o que faz com que Tony e Doug tenham de ter cuidado para não alterar nenhum evento crucial, ou correrão o risco de não terem para onde voltar.
O Túnel do Tempo estrearia na ABC em 9 de setembro de 1966. A princípio, seriam encomendados 24 episódios, mas depois o canal encomendaria mais seis, para um total de 30 - por terem sido produzidos depois, esses seis últimos episódios trariam algumas diferenças em relação aos demais, como a falta da narração em off na abertura e alguns detalhes diferentes nos uniformes da equipe do Túnel do Tempo.
A princípio, a ABC colocaria a série nas sextas-feiras à noite - horário considerado ingrato na época, e reservado para as séries em risco de cancelamento; sua ideia, porém, era justamente levantar a audiência do horário, para tentar transformá-lo em um horário para novas apostas. De fato, a série seria bastante bem sucedida, com bons números de audiência e boas críticas, e acabaria sendo considerada pelos executivos da ABC como a melhor série de sua grade de programação naquele ano.
Infelizmente, porém, quando chegasse a época de renovar a série para uma segunda temporada, os executivos da ABC decidiriam por não fazê-lo. Na época, um dos maiores sucessos da TV era The Virginian, um faroeste exibido pela NBC, que ficaria no ar de 1962 a 1971, com nove temporadas e quase 250 episódios. Quando uma dupla de produtores apresentou à ABC a proposta de uma nova série de faroeste, cujo personagem central seria o famoso General Custer, mas na época em que ainda era um Tenente-Coronel, o canal preferiu descartar O Túnel do Tempo e fechar com Custer, imaginando que ela seria capaz de roubar audiência de The Virginian. Assim, O Túnel do Tempo seria cancelado após apenas 30 episódios, o último exibido em 7 de abril de 1967.
Caso interesse a alguém, Custer foi um gigantesco fracasso, com audiência baixíssima, detonado pela crítica e ainda sendo alvo de protestos de comunidades indígenas norte-americanas pelo modo como os índios eram retratados na série. Acabaria cancelada após apenas 17 episódios.
Embora não tenha sido feito nenhum esforço para se trazer O Túnel do Tempo de volta após o cancelamento de Custer, a série logo se tornaria cult, sendo lançados nos anos seguintes vários livros, histórias em quadrinhos, e até mesmo um jogo de tabuleiro ambientados no mesmo cenário. Em 1982, com a legião de fãs ainda sendo grande, dez dos episódios seriam compilados e editados para se tornarem dois filmes feitos para a TV, que seriam exibidos em syndication, em vários canais que exibiram ou não a série nos anos anteriores - em algumas cidades, aliás, esses filmes foram a primeira vez em que O Túnel do Tempo foi exibido na TV.
Recentemente, foram feitas duas tentativas de ressucitar a série. A primeira, de 2002, chegou a ter um piloto gravado. Essa nova série seria bem mais sombria que a original; nela, o Túnel do Tempo é criado por acidente, quando o Departamento de Energia do governo dos Estados Unidos está fazendo um experimento com um reator nuclear capaz de gerar energia ilimitada. O reator sai do controle e cria uma "tempestade temporal", cujas ondas se espalham através do tempo, alterando vários eventos importantes - a União Soviética consegue chegar à Lua antes dos Estados Unidos, por exemplo. Para tentar remediar a situação, o governo reúne uma equipe, liderada por Doug Phillips (David Conrad), que tem a missão de viajar no tempo - usando o reator, que agora atua como Túnel do Tempo - e consertar o que foi mudado, para que a história volte ao normal. Curiosamente, nessa versão, Toni Newman (Andrea Roth) é mulher e um personagem bem coadjuvante, diferente do papel principal que Tony tinha na série original. Apesar de ter sido produzido pela própria Fox, o piloto acabou não sendo aceito pelo canal Fox, que preferiu investir em Firefly.
A segunda tentativa ocorreu em 2006, quando executivos do SciFi Channel procuraram a viúva de Allen, Sheila, e os dois produtores do piloto de 2002, e pediram para que um novo piloto fosse produzido. O roteirista John Turman (do Hulk de Ang Lee) chegou a escrever o roteiro, mas depois, por razões não divulgadas, a produção foi interrompida, e o piloto jamais chegou a ser filmado.
Por enquanto, é tudo o que há. Apesar de ter uma boa base de fãs, não há planos para fazer um filme ou uma nova série. Tony e Doug, por enquanto, continuam perdidos no tempo.
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