segunda-feira, 28 de julho de 2014

Escrito por em 28.7.14 com 0 comentários

Godzilla (XI)

E hoje retomamos a série de posts sobre os filmes de Godzilla, abrindo a terceira e por enquanto última série, chamada Série Millennium.

Antes de começarmos, porém, um aparte: até onde eu saiba, nenhum filme da Série Millennium tem título em português. Portanto, a partir de agora, o título em negrito será o da versão internacional. O título da versão original japonesa, se for diferente, virá no corpo do texto, como já vinha sendo feito até agora. Dito isto, comecemos!

Godzilla 2000
1999

Após Godzilla vs. Destroyer, a Toho não tinha planos de fazer um novo filme de Godzilla tão cedo, talvez somente em 2004, quando o filme original completasse 50 anos. Em 1998, entretanto, aconteceria uma coisa que a faria mudar de ideia, e colocar um novo Godzilla em produção o mais rápido possível: o lançamento de um filme norte-americano de Godzilla.

O filme norte-americano, dirigido por Roland Emmerich e estrelado por Matthew Broderick, não foi feito à revelia da Toho nem nada assim; através de um contrato com a TriStar Pictures, a Toho deu permissão para o uso do nome e da imagem do personagem. Para todos os efeitos, o Godzilla norte-americano era um produto licenciado oficial, e, embora provavelmente não fosse fazer parte da cronologia existente de Godzilla, pelo menos tinha o aval da Toho para ser um novo remake do filme original de 1954.

Algumas decisões dos norte-americanos, entretanto, desapontaram imensamente não somente os executivos da Toho, mas o público japonês em geral. Coisas como a profunda alteração na imagem do monstro - volto a dizer, a Toho deu permissão para que a imagem original de Godzilla fosse usada, então não era essa a questão. Na pré-produção, inclusive, o técnico em efeitos especiais Stan Winston chegou a fazer um modelo do monstro de aparência quase idêntica à original japonesa, mas o designer de produção Patrick Tatopoulos optaria por descartar essa versão e criar uma nova aparência misturando características de dinossauro e iguana, que andava curvado com a cabeça e a cauda paralelas ao chão ao invés de ereto como o Godzilla japonês; segundo Tatopoulos, ele teria chegado a essa aparência após Emmerich instruí-lo de que o Godzilla de seu filme deveria ser capaz de correr extremamente rápido.

Ok, a aparência de Godzilla é um ponto importante - ninguém gostaria, por exemplo, que mudassem a aparência do Homem-Aranha no seu primeiro filme - mas a alteração poderia ser relevada. Se Emmerich também não tivesse decidido que Godzilla era fêmea, e que estava indo a Nova Iorque para colocar seus ovos. Ok, os japoneses já haviam inventado que o primeiro Godzilla era fêmea em O Filho de Godzilla, então, de certa forma, isso também poderia ser relevado. Mas houve um terceiro detalhe, esse considerado imperdoável: no filme norte-americano, Godzilla é morto por mísseis disparados pelo exército. Não somente isso, mas ele teme tais armas, fugindo delas quando são disparadas.

Isso era a gota d'água. Para os japoneses, Godzilla era uma força da natureza, impossível de ser impedido, quanto mais morto, por meras armas humanas. Por mais que o exército japonês tentasse, a única forma de deter Godzilla era sempre extremamente drástica, como o Destruidor de Oxigênio - que não destruiu somente Godzilla, mas toda a vida marinha em suas imediações. A maioria dos críticos japoneses deixou o cinema logo após a morte de Godzilla, sem sequer ver o final. Um deles escreveu que matar Godzilla com um míssil equivalia a matar o Super-Homem com um revólver. Shusuke Kaneko, diretor dos mais recentes filmes de Gamera, outro popular monstro japonês, disse em uma entrevista que parecia que os norte-americanos eram incapazes de conceber uma criatura a qual suas armas não conseguiam matar.

Irritadíssima com tamanho desrespeito, a Toho chamou o produtor Shogo Tomiyama, que havia trabalhado ao lado do falecido Tomoyuki Tanaka desde Godzilla vs. Biollante, e praticamente ordenou que ele criasse um novo filme de Godzilla. Não precisava ser um reboot, um remake, nada, apenas mais um filme no qual o Godzilla original, com sua aparência e ferocidade originais, enfrentasse um outro monstro qualquer em Tóquio, diante dos olhares desesperados de sua população, incapaz de fazer nada a não ser torcer para que a luta acabe logo e Godzilla volte para sabe-se lá de onde ele veio. Enfim, Godzilla sendo Godzilla.

Tomiyama chamaria Hiroshi Kashiwabara (de Godzilla vs. SpaceGodzilla) e Wataru Mimura (do Godzilla vs. Mechagodzilla da Série Heisei) para escrever o roteiro. Eles criariam um filme fora de cronologia, no qual Godzilla existe e ameaça o Japão, mas não é explicada sua origem - especula-se que o filme é ambientado durante o mesmo período da Série Heisei, mas a Toho jamais declarou oficialmente entre quais filmes ele estaria posicionado na cronologia. A direção ficaria a cargo de outro veterano de Godzilla, Takao Okawara, de Godzilla vs. Mothra, Godzilla vs. Mechagodzilla e Godzilla vs. Destroyer. Quanto ao título, Tomiyama queria ser simples e chamar o filme apenas de Godzilla, mas, como já existiam três filmes com esse título (o norte-americano, o original japonês de 1954 e O Retorno de Godzilla, que, em japonês, também se chama apenas Godzilla), a Toho não concordou. Como o planejamento original era lançar o filme no ano 2000, Tomiyama decidiu chamá-lo, provisoriamente, de Godzilla 2000, até encontrar um título melhor.

No filme, existe uma organização chamada Godzilla Protection Network ("rede de proteção contra Godzilla", ou GPN), dedicada a acompanhar os movimentos de Godzilla e prever onde será seu próximo ataque. Esse ataque ocorre bem quando outra organização, a Inteligência para Controle de Crises (ICC) encontra um disco voador de seis milhões de anos no findo do oceano. Ao ser perturbado, o disco voador entra em funcionamento e levanta voo. Enquanto Godzilla está enfrentado o exército japonês, que lança contra ele os novos e poderosíssimos mísseis Full Metal, que parecem não surtir nenhum efeito - em uma clara alfinetada no filme norte-americano - o disco voador surge e o ataca. Durante a batalha, Godzilla volta para o oceano, mas tem seu material genético colhido pelos alienígenas.

Yuji Shinoda (Takehiro Murata), fundador da GPN, que está estudando Godzilla há anos, acredita saber o que os alienígenas querem com ele: segundo seus estudos, Godzilla possui um gene regenerador, que é o que faz com que ele seja tão resistente e consiga sobreviver até mesmo ao mais destrutivo dos ataques. Ao colher seu material genético, os alienígenas teriam conseguido esse gene, o qual pretendem usar para reconstruir seus corpos, danificados após tantos séculos de animação suspensa.

De fato, após um novo ataque, os alienígenas se dirigem à população de Tóquio: se auto-denominando milenianos, eles avisam que vieram para invadir a Terra, e que, mesmo após seis milhões de anos de atraso, pretendem cumprir sua missão. Quando os milenianos saem do disco voador, porém, algo estranho acontece: como a atmosfera da Terra é bastante diferente daquela com a qual eles estão habituados - provavelmente mais parecida com a de milhões de anos atrás - a nova atmosfera e o gene de regeneração de Godzilla causam uma mutação, transformando-os em um horrível e gigantesco monstro, o qual o ICC decide chamar de Orga.

Talvez revoltado por um novo monstro aparecer em seu território, Godzilla ruma a Tóquio, onde enfrentará Orga - tarefa que não se mostrará nada fácil, já que, além de contar com o apoio aéreo de seu disco voador, Orga tem os mesmos poderes de regeneração de Godzilla.

Como Koichi Kawakita estava aposentado dos filmes de Godzilla, os efeitos especiais ficariam a cargo de Kenji Suzuki, que já havia trabalhado nessa função em outros filmes da Toho. Suzuki manteria os atores fantasiados nos papéis dos monstros, mas experimentaria, pela primeira vez na série, efeitos especiais feitos de computação gráfica - o mileniano que deixa o disco voador antes de sofrer a mutação para se transformar em Orga seria a primeira criatura em um filme de Godzilla totalmente criada por computação. Com Kenpachiro Satsuma também aposentado, a roupa de Godzilla seria vestida por Tsutomo Kitagawa, nome conhecido dos fãs de tokusatsu por já ter atuado em vários seriados da Toei, inclusive Changeman, Flashman e Maskman.

Graças aos esforços da equipe de produção, o filme ficaria pronto antes do esperado, e a Toho decidiria lançá-lo ainda em 1999, em dezembro, mês tradicional de lançamentos de Godzilla. Mesmo com essa alteração, o nome Godzilla 2000, a princípio temporário, seria mantido porque acabaria pegando durante a produção, e considerado apropriado pela Toho para apresentar o Godzilla do novo milênio. Em japonês, o filme ainda ganharia um subtítulo, Godzilla 2000: Millennium, em referência não somente a esse novo milênio, mas também aos milenianos.

Estreando em 11 de dezembro de 1999, Godzilla 2000 seria um sucesso moderado de crítica, mas renderia mais que o dobro de seu orçamento nas bilheterias japonesas, se tornando o filme japonês de maior bilheteria de 1999. Isso animaria a Toho a voltar a investir em uma série de filmes de Godzilla. Para dar maior liberdade aos roteiristas e diretores, ela consideraria que essa série seria totalmente separada da Série Heisei - aliás, esses filmes seriam escritos como se nem a Série Clássica, nem a Série Heisei jamais tivessem existido. Aproveitando o subtítulo do filme, ela chamaria a nova série de Série Millennium. A principal característica da Série Millennium seria justamente essa liberdade criativa, não havendo obrigação de um filme ser continuação do outro, podendo todos serem histórias fora de cronologia.

Como de costume, a Toho preparou uma versão internacional, dublada em inglês em Hong Kong, para exibição fora do Japão. Como o contrato com a TriStar ainda estava em vigor, o produtor Michael Schlesinger conseguiu autorização para também produzir uma versão norte-americana, para ser exibida nos cinemas dos Estados Unidos - a primeira vez em que isso aconteceria desde O Retorno de Godzilla, e última vez na história, já que nenhum dos filmes japoneses seguintes seria exibido nos cinemas norte-americanos. Por algum motivo, a Toho gostaria mais da versão norte-americana - que tinha uma nova dublagem, feita nos Estados Unidos, e várias cenas editadas, que diminuíram a duração do filme em quase 10 minutos - do que de sua própria versão internacional, o que fez com que a versão internacional jamais fosse exibida em lugar algum - mesmo na Ásia e na Europa, a versão exibida foi a norte-americana.

A versão norte-americana, chamada simplesmente Godzilla 2000, não foi bem sucedida dentre o público e a crítica; mesmo assim, Schlesinger negociaria com a Toho a produção de uma sequência, filmada nos Estados Unidos com atores norte-americanos, na qual Godzilla enfrentaria um monstro voador feito de lava no Havaí. A Toho chegou a autorizar a produção do filme, mas Schlesinger não conseguiu garantir o financiamento, e as filmagens foram canceladas.

Antes de terminar, cabe registrar que, oficialmente, para a Toho, o Godzilla do filme de Emmerich não é Godzilla. Inspirada em um texto do crítico norte-americano Richard Pusateri, que disse que o monstro deveria se chamar Gino (acrônimo para Godzilla in Name Only, "Godzilla só no nome"), a Toho transformaria o monstro de Tatopoulos em um de seus monstros oficiais, chamado Zilla. Em seu material oficial, Zilla é descrito como "um monstro que atacou Nova Iorque e foi confundido com Godzilla por seus habitantes".

Godzilla vs. Megaguirus
2000

Como eu acabei de dizer, a rigor, a Série Millennium não segue uma cronologia própria como faziam a Série Clássica e a Série Heisei; praticamente todos os seus filmes são "soltos", sem relação alguma uns com os outros. Entretanto, isso foi mais uma coisa que aconteceu naturalmente do que planejado desde o início: quando a Toho comunicou Tomiyama que investiria mais uma vez em uma série de filmes de Godzilla, seu planejamento inicial era fazer um novo reboot. De acordo com esse planejamento, Godzilla 2000 seria ambientado na mesma cronologia da Série Heisei, mas, a partir do filme seguinte, seria criada uma nova, mais uma vez tendo como ponto de partida o filme original de 1954.

Tomiyama chamou novamente Mimura e Kashiwabara, que, enquanto escreviam o roteiro, decidiram ousar um pouco: ao invés de inventar um novo Godzilla, ou alguma razão pela qual o Godzilla original tivesse sobrevivido ao Destruidor de Oxigênio, eles optariam por criar uma espécie de realidade alternativa, na qual Godzilla não morreu após o ataque em 1954, e sim retornou ao oceano e desapareceu. Isso daria mais liberdade para eles criarem a história do filme, e ainda teria a vantagem de fazer com que os filmes da Série Millenium contassem com o Godzilla original, algo que nem na Série Clássica havia acontecido.

Assim, Godzilla vs. Megaguirus começa com um flashback, que mostra o primeiro ataque de Godzilla em 1954. Após esse ataque, ele retorna para o oceano e não é mais visto até 1966, quando lança um ataque devastador à usina nuclear de Tokai. A presença de Godzilla acaba por acelerar o desenvolvimento tecnológico do Japão: buscando se prevenir contra novos ataques, os japoneses primeiro mudam sua capital de Tóquio para Osaka; depois, criam uma divisão especial do exército, chamada G-Graspers, dedicada exclusivamente a defender o país dos ataques do monstro. Finalmente, toda a energia nuclear do Japão é substituída por energia de plasma, em uma tentativa de evitar que Godzilla ataque as usinas em busca de sua energia. Tal plano se prova ineficiente quando, em 1996, Godzilla ataca o primeiro reator de plasma do Japão, o que leva os japoneses a voltar a pesquisar formas de energia alternativas.

Em 2001, outro projeto tecnológico, chamado Dimension Tide, pesquisa uma aplicação militar para um satélite que lança pequenos buracos negros. Durante um teste, um desses buracos negros cria uma fenda no tempo e espaço, na qual uma libélula pré-histórica coloca um ovo. O ovo é transportado até o Japão dos dias atuais, onde, nos esgotos, choca, dando origem a criaturas chamadas Meganulon. Quando Godzilla ataca o Japão mais uma vez, ele é atacado pelos Meganulon, que buscam se alimentar de sua energia vital. Godzilla vence a batalha, mas alguns Meganulon escapam, e injetam a energia vital que roubaram de Godzilla em uma de suas larvas, que sofre uma mutação e se transforma em Megaguirus, um Meganulon gigantesco e (ainda mais) monstruoso. Evidentemente, Godzilla e Megaguirus vão se enfrentar, e talvez o Japão tenha de mudar sua capital de lugar mais uma vez.

Usar os Meganulon no filme foi uma ideia de Tomiyama, que já queria começar a Série Millennium resgatando monstros clássicos da Toho; no caso, os Meganulon haviam aparecido em Rodan, onde eram libélulas pré-históricas que estavam em estado de hibernação em uma mina, sendo libertadas por uma explosão nuclear e causando o ataque que levou os mineiros a encontrarem o ovo de Rodan. Não se sabe se, na realidade alternativa apresentada em Godzilla vs. Megaguirus, esses eventos também teriam ocorrido.

Godzilla vs. Megaguirus seria dirigido por Masaaki Tezuka, em sua estreia como diretor. O elenco traria Yuriko Hoshi, que já havia interpretado a fotógrafa Junko em Mothra vs. Godzilla e a repórter Naoko em Godzilla vs. Ghidrah, no papel da Professora Yoshino Yoshizawa, diretora do projeto Dimension Tide, inaugurando uma tradição da Série Millennium de colocar atores que haviam participado de filmes da Série Clássica para interpretar personagens com funções consideradas honoráveis pela sociedade japonesa - líderes, diretores e conselheiros, por exemplo. Kitagawa voltaria a vestir a roupa de Godzilla, e a roupa de Megaguirus ficaria a cargo de Minoru Watanabe, já acostumado a "interpretar" monstros em diversos seriados da Toei.

Estreando em 16 de dezembro de 2000, o filme seria um fracasso de bilheteria no Japão. A Toho elegeria Suzuki como o responsável, já que a crítica consideraria os efeitos especiais pobres e de baixa qualidade. Ainda assim, como já havia reservado orçamento para mais um filme, a Toho decidiria seguir em frente - embora o fracasso de Godzilla vs. Megaguirus acabasse tendo impacto sobre a liberdade criativa da equipe do filme seguinte.

Godzilla vs. Megaguirus também ganharia a tradicional versão internacional dublada em Hong Kong. Como o contrato com a TriStar ainda estava em vigor, a Sony, que comprou a TriStar em 1998, poderia até lançá-la nos Estados Unidos, ou produzir sua própria versão, se assim quisesse. O péssimo desempenho do filme no Japão, aliado ao desempenho ruim de Godzilla 2000 nos Estados Unidos, porém, fariam com que ela não se interessasse. Somente em 2003 a Sony prepararia uma versão editada para ser exibida na televisão, no SciFi Channel. Essa versão teria boa audiência, o que motivaria a Sony a lançar o filme também em DVD no ano seguinte. Esse lançamento é digno de registro por ter sido a primeira vez em que um filme de Godzilla foi lançado em vídeo nos Estados Unidos contendo a trilha sonora original japonesa, e não uma trilha substituta como ocorreu até então.

Série Godzilla

•Godzilla 2000
•Godzilla vs. Megaguirus

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