segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Escrito por em 18.2.13 com 2 comentários

Doctor Who (I)

Nunca é tarde para se conhecer uma coisa nova. Por exemplo: eu sou fã de ficção científica desde que me conheço por gente, mas, até o ano passado, não conhecia Doctor Who. Quer dizer, eu já tinha ouvido falar, sabia mais ou menos o que era, e até tenho um amigo meio fanático pela série, mas jamais tinha assistido a um episódio sequer. Ano passado, entretanto, a primeira temporada da série nova foi lançada em DVD aqui no Brasil, e, como a minha namorada (atual esposa) estava mesmo perguntando o que eu queria de dia dos namorados, resolvi pedir. E foi assim que eu entrei para o maravilhoso mundo de Doctor Who.

Não vou dizer que me tornei um megafã da série, nem que ela se tornou minha preferida, mas confesso que gostei bastante - principalmente porque é uma série britânica, então é muito bem-vindo ver pessoas falando com sotaque, vivendo em cidades que não sejam Nova Iorque ou Los Angeles e dirigindo pelo lado oposto da rua em uma série de ficção científica. Sem falar que o olhar britânico sobre muitas coisas é bastante diferente do americano, o que dá à série um charme muito especial. Já estou ansioso pelo lançamento das demais temporadas, e até um pouco preocupado porque a segunda está demorando.

Pois bem, desde que terminei de assistir à primeira temporada que estou com vontade de escrever um post sobre Doctor Who. Aliás, um não, já que, além de uma das mais famosas, Doctor Who também é uma das mais longevas séries de ficção científica da história, ficando no ar de 1963 a 1989 e depois voltando em 2005 - por isso eu disse "série nova" lá em cima. Diante disso, começa hoje uma série sobre Doctor Who, como de costume com seus posts intercalados com outros assuntos, nos quais veremos muitas curiosidades e detalhes interessantes sobre essa série tão legal.

A história de Doctor Who começa em março de 1962, quando a BBC, mais tradicional e famoso canal de televisão do Reino Unido, encomendou a seus produtores um estudo sobre a viabilidade de produção de um seriado de ficção científica. Apesar de o relatório ter sido feito e analisado, de várias ideias terem sido apresentadas, e de viagens no tempo ter sido escolhido como o tema ideal, tal seriado jamais sairia do papel, sendo engavetado sem que um motivo oficial fosse dado.

Em março de 1963, exatamente um ano após a encomenda do relatório, a BBC estava com um buraco em sua programação - um espaço nas tardes de sábado ocupado por um programa que não seria renovado para uma próxima temporada. Um dos responsáveis pela realização do relatório, Donald Baverstock, agora promovido a chefe de programação, pediria ao canadense Sydney Newman, que chegou à BBC em dezembro de 1962 para assumir o cargo de chefe do departamento de artes dramáticas, um programa que apelasse a todo tipo de audiência, já que o horário de sábado à tarde era tradicionalmente voltado às crianças, e esse buraco em especial vinha logo após um programa esportivo voltado para adultos e logo antes de um programa de música pop voltado para adolescentes. Fã de ficção científica e responsável por autorizar diversas produções do gênero quando trabalhava na canadense CBC e na britânica ABC (Nota do Guil: sim, ele trabalhou na ABC, na BBC e na CBC...), Newman, enquanto pesquisava um tema, tomaria conhecimento do tal relatório, e imediatamente imaginaria que um seriado de ficção científica seria a escolha ideal para o horário. Ele, então, se reuniria com toda a equipe responsável pelo relatório, bem como com os roteiristas Donald Wilson e Bunny Webber, para finalmente desengavetar esse seriado e colocá-lo em produção.

Newman decidiria manter a ideia das viagens no tempo, e apresentaria a ideia de uma máquina do tempo que seria bem maior por dentro do que por fora. Essa máquina, cujo nome acabaria sendo definido como Tardis (um acrônimo para Time and Relative Dimension in Space "tempo e dimensão relativa no espaço"), teria a capacidade de assumir qualquer forma necessária para se mesclar ao ambiente da época que visitasse - se transformando em uma coluna na Grécia ou em um sarcófago no Egito, por exemplo. Por sugestão do roteirista australiano Anthony Coburn, no primeiro episódio, como ela visitaria a Londres de 1963, assumiria a forma de uma cabine policial azul, extremamente comuns na cidade na época, e segundo ele o elemento que mais havia chamado sua atenção ao chegar na cidade. Curiosamente, um estudo feito pela BBC apontaria que criar uma nova Tardis para cada episódio elevaria os custos da série muito além do orçamento previsto. Newman, então, em uma espécie de piada, decidiria que o "circuito camaleônico" da Tardis estaria com defeito, e que ele manteria a aparência de cabine policial não importando onde estivesse - criando, assim, uma das imagens mais icônicas da ficção científica, tão icônica que, em 2002, a BBC ganhou uma ação na justiça impetrada pela Polícia de Londres, que queria impedi-la de ganhar dinheiro com merchandising que envolvesse a imagem da cabine.

Partindo da ideia de Newman, Wilson e Weber criariam o formato do programa e diversos personagens para suas histórias. No fim, Newman decidiria que seria melhor caso o personagem principal fosse uma figura misteriosa, sem nome ou passado definido, que atendesse apenas pela alcunha de "Doutor". Partindo dessa ideia, na hora de batizar o seriado, Newman sugeriria "Doctor Who" - o equivalente, em inglês, a perguntar "que Doutor?" tipo quando alguém diz "eu sou o Doutor", e a gente pergunta de volta "que Doutor?". O nome acabaria pegando, sendo apresentado oficialmente à BBC junto com o roteiro do episódio piloto.

Faltava apenas escolher um ator para interpretar o protagonista. As primeiras escolhas de Newman, os regulares da BBC Hugh David e Geoffrey Bayldon, não se interessariam por fazer ficção científica e acabariam recusando em prol de outros projetos - David, depois, se arrependeria, e acabaria participando de muitos episódios, mas como diretor. Após essa recusa, a produtora da série, Verity Lambert, convidaria o veterano William Hartnell, mais conhecido por interpretar personagens durões e irascíveis, como sargentos e mercenários, mas cuja atuação delicada como o olheiro de um time de rugby no filme This Sporting Life havia surpreendido e chamado a atenção de Lambert. Achando que não tinha nada a ver com o papel, Hartnell também recusaria, mas acabaria sendo convencido a aceitar pelo diretor do episódio piloto, Waris Hussein. Hartnell acabaria sendo extremamente elogiado por sua performance como Doutor, e hoje é considerado um dos mais queridos atores britânicos.

Originalmente, Doctor Who seria um seriado educativo, usando as viagens no tempo para explicar história, geografia e ciências às crianças. Por causa disso, era necessário que o Doutor tivesse um acompanhante em suas viagens no tempo, de preferência uma criança - usando um artifício muito comum na ficção científica, ao explicar as coisas ao seu acompanhante, o Doutor também as estaria explicando aos telespectadores. Newman decidiria que a acompanhante do Doutor seria uma menina, Susan Foreman (interpretada por Carole Ann Ford). A princípio, Susan seria uma criança qualquer, convidada pelo Doutor para acompanhá-lo, mas Coburn, com medo de que um seriado que mostra um homem idoso viajando sozinho pelo tempo e espaço com uma menina em uma cabine policial pudesse trazer problemas para a BBC, sugeriria que ela fosse sua neta, o que foi aceito por Newman. Além do Doutor e de Susan, o elenco principal da série contava com dois dos professores da menina, Barbara Wright (Jacqueline Hill) e Ian Chesterton (William Russell). A cada episódio, aos quatro se juntariam vários coadjuvantes, alguns viajando com o Doutor, outros permanecendo em sua própria época enquanto visitados.

O episódio piloto da série, An Unearthly Child (algo como "uma criança de outro mundo"), sofreria vários problemas. Após filmarem tudo e assistirem, a equipe de produção chegou à conclusão de que o episódio não estava bom, contando com vários erros técnicos, como mau posicionamento de câmera, e com um Doutor muito cruel e uma Susan que fazia coisas erráticas e sem explicação aparente. A equipe decidiria descartá-lo e refilmá-lo, aproveitando para mudar não somente elementos do roteiro como também figurinos e efeitos especiais. Essa nova versão do piloto seria o primeiríssimo episódio da série, indo ao ar no dia 23 de novembro de 1963. Infelizmente, isso foi no dia seguinte ao assassinato de John F. Kennedy, Presidente dos Estados Unidos, de forma que todos os canais, incluindo a própria BBC, ainda apresentavam programas especiais e boletins de notícia sobre o ocorrido, e, como se isso já não bastasse, um apagão afetou várias partes do Reino Unido bem na hora em que o episódio estava indo ao ar, o que fez com que a audiência de Doctor Who ficasse prejudicada. Sabendo que, sem boa audiência no primeiro episódio, todo o restante da série seria comprometida, Newman convenceria os executivos da BBC a reprisar o primeiro episódio no sábado seguinte, imediatamente antes do segundo.

Antes de prosseguirmos, vale citar que, na época, os episódios de séries no Reino Unido não eram formatados como os das séries norte-americanas aos quais estamos acostumados. Embora cada semana fosse ao ar um episódio diferente, as séries não eram divididas em episódios, mas em serials, o que, em uma série norte-americana, equivaleria mais ou menos a um arco de história - dentro de um serial, um episódio é continuação direta do outro, como se fosse um mesmo episódio com várias partes. A Unearthly Child, portanto, não somente é o nome do primeiro episódio, mas também do primeiro serial, que conta com quatro episódios, An Unearthly Child, The Cave of Skulls, The Forest of Fear e The Firemaker, todos com roteiro de Coburn e dirigidos por Hussein. O segundo serial, The Daleks, conta com sete episódios (nenhum deles chamado The Daleks, antes que vocês pensem que isso era obrigatório), escritos por Terry Nation e dirigidos por Richard Martin e Christopher Barry. Mais que uma curiosidade, isso é importante porque, quando eu falar das temporadas da série, vou falar assim:

William HartnellA primeira temporada de Doctor Who teve um total de 42 episódios, reunidos em 8 serials. Cada episódio tinha 25 minutos de duração, e era filmado em preto e branco. Já a partir do segundo serial, o caráter educativo da série seria abandonado em prol da ficção científica tradicional - além de viagens no tempo, viagens no espaço, contando com seres alienígenas e naves espaciais. Isso, na verdade, aconteceria meio sem querer: com o sucesso do primeiro serial, a BBC considerava de suma importância que o segundo também fosse bem sucedido, para que a série se consolidasse. A pedido do chefe de roteiristas David Whitaker, para que o segundo serial não fosse considerado mais do mesmo, o roteirista Terry Nation deveria deixar a visita de períodos históricos da Terra de lado e criar uma história que envolvesse viagens no espaço e seres alienígenas. Nation, então, criaria uma história ambientada no futuro, na qual dois povos alienígenas, os Daleks e os Thals, estavam em guerra, e o Doutor e Susan, acidentalmente, vão parar bem nesse período e são capturados pelos Daleks. Ao ser apresentado a Wilson, esse roteiro foi imediatamente descartado, sob o argumento de que "monstros com olhos de mosca não tinham nada a ver com a série". Lambert, porém, adorou a premissa e decidiu bancar a produção, alegando a Wilson que esse era o único roteiro pronto para filmagem antes que se esgotasse o prazo.

A aposta de Lambert daria certo. Com aparência criada por Raymond Cusick, os Daleks, belicosos, voltados à destruição total de tudo o que não fosse sua própria raça, e completamente diferentes de tudo o que já se havia visto na televisão até então - não-humanoides, eles se parecem com uma massa de órgãos e tentáculos, e, para se locomover e interagir com o ambiente em sua volta, usam "armaduras" parecidas com saleiros gigantes, praticamente indestrutíveis e fortemente armadas - se tornariam uma das raças alienígenas mais famosas e icônicas da ficção científica mundial, e gerariam um boom de merchandising sem precendentes dentre as séries da BBC. Desnecessário dizer, o segundo serial foi um sucesso ainda maior que o primeiro, o que deu a Lambert e aos roteiristas mais liberdade para levar a série na direção que bem quisessem. E foi assim que não só as histórias educativas foram deixadas de lado, mas também a própria personalidade do Doutor mudou: inicialmente rude e mandão, ele foi pouco a pouco se tornando uma figura paternal, brincalhona e, consequentemente, mais popular com os telespectadores, principalmente com as crianças.

No geral, toda a primeira temporada seria um sucesso, o que levaria a BBC a encomendar uma segunda já antes de seu encerramento. Essa segunda temporada estrearia em 31 de outubro de 1964 - menos de dois meses após o encerramento da primeira - e contaria com 39 episódios, reunidos em 9 serials. Durante a temporada, ocorreriam mudanças no elenco: Carole Ann Ford deixaria a série após o segundo serial, e o Doutor ganharia uma nova acompanhante no início do terceiro, Vicki (Maureen O'Brien), uma órfã do século XXV. Russell e Hill também deixariam o elenco fixo no final do penúltimo serial, sendo substituídos por Steven Taylor (Peter Purves), um piloto espacial da Terra no futuro, naufragado no planeta Mechanus, que se esconde na Tardis para fugir de lá e passa a viajar com o Doutor e com Vicki. A segunda temporada teria uma das maiores médias de audiência de toda a série, e tornaria Doctor Who, na época, o programa mais assistido da BBC.

Na terceira temporada, que estrearia em 11 de setembro de 1965, com mais 45 episódios divididos em 10 serials, porém, a equipe começaria a ter problemas. Em primeiro lugar, Lambert decidiria deixar a série para produzir outro seriado criado por Newman, dessa vez de aventura e comédia, sendo substituída por John Wiles, que não tinha um bom relacionamento com Hartnell. Para piorar, Hartnell já estava sofrendo de arteriosclerose, e achava cada vez mais difícil decorar suas falas. Wiles e o chefe dos roteiristas, Donald Tosh, chegaram a criar uma situação na qual Hartnell pudesse ser substituído por outro ator no mesmo papel - o Doutor seria atingido por uma arma que o tornaria invisível e, ao ter sua visibilidade restaurada, estaria com outra aparência - mas o chefe do departamento de seriados, Gerald Savory, considerava Hartnell essencial para o sucesso da série, e proibiu a mudança. Wiles acabaria pedindo demissão após outra negativa de Savory, quando ele criou um personagem com sotaque da região de Cockney, que foi vetado sob o argumento de que "todos os personagens da série devem falar o inglês da BBC".

A terceira temporada também seria controversa pela saída de Vicki, no decorrer do terceiro serial, substituída por Katarina (Adrienne Hill), originária da cidade de Troia. Katarina morreria já no serial seguinte, gerando o primeiro de muitos momentos em que a crítica acusaria Doctor Who de traumatizar as crianças que o assistiam. Katarina seria substituída por uma acompanhante mais tradicional, Dodo Chaplet (Jackie Lane), uma adolescente londrina de 1966. No último serial da temporada, Dodo e Steven partem, e o Doutor passa a ter como acompanhantes Polly (Anneke Wills), uma jovem secretária, e Ben Jackson (Michael Craze), um jovem marinheiro.

Para completar, o segundo serial da terceira temporada, Mission to the Unknown, seria composto por um único episódio, que, ainda por cima, não contava com a presença do elenco fixo, mostrando um agente espacial investigando a presença de Daleks em um planeta de sua área de atuação - na verdade, a intenção do roteirista Terry Nation era usar esse episódio como prelúdio para o quarto serial, The Dalek's Master Plan, maior até então, com 12 episódios, mas a ordem acabaria sendo alterada, com um outro serial entre eles. A partir do serial seguinte a The Dalek's Master Plan, a equipe de produção concordaria em um padrão de quatro episódios por serial, e, a partir do penúltimo da temporada, eles nem mais teriam nome, sendo referenciados apenas como "episódio 1", "episódio 2" e assim sucessivamente.

DaleksNo início das gravações da quarta temporada, parecia que a saúde de Hartnell não o iria deixar mesmo continuar no papel - ele precisava de papeizinhos espalhados pelo cenário para ajudá-lo a lembrar das falas, e se sentia extremamente cansado após gravar apenas algumas cenas. Na época, Savory já não era mais chefe do departamento de seriados, e seu substituto, Shaun Sutton, se mostrou mais receptivo à ideia de mudar o ator mas manter o personagem. O roteirista Gerry Davis e o produtor Innes Lloyd, substituto de Wiles, então, criariam uma saída para a troca que se tornaria uma das marcas registradas de Doctor Who.

Na época, já estava plenamente estabelecido que o Doutor era um alienígena, pertencente a uma misteriosa raça conhecida apenas como Senhores do Tempo. Lloyd e Davis estabeleceram, então, que, quando um Senhor do Tempo está muito ferido, para não morrer, ele recorre a um processo - nessa primeira vez chamado de Renovação, mas que acabaria conhecido como Regeneração - através do qual seu corpo se reforma, mudando sua aparência física e também alguns traços de sua personalidade. Ou seja, o Doutor continua sendo o mesmo indivíduo, apenas com aparência e comportamento diferentes - detalhe criado para que o próximo ator não precisasse interpretar o personagem exatamente como Hartnell, e para que, caso o truque fosse usado novamente, cada ator subsequente pudesse interpretá-lo a seu modo.

A Regeneração ocorreria no último episódio do segundo serial da quarta temporada - que teve um total de 9, divididos em 43 episódios, com o primeiro estreando em 10 de setembro de 1966 - serial que também marcaria a estreia de outra raça alienígena inimiga icônica, os Cybermen, humanos cibernéticos sem emoções que pretendem transformar todos os humanos do universo em Cybermen, mais ou menos como os Borgs de Jornada nas Estrelas. O novo Doutor seria interpretado por Patrick Throughton, conhecido por ter sido o primeiro a interpretar Robin Hood na televisão, na série da BBC de 1953, e com vários filmes e séries de fantasia e ficção científica no currículo. Troughton faria um Doutor mais leve e cômico que Hartnell, embora capaz de alguns atos de crueldade em alguns episódios.

Enquanto se acostumava com sua nova aparência - o que até geraria uma cena famosa na qual Troughton se olha em um espelho de mão e vê a imagem de Hartnell - o Doutor continuaria viajando pelo tempo e espaço na companhia de Ben e Polly, que seguiriam no elenco fixo até o penúltimo serial da temporada. No último, o Doutor ganharia uma nova acompanhante, Victoria Waterfield (Deborah Watling), jovem nascida na Inglaterra Vitoriana. Quase todos os serials da quarta temporada teriam o padrão de quatro episódios, exceto o terceiro e o penúltimo, que tiveram seis, e o último, que teve sete.

Na quinta temporada, com mais 7 serials divididos em 40 episódios - todos os serials com seis episódios exceto o primeiro, com quatro - que estrearia em 2 de setembro de 1967, o Doutor seria acompanhado por Victoria e por Jamie McCrimmon (Frazer Hines), flautista escocês do Século XVIII que apareceu pela primeira vez no quarto serial da quarta temporada, The Highlanders. A temporada também introduziria um personagem recorrente, o Coronel Lethbridge Stewart (Nicholas Courtney), membro fundador da Força-Tarefa de Inteligência das Nações Unidas (UNIT, na sigla em inglês), departamento da ONU voltado para a investigação e defesa contra ameaças alienígenas. Como de costume, no penúltimo serial Victoria deixaria o grupo, sendo substituída por Zoe Heriot (Wendy Padbury), uma astrofísica que vivia em uma estação espacial no final do século XXI. A quinta temporada também seria a última com Newman à frente do departamento de artes dramáticas, já que ele optaria por não renovar seu contrato com a BBC após seu término, no final de 1967.

A saída de Newman coincidiria com graves problemas para a série, que, segundo boatos, até teriam levado a BBC a pensar em cancelá-la após a sexta temporada. Para começar, desde a terceira temporada que a audiência vinha caindo ano após ano, e, na época da sexta, Doctor Who não estava nem entre os dez programas mais assistidos da BBC. Em contrapartida, por mostrar tantos períodos históricos e planetas alienígenas diferentes, o seriado tinha um gasto astronômico (desculpem o trocadilho), sendo o mais caro da emissora na época. Para completar, durante as filmagens da sexta temporada, Troughton manifestou seu desejo de não renovar seu contrato para uma sétima, se dizendo cansado do ritmo de gravações de um seriado semanal.

A sexta temporada estrearia em 10 de agosto de 1969, com 44 episódios reunidos em 7 serials. Para tentar salvar o programa, os novos produtores, Peter Bryant e Derrick Sherwin, optariam por uma reformulação radical: no último episódio da temporada, após ser considerado uma ameaça por se meter demais nos assuntos de outros povos e épocas, o Doutor seria condenado pelos demais Senhores do Tempo a permanecer na Terra, sem poder viajar no tempo ou espaço, e a regenerar forçadamente. Exilado, ele decidiria atuar como consultor científico da UNIT, auxiliando no combate a forças alienígenas e interdimensionais que ameaçassem nosso planeta. Essa saída permitiu que a sétima temporada fosse totalmente ambientada na Terra da época atual sem deixar de lado as raças alienígenas e seres que viessem de outras épocas - e a regeneração forçada permitiria que outro ator assumisse o papel de Troughton, que deixaria a série junto com Hines e Padbury ao final da sexta temporada. Mas a sétima temporada já é assunto para um próximo post.

Patrick TroughtonAntes de encerrarmos por hoje, porém, vale mencionar que os dois primeiros Doutores são afligidos por uma situação curiosa: muitos de seus episódios simplesmente não existem mais, não podendo ser reprisados nem lançados em DVD. Isso ocorreu principalmente porque as emissoras de televisão da época não consideravam importante guardar seus programas, e, para poupar gastos, reutilizavam as fitas, gravando novos programas por cima dos antigos - até mesmo aqui no Brasil grande parte do acervo das nossas emissoras se perdeu por causa dessa prática. Na Inglaterra, especificamente, ainda havia um segundo problema: o sindicato dos atores, temeroso de as emissoras preferirem reprisar seus programas antigos ao invés de criar novos, o que diminuiria a oferta de emprego para seus associados, incluía nos contratos dos atores da época cláusulas prevendo o pagamento de taxas exorbitantes a cada reprise - com as quais as emissoras concordavam, já que não pretendiam reprisar mesmo. Essa prática em geral cessaria no início da década de 1970, mas a BBC ainda reutilizaria as fitas de Doctor Who até 1978, quando o produtor Ian Levine, fã do seriado, convenceria os executivos da emissora a preservar suas gravações.

O resultado dessa prática foi que nada menos que 106 episódios de diversos serials são considerados hoje perdidos para sempre. Pode ser, porém, que essa situação se reverta: desde que Levine começou sua cruzada pela preservação, vários episódios que a BBC já não tinha mais em seus arquivos conseguiram ser recuperados, a maioria através de cópias compradas por canais de outros países, como Austrália, Canadá, Venezuela e até Zâmbia, mais alguns preservados por fãs que tinham cópias em casa, conseguidas em leilões ou de segunda mão - afinal, nas décadas de 1960 e 1970 ainda não existiam videocassetes. Falando nisso, esses 106 episódios perdidos não estão perdidos de todo, já que todos eles sobrevivem no formato áudio, graças a gravações caseiras dos fãs, que, na era pré-videocassete, gravavam o som da televisão com um gravador para poder ouvir de novo quando quisessem - o próprio Levine possuía gravações em sua casa de muitos episódios. Para os lançamentos em DVD, essas gravações costumam ser usadas para reconstruir os episódios com animação ou com cenas de fotos dos episódios.

Dos 106 episódios ainda perdidos, 44 são estrelados por Hartnell e 62 por Troughton. Dez serials inteiros estão incluídos nessa conta, inclusive Mission to the Unknown, do qual nem uma ceninha sequer foi preservada - além dele, The Massacre of St. Bartholomew's Eve, da terceira temporada, também é considerado completamente perdido, já que nenhuma de suas cenas sobrevive, ao contrário dos demais serials perdidos, dos quais pelo menos algumas cenas de alguns episódios se salvaram, na maioria das vezes por terem sido exibidas em outros programas da BBC, como os de variedades. A pior situação é a da quarta temporada, da qual 33 dos 43 episódios foram perdidos, inclusive o episódio no qual o Doutor regenera e muda de aparência, do qual só foi preservada, e por sorte, a cena da regeneração. Em termos quantitativos, o segundo pior caso é o da quinta temporada, que perdeu 27 de seus 40 episódios - não por acaso, a quarta e a quinta temporadas foram as menos vendidas para o mercado internacional - mas, em termos de importância histórica, a situação da terceira também é crítica, com 28 dos 45 episódios perdidos, incluindo nove dos doze de The Dalek's Master Plan. Os demais episódios perdidos são nove da primeira temporada, sete da sexta e dois da segunda - ambos do serial The Crusade.

A BBC ainda não desistiu de recuperar esses episódios perdidos, e até hoje faz uma campanha para que fãs de vários países tentem encontrá-los em vendas de segunda mão ou junto ao acervo de emissoras locais. Até onde eu saiba, aqui no Brasil não tem nenhum, mas, se você tiver um deles em casa, por favor entre em contato com a BBC. A memória de uma das maiores séries de ficção científica da história agradece.

Doctor Who

William Hartnell
Patrick Troughton

2 comentários:

  1. Não tinha visto este post. Quer dizer que o Doutor também te pegou, né? rs
    Só uma correção/acréscimo: A escolha da cabine telefônica como o formato da TARDIS se deveu muito mais por problemas financeiros, já que a série possuía um orçamento bem limitado no início (era uma série tapa-buraco afinal de contas). Para driblar este problema, os produtores usavam sobras de outras produções da BBC. A cabine era uma sobra de um filme realizado em 1962 (não sei o nome), quando Newman a viu, decidiu ter encontrado a sua TARDIS. Quando questionado, ele disse uma das frases que se tornaria outro ícone da série: "Vamos fazê-la maior por dentro."
    Vou acompanhar esta série de posts.
    Abração!

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  2. Todas as fontes que eu encontrei dizem que quem sugeriu que o Tardis se parecesse com uma cabine policial foi Coburn - embora realmente tenha sido Newman quem inventou que ela era maior por dentro do que por fora.

    Pode ser que, seguindo a sugestão de Coburn, Newman tenha encontrado a cabine ideal nas sobras do filme ou coisa assim.

    Abraços!

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