Hercules
1997
Após concluir Aladdin, Ron Clements e John Musker, seus diretores - também responsáveis por A Pequena Sereia - chegaram à conclusão de que havia sido legal brincar com o universo das mil e uma noites, mas que seria provavelmente ainda mais legal brincar com a mitologia grega, cheia de seres fantásticos e personagens carismáticos. Os dois, então, começaram a trabalhar em um roteiro para um Clássico ambientado na Grécia Antiga. E a escolha do herói não poderia ser mais óbvia: Hércules.
Os próprios Musker e Clements escreveram o roteiro, mais tarde revisado por Barry Johnson. Ao invés de se prenderem em uma única história de Hércules - como a mais óbvia de todas, os Doze Trabalhos - eles decidiram que seria mais legal fazer uma grande mistura de lendas, colocando Hércules como uma espécie de super-herói, e não de semideus. Assim, estão presentes também elementos das lendas de Belerofonte, Perseu e Orfeu, além de menções aos Argonautas, Pandora e até mesmo à Guerra de Troia. Os diretores também optaram por usar o nome mais conhecido do personagem, o romano Hércules, no lugar do grego Héracles, mesmo com a história sendo ambientada na Grécia e todos os demais personagens tendo seus nomes gregos - exceto o deus Dionísio, que, pela mesma razão, no desenho se chamaria Baco.
O desenho conta desde o nascimento de Hércules, passando por sua infância, adolescência e treinamento, culminando com seu acerto de contas com o vilão, o deus Hades, e com uma missão que salvará a todo o planeta - praticamente um filme do Super-Homem. Aspectos considerados impróprios da lenda do personagem, como ele ser fruto de uma união adúltera na qual Zeus enganou Alcmena fingindo ser seu marido, ou o fato de que sua madrasta, Hera, o odeia e está sempre querendo matá-lo, foram alterados ou suprimidos por completo, para que o desenho não se tornasse inadequado para crianças. Também em nome da aprovação dos pequenos, Hércules ganharia um bichinho de estimação, um companheiro que servia de apoio cômico e um interesse amoroso - além de ser retratado bem mais jovem do que nas lendas gregas.
No desenho, Hércules (Josh Keaton na infância, Tate Donovan adulto, Roger Bart cantando) não é um semideus, mas um deus completo, filho de Zeus (Rip Torn, o Zed de Homens de Preto) e Hera (Samantha Eggar), nascido logo após os deuses vencerem a batalha contra os titãs, aprisionando-os. Hades (James Woods), com inveja de seu irmão Zeus, e tramando tomar o Olimpo para si, se consulta com as moiras, e descobre que, em dezoito anos, um alinhamento planetário permitirá que ele liberte os titãs e governe o Olimpo. Só há um problema, porém: de acordo com a visão das moiras, Hércules o impedirá. Hades, então, manda seus asseclas, Agonia e Pânico (Pain e Panic no original, vozes de Bob Goldthwait e Matt Frewer, respectivamente), para matar a criança. Eles conseguem tirá-lo do olimpo e administrar uma fórmula que o transformaria em mortal, mas, antes de conseguir anular sua superforça ou matá-lo, são surpreendidos pelo casal Anfitrião e Alcmena (Hal Holbrook e Barbara Barrie), que confundem o pequeno Hércules com um órfão e o criam como se fosse seu filho.
Assim, Hércules, desconhecendo ser um deus, é criado pelo casal. Anos se passam, e ele, adolescente, se sente deslocado do mundo devido à sua grande força. Vendo sua tristeza, seus pais decidem contar a verdade sobre sua história, o que leva Hércules até um templo de Zeus. Lá, Zeus revela que ele é também um deus, lhe dá o cavalo alado Pégaso, e o envia para treinar com o sátiro Philoctetes, também conhecido como Phil (Danny DeVito). Enquanto Hércules está em treinamento, Hades descobre sobre a falha de seus asseclas, e decide destruir o rapaz, para que ele não impeça seu plano maligno. Para isso, ele terá a ajuda de Megara, apelido Meg (Susan Egan, que interpretava Bela na versão Broadway de A Bela e a Fera), bela moça que vendeu sua alma ao vilão, e por quem Hércules se apaixona. Hércules, então, terá de se tornar um herói, evitar as armadilhas do amor e frustrar os planos de seu tio, se quiser voltar a viver com seus pais no Olimpo.
Os desenhos de Hércules foram inspirados pelos vasos gregos e pela obra de Gerald Scarfe - cartunista do jornal The London Sunday Times e responsável pela versão cinematográfica de The Wall, do Pink Floyd - que atuou como consultor. O resultado foi um estilo anguloso e de cores vibrantes, diferente de tudo o que a Disney havia feito até então. Mais uma vez, quase a totalidade do filme seria feita à mão e com a ajuda do CAPS, com apenas a Hidra de Lerna sendo animada através de computação gráfica.
Também mais uma vez, os animadores fizeram uma viagem de laboratório, agora até a Grécia e a Turquia, onde visitaram cidades históricas, paisagens rurais e o próprio Monte Olimpo, tirando muitas fotos, desenhando muitos rascunhos e conversando com especialistas em mitologia grega. Hércules contaria com uma equipe recorde de 906 animadores, sendo cem deles no estúdio de Paris, responsável pelas cenas do ciclope e da jornada de Hércules ao Mundo dos Mortos. Apenas para criar a aura brilhante dos deuses e o cabelo em chamas de Hades seriam necessários 108 técnicos em efeitos especiais.
Todo o elenco de Hércules foi escolhido através de testes, com exceção de Danny DeVito, convidado. Charlton Heston chegou a ser convidado para o papel de Zeus, mas não pôde aceitar; os produtores, então, o convidaram para ser o narrador, que só tem algumas poucas falas no início. Tate Donovan, à época conhecido por seu papel na série de TV Partners, seria escolhido por demonstrar durante os testes uma voz firme mas inocente, exatamente do jeito como os produtores viam o próprio Hércules, como uma criança presa em um corpo de adulto. Já a escolha de James Woods para o papel de Hades seria uma surpresa: originalmente, os produtores queriam um vilão de fala mansa e assustadora, e Woods é conhecido justamente por falar rápido demais; foi a produtora Alice Dewey quem achou que um vilão tagarela seria uma ótima guinada para os Clássicos Disney. Woods acabou sendo o responsável por horas de tormento dos animadores; primeiro, porque falava tão rápido que tornava quase impossível animar a boca de Hades de acordo, segundo, porque encheu o texto de cacos. O supervisor de animação, Nik Rainieri, orientou os animadores a desenhar Hades como se ele fosse um vendedor de carros usados, devido ao estilo de Woods.
A trilha sonora ficaria mais uma vez por conta de Alan Menken, dessa vez em parceria com o letrista David Zippel. A maior parte das canções do filme é interpretada pelas Musas, dubladas por Lillias White, Cheryl Freeman, LaChanze, Roz Ryan e Vanéese Thomas. As Musas não são exatamente personagens, e sim pinturas em vasos e paredes, que ganham vida e contam a história conforme ela se desenrola. Retomando o iniciado com A Bela e a Fera, Hércules teria uma de suas canções, Go the Distance, no desenho cantada por Hércules, regravada por Michael Bolton para tocar nas rádios. Essa canção também teria duas "versões alternativas", uma gravada por Ricky Martin, com o título No Importa La Distancia, exclusiva para a América Latina, e uma gravada por Tarkan exclusivamente para a Turquia. O álbum com a trilha sonora ainda traria uma faixa-bônus, versão de I Won't Say (I'm in Love), no desenho cantada por Meg, interpretada por Belinda Carlisle; em alguns países, como na Finlândia e na Rússia, essa canção substituía outra, A Star Is Born, durante os créditos do desenho. Go the Distance seria indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor Canção, mas perderia ambos.
Lançado em 27 de junho de 1997, Hércules teve uma das maiores campanhas de marketing da Disney, com brinquedos, livros, material escolar e até mesmo um show do Disney on Ice lançados antes de sua estreia. A Disney chegou a cogitar uma pré-estreia na Grécia, mas desistiu devido à receptividade negativa da imprensa local - um jornal chegou a dizer que o desenho era "mais um exemplo de estrangeiros distorcendo nossa cultura em nome de seus interesses comerciais". Com orçamento de 85 milhões de dólares, o desenho renderia apenas 99 milhões nos Estados Unidos; mesmo assim, a Disney ficaria satisfeita, e atribuiria a baixa bilheteria à pesada concorrência - afinal, dentre outros, Hércules concorreu com Titanic, Homens de Preto, O Mundo Perdido, O Mentiroso e a Edição Especial de Star Wars. O desenho foi extremamente bem recebido pela crítica, que elogiou seu enredo e sua animação.
Em 1998, Hércules ganharia uma continuação lançada diretamente em vídeo, chamada Hercules: Zero to Hero (inédita no Brasil, até onde eu saiba). Após de casar com Meg, Hércules relembra fatos de sua adolescência, época na qual frequentava a Academia Prometeu, escola especial para deuses e mortais de habilidades incríveis, enquanto treinava com Phil. O filme é composto de três episódios, que dariam origem a uma série animada, exibida pela ABC entre agosto de 1998 e março de 1999, com um total de 65 episódios. Na série, Hércules, adolescente, frequenta a Academia Prometeu em companhia de seus amigos, o inventor Ícaro e a vidente Cassandra, enquanto lida com as tramoias de seu tio Hades e com o bullying de Adonis, colega que se acha mais bonito e capaz que os demais. A série é considerada oficial pela Disney, mesmo contradizendo o fato de que Hades não sabia que Hércules estava vivo durante sua adolescência.
1998
No final de 1993, a Disney começou a produção de um desenho para ser lançado diretamente em vídeo. A história seria de uma menina chinesa muito pobre, que conheceria um príncipe europeu e seria levada por ele para viver em sua corte. Pouco depois de iniciada a pré-produção desse desenho, o escritor de livros infantis e consultor da Disney Robert D. San Souci apresentou um projeto de um desenho baseado no poema chinês A Canção de Fa Mu Lan. A produtora Pam Coats gostou da sugestão, e decidiu abandonar o projeto do desenho direto para vídeo em favor de transformar a história de Fa Mu Lan no próximo Clássico Disney.
Fa Mu Lan, também conhecida por seu nome em mandarim, Hua Mulan, aparentemente foi uma personagem histórica, embora, como acontece com muitas das histórias e lendas orientais, seja difícil precisar se ela realmente existiu. De toda forma, ela teria sido uma menina pobre, que viveu durante a Dinastia Yuan Wei, entre os séculos IV e VI. Seu pai, doente, fora convocado para a guerra, e ela, que jamais quis a vida de uma mulher casada, decidiu se vestir de homem e lutar em seu lugar. Mulan teria lutado durante doze anos, e se aposentado e retornado para sua cidade natal sem que ninguém descobrisse que ela era mulher. Sua história seria eternizada no poema A Balada de Hua Mulan, escrito no final do século VI.
A versão Disney se inspira em outra versão da história, surgida pela primeira vez durante a Dinastia Ming (séculos XIV ao XVII) e conhecida como A Canção de Fa Mu Lan, na qual Mulan teria vivido durante a Dinastia Sui, imediatamente posterior à Yuan Wei. Nessa versão, Mulan teria sido descoberta como mulher, e o Imperador, ao conhecê-la, teria pedido que ela se tornasse sua concubina. Embora a Disney omita essa última parte, e coloque o Imperador vivendo em Pequim - na Dinastia Sui a capital era Xian - outros elementos do filme, como a presença de fogos de artifício e a invasão dos hunos, denotam que o desenho realmente é ambientado na Dinastia Sui. Além da confusão quanto à Capital do Império, a Disney também faria uma pequena confusão com o nome da heroína, colocando seu nome (Mulan) em mandarim e seu sobrenome (Fa) em cantonês, duas línguas diferentes. E, para completar, o próprio desenho se diz ambientado na Dinastia Han (entre os séculos III a.C. e III d.C.).
No desenho, Fa Mulan (Ming-Na falando, Lea Salonga cantando) é uma jovem pobre, que não está muito interessada em se casar nem em aprender o que se espera de uma jovem moça chinesa. Quando a China é invadida por uma tropa de hunos, liderada por Shan Yu (Miguel Ferrer), o Império manda a cada família uma convocação para que um dos homens lute por seu país. No caso da família de Mulan, é seu pai, Fa Zhou (Soon-Tek Oh), já idoso e com um ferimento na perna decorrente de uma antiga batalha. Achando um absurdo que seu pai tenha de lutar, Mulan toma uma decisão radical: se veste de homem e se apresenta como Fa Ping, representante da família Fa. Ao saber o que a menina fez, seu pai ora para que seus antepassados a protejam. Atendendo a suas preces, eles decidem enviar o Grande Dragão de Pedra para protegê-la. Mas algo sai errado no ritual, e quem ruma é o atrapalhado dragãozinho Mushu (Eddie Murphy).
De início, Mulan é designada para um campo de treinamento, numa unidade liderada pelo jovem Li Shang (B.D. Wong falando, Donny Osmond cantando), filho do General Li (James Shigeta) e assessorado pelo irritante Chi Fu (James Hong). Um acontecimento inesperado, entretanto, fará com que a unidade de Mulan se torne a última esperança do Imperador (Pat Morita) de resistir ao ataque de Shan Yu - e, para piorar, Mulan não somente terá de esconder de todos que é mulher, mas também que está apaixonada por Li Shang.
Novamente, a Disney quis dar ao desenho um visual único, dessa vez inspirado nas aquarelas chinesas, o que fez com que o desenho tivesse animações mais simples que seus três antecessores diretos. Mais uma vez a equipe de animação foi conferir sua ambientação in loco, viajando até a China para tirar fotos e desenhar rascunhos dos locais pelos quais Mulan passaria no desenho. Mulan seria responsável pelo desenvolvimento de nada menos que três softwares totalmente novos, mais tarde usados em diversas outras animações - e copiados pela concorrência. O primeiro deles, batizado Attila, era uma evolução da cena do estouro da manada de gnus de O Rei Leão, usado para mostrar as tropas de Shan Yu; com ele, apenas alguns hunos foram desenhados, e o programa lhes deu características próprias e movimentação autônoma. O segundo programa, Dynasty, seria usado durante as cenas na cidade proibida, especialmente para criar a plateia, de mais de três mil pessoas; essas cenas também fariam uso de um dos programas das Pixar, RenderMan, para que o resultado ficasse mais autêntico, e pelo menos uma delas - a cena na qual a plateia se curva - usaria uma técnica curiosa para que o resultado fosse o mais natural e convincente possível: uma plateia de verdade foi filmada e mais tarde renderizada com o RenderMan, para que o filme se transformasse em desenho. O terceiro e último programa, chamado Faux Plane, seria responsável por criar os cenários e planos de fundo do desenho. Capaz de adicionar profundidade a pinturas bidimensionais, o Faux Plane seria usado, dentre outras cenas, nas que envolviam a Grande Muralha e a batalha na Cidade Proibida.
Assim como fez com Pocahontas, a Disney quis que atores orientais fossem responsáveis pela dublagem dos personagens, contando no elenco com desde revelações como B.D. Wong até nomes consagrados como Pat Morita (o Sr. Miyagi de Karate Kid) e George Takei (o Sr. Sulu de Jornada nas Estrelas, que aqui interpreta um dos antepassados de Mulan). As exceções seriam Miguel Ferrer, conhecido por interpretar vilões coadjuvantes, e cuja interpretação de Shan Yu no teste seria considerada perfeita pelos produtores, e Eddie Murphy, convidado para interpretar o dragão Mushu antes mesmo de os testes começarem. Curiosamente, originalmente a personagem principal também seria uma exceção: Mulan ficaria a cargo de Lea Salonga, que havia dublado as músicas da Princesa Jasmine em Aladdin. Quando começaram as gravações, porém, os produtores acharam que a voz que Salonga fazia quando Mulan estava fingindo ser homem não convencia; foi só aí que surgiu a ideia de convidar Ming-Na, uma das mais famosas atrizes chinesas da época (e responsável por interpretar Chun Li naquele filme horroroso de Street Fighter que lançaram em 1994, com o Van Damme como Guile), para o papel. Como já conheciam o trabalho de Salonga, os produtores decidiriam mantê-la como voz de Mulan nas canções, e convidariam Donny Osmond para ser a voz cantante de Li Shang. Vale citar que, na versão lançada na China, quem faz a voz de Li Shang, tanto falada quanto cantada, é ninguém menos que Jackie Chan.
Falando em músicas, a trilha sonora do desenho ficaria a cargo de Matthew Wilder e David Zippel, com trilha incidental de Jerry Goldsmith. Além das canções interpretadas por Salonga e Osmond, a trilha previa uma cantada por Mushu, da qual a Disney desistiria após Murphy aceitar dublar o dragãozinho. A principal canção do desenho, Reflections, ganharia uma versão comercial cantada por Christina Aguilera, e faria tanto sucesso que seria a responsável pela contora assinar com a gravadora RCA. Assim como ocorreu com Hércules, essa canção ganharia várias versões internacionais, sendo duas em espanhol (uma para a Espanha e uma para a América Latina), uma em coreano, uma em mandarim e uma em português, interpretada por Sandy & Júnior e lançada no Brasil com o nome de Imagem. Também como Hércules, o álbum da trilha sonora incluía uma faixa-bônus, True to Your Heart, interpretada por 98o e Stevie Wonder. Mulan teria sua trilha sonora indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro e Reflections indicada a esse último, mas não ganharia nenhum desses prêmios.
Mulan seria lançado em 19 de junho de 1998. Com orçamento de 90 milhões, rendeu 120 milhões nos Estados Unidos, sendo considerado um grande sucesso. O desenho seria o responsável por reestabelecer as boas relações entre a Disney e a China, que ficaram estremecidas após o lançamento de Kundun, biografia do Dalai Lama condenada pelo governo chinês. Pelo menos uma piada teria de ser editada na verão chinesa: o nome que Mulan adota ao se apresentar como homem, Fa Ping, é o termo chinês para uma mulher bonita, mais ou menos equivalente ao nosso "colírio para os olhos"; considerado impróprio pelo governo chinês, na versão chinesa o nome virou apenas Ping. Mulan também seria um sucesso de crítica, aclamado por sua arte e animação, embora tenha sido um pocuo criticado pela qualidade de suas canções.
Como de costume, Mulan também ganharia, em 2005, uma continuação lançada diretamente em vídeo, chamada simplesmente Mulan 2, no qual Mulan e Li Shang devem escoltar as três filhas do Imperador até o reino vizinho. Existem planos da Disney para lançar uma versão com atores de carne e osso, na qual Mulan seria interpretada por Zhang Ziyi; de vez em quando eles anunciam que o projeto está em produção, mas até agora não saiu do papel. Já existe, aliás, um filme de Mulan, lançado em 2009, mas que não tem nada a ver com a Disney, dirigido por Jingle Ma e Wei Dong e no qual Mulan é interpretada pela cantora Wei Zhao.
1999
Na década de 1990, a Disney negociou com a ERB, empresa que administra os direitos autorais sobre as obras de Edgar Rice Burroughs, uma licença para uso do personagem Tarzan. A licença anterior, concedida à Warner Bros. na década de 1980 para a produção do filme Greaystoke: A Lenda de Tarzan estava prestes a expirar, e a Disney pretendia fazer o próximo filme do homem-macaco, ou até mesmo um seriado. Mas, após o sucesso de O Rei Leão, eles chegaram à conclusão de que seria uma boa ideia transformar Tarzan em um Clássico Disney - afinal, já existiam 47 filmes com Tarzan, mas nenhum desenho em longa metragem.
Como diretor do projeto, a Disney escolheria Kevin Lima, na época envolvido com a produção de Pateta: O Filme. Empolgado por ter sido escolhido para a direção de um Clássico, ele imediatamente começaria a ler Tarzan of the Apes, romance de Burroughs que marca a estreia do personagem. Apaixonando-se pela história, ele decidiria fazer o desenho o mais fiel possível a ela.
Lima, então, começaria a selecionar os roteiristas, começando por Tab Murphy, um dos responsáveis por O Corcunda de Notre Dame, que - mais importante ainda - também havia trabalhado no roteiro de Nas Montanhas dos Gorilas. Murphy chamou Bob Tzudiker e Noni White, que haviam trabalhado com ele em O Corcunda de Notre Dame, para ajudá-lo a dar profundidade e emoção aos personagens. Por sugestão dos dois, o comediante Dave Reynolds seria chamado para adicionar humor ao roteiro - perfeccionista, ele levaria um ano até achar que o humor do filme estava no tom certo.
Um detalhe que Lima exigiu dos roteiristas foi que os animais do filme falassem. Sendo um livro "sério", evidentemente na obra original os animais não falam, mas como esse era um Clássico Disney, o que pressupõe uma plateia disposta a se transportar para um mundo de fantasia ao assisti-lo, Lima achou que fazer os animais falarem ajudaria os espectadores a acreditar no clima de família no qual ele gostaria de dar o foco. Desde o início, aliás, Lima teve em mente que o foco da história deveria ser a família, o fato de que Tarzan era diferente dos macacos que o criaram, mas que nem por isso não era parte de seu grupo. Como o final do livro se passa na Europa, Lima também optou por alterá-lo, fazendo com que Tarzan permanecesse na selva, o que, em sua opinião, seria mais coerente com a mística da lenda do personagem.
Na versão Disney, Tarzan (Alex D. Linz quando criança, Tony Goldwyn, o vilão de Ghost, quando adulto) é o filho de um casal inglês que naufraga na costa da África. Com os restos do navio, seus pais constroem uma casa, onde vivem até serem mortos pelo leopardo Sabor. Tarzan é salvo do mesmo fim pela gorila Kala (Glenn Close), que também perdeu um filho em um ataque de Sabor. Se identificando com o filhote de humano, Kala decide criá-lo, mesmo sob protestos de seu marido, o chefe da tribo dos gorilas, Kerchak (Lance Henriksen, o androide de Aliens, o Resgate).
Tarzan é criado entre os gorilas, tendo como melhores amigos a gorilinha Terk (Rosie O'Donnell) e o elefante Tantor (Wayne Knight, o vilão de Jurassic Park). Mesmo sendo amado por sua mãe, ele sofre por não ser igual a seus colegas, sempre se sentindo deslocado. Quando Tarzan atinge a idade adulta, ele descobre que não é o único membro de sua espécie, graças a um um grupo de exploradores, liderados pelo Professor Arquimedes Q. Porter (Nigel Hawthorne, o vilão de O Demolidor com Stallone; aparentemente, a Disney quis redimir alguns vilões nesse filme), sua filha, Jane Porter (Minnie Driver), e o guia, Clayton (Brian Blessed), que chega à selva africana em um navio vindo da Inglaterra. Os Porters querem apenas estudar os animais e fazer experimentos científicos, mas Clayton, secretamente, conspira com o restante da tripulação do navio para capturar animais selvagens, especialmente gorilas, e ganhar um bom dinheiro na Europa.
Durante um incidente no qual Jane é perseguida por um grupo de babuínos, ela e Tarzan se conhecem e se apaixonam. Aprendendo rápido, Tarzan logo se torna amigo dos exploradores, que querem que ele os leve aos gorilas, e acabam convencendo-o a voltar com eles para a Inglaterra. Caberá a Tarzan decidir quais laços são mais fortes: os que possui com sua família adotiva ou com outros seres humanos.
Tarzan é um dos mais impressionantes Clássicos Disney em matéria de animação, principalmente pela forma como Tarzan se locomove pela selva, como se fosse um esportista radical, surfando pelas copas das árvores e dando saltos acrobáticos entre os cipós. O diretor de animação, Glean Keane, considerado um dos melhores animadores do mundo, teve essa ideia também após ler Tarzan of the Apes. Impressionado com a forma como Burroughs descrevia os movimentos de Tarzan, ele pensou que essa seria a oportunidade perfeita para mostrar o personagem de uma forma como ninguém jamais havia visto, movendo-se como nenhum ator conseguiria, mas de forma fácil para um personagem animado. Keane também viajou para Uganda para estudar o comportamento dos gorilas e compreender melhor o dilema pelo qual Tarzan passaria ao ter de escolher entre sua família e uma garota pela qual se apaixona. Um dos maiores desafios dos animadores, aliás, foi fazer com que os gorilas, mesmo falando e demonstrando emoções humanas, ainda se movimentassem como gorilas, e não como pessoas fantasiadas de gorilas.
Mais uma vez, Tarzan seria o responsável pelo desenvolvimento e introdução de um programa de computador que mudaria para sempre os rumos da animação. Batizado como Deep Canvas ("tela profunda"), o programa foi idealizado por Dan St.Pierre, supervisor de layout veterano da Disney e responsável pelas tomadas de Paris de O Corcunda de Notre Dame. Após a conclusão daquele filme, St.Pierre se viu impressionado com as tomadas da Catedral de Notre Dame, mas ainda decepcionado pelas limitações artísticas da época. Imaginando que a tecnologia seria capaz de criar cenários e planos de fundo ainda mais impressionantes, ele pediu a Peter Schneider, então promovido a presidente da Disney, carta branca para trabalhar em um novo sistema de animação. Schneider gostou das ideias de St.Pierre e autorizou o projeto, que gastaria milhões de dólares e usaria os talentos de dezenas de profissionais, mas ficaria pronto bem a tempo de ser utilizado em Tarzan.
Com o Deep Canvas, os animadores desenham usando uma caneta especial e uma prancheta digitalizadora. O programa, então, permite que eles pintem o que desenharam de uma forma como se estivessem pintando uma maquete em 3D, e não uma tela bidimensional. Estando esse ambiente em 3D pronto, os personagens são adicionados, e o programa, então, permite que a câmera os acompanhe de diversos ângulos, como se aquele cenário fosse um ambiente real e os personagens fossem atores. Além de tudo, o Deep Canvas era muito fácil de ser utilizado, o que permitia que até mesmo animadores sem nenhuma experiência com softwares o utilizassem. O programa se tornaria uma espécie de xodó da Disney, sendo utilizado em diversos Clássicos seguintes para adicionar realismo a cenários extensos.
A trilha sonora de Tarzan também merece destaque, principalmente por ter sido inteiramente composta por Phil Collins. Diferentemente do usual em Clássicos Disney, apenas duas canções, You'll Be in My Heart, cantada por Kala, e Trashin' the Camp, cantada por Terk, são cantadas por personagens do filme; as demais, Two Worlds, Son of Man e Strangers Like Me tocam enquanto eventos do filme se desenrolam, sem que os personagens participem delas. O próprio Collins regravaria a "versão comercial" de You'll Be in My Heart, que faria um enorme sucesso, ganhando, inclusive, o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Canção, e ajudando o filme a ganhar um Grammy de Melhor Álbum de Trilha Sonora de Filme para Cinema ou Televisão - You'll Be in My Heart também concorreu ao Grammy na categoria Melhor Canção Escrita para Filme de Cinema ou Televisão, mas, surpreendentemente, perdeu para Beautiful Stranger, de Austin Powers: O Agente Bond Cama, cantada por Madonna.
Graças principalmente ao Deep Canvas e a Phil Collins, Tarzan custaria absurdos 130 milhões de dólares, suficiente para se tornar o desenho animado mais caro da história até então. Estreando em 18 de junho de 1999, rendeu mais de 171 milhões de dólares nas bilheterias dos Estados Unidos, e quase 450 milhões no mundo inteiro, sendo considerado um grande sucesso pela Disney. O filme também foi muito bem recebido pela crítica, com alguns chegando a considerá-lo superior a todos os demais filmes de Tarzan, inclusive no aspecto emocional. O neto de Edgar Rice Burroughs, Danton Burroughs, inclusive, chegaria a declarar que o Tarzan da Disney seria o primeiro a fazer justiça à memória de seu avô, mostrando o personagem como ele realmente era em suas histórias.
O grande sucesso de Tarzan faria com que ele desse origem a uma série animada, A Lenda de Tarzan, exibida originalmente pelo canal UPN entre setembro de 2001 e fevereiro de 2003, com um total de 39 episódios. Ambientada logo após os eventos do filme, a série mostra Tarzan e Jane vivendo juntos e enfrentando os perigos da selva. Enquanto a série estava no ar, em 2002, três episódios inéditos foram lançados diretamente em vídeo com o nome de Tarzan & Jane. O filme ganharia ainda uma continuação, Tarzan 2, que, na verdade, conta a infância de Tarzan, preenchendo o espaço deixado no filme durante a passagem de tempo para sua vida adulta. Tarzan também daria origem a um musical da Broadway, que ficaria um ano em cartaz, entre 2006 e 2007.
Tarzan seria o último Clássico do período conhecido como Renascença Disney, que se originou dez anos antes com A Pequena Sereia. A partir do Clássico seguinte, a Disney alternaria bons projetos com outros de qualidade duvidosa, e passaria por uma nova era de vacas magras, da qual parece só estar conseguindo sair recentemente.
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