segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Escrito por em 19.12.11 com 1 comentário

R.H. Barlow

Robert Hayward Barlow nasceu em 18 de maio de 1918 em Leavenworth, Kansas, mas cresceu em Fort Benning, Georgia, onde seu pai, coronel do exército, estava aquartelado. Desde criança, lia revistas como a Weird Tales e a Fantasy Fan, e gostava, em especial, das histórias escritas por Lovecraft. Um dia, ele decidiu tomar coragem e escrever para seu ídolo. Como Lovecraft gostava mesmo de se corresponder com amigos, os dois iniciariam uma amizade, que resultaria em algumas histórias escritas a quatro mãos, e em Lovecraft dar uma mãozinha para que Barlow começasse sua própria carreira literária - por sugestão de Lovecraft, em 1933 Barlow enviaria um de seus contos, Annals of the Jinns, para a Fantasy Fan, que o publicaria em sua edição de outubro daquele ano, ao fim do qual Barlow se filiaria à NAPA, associação de escritores amadores da qual Lovecraft também era membro.

Barlow começou a se corresponder com Lovecraft em 1931, escondendo o fato de que possuía apenas 13 anos de idade. Lovecraft, de toda forma, acharia seus textos bastante promissores, e, quando descobriu a pouca idade de seu colaborador, não viu no fato nenhum empecilho. Além de amigo e colaborador, Barlow se tornaria o executor literário de Lovecraft, convencendo-o a deixá-lo datilografar e registrar todas as suas histórias para guardá-las para a posteridade, e sendo responsável pelos originais de Lovecraft após sua morte, doando quase todos para a Biblioteca John Hay da Universidade de Brown, onde podem ser encontrados até hoje.

Inspirado por Lovecraft, Barlow se tornaria escritor, poeta, antropólogo e historiador, especializado na história do México e especialista no idioma Nahuatl. Entre 1935 e 1939, seria também o editor de dois importantes periódicos, The Dragon-Fly e Leaves, ambos dedicados a contos de ficção e fantasia de escritores amadores, e que, infelizmente, só teriam duas edições cada. Em 1938, ele fundaria uma editora, a Dragon-Fly Press, responsável pela primeira publicação em formato de livro de Os Gatos de Ulthar, além do livro Notes and Commonplace Book, inspirado nas notas e rascunhos de Lovecraft. Em 1943, ajudaria Francis T. Laney e William H. Evans a organizar a primeira bibliografia de Lovecraft, e no ano seguinte dedicaria a ele seu conto The Wind That is in the Grass, publicado no livro Marginalia, da editora Arkham House.

Barlow se mudaria permanentemente para o México em 1943, onde se tornaria professor e chefe do departamento de antropologia da Mexico City College, uma universidade angloparlante voltada a alunos dos Estados Unidos. Viveria até o primeiro dia de janeiro de 1951, quando se suicidaria com uma overdose de barbitúricos. Desde de 1944, algumas de suas cartas já demonstravam uma espécie de depressão e descrença na vida, mas, provavelmente, o suicídio teria sido motivado por ameaças de revelar que Barlow era homossexual feitas por um aluno insatisfeito com suas notas, o que destruiria sua carreira. Seu corpo seria encontrado por William S. Burroughs, à época também seu aluno, e que mais tarde se tornaria um dos mais famosos escritores e poetas dos Estados Unidos.

Ao todo, Lovecraft e Barlow escreveriam juntos seis histórias, algumas com maior quantidade de texto escrita por Lovecraft, algumas com quase todo o texto escrito por Barlow, atuando Lovecraft como uma espécie de revisor. Serão essas seis histórias que veremos no post de hoje, organizadas em ordem cronológica. Que eu saiba, nenhuma delas jamais foi publicada em português, então as referências dessa vez são ao contrário: primeiro o título original, depois uma tradução feita por mim, de como seria o título em português.

The Hoard of the Wizard-Beast (O Tesouro do Feiticeiro-Monstro) - Logo que Barlow fez amizade com Lovecraft, lhe enviou dois de seus textos para que lhe dissesse o que achava. Um deles era este The Hoard of the Wizard-Beast. Lovecraft, gostando do texto, decidiu revisá-lo, adicionando alguns elementos e deixando-o com a cara característica de seus trabalhos. Infelizmente, não se sabe o quanto do texto final era de Barlow e o quanto era de Lovecraft, de modo que algumas fontes a creditam como tendo sido um trabalho conjunto de ambos, enquanto algumas outras preferem creditá-la apenas a Barlow, colocando Lovecraft somente como revisor.

Ambientada na cidade de Zeth, localizada em um planeta de estranhos animais e estranha vegetação, a história acompanha um personagem chamado Yalder, que, após encontrar uma tumba vazia, na qual deveria haver um tesouro, pede conselhos ao oráculo Oorn. Oorn lhe diz que seu destino é destruir o monstruoso feiticeiro Anathas, e clamar seu tesouro ao invés do que não conseguiu obter na tumba. Muitos já tentaram derrotar Anathas e falharam, mas, mesmo assim, Yalder parte em direção ao covil do monstro, portando uma espada abençoada pelos sacerdotes de Oorn.

The Hoard of the Wizard-Beast foi escrito em 1933, mas permaneceu inédito até 1994, quando foi publicado no livro The Hoard of the Wizard-Beast and One Other, da editora Necronomicon Press.

The Slaying of the Monster (A Destruição do Monstro) - Esta história, de apenas uma página, a qual acompanha um grupo de aventureiros cujos planos são exterminar um dragão que vive em uma montanha próxima à sua cidade, foi o segundo dos textos que Barlow enviou a Lovecraft, junto com The Hoard of the Wizard-Beast. Assim como aquele, o texto foi revisado por Lovecraft, e não se sabe o quanto do texto final seria de cada autor. Também como o outro texto, The Slaying of the Monster foi escrito em 1933, mas publicado pela primeira vez apenas em 1994, em The Hoard of the Wizard-Beast and One Other - como o tal do One Other ("um outro") do título.

The Battle that Ended the Century (A Batalha que Encerrou o Século) - No ano de 2001, uma luta de peso-pesados é travada entre Bob Duas-Armas, o Terror das Planícies, e Nocaute Bernie, o Lobo Selvagem de Shokan Ocidental, com a presença de várias figuras ilustres da sociedade, como cientistas, historiadores, jornalistas, ilustradores e até mesmo o Embaixador de Moscou. Após vários rounds, Bernie é declarado tecnicamente morto, condição para que Bob seja declarado vencedor. Enquanto os árbitros procedem com o funeral de Bernie - que está vivo e até come um sanduíche de mortadela antes de entrar em seu caixão - é preparado um belo livro que conta a história dessa luta antológica, e logo se torna um imenso sucesso. Segundo o texto, essa história é contada em um manuscrito encontrado na época de Lovecraft em uma máquina do tempo.

Ao ser lida, essa história se parece com qualquer coisa, menos com Lovecraft - é até um pouco sem pé nem cabeça, se preocupando mais em citar nomes e relacionar personagens do que em narrar um enredo. Isso porém, possui um motivo: Lovecraft e Barlow planejavam escrever um texto satírico, cujos personagens fossem seus conhecidos - os autores, ilustradores, editores e jornalistas de sua época, com os quais trabalhavam, tinham contato ou dos quais eram amigos. Na primeira versão da história, Barlow usou os nomes reais dos citados, mas Lovecraft, durante uma revisão, decidiu que seria melhor substituí-los por trocadilhos, criando uma espécie de jogo no qual cada um poderia tentar identificar seu personagem. Assim, por exemplo, Frank Belknap Long virou Frank Chimesleep Short, e o próprio H.P. Lovecraft se tornaria Horse-Power Hateart. Bob Duas-Armas era Robert E. Howard, e Bernie era Bernard Austin Dwyer. A revisão de Lovecraft foi tão brutal que, no texto final, apenas quatro frases pertenciam ao original de Barlow.

Lovecraft e Barlow mimeografaram o texto e o distribuíram com um grande esquema para que os citados não descobrissem de pronto quem eram os autores: Barlow enviaria as cópias pelo correio, viajando para diversas cidades diferentes para fazê-lo, para que a correspondência não pudesse ser rastreada até ele ou até Lovecraft. Mesmo assim, com o tempo, todos acabaram descobrindo a autoria, principalmente devido a uma desconfiança de Belknap Long. Alguns dos citados aceitaram a brincadeira, outros, como Donald Wandrei, não gostaram muito.

Lovecraft e Barlow escreveram e distribuíram The Battle that Ended the Century em 1934, durante uma visita de cinquenta dias que Lovecraft fez à residência de Barlow na pequena cidade de DeLand, Flórida, onde Barlow havia ido morar em 1932, após seu pai sofrer um problema de saúde. A história permaneceria restrita a seus autores e recipientes até 1944, quando o periódico Acolyte decidiria publicá-la, usando como fonte um dos originais guardados por Barlow.

Till A' the Seas (Até Após os Mares) - Escrita em janeiro de 1935, essa história possui duas partes. Na primeira, é relatado o destino da Terra depois que o Sol começa a puxá-la lentamente para perto de si. Cidades fervem, oceanos secam e a humanidade começa a perecer, revertendo a um estado semelhante ao da pré-história. Na segunda parte, um homem solitário chamado Ull deixa sua aldeia após a morte de sua única companheira, uma idosa chamada Mladna. Seu objetivo é alcançar uma outra aldeia, depois das colinas, onde poderá viver em companhia de outras pessoas. Chegando lá, entretanto, ele faz uma terrível descoberta.

O rascunho original de Till A' the Seas sobreviveu até hoje, de forma que é possível ver com clareza quanto do texto é de Barlow - datilografado em sua máquina de escrever - e quanto é de Lovecraft - adicionado a caneta. A essência da história é de Barlow, com Lovecraft não tendo feita nenhuma mudança estrutural significativa. Todas as alterações e adições de Lovecraft foram cosméticas - buscando adequar a história a seu estilo característico - exceto pela discussão filosófica que a encerra, inteiramente de sua autoria.

Till A' the Seas foi publicada pela primeira vez no periódico The Californian, edição de julho de 1935. Seu título, escolhido por Barlow, foi retirado de uma passagem do poema A Red, Red Rose, escrito por Robert Burns em 1796: "até após os mares secarem, minha querida".

Collapsing Cosmoses (Cosmos em Colapso) - Escrita em meados de 1936, essa história é apenas um fragmento. O intuito de Lovecraft e Barlow era criar uma sátira às space operas, histórias que retratavam guerras e interações entre civilizações alienígenas, escrtitas por Edward Hamilton, E.E. Smith e outros, e que começavam a se tornar bastante populares na época. A ideia era que os dois autores se alternassem, cada um escrevendo um parágrafo após o outro, mas Lovecraft não se dedicou tanto quanto poderia ao projeto, talvez por já se encontrar doente, e o resultado foi que quase toda a história é de Barlow, com apenas algumas frases tendo sido criadas por Lovecraft. Após a morte de Lovecraft, Barlow optaria por não finalizá-la.

A história começa com uma civilização alienígena descobrindo que uma frota inimiga se aproxima de sua galáxia. Uma reunião de emergência é feita entre os vários povos habitantes dos planetas que compõem uma espécie de federação, e uma frota é enviada em resposta, para interceptar os inimigos e enfrentá-los em batalha antes que se aproximem demais. O narrador é um dos alienígenas, que está presente durante a descoberta, durante a reunião, e na frota que interceptará os inimigos. A história se encerra justamente quando a batalha vai começar.

Collapsing Cosmoses foi publicada originalmente na mesma edição, de fevereiro de 1938, do periódico Leaves, editado por Barlow, que publicou três dos fragmentos que vimos no post anterior (Azathoth, O Livro e O Descendente).



The Night Ocean (O Oceano Noturno) - O narrador, um pintor, decide viajar para uma cidade costeira, para se isolar de suas preocupações e finalizar uma pintura que prepara para um concurso. Desejando privacidade, ele aluga uma casa bastante afastada da cidade, bem na praia, em um ponto onde, estranhamente, não há outras construções, e poucos turistas se arriscam a ir. Durante suas caminhadas pela praia, sua mente começa a lhe pregar peças e, um dia, durante uma tempestade, ele verá algo que colocará sua sanidade à prova.

Escrita em meados de 1936, esta história foi publicada pela primeira vez na edição de dezembro do mesmo ano do periódico The Californian, creditada a Lovecraft e a Barlow. Até 2001, não se tinha certeza de quanto da história seria de cada autor, mas, naquele ano, foi descoberto um microfilme de seu manuscrito original, que revela que quase a totalidade da obra é de Barlow, com Lovecraft tendo contribuído com menos de 10% do texto final. Através de cartas escritas por Lovecraft a seus correspondentes, entretanto, sabe-se que Lovecraft revisou a história diversas vezes, e a adequou ao clima de terror que lhe era tão caro. Essas mesmas cartas confirmam que Lovecraft teve pouca participação em sua concepção, já que ele elogia a história e a recomenda - algo que ele não faria se a tivesse escrito.

The Night Ocean é uma das mais elogiadas histórias de Lovecraft, sendo frequentemente comparada a A Cor que Caiu do Céu por seu clima tenso e atmosfera sobrenatural. Segundo o próprio Lovecraft em seu O Horror Sobrenatural em Literatura, o ápice de uma história de horror aconteceria quando, mesmo se desconsiderássemos o enredo, seu clima permaneceria inabalado, algo que muitos críticos concordam que foi alcançado nessa obra.

The Night Ocean seria a última história que Lovecraft escreveria. Pouco tempo depois, ele seria internado, e, em março de 1937, deixaria este mundo. Depois da morte do amigo, Barlow passaria a se dedicar cada vez mais à poesia, deixando os contos de lado, como se desgostoso de escrever sem sua colaboração.

Série Lovecraft

R.H. Barlow

Um comentário:

  1. Boa noite, sou do blog rua de baixo, se possivel gostaria de entrar em contato.

    Abraços XD

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