segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Escrito por em 17.10.11 com 1 comentário

Primeiros Contos e Fragmentos

Juro que, quando comecei a fazer os posts falando sobre as histórias escritas por H.P. Lovecraft, meu autor preferido, não planejava falar sobre todas. Na verdade, no início eu planejava falar mesmo só sobre as publicadas nos livros lançados pela Editora Iluminuras. Só quando percebi que algumas legais iriam ficar faltando é que decidi escrever um novo post, aquele que publiquei aqui por último, sob o nome Um Sussurro nas Trevas.

Nesse momento, entretanto, decidi dar uma pesquisada para saber quantas de fato ainda ficariam faltando, e acabei me surpreendendo ao descobrir que, tirando os ghostwritings e os poemas, faltavam muito poucas. Então, esse fato por si só não me motivou a decidir escrever mais posts sobre o assunto, mas, recentemente, acabei atacado por aquele bichinho que fica zumbindo dentro do meu ouvido até que eu escreva um post e o coloque para fora: toda vez que começava a pensar sobre qual assunto poderia escrever, me vinha à mente que eu poderia tentar "completar" os posts sobre Lovecraft.

Hoje, portanto, teremos mais um post com histórias de Lovecraft, este um pouco diferente, dividido em duas partes. Na primeira, veremos os primeiros contos escritos pelo autor, aqueles que ele escreveu ainda durante sua infância e adolescência. Na segunda, veremos os fragmentos, histórias que Lovecraft começou a escrever e jamais concluiu, mas que, após sua morte, acabaram publicadas assim mesmo. As histórias vistas hoje ainda não "completam" toda a obra de Lovecraft. Mas não vou fazer promessas quanto a escrever ou não sobre as que ficaram faltando. Vamos deixar o bichinho decidir.

Primeiros Contos


Lovecraft começou a escrever muito cedo. Precoce, aprendeu a ler aos três anos de idade, e, desde então, se apaixonou pela literatura, em especial pelo livro As Mil e Uma Noites, o qual leu aos cinco anos de idade. Lovecraft era tão apaixonado pelo cenário que chegou a criar um pseudônimo para si mesmo, Abdul Alhazred, que mais tarde aproveitaria para batizar o autor do Necronomicon. A paixão pelo mundo árabe, entretanto, só resistiria até ele conhecer a Ilíada e a Odisseia, que imediatamente o fizeram se apaixonar pela mitologia grega. Essa paixão levou Lovecraft a escrever seu primeiro poema e texto mais antigo ainda existente, The Poem of Ulysses, uma paráfrase da Odisseia composta por 88 versos, escrita em 1897, quando Lovecraft tinha apenas sete anos de idade.

Ainda em 1897, Lovecraft escreveria seu primeiro conto, The Noble Eavesdropper ("o nobre bisbilhoteiro"), influenciado por livros de fantasia gótica que lera na biblioteca de seu avô. Infelizmente, The Noble Eavesdropper não sobreviveu até os dias de hoje, restando apenas anotações que permitem deduzir que se tratava de um conto no qual um menino escutava acidentalmente uma reunião terrível de estranhas criaturas em uma caverna. Já se pode notar nesse primeiro trabalho o estilo que o acompanharia durante quase toda a vida.

Lovecraft continuaria escrevendo até os dezoito anos de idade, mas a maior parte de suas obras no período se perderia, devido a um problema de saúde. Em 1908, quando estava prestes a se formar no colégio, Lovecraft sofreu um colapso nervoso, que evitou que ele realizasse seu sonho de estudar astronomia na Universidade de Brown. Revoltado, ele destruiria quase tudo o que escrevera, e viveria os próximos cinco anos trancado em seu quarto ou vagando sem rumo pelas ruas da cidade. Sua produção só seria retomada em 1917, após ele voltar ao convívio social e se filiar à UAPA, uma associação de escritores amadores.

Além de The Noble Eavesdropper, há registros de que Lovecraft teria escrito as seguintes histórias que não sobreviveram até os dias de hoje: The Haunted House ("a casa mal-assombrada"), The Secret of the Grave ("o segredo da sepultura"), John, the Detective ("John, o detetive"), The Picture ("a gravura"), Gone... but Whither? ("se foi... mas para onde?") e The Mystery of Murdon Grange ("o mistério de Murdon Grange"). Curiosamente, pelo que se deduz de cartas escritas por ele a seus amigos, nem o próprio Lovecraft se lembra de como seriam essas histórias, descrevendo-as com frases como "aposto que essa era sobre magia negra".

A seguir, veremos as histórias que Lovecraft escreveu entre 1897 e 1908 e que sobreviveram à destruição perpetrada após o colapso nervoso. Todas as quatro seriam publicadas pela primeira vez bem depois de sua morte, em 1959, no livro The Shuttered Room and Other Pieces, da editora Arkham House. Até onde eu saiba, nenhuma delas jamais foi publicada no Brasil - e confesso que eu nunca as havia lido até decidir escrever esse post - mas todas podem ser encontradas em Portugal como parte do quinto volume da série Os Melhores Contos de Howard Phillips Lovecraft, da editora Saída de Emergência.

A Pequena Garrafa de Vidro (The Little Glass Bottle) - Também escrita em 1897, quando Lovecraft tinha apenas sete anos de idade, esta é sua história mais antiga a sobreviver até os dias de hoje. Nela, um navio encontra uma garrafa com um mapa dentro - o qual Lovecraft desenhou junto à história, contendo um caminho tracejado através do Oceano Índico até uma massa de terra identificada como "Austrailia" - e seu capitão decide que vale a pena seguir o mapa até seu destino. Quem espera que o capitão lá encontre criaturas horripilantes, segredos terríveis ou arrependimento está esperando demais. Tão jovem, Lovecraft ainda não havia decidido seguir essa linha literária. A história possui, porém, um final surpreendente, apesar de ingênuo.

De certa forma, A Pequena Garrafa de Vidro é justamente o que se espera de uma história escrita por uma criança de sete anos. Sua característica mais curiosa está no fato de que o mapa leva o navio até os arredores da Austrália, local onde Lovecraft, bem mais tarde, afundaria sua cidade de R'lyeh.

A Gruta Secreta ou A Aventura de John Lee (The Secret Cave or John Lees Adventure) - John Lee, o protagonista, é um menino de dez anos, que é deixado em casa por seus pais com a incumbência de cuidar de sua irmã Alice, de apenas dois. Assim que seus pais saem, entretanto, os dois decidem ir explorar o porão, e acabam encontrando uma caverna secreta. A decisão de explorar a caverna mudará suas vidas para sempre.

Escrita em 1898, essa história já não é o que se espera de uma criança de sete para oito anos, trazendo suspense, morte e um final perturbador. Talvez Lovecraft, aqui, já começasse a mostrar a que veio.

O Mistério do Cemitério ou A Vingança de um Homem Morto: Uma História de Detetive (The Mystery of the Grave-Yard or A Dead Man's Revenge: A Detective Story) - Entre a década de 1860 e o início do século XX, era muito popular entre os leitores das classes baixas um tipo de revista chamado dime novel, que trazia histórias curtas, com palavras simples, impressas em papel de baixa qualidade e custando apenas alguns centavos. Lovecraft não pertencia exatamente às classes baixas, mas, apaixonado por histórias de detetives, e motivado pelo baixo preço, compraria diversas dime novels em sua infância. Esta sua história, escrita em meados de 1898, é claramente influenciada por este tipo de literatura.

A história começa com a morte de um homem chamado Joseph Burns, que deixa em testamento um pedido incomum: seu inventariante, o Sr. Dobson, deve entrar em sua tumba após o enterro e deixar uma bola no ponto marcado com a letra "A". Dobson assim procede e desaparece. Dias depois, um homem chamado Bell bate à porta da família Dobson, e diz ter informações sobre o paradeiro do inventariante. A filha do Sr. Dobson desconfia, e imediatamente chama o famoso detetive King John, que considera Bell seu principal suspeito. John não somente consegue frustrar os planos dos vilões como também desvenda o mistério do cemitério, encontrando o Sr. Dobson.

O nome do detetive, King John, é uma homenagem a dois dos mais populares detetives das dime novels, Old King Brady e Prince John. É bastante provável que ele fosse o protagonista de uma das primeiras histórias de Lovecraft que não sobreviveu, cujo título era John, the Detective.

Além de no nome do detetive, a influência das dime novels pode ser sentida em todo o decorrer da história: assim como as que a influenciaram, O Mistério do Cemitério possui capítulos curtos, com ação frenética, e um enredo que sugere uma explicação sobrenatural, desvendada como mundana pelo detetive ao seu final. A intenção de Lovecraft de emular uma dime novel era tão clara que ele até colocou um preço, 25 cents, ao final de seu texto.

Vale citar que, em O Mistério do Cemitério, Lovecraft já experimenta um elemento que usaria frequentemente em suas histórias futuras: um dos personagens fala em um dialeto, escrito de forma a reproduzir os sons próprios da fala. Também é interessante notar que Lovecraft, aparentemente, não soube onde ambientar essa história, já que referências são feitas, em capítulos diferentes, sobre características norte-americanas e inglesas - especialmente o dinheiro, expresso em libras no Capítulo 2, mas em dólares no Capítulo 7.

O Navio Misterioso (The Mysterious Ship) - Uma estranha embarcação aporta em diferentes locais ao redor do mundo. Por onde ela passa, pessoas desaparecem. Após uma investigação, descobre-se que o estranho navio leva seus captivos para um local no Pólo Norte feito de terra vulcânica, conhecido como Terra de Ninguém - e inventado por Lovecraft. Uma expedição para a Terra de Ninguém, visando resgatar os prisioneiros e deter o estranho navio, é então montada.

Essa é uma história de aventura até bem simples, sem quaisquer elementos sobrenaturais ou fantásticos - excetuando-se, talvez, a Terra de Ninguém. Lovecraft a montou em formato de panfleto, um capítulo por página mais capa e contracapa. Na capa, além do título, se lia The Royal Press, 1902, referência ao ano em que foi escrita, quando Lovecraft tinha por volta de doze anos de idade.

Cada um dos nove capítulos de O Navio Misterioso é curtíssimo, alguns tendo pouco mais de 25 palavras. No ano 2000, uma "versão estendida" da história foi encontrada entre os guardados de August Derleth, amigo pessoal de Lovecraft, fundador da Arkham House e organizador da coletânea The Shuttered Room and Other Pieces. Seguindo a mesma história, essa versão expande os capítulos para de 75 a 100 palavras cada. Embora essa segunda versão também seja atribuída a Lovecraft - sem que se saiba, entretanto, quando ou porque ele teria decidido refazer uma de suas primeira histórias - eu tenho para mim que ela é obra de Derleth, que, afinal de contas, era conhecido por escrever sozinho uma história ao estilo de Lovecraft e então creditá-la como se houvesse sido uma parceria entre ambos. Seja como for, essa versão estendida seria publicada pela primeira vez, juntamente com a versão original, apenas em 2008, no livro H.P. Lovecraft: The Fiction, da editora Barnes & Noble.

Fragmentos


Lovecraft possuía um caderno no qual fazia muitas anotações sobre as ideias que tinha para suas histórias. Muitas delas jamais saíam do caderno, e algumas até saíram, mas jamais foram desenvolvidas até se tornarem histórias de verdade, se tornando apenas fragmentos. Um ano após a morte de Lovecraft, um grande amigo seu, R.H. Barlow, decidiria publicar três desses fragmentos, da forma como estavam, na segunda e última edição de um periódico editado por ele, o Leaves, em fevereiro de 1938. Após esta publicação, os fragmentos acabariam sendo incorporados à obra de Lovecraft, sendo republicados diversas vezes em vários livros e revistas.

A seguir, veremos esses três fragmentos e mais um, que não foi publicado pelo Leaves, mas possui uma história interessante. Todos os quatro podem ser encontrados no Brasil no livro A Tumba e Outras Histórias, da Editora L&PM. Lovecraft chegou a escrever outros fragmentos, mas estes não são considerados parte de seu corpo literário, e só costumam ser publicados em obras que trazem suas cartas ou seus rascunhos.

Azathoth (Azathoth) - Escrita em junho de 1922, essa seria a primeira história de Lovecraft a fazer menção a Azathoth, uma das principais entidades de sua cosmologia, citado em À Procura de Kadath, Um Sussurro nas Trevas, Os Sonhos na Casa Assombrada, A Coisa na Soleira da Porta e O Assombro das Trevas. Curiosamente, entretanto, a menção é feita apenas no título da obra, e Azathoth não aparece em local algum de seu texto.

Em suas anotações, Lovecraft descreveu Azathoth como "uma história oriental ao estilo do século XVIII", e assumia como maior fonte de inspiração o livro Vathek, ambientado na Arábia e escrito por William Thomas Beckford em 1786. Segundo uma carta escrita ao amigo Frank Belknap Long também em 1922, ele declarou não querer fazer deferência ao cânone moderno, e sim criar uma nova mitologia em um estilo no qual só Lord Dunsany, um de seus autores preferidos, havia sido bem-sucedido. Ainda de acordo com essa carta, ao escrever, Lovecraft gostava de se transportar para os sonhos que tinha em sua infância, que se seguiram à sua primeira leitura de Sinbad, Agib e Sidi-Nonman.

Não se sabe por que Lovecraft jamais teria concluído a história, que tem pouco mais de 480 palavras, mas a teoria mais aceita é a de que ele a teria abandonado para escrever À Procura de Kadath, que tem ambientação semelhante: o protagonista de Azathoth é um homem que vive em uma cidade sem graça, em um mundo do qual toda magia foi extirpada. Todos os dias ele fita as estrelas e sonha, até que um dia se vê transportado para um mundo além de tudo o que sua imaginação conseguiria criar.

O Livro (The Book) - Este fragmento é narrado pelo habitual narrador sem nome, que um dia recebe um livro de presente de um vendedor misterioso. O narrador o leva para casa e o abre, e então estranhos acontecimentos se sucedem.

Não se sabe quando essa história teria começado a ser escrita, mas, de acordo com as cartas de Lovecraft, provavelmente foi no final de 1933. Segundo as cartas, nesse período Lovecraft estava profundamente insatisfeito com o que escrevera até então, e decidiu experimentar outros estilos e outras formas de narrativa. Ainda insatisfeito com o resultado, ele teria destruído quase todos esses experimentos.

O Livro, portanto, seria um dos experimentos que sobreviveram à destruição, embora não se saiba o porquê. Segundo alguns estudiosos de Lovecraft, o experimento em questão seria reescrever em prosa um de seus mais famosos poemas, Fungi from Yuggoth, teoria que é sustentada pela correspondência entre o que foi escrito de O Livro e os três primeiros sonetos do poema.

O Descendente (The Descendant) - Assim como O Livro, ninguém sabe ao certo quando Lovecraft teria começado a escrever O Descendente, mas, baseado em suas anotações, estima-se que tenha sido em 1927. Também não se sabe por que ele jamais a teria concluído. Uma anotação em seu caderno, de que ele estaria fazendo um estudo de Londres para uma futura história, provavelmente diz respeito a esta.

O Descendente é o maior dos fragmentos, com por volta de 1500 palavras. A história é aparentemente narrada por um homem em seu leito de morte, que faz referência a três personagens: Williams, o protagonista, é um homem sonhador apaixonado pelo bizarro, que compra uma cópia do Necronomicon e se aproxima de Lord Notham, um homem considerado louco, mas de grande cultura e instrução, com quem Williams acredita que pode aprender mais sobre o oculto. Notham, entretanto, não está muito disposto a ajudá-lo, e se altera à menor menção de qualquer coisa relacionada ao oculto.

Um segundo trecho da história revela que Notham é descendente - daí o título - de Lunaeus Gabinius Capito, um militar do Império Romano, expulso por se envolver com ocultismo. Como Lovecraft jamais concluiu a história, só nos resta imaginar que, após tomar conhecimento de seu antepassado, Notham se envolveu com o ocultismo de forma que o deixou louco - mais ou menos como Charles Dexter Ward - e agora não quer o mesmo destino para Williams.

O Descendente é frequentemente relacionada a Os Ratos nas Paredes, com Capito tendo servido em uma unidade citada nesta história, e o castelo que ele construiu na Grã-Bretanha guardando várias semelhanças com Exham Priory. Lord Notham, curiosamente, é uma homenagem a dois dos autores favoritos de Lovecraft, residindo em Grey Inn, assim como Arthur Machen, e sendo o décimo-nono Barão de uma linhagem muito antiga, de forma semelhante a Lord Dunsany, que era o décimo-oitavo.

A Coisa ao Luar (The Thing in the Moonlight) - Esta história não é propriamente um fragmento. Originalmente, tratava-se apenas de um trecho de uma carta de Lovecraft a seu amigo Donald Wandrei, escrita em 24 de novembro de 1927. Neste trecho, Lovecraft descrevia um de seus sonhos, no qual vagava por trilhos de trem até encontrar um estranho vagão, e, adentrando-o, deparava-se com um desfecho bastante lovecraftiano.

Após a morte de Lovecraft, o autor J. Chapman Miske decidiu prestar-lhe uma homenagem. Como é sabido que Lovecraft frequentemente baseava suas histórias em sonhos, Miske também decidiu basear uma de suas histórias no sonho narrado na carta, dando ao protagonista o nome de Phillips. Em alguns trechos, a história de Miske repete com palavras idênticas a carta de Lovecraft; em outros, Miske escreve com suas prórprias palavras, tentando preencher as lacunas para criar uma história completa.

A história de Miske, que recebeu o título de A Coisa ao Luar, foi publicada na edição de janeiro de 1941 da revista Bizarre, creditada a Miske e a Lovecraft. Por causa disso, e por sua origem, muitos estudiosos a incluem na relação das obras de Lovecraft, alguns, entretanto, fazendo a ressalva de que seria uma "história espúria" - adjetivo que, em seu sentido literal, refere-se a um filho que não tem pai certo, mas, no figurado, é normalmente usado para descrever obras que não foram publicadas exatamente da forma como o autor as fez.

Eu, pessoalmente, não incluiria essa história no corpo literário de Lovecraft, e prefiro equipará-la às histórias que Derleth escreveu e creditou a uma parceria impossível com o já finado Lovecraft. Mas, como eu não mando em nada mesmo...

Série Lovecraft

Primeiros contos e fragmentos

Um comentário:

  1. Acho engraçado esse contraste da foto antiga dele com o tipo de livros que ele escrevia. Dá um nó na minha cabeça toda vez que olho pra ela. rs

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