Saludos Amigos
1942
Em 1941, antes da entrada do país na Segunda Guerra Mundial, o Departamento de Estado dos Estados Unidos, sob supervisão da Coordenação de Esforços Inter-Americanos (CIAA), organizou o que ficaria conhecido como Política da Boa Vizinhança. Como tinha informações de que diversos países da América Latina tinham boas relações com os países do Eixo, os Estados Unidos buscavam, através de propaganda, fazer com que eles cortassem essas relações, para que alemães, italianos e japoneses não tivessem aliados no continente americano. Devido à grande popularidade dos personagens Disney, em especial do Pato Donald, na América do Sul, Walt Disney seria escolhido Embaixador da Boa Vontade, e o governo dos Estados Unidos financiaria uma viagem de uma equipe de seus estúdios ao Brasil, Argentina, Chile e Peru, durante a qual eles deveriam produzir um longa metragem.
Disney, em difícil situação financeira devido à retração dos mercados europeus por causa da Guerra, e sob ameaça de uma greve de seus animadores, viu na viagem uma excelente oportunidade - afinal, além de a viagem ser totalmente paga pela CIAA, os custos do filme seriam totalmente bancados pelo governo, através de um empréstimo que Disney poderia pagar em suaves prestações. Esse projeto, portanto, seria uma oportunidade para equilibrar as finanças do estúdio, e talvez para permitir que a produção de desenhos continuasse mesmo com as dificuldades impostas pela Guerra - após a entrada definitiva dos Estados Unidos no combate, por exemplo, vários animadores e equipamentos da Disney seriam deslocados pelo governo para os esforços de Guerra, produzindo filmes de apoio aos soldados e que motivassem a população a comprar bônus de guerra, ao invés de desenhos que dessem lucro à Disney.
Ao invés de criar um longa metragem, entretanto, Disney decidiu criar quatro curtas de animação, intercalados por imagens reais das cidades e habitantes dos países visitados, de forma semelhante ao que já havia feito em Fantasia. Esse formato, mais tarde conhecido como package film, foi escolhido para cortar os custos - afinal, Disney estava em dificuldades financeiras, e, mesmo com o filme sendo financiado pelo governo, ainda teria que pagar o empréstimo - e reduzir o tempo de produção, já que cada segmento tinha um diretor e uma equipe diferentes trabalhando nele. A escolha acabaria se tornando acertada não só por dar mais agilidade ao filme, mas também porque as sequências filmadas nas cidades brasileiras, argentinas, chilenas e peruanas serviriam para ajudar a derrubar um estereótipo comum dentre os norte-americanos, de que a América Latina só tinha florestas e aldeias - se você acha que hoje eles são preconceituosos ao retratar o Rio de Janeiro com galinhas e macacos andando pelas ruas, fique sabendo que em 1940 era bem pior, com os norte-americanos imaginando que o Rio de Janeiro era igual ao Xingu. De fato, a parte mais comentada pelos espectadores do filme foi sua surpresa ao ver que as cidades latino-americanas tinham arranha-céus e pessoas elegantemente vestidas caminhando pelas ruas. Segundo o historiador Alfred Charles Richard Jr, Alô, Amigos fez mais bem pelas relações internacionais entre os Estados Unidos e a América Latina do que cinquenta anos de esforços diplomáticos do Departamento de Estado.
O primeiro segmento de Alô, Amigos se chama Lago Titicaca (Lake Titicaca no original) e é ambientado no famoso lago localizado na fronteira entre o Peru e a Bolívia. No desenho, Donald visita o lago, e se envolve em confusões com os habitantes do local, em especial com uma lhama que decide que irritá-lo é divertido. O segundo, Pedro (também no original), tem como protagonista um pequeno avião de mesmo nome, que deseja decolar do Chile para buscar um pacote de correspondência em Mendoza, Argentina. Muito atrapalhado e inseguro, Pedro acaba se envolvendo em muitas confusões pelo caminho. Pedro seria um dos segmentos mais comentados do filme, e acabaria relançado separadamente nos cinemas norte-americanos em 1955. Pepo, um dos cartunistas mais famosos do Chile, se sentiria especialmente incomodado com o desenho, imaginando que ele poderia levar as pessoas a ter uma imagem errada do povo chileno. Motivado por esse sentimento, ele criaria o personagem Condorito, para tentar rivalizar com os personagens Disney na preferência do público chileno. Os personagens Disney ainda são muito populares por lá, mas Condorito é hoje um dos personagens mais famosos da América Latina.
O terceiro segmento, Pateta, o Gaúcho (The Gaucho Goofy), leva Pateta, que originalmente é um caubói, para os pampas argentinos, onde, na melhor tradição dos desenhos do Pateta - ou seja, "ajudado" por um narrador - ele tentará viver de acordo com as tradições gaúchas. Na época do lançamento em VHS, esse segmento seria editado, para remover uma cena na qual Pateta aparece fumando um cigarro. Essa remoção causou revolta entre os fãs, o que levou à reinserção da cena quando o segmento apareceu como bônus no DVD Walt & El Grupo - no DVD de Alô, Amigos, o segmento continua editado.
O último segmento é também o mais famoso: Aquarela do Brasil (que também tem esse nome no original) leva o Pato Donald a uma viagem pelo Rio de Janeiro, guiada pelo papagaio José Carioca, que o levará para conhecer o samba, ao som de músicas como Aquarela do Brasil, Brasil e Tico-Tico no Fubá. Zé Carioca foi criado especialmente para esse desenho, e acabaria se tornando um dos mais populares personagens Disney no Brasil, onde ganharia até sua própria revista, com roteiros e desenhos de artistas brasileiros.
A estreia mundial de Alô, Amigos seria no Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1942 - nos Estados Unidos, ele só estrearia em 6 de fevereiro de 1943. Com custo de 300 mil dólares, o filme teria boa bilheteria e seria indicado aos Oscars de Melhor Trilha Sonora, Melhor Som e Melhor Canção (Saludos Amigos), mas receberia críticas desfavoráveis. As críticas fariam com que ele só fosse relançado uma única vez, em 1949, mas a boa bilheteria motivaria Disney a fazer mais um filme ambientado na América Latina.
The Three Caballeros
1944
A boa bilheteria de Alô, Amigos motivaria Disney a fazer mais um filme ambientado na América Latina, mas, desta vez, sem a viagem de Boa Vizinhança, pagando de seu próprio bolso e incluindo o México dentre os locais visitados por seus personagens. Surgiria, assim, The Three Caballeros, "os três cavalheiros", que acabaria ganhando no Brasil o título de um de seus segmentos, Você Já Foi à Bahia?
Assim como o anterior, esse é um package film, desta vez composto por sete segmentos. Ao invés de imagens dos países latino-americanos, esses segmentos são intercalados por cenas de Donald abrindo presentes de aniversário, através dos quais viaja para a Argentina, Uruguai, Brasil e México. Mas Você Já Foi à Bahia? também possui várias cenas filmadas, especialmente de cidades e pontos turísticos mexicanos, além de contar com a participação de várias pessoas de carne e osso, como a atriz Aurora Miranda (irmã de Carmen Miranda, com quem é erroneamente confundida por quem não conhece o desenho), a cantora Dora Luz e a dançarina Carmen Molina. A trilha sonora da parte mexicana do desenho é assinada por Manuel Esperón, um dos mais famosos compositores do cinema mexicano, enquanto a da parte brasileira ficou a cargo de Ary Barroso e Dorival Caymmi.
O primeiro presente que Donald abre é um projetor, com o qual ele assiste a um documentário sobre pássaros. A estrela deste documentário é o Pássaro Folião, que sai do filme e atazana Donald e seus amigos durante todos os segmentos. O documentário também é o mote para o primeiro segmento do filme, O Pinguim Friorento (The Cold-Blooded Penguin), que mostra um pinguim da Patagônia descontente com o clima do local, e que decide migrar para um local mais quente. Da Argentina, o filme passa para o Uruguai para o segundo segmento, O Burrico Voador (The Flying Gauchito), que conta as aventuras de um menino e seu burrinho alado, voando pelos céus do país.
O segundo presente de Donald foi enviado por Zé Carioca, e é um livro mágico, no qual o pato e o papagaio entram para o terceiro segmento, Você Já Foi à Bahia? (somente Bahia no original). Nele, Donald e Zé Carioca passeiam pelas ruas de Salvador ao som de músicas como Os Quindins de Iaiá, Na Baixa do Sapateiro e, evidentemente, Você Já Foi à Bahia?, e contracenam com Aurora Miranda, com Donald, inclusive, se apaixonando por ela.
Com o terceiro presente, uma pinhata enviada pelo galo mexicano Panchito, criado especialmente para este filme, começa a parte mexicana do desenho, composta por quatro segmentos. O primeiro deles, quarto no total, Las Posadas, conta a história de um grupo de crianças reencenando a viagem de Nossa Senhora e São José no Natal, procurando por uma estalagem, até parar no estábulo no qual nasceria o Menino Jesus. No quinto segmento, México: Pátzcuaro, Vera Cruz e Acapulco, Panchito leva Donald e Zé Carioca em uma viagem pelos céus do México em um poncho voador, na qual eles aprendem várias músicas e danças típicas mexicanas, e Donald se apaixona por várias garotas. Esse é o mote para o sexto segmento, Você está no meu Coração (You Belong to my Heart), no qual Donald, apaixonado, contracena com Dora Luz.
O sétimo é último segmento, O Delírio de Donald (Donald's Surreal Reverie) é uma alucinação experimentada por Donald após receber um beijo da cantora, até bem parecida com a alucinação que Dumbo tem quando fica bêbado. Donald dança com Carmen Molina ao som da música La Sandunga, em um cenário bastante surreal. Quando o efeito do beijo começa a passar, a garota faz com que cactos dancem ao som de Jesusita em Chihuahua. Zé Carioca e Panchito intervêm, e fazem com que Donald monte um touro feito de fogos de artifício, para tentar despertá-lo de sua alucinação.
Você Já Foi à Bahia teve estreia mundial em 21 de dezembro de 1944 na Cidade do México, estreando nos Estados Unidos em 3 de fevereiro de 1945. Teve boa recepção, sendo indicado aos Oscars de Melhor Trilha Sonora e Melhor Mixagem de Som, mas não fez tanto sucesso quanto Alô, Amigos. Por causa disso, esta seria a última excursão dos Classicos Disney à América Latina, mas não o último de seus package films. Afinal, eram tempos bicudos, e eles eram mais baratos que os longa metragens.
Make Mine Music
1946
Em 1945, quase a totalidade dos Estúdios Disney estava comprometida com os esforços de guerra - os funcionários que não haviam sido convocados haviam sido realocados para a produção de filmes de propaganda e incentivo às tropas, departamento que consumia quase todo o orçamento. Vários dos projetos tiveram de ser congelados simplesmente porque não havia quem os levasse adiante. Disney, entretanto, se recusava a fechar seu departamento de cinema, e, para garantir que pelo menos um longa metragem fosse lançado em 1945, decidiu fazer outro package film, se aproveitando de ideias inacabadas de outros desenhos. Durante a produção, Disney imaginou que seria interessante se este novo longa fosse ao estilo Fantasia, com os desenhos servindo de moldura para músicas; desta vez, entretanto, as músicas incluiriam também peças contemporâneas, e não apenas música clássica. Surgia, assim, Música, Maestro!
Música, Maestro! conta com dez segmentos. O primeiro deles é justamente o mais controverso: com o título de The Martins and the Coys, é cantado por um famoso grupo do rádio da época, chamado King's Men, e conta a história de uma disputa entre duas famílias do interior dos Estados Unidos, que se acentua quando um dos filhos de um lado e uma das filhas do outro se apaixonam. Como os Martins e os Coys vivem trocando tiros uns com os outros, esse segmento foi removido do desenho na época do lançamento em VHS. Apesar dos protestos dos fãs, ele jamais seria relançado.
O segundo segmento, Blue Bayou, havia sido produzido originalmente para pertencer a Fantasia, e teria, como música de fundo, Claire de Lune, de Claude Debussy. Para o lançamento em Música, Maestro!, Disney desejava que a canção fosse substituída por uma mais moderna, e, como o desenho é ambientado em um charco (bayou, em inglês), no qual uma garça dança sobre as águas, a escolhida foi Blue Bayou, cantada pelo Ken Darby Chorus.
O terceiro segmento, All The Cats Join In, traz um lápis gigante que vai desenhando a ação conforme ela acontece, e mostra um grupo de adolescentes dançando ao som do jazz de Benny Goodman. O quarto, Without You, é cantado por Andy Russell, que fala de um amor perdido enquanto são mostradas imagens através de uma janela em um dia chuvoso. O quinto, Casey at the Bat, traz Jerry Colonna recitando o poema de mesmo nome, de Ernest Thayer, sobre um jogador de beisebol arrogante, que acaba se dando mal por se achar melhor do que realmente é. Já o sexto segmento, Two Silhouettes, traz as silhuetas dos bailarinos profissionais David Lichine e Tania Riabouchinskaya se movendo sobre fundos animados, enquanto Dinah Shore canta a música-título.
O sétimo segmento é, talvez, o mais famoso. Pedro e o Lobo (Peter and the Wolf) é a versão animada da música de mesmo nome, composta por Sergei Prokofiev. Nela, um menino russo de nome Pedro vai à floresta, acompanhado de seus animais de estimação, o pássaro Sasha, a pata Sônia e o gato Ivan, para caçar um lobo. Cada um dos personagens é representado por um instrumento diferente, cujo som se acentua quando seu papel é mais proeminente. O segmento é narrado por Sterling Holloway, e seria relançado em 1956, exibido antes de cada sessão do relançamento de Fantasia.
O oitavo segmento se chama After You've Gone, e traz novamente um jazz de Benny Goodman, durante o qual instrumentos musicais ganham vida e dançam sobre teclados e notas musicais. O nono segmento, Johnny Fedora and Alice Blue Bonnet, é uma história de amor entre dois chapéus, que se apaixonam ainda na loja. Quando Alice é vendida, Johnny devota sua vida a reencontrá-la. Esse segmento fez tano sucesso que seria relançado separadamente como curta metragem em 1954. A música é cantada pelas Andrews Sisters.
Finalmente, o décimo e último segmento, A Baleia Cantora (The Whale Who Wanted to Sing at the Met) tem como protagonista um cachalote de grande talento musical chamado Willie, cujo sonho é se tornar cantor de ópera profissional. O produtor teatral Tetti Tatti, entretanto, acredita que Willie engoliu um cantor, e planeja salvá-lo usando um arpão. A ópera cantada no segmento é Lucia de Lammermoor, de Donizetti, interpretada por Nelson Eddy, que dubla tanto Willie quanto Tatti.
Devido a problemas na produção, Música, Maestro! só seria lançado em 15 agosto de 1946. Disney, perfeccionista, não teria ficado satisfeito com o resultado final, e, diferentemente do que ocorria com outros Clássicos Disney, jamais quis relançá-lo nos cinemas. A crítica também não foi muito favorável, e a bilheteria foi baixa, o que não ajudou muito as coisas. O desenho não foi indicado a nenhum Oscar, mas foi inscrito no Festival de Cannes, onde venceu na categoria Melhor Design de Animação.
Música, Maestro! é um dos dois únicos Clássicos Disney que jamais foi lançado em DVD no Brasil - para falar a verdade, só existe em Região 1. O que é uma pena, pois eu tenho memórias afetivas fortes de vários segmentos, em especial Pedro e o Lobo, e sinto falta dele em minha coleção.
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•Alô, Amigos |
Parabéns pela preciosidade das informações, conteúdo realmente maravilhoso e preciso, ajudou demais minha pesquisa.
ResponderExcluirMuito obrigado e um grande abraço.
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