Mas enfim, hoje é Dias das Bruxas e, como caiu numa segunda-feira, e como segunda-feira é o dia de post aqui no átomo, eu pensei em escolher um assunto adequado. E o primeiro que me veio à cabeça foi Orgulho e Preconceito e Zumbis, por um acaso, o último livro que eu li - lá no mês de março, pra vocês verem como eu infelizmente ando sem tempo de ler coisas que não estejam online. Um livro pelo qual eu não dava nada quando comprei, mas que acabei achando muito divertido. Além disso, como também gosto do Orgulho e Preconceito sem zumbis, o qual tive de ler para a faculdade - senão, confesso, talvez jamais tivesse me interessado em ler - achei que seria mais legal fazer um post sobre esse livro do que, sei lá, um só sobre zumbis.
Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, em inglês), o original, é considerado uma das maiores obras da literatura de língua inglesa. Escrito por Jane Austen entre 1796 e 1797, foi publicado pela primeira vez em 1813, logo se tornando um grande sucesso. A demora na publicação não foi por acaso: Austen era uma jovem de apenas 21 anos quando o escreveu, e, na Inglaterra do final do século XVIII, moças de 21 anos não eram muito levadas a sério como escritoras. Aliás, moças de 21 anos não eram levadas a sério e ponto final.
O que só torna a obra - e o retrato que Austen faz da sociedade inglesa da época - ainda mais impressionante. Orgulho e Preconceito é a história das cinco irmãs Bennet, que vivem com seu pai e mãe em uma propriedade do interior da Inglaterra. Segundo as convenções sociais da época, nada mais era esperado das cinco moças que fossem prendadas, qualidade através da qual conseguiriam bons casamentos, o que por tabela lhes daria segurança na vida - que se estenderia às irmãs porventura solteiras e a seus pais na velhice. Tal segurança não era somente social, mas financeira: segundo as leis da época, mulheres não podiam nem mesmo herdar. Caso nenhuma das irmãs Bennet se casasse com um marido capaz de sustentá-las, se tornariam sem-teto após a morte de seu pai, com a propriedade passando para um primo distante, primeiro parente do sexo masculino na linha de herança.
As duas mais jovens irmãs Bennet, Lydia e Kitty, parecem conformadas com esse papel, e correm atrás de bons partidos. A imediatamente mais velha, Mary, ainda não está muito interessada em casamento, mas não parece estar contra as convenções sociais. A mais velha de todas, Jane, dá uma grande sorte, e se apaixona por Charles Bingley, um homem rico, gentil e simpático, que corresponde seu amor - embora, devido a maquinações de sua irmã Caroline, o casal só vá ficar junto no final. O papel de contestadora, e por consequência de protagonista, cabe à mais bela das irmãs Bennet, Elizabeth, também chamada de Liz, Lizzy ou Eliza. Rebelde, de temperamento forte e à frente de seu tempo, e bem mais madura que seus 20 anos, Lizzy acredita que só se deve casar por amor, e rejeita pretendentes, para desespero de sua mãe.
A vida de Lizzy começa a mudar quando ela conhece o Sr. Darcy, um homem riquíssimo, que ela vê como arrogante e insuportável. A Sra. Bennet fica enlouquecida para que a filha se case o mais rápido possível, o Sr. Bennet decide deixar a decisão nas mãos da filha, e Lizzy prefere morrer a se casar com um homem tão odioso. Conforme convivem, entretanto, Lizzy vai mudando sua opinião sobre ele, e Austen usa o atribulado relacionamento dos dois como pano de fundo para seu retrato social.
Outros personagens de destaque do livro são George Wickham, um militar que faz amizade com as moças, mas cuja história esconde um segredo; William Collins, o primo que herdará a propriedade; Lady de Bourgh, aristocrata tia de Darcy contra qualquer relacionamento do sobrinho com a ralé; e Charlotte Lucas, a melhor amiga de Lizzy, aos 28 anos solteirona e encalhada, que já não está mais na posição de escolher marido, querendo se casar logo para evitar a vergonha social.
Austen escreveu o romance, originalmente chamado Primeiras Impressões, durante uma temporada que passou na casa de seu irmão na cidade de Kent, motivada por conversas que tinha com a cunhada. Ainda em 1797, seu pai tentou enviá-lo a alguma editora para publicação, mas todas recusaram, o que fez com que o texto fosse deixado de lado durante alguns anos. Entre 1811 e 1812, Austen decidiu revisar a história, fazendo algumas alterações e mudando seu título para Orgulho e Preconceito, em parte motivada pela leitura do livro Cecilia de Fanny Burney, cujo último capítulo possui esse nome; em parte porque, entre 1797 e 1811, dois outros romances foram publicados com o título Primeiras Impressões.
A única forma que Austen encontrou para publicar seu romance foi vender seus direitos - o que significava que não receberia um tostão pelas vendas do livro, apenas um valor fixo pela venda dos direitos - o que acabou fazendo por 110 libras. Thomas Egerton, comprador dos direitos, publicaria o livro em janeiro de 1813, dividido em três volumes ao custo de 18 shillings - 0,9 libras - cada. O livro fez um imenso sucesso, e sua primeira tiragem esgotou ainda no primeiro semestre, com uma segunda sendo impressa em novembro. Só com a primeira tiragem, Egerton já recuperaria o dinheiro que pagara pelos direitos. Além de vender bem, o livro também seria bem recebido pela crítica. Ainda em 1813, Orgulho e Preconceito ganharia sua primeira edição internacional, em francês, e no ano seguinte seria publicado em alemão, dinamarquês e sueco. A primeira edição impressa nos Estados Unidos dataria de 1823.
De sua publicação até os dias de hoje, a popularidade do livro só fez crescer - ao ponto de uma pesquisa de 2003 da BBC apontá-lo como o segundo livro inglês mais querido da história, atrás apenas de O Senhor dos Anéis. Orgulho e Preconceito seria adaptado duas vezes para o cinema, a primeira em 1940, com roteiro de Aldous Huxley (autor de Admirável Mundo Novo), Helen Jerome e Jane Murfin, com Laurence Olivier como o Sr. Darcy e Greer Garson como Lizzy; e a segunda em 2005, dirigida por Jow Wright, com Keira Knightley no papel de Lizzy, Matthew Macfadyen como o Sr. Darcy e Donald Sutherland como o Sr. Bennet. Na televisão, ele se tornaria filme em 1938, e daria origem a quatro minisséries, em 1952, 1968, 1980 e 1995, essa mais recente com Colin Firth (de O Discurso do Rei) como Sr. Darcy, além de minisséries nas TVs italiana e alemã. No teatro, seriam duas adaptações como peça e dois musicais, um inglês e um na Broadway.
Além de todas essas adaptações, Orgulho e Preconceito geraria "filhos" literários, livros inspirados por seu texto, como Mr. Darcy's Daughters ("as filhas do Sr. Darcy") de Elizabeth Aston; Darcy's Story, de Janet Aylmer; e Pride and Prejudice Twenty Years Later ("Orgulho e Preconceito vinte anos depois") de Emma Tenant, dentre inúmeros outros. E aí chegamos ao ponto que nos interessa para o post de hoje.
A ideia para um Orgulho e Preconceito e Zumbis surgiu meio que sem querer, quando o editor da Quirk Books, Jason Rekulak, comparava, meio que por acaso, uma lista dos assuntos preferidos dos adolescentes - ninjas, piratas, zumbis e macacos - com uma lista dos maiores livros de todos os tempos - Guerra e Paz, Crime e Castigo, O Morro dos Ventos Uivantes. Quase que imediatamente, ele pensou no título Pride and Prejudice and Zombies, e imaginou que seria uma excelente ideia para um novo livro. Rekulak então ligou para o autor Seth Grahame-Smith, e lhe passou a ideia - que, segundo Grahame-Smith, foi a coisa mais fantástica que ele já ouviu na vida. Segundo ele, Orgulho e Preconceito e zumbis eram uma combinação quase natural. Afinal, o livro tem uma heroína corajosa, um cavalheiro destemido, um exército aquartelado na cidade mais próxima sem qualquer razão aparente, e longas distâncias que precisam ser cobertas a pé, a cavalo ou a charrete, ideais para que os viajantes fossem atacados por mortos-vivos.
Grahame-Smith começou a trabalhar com o texto original de Austen - e um dos maiores trunfos de Orgulho e Preconceito e Zumbis é que ele realmente conhece o texto original - incluindo aqui e ali elementos como ninjas, lutas de espadas, treinamento shaolin e, evidentemente, zumbis. Ele fez um excelente trabalho, incorporando esses elementos ao cenário naturalmente - se é que isso é possível - e amarrando todas as pontas - os eventos de um capítulo não desaparecem em seguida, deixando rastros por todo o resto do livro. O resultado é uma obra cheia de ação, bastante sarcástica, quase nonsense, mas que ainda consegue manter o clima aristocrático da obra de Austen.
Em Orgulho e Preconceito e Zumbis, a Inglaterra sofre com uma praga de zumbis, e os últimos humanos não infectados vivem em cidades fortificadas. Alguns, se recusando a deixar suas antigas propriedades, enfrentam diretamente os não-mortos, arriscando suas vidas toda vez que precisam deixar suas terras. É o caso das cinco irmãs Bennet, discípulas de Shaolin, enviadas para treinar na China quando crianças. A mais forte, rápida e letal das irmãs é Lizzy, cuja técnica só é superada por sua beleza. Assim como as irmãs, Lizzy também fez uma promessa de proteger a Inglaterra até o dia de seu casamento, mas, ao contrário delas, não parece muito disposta a se casar tão cedo, preferindo devotar sua vida a destruir as criaturas não-mencionáveis.
A vida de Lizzy começa a mudar quando ela conhece o Sr. Darcy, um homem riquíssimo, que ela vê como arrogante e insuportável. Após muitas interações sociais e muita porrada, entretanto, Lizzy vai descobrindo que ele é um guerreiro tão bom quanto ela própria, e acaba se apaixonando. Além dessa trama central, todas as subtramas originais do livro de Austen - o romance de Jane e Bingley, a oposição de Lady de Bourgh ao relacionamento de Lizzy e Darcy, o risco de William Collins herdar a propriedade - estão presentes, mas todas devidamente adaptadas ao novo cenário - quando Jane contrai uma febre, todos temem que ela tenha sido infectada; e Lady de Bourgh é uma das maiores guerreiras da história, contando com um exército de ninjas que não hesita em lançar contra Lizzy.
Aparentemente, a intuição de Rekulak estava correta, pois Orgulho e Preconceito e Zumbis foi um sucesso desde antes de seu lançamento. Quando notícias de que o livro estava sendo escrito vazaram na internet, o burburinho foi tão grande que a Quirk Books decidiu aumentar sua tiragem inicial de 12 mil para 60 mil exemplares - que, mesmo assim, esgotaram. O livro seria lançado em 1o de abril de 2009, creditado a Jane Austen e Seth Grahame-Smith, e, além de se tornar um sucesso de público, chegando ao terceiro lugar da lista dos best sellers do The New York Times, seria bem recebido pela crítica, com apenas alguns o resenhando desfavoravelmente.
Orgulho e Preconceito e Zumbis se tornaria uma espécie de fenômeno, motivando a Quirk Books a apostar em outros do gênero, como Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos, inspirado em outra obra de sucesso de Austen, e Androide Karenina, inspirado no clássico Anna Karenina, de Leon Tolstoi, além de em outros títulos bizarros, como Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros. Aqui no Brasil, Orgulho e Preconceito e Zumbis, Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos e Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros foram lançados pela Editora Intrínseca - que eu espero que também já esteja preparando Androide Karenina - enquanto a Editora Lua de Papel decidiu fazer o mesmo com clássicos da literatura brasileira, lançando títulos como Dom Casmurro e os Discos Voadores, Escrava Isaura e o Vampiro e O Alienista Caçador de Mutantes.
Além de dar origem a essa linha toda, Orgulho e Preconceito e Zumbis já ganhou uma prequência, lançada em março de 2010 com o título Pride and Prejudice and Zombies: Dawn of the Dreadfuls (algo como Orgulho e Preconceito e Zumbis: Madrugada dos Terríveis, um trocadilho com o filme Madrugada dos Mortos, que no original é Dawn of the Dead), que conta como Lizzy foi treinada para ser a mais eficiente exterminadora de zumbis da Inglaterra; uma sequência, Pride and Prejudice and Zombies: Dreadfully Ever After (algo como Orgulho e Preconceito e Zumbis: Terríveis Para Sempre), lançada em março de 2011, ambas escritas por Steve Hockensmith; foi adaptado para uma graphic novel, lançada em maio de 2010; e está em vias de se tornar um filme, dirigido pelo ainda pouco conhecido Craig Gillespie, mas com Natalie Portman como produtora executiva.
O que prova que, às vezes, até a ideia mais bizarra pode dar certo, desde que seja bem executada.
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