domingo, 25 de junho de 2006

Escrito por em 25.6.06 com 0 comentários

Olimpíadas (VII)

E hoje é dia de mais um post olímpico!

Lake Placid 1932


Como já foi dito no post anterior, nas primeiras edições das Olimpíadas de Inverno o país onde aconteceria a Olimpíada de Verão do mesmo ano tinha prioridade na hora da escolha da sede. As Olimpíadas de 1932 aconteceriam nos Estados Unidos, que não quiseram perder a chance de hospedar os primeiros Jogos de Inverno fora da Europa, e indicaram logo sete cidades diferentes: Lake Placid, Bear Mountain, Yosemite Valley, Lake Tahoe, Duluth, Minneapolis e Denver. Na verdade, a primeira opção do Comitê Olímpico norte-americano era pela cidade de Big Pines, na Califórnia, onde o americano descendente de noruegueses Alf Engen tinha estabelecido o recorde de maior distância no salto com esqui, mas a cidade estava passando por uma falta crônica de neve, de forma que a escolhida foi a pequenina Lake Placid, de apenas 4.000 habitantes, localizada no estado de Nova Iorque.

À primeira vista, pode parecer que não foi uma escolha tão boa assim. Afinal, Lake Placid, ao contrário de Chamonix e St. Moritz, suas antecessoras, não tinha uma grande tradição de esportes de inverno. Apesar de ser procurada desde o final do Século XIX por turistas buscando pistas de esqui e trenó, não havia lá nenhuma pista ou trilha excepcional, que justificasse a escolha de uma sede tão pequena. Além disso, três anos antes havia acontecido a Quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, e toda a região, mergulhada na Grande Depressão, parecia incapaz de arcar com os custos de um evento deste porte. Os norte-americanos, porém, são conhecidos por gostar de exibir ao mundo como são bons em enfrentar dificuldades. Graças a isso, os Jogos de Inverno de 1932 podem não ter sido um megassucesso, mas também não foram nenhum fiasco.

Os Jogos de Lake Placid aconteceram entre 4 e 15 de fevereiro, e contaram com a participação de 251 atletas, sendo 22 mulheres, representando 14 nações em 14 provas de 7 esportes: bobsleding, combinado nórdico, esqui cross country, hóquei no gelo, patinação artística no gelo, patinação no gelo em velocidade e saltos com esqui. Curling, patinação no gelo em velocidade para mulheres e uma corrida de trenós puxados por cães foram os esportes de demonstração (clique aqui para ver todas as provas do programa). Um dos maiores destaques da competição foi novamente o time de hóquei do Canadá, que mais uma vez conquistou a medalha de ouro de forma invicta, marcando 32 gols e sofrendo quatro, vencendo cinco pelejas e empatando uma, justamente contra os donos da casa. A vitória do Canadá pode não ter sido nenhuma novidade, mas o local das competições foi: pela primeira vez, o torneio deste esporte foi disputado em um ginásio coberto.

Lake Placid já contava com boas pistas de esqui, mas não de bobsleding, aquele trenó parecido com um foguetinho, onde descem a montanha dois ou quatro atletas. Como a cidade não tinha um local propício para a construção de uma pista, o presidente do comitê organizador, Godfrey Dewey, doou terras pertencentes à sua família para que fosse construído lá um moderníssimo trajeto para os trenós. Nesta pista se consagrou Eddie Eagan, um dos quatro integrantes da equipe norte-americana, o único homem até hoje a conquistar medalhas de ouro olímpicas em esportes de inverno e de verão - em 1920, Eagan havia sido campeão dos meio-pesados no torneio de boxe.

A patinação artística viu dois bicampeonatos, o da jovem norueguesa Sonja Henie, de 19 anos, e o da dupla francesa Andrée e Pierre Brunet, que bateram os favoritos Beatrix Loughran e Sherwin Badger, dos EUA, por apenas quatro pontos. A maior aposta da patinação, porém, não conseguiria um novo triunfo: o sueco Gillis Grafström, tricampeão em 1920, 1924 e 1928, desta vez perdeu o ouro para o austríaco Karl Schäfer. Grafström deixaria de competir justamente após esta Olimpíada, e faleceria por envenenamento em 1938.

No geral, os atletas escandinavos mais uma vez dominariam o evento, mas o topo do já não-oficial quadro de medalhas ficaria com os donos da casa. Muitos dizem que foi graças a um arranjo que alterou o regulamento da patinação em velocidade: na Europa, as provas são disputadas com os atletas dois a dois na pista, os vencedores avançando rumo à final; na América do Norte, todos vão para a pista juntos, como em uma prova de atletismo, e quem chegar primeiro ganha. Os organizadores optaram por utilizar esta segunda forma de disputa, o que deu uma clara vantagem aos competidores norte-americanos. O comitê organizador, evidentemente, negou que tivesse escolhido a fórmula buscando favorecer seus atletas. Verdade ou não, o "formato americano" jamais seria utilizado novamente em Olimpíadas. Além disso, curiosamente, as três provas femininas da patinação em velocidade não fizeram parte do programa oficial, e as atletas ganharam as medalhas normalmente destinadas aos esportes de demonstração. Ainda assim este torneio foi uma espécie de avanço, já que às moças só seria permitido lutar por medalhas nesta prova a partir de 1960.

Los Angeles 1932


Desde depois dos Jogos de 1920 que os norte-americanos, mais especificamente a cidade de Los Angeles, pleiteavam sediar uma nova edição das Olimpíadas, em parte pelo prestígio, em parte para apagar o fiasco dos Jogos de 1904, os únicos até então realizados fora da Europa. O Barão de Coubertin, com medo de novas patriotadas, jamais permitiu um regresso dos Jogos à Terra do Tio Sam. Em 1925, porém, o Barão já não era mais o presidente do COI, embora continuasse mandando através de seu sucessor, o belga Henri de Baillet-Latour. O empresário William May Garland, figura importantíssima em Los Angeles, começou então a seduzir Latour, ofertando mundos e fundos caso a cidade fosse escolhida para uma futura edição do evento, tudo em prol do esporte, e para que os novos Jogos na América fossem inesquecíveis. Após os Jogos de 1928, quando o Barão já estava doente e pouco apitava nas decisões do COI, Latour aceitou as propostas de Garland, e escolheu Los Angeles como sede dos Jogos seguintes, em 1932, fazendo com que os Estados Unidos se tornassem a primeira nação a hospedar Jogos Olímpicos em duas cidades diferentes.

Para convencer o COI, Garland prometeu ampliar o já moderno estádio principal de Los Angeles, o Memorial Colyseum, permitindo que mais de 105.000 pessoas se acomodassem com todo o conforto. O estádio receberia ainda uma moderníssima pista de atletismo feita de turfa esmagada e equipada com os mais modernos equipamentos de cronometragem e fotografia de chegadas, além de um inédito sistema de arquivamento de resultados e distribuição para a imprensa, capaz de fornecer o resultado completo de qualquer prova a qualquer jornalista do planeta apenas trinta minutos após seu final, algo rapidíssimo para a época. Além disso, ao invés de utilizar hotéis e pousadas para abrigar os atletas, a cidade erigiria alojamentos próprios, setecentos chalés de dois aposentos cada, cercados por refeitórios que agradassem a todos os paladares do mundo, mais um quartel dos bombeiros, uma delegacia de polícia, um hospital completo, uma agência dos correios, um ginásio para treinamentos, biblioteca, lavanderia e várias lojas de equipamentos esportivos e recordações, tudo isso em uma belíssima área de um milhão de metros quadrados, cercada para a privacidade dos atletas. Tais alojamentos seriam a primeira Vila Olímpica da história dos Jogos, hoje parte dos alojamentos da University of Southern California. Mas a parte que mais agradou ao COI foi que, além de arcar sozinha com o custo de todas estas obras - e com o país ainda saindo da Grande Depressão - a Cidade de Los Angeles ainda se comprometia a custear parte das viagens das delegações que enviassem atletas, já que a cidade, localizada do lado do Oceano Pacífico na América do Norte, era inacreditavelmente longe da Europa e até mesmo da América do Sul, naquela época em que a maior parte das viagens ainda era feita de navio. Não bastasse isso tudo, em plena Lei Seca a cidade ainda conseguiu uma permissão especial para que os atletas europeus comemorassem suas vitórias bebendo vinho, como faziam em sua pátria natal.

Mesmo com tantas maravilhas e mimos, a distância ainda era um grande obstáculo, o que acabou reduzindo bastante o número de participantes em relação à edição anterior. Ainda assim, os melhores da época compareceram, o que manteve as competições em um nível altíssimo, ainda mais depois de uma alteração nas regras do COI, para que das finais individuais só pudessem participar no máximo três atletas de cada nacionalidade, regra esta que perdura até hoje. Ao todo, participaram dos Jogos de Los Angeles 1.408 atletas, sendo 127 mulheres, representando 37 nações em 117 provas de 16 esportes: atletismo, boxe, ciclismo, equitação, esgrima, ginástica artística, hóquei, levantamento de peso, luta olímpica, natação, pentatlo moderno, polo aquático, remo, saltos ornamentais, tiro esportivo e vela (clique aqui para ver todas as provas do programa). O futebol acabou ficando de fora do programa por falta de equipes inscritas, fato que irritou a FIFA, e a levou a criar a Copa do Mundo, cuja primeira edição seria disputada em 1930, desde então considerando o torneio de futebol olímpico como um evento menor. Futebol americano e lacrosse foram os esportes de demonstração. Os organizadores queriam também incluir o basquete, mas o COI não permitiu um terceiro esporte de demonstração, e não havia nações suficientes interessadas em transformá-lo em um esporte do programa regular. Mesmo com tantas modalidades, os organizadores dos Jogos de 1932 conseguiram fazer algo há tanto tempo pleiteado pelo COI: condensar o evento em duas semanas, entre 30 de julho e 14 de agosto.

Os principais destaques desta edição dos Jogos vieram do atletismo, embora alguns marcados por confusões da arbitragem. Para começar, na prova dos 100 metros rasos, dois atletas norte-americanos, Thomas Tolan e Ralph Metcalfe, cruzaram a linha de chegada rigorosamente juntos. Para a sorte dos fiscais, eles contavam com um moderníssimo equipamento de fotografia. Para azar dos fiscais, isso de pouco adiantou, pois as fotos mostravam que Metcalfe alcançara a faixa que delimitava a linha de chegada primeiro, mas Tolan, esticando o peito para a frente, a rompera antes. Após uma reunião de várias horas, os fiscais optaram por dar a vitória a Tolan, o primeiro negro a vencer a prova dos 100 metros. Para que o incidente não se repetisse, o COI e a Federação Internacional de Atletismo criaram uma regra segundo a qual seria declarado vencedor o atleta que primeiro tocasse a linha de chegada.

Mas isso não seria nada perto do que aconteceria nos 3.000 metros steeplechase, uma corrida com diversos obstáculos na pista, como barreiras e um fosso, composta de sete voltas e meia em torno da pista. Um dos fiscais se atrapalhou na contagem oficial das voltas, e os atletas acabaram percorrendo 3.400 metros. O resultado foi um tempo absurdamente alto para o vencedor, o finlandês Volmari Iso-Hollo, que teria batido o recorde mundial caso a distância "normal" tivesse sido percorrida. Uma espécie de "castigo" também foi aplicado quando o norte-americano Joey McCluskey, que ganharia a medalha de prata caso a volta a mais não tivesse sido dada perdeu a posição para o britânico Thomas Evenson nos últimos metros.

A maratona pela primeira vez foi vencida por um sul-americano, o argentino Juan Carlos Zabala, em uma chegada emocionante, na qual os quatro primeiros colocados adentraram o estádio praticamente juntos. Zabala foi de certa forma favorecido pela ausência do fantástico corredor finlandês Paavo Nurmi, acusado de profissionalismo por exagerar em despesas de viagem - uma tremenda bobagem, já que Nurmi era rico, e todo o dinheiro que gastara era dele mesmo. No total, a Argentina ganharia três ouros e uma prata, mas faria um verdadeiro papelão olímpico: os atletas se rebelaram contra o chefe da delegação, e se recusaram a competir enquanto este não fosse substituído. Após a substituição, alguns continuaram descontentes, e promoveram uma enorme baderna na Vila Olímpica. De volta à Argentina, muito foram punidos e suspensos.

O Brasil, infelizmente, não fez mais bonito. Após estar ausente dos Jogos de 1928, o país selecionou 82 atletas para enviar a Los Angeles. Somente treze deles, porém tinham condições financeiras para arcar com a longa viagem, e foram com o dinheiro do próprio bolso. Os demais foram colocados em um navio que transportava 50.000 sacas de café. Cada um deles dispunha de uma cota que deveria vender em cada parada do navio, e só poderiam participar dos Jogos os que conseguissem dinheiro suficiente para pagar suas despesas. Apenas 45 conseguiram; os 23 restantes ficaram retidos sem poder desembarcar do navio enquanto as competições se desenrolavam. O Brasil recebeu a ajuda de custo do comitê organizador, como todas as demais nações, mas preferiu usá-la para levar à Califórnia uma inchada comitiva de 300 pessoas, entre delegados, cartolas e "convidados especiais".

Um dos que não conseguiram desembarcar, Adalberto Cardoso, que correria os 10.000 metros do atletismo, acabou tomando uma decisão inusitada: quando o navio atracou em São Francisco, após sua parada em Los Angeles, Cardoso fugiu da embarcação, e decidiu voltar para Los Angeles de qualquer forma, andando, correndo, e pedindo carona. Chegou momentos antes da largada, e mesmo assim disputou a prova, chegando em último, mas sob os aplausos da platéia. Ao saber de sua jornada para competir, os jornais de Los Angeles o apelidaram de Iron Man, o Homem de Ferro. No geral, todos os atletas brasileiros que conseguiram participar dos jogos buscaram superar seus limites, mas não conseguiram nenhuma colocação expressiva, extenuados pela viagem. A única atuação realmente vergonhosa foi a do time de pólo aquático, que chegou até mesmo a ser expulso da competição, ao agredir o árbitro após duas derrotas consecutivas.

Para finalizar, as mulheres, presença cada vez mais garantida nos Jogos, apesar de um regulamento que dispunha que cada atleta só podia participar de no máximo três competições, visando "proteger as atletas", foram muito bem representadas em Los Angeles. Elas não puderam ficar hospedadas na Vila Olímpica, tomada por homens, sendo alojadas em pequenos hotéis, mas se destacaram em várias competições, como a natação, onde a norte-americana Helene Madison ganhou três medalhas de ouro, e o atletismo, onde outra norte-americana, Mildred Didrikson, ganharia dois ouros e uma prata.

Apelidada Babe, Didrikson, de 18 anos, era uma multiatleta, e competia no atletismo, basquete, beisebol, natação, saltos ornamentais e tênis. Nos Jogos de 1932, por exigência do regulamento, escolheu disputar as três provas nas quais era melhor: 80 metros com barreiras, arremesso do dardo e salto em altura. Nos dois primeiros, ganharia o ouro; no terceiro, apenas a prata, por ultrapassar o sarrafo na disputa final com a cabeça antes do torso, algo que o regulamento de então não permitia. Após as Olimpíadas, por emprestar seu rosto a uma campanha publicitária, Babe foi acusada de profissionalismo, e passou a se dedicar apenas ao basquete, onde defendeu a seleção norte-americana em diversas ocasiões. Depois disso, tornou-se ainda acrobata, tocava gaita em shows e foi campeã profissional de sinuca. Finalmente, decidiu se dedicar ao golfe, onde foi campeã mundial quatro vezes. Aos 39 anos, foi diagnosticado que ela tinha câncer de intestino, mas nem uma colostomia faria Babe se afastar do golfe, onde competiu até falecer, em 1956. Por tudo isso, Babe foi escolhida Atleta do Ano pela imprensa norte-americana em 1932, 1945, 1946, 1947 e 1950, e "Atleta do Meio Século" em 1950.

Mas mais curiosa ainda é a história da polonesa Stanislawa Walasiewicz, ouro nos 100 metros rasos. Sua família se mudou para os Estados Unidos quando ela tinha apenas 3 anos, e a rebatizou como Stella Walsh. Competindo desde a adolescência, Stella se tornou uma atleta fantástica, o que levou o Comitê Olímpico Norte-Americano a lhe propor a naturalização, para que ela pudesse defender as cores da América em torneios como as Olimpíadas. A Grande Depressão se abateu sobre o país, porém, e Stella teria que trabalhar para sobreviver. A única proposta de trabalho que recebeu foi para trabalhar como instrutora física no Departamento de Recreação de Cleveland, trabalho este que a transformaria em profissional e inelegível para os Jogos. De última hora, surgiu um convite para trabalhar na embaixada da Polônia, em Nova Iorque, mas com uma condição: que assumisse seu nome de batismo e competisse pela Polônia em 1932. Stanislawa aceitou, e ganhou o ouro com uma folga de meio metro sobre a canadense Hilde Strike.

Depois das Olimpíadas, Stanislawa continuou morando nos EUA, e continuou tentando se naturalizar. O ciúme e o rancor dos norte-americanos fariam com que sua naturalização só fosse aceita em 1947, o que fez com que na edição seguinte dos Jogos, em 1936, ela tivesse de competir novamente pela Polônia. Stanislawa foi morta em 1980, durante um assalto no estacionamento de um supermercado em Cleveland, quando o assaltante lhe deu dois tiros na cabeça. E é aí que entra o fato curioso: durante a autopsia, obrigatória em casos de assassinato nos EUA, os médicos descobriram que Stanislawa era uma hermafrodita, com alto índice de hormônios masculinos, algo que a impediria de participar das provas femininas caso fosse descoberto na época em que competia.

Série Olimpíadas

Lake Placid 1932
Los Angeles 1932

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