sábado, 9 de junho de 2007

Escrito por em 9.6.07 com 0 comentários

Olimpíadas (XXIII)

E hoje é dia de mais um post olímpico!

Salt Lake City 2002


Em 1995, a cidade norte-americana de Salt Lake, Utah, finalmente realizou seu sonho de ser escolhida para hospedar uma Olimpíada de Inverno, derrotando, na votação, três candidatas: Quebec City, no Canadá; Sion, na Suíça; e Östersund, na Suécia. Infelizmente, Salt Lake entraria para a história pelos motivos errados: como a responsável pelo primeiro escândalo de corrupção envolvendo membros do Comitê Olímpico Internacional, que causou a expulsão de dez deles.

Antes de se candidatar os Jogos de 2002, Salt Lake havia sido pré-candidata cinco vezes, mas em apenas duas delas chegara à votação final. Em 1932, quando as regras do COI estabeleciam que o país sede da Olimpíada de Verão teria prioridade na escolha da sede da Olimpíada de Inverno, o Clube de Esqui de Utah tentou convencer o comitê olímpico norte-americano a escolhê-la, mas os Jogos acabaram ficando com Lake Placid. Para os Jogos de 1972, Salt Lake foi candidata oficial pela primeira vez, mas perdeu na votação do COI para Sapporo, Japão. A cidade tentou ser candidata novamente para 1976, mas o comitê olímpico norte-americano decidiu escolher Denver, que ganhou a votação, mas devido a uma revolta dos moradores, que achavam um absurdo usar o dinheiro de seus impostos para financiar uma Olimpíada, o COI transferiu o evento para Innsbruck, Áustria. Salt Lake tentaria mais uma vez ser a preferida do comitê norte-americano para os Jogos de 1992, mas este acabou escolhendo Anchorage, tanto para candidata aos Jogos de 1992 quanto para os de 1994. Para 1998 Salt Lake conseguiria convencer o comitê a inscrevê-la novamente como candidata; desta vez, a vitória parecia certa, tanto que a cidade gastou 59 milhões de dólares em obras nas instalações antes mesmo de ser divulgado o resultado final, mas mais uma vez Salt Lake perderia para uma cidade japonesa na votação do COI, desta vez para Nagano.

Após a derrota para Nagano, o comitê organizador para os Jogos em Salt Lake City chegou a uma conclusão, digamos, interessante: a cidade japonesa havia ganhado a votação não porque fosse a melhor das candidatas, mas porque havia subornado os delegados do COI quando de sua visita à cidade. Assim, Salt Lake decidiu se candidatar para os Jogos seguintes, 2002, mas com uma estratégia muito mais agressiva.

Segundo relatos, o comitê organizador de Salt Lake gastou milhões de dólares em presentes para os delegados do COI, incluindo viagens totalmente pagas para resorts de esqui, entradas para o Super Bowl, descontos em compras de imóveis, empregos na cidade para seus parentes, bolsas de estudo na Universidade de Utah, e até mesmo, segundo boatos, cirurgias plásticas, serviços de escort e pagamentos em dinheiro vivo. Somente em dezembro de 1998 as acusações de suborno viriam à tona, e seria instaurada uma investigação conjunta pelo COI, pelo comitê olímpico norte-americano, pelo comitê organizador de Salt Lake e pelo departamento de justiça dos Estados Unidos. Quase todos os membros do comitê organizador renunciaram, os dez delegados do COI que visitaram Salt Lake foram expulsos por conduta imoral, e o COI, visando evitar que acontecimentos semelhantes ocorressem nas votações futuras, estabeleceu um teto máximo para o valor dos presentes que seus delegados podem receber de cada comitê organizador, modificou os limites mínimo e máximo de idade para que alguém seja escolhido delegado, e passou a escolher preferencialmente ex-atletas para esta função. A cidade de Salt Lake, apesar de muitos protestos das candidatas derrotadas - e até de candidatas a sede dos Jogos de 2006, cuja votação ocorreria em 1999 - foi mantida como sede, e os Jogos transcorreram normalmente. Ou quase.

Os Jogos de Salt Lake City foram realizados entre 8 e 24 de fevereiro, e contaram com a participação de 2.399 atletas, sendo 886 mulheres, que representaram 77 nações em 78 provas de 15 esportes: biatlo, bobsleding, combinado nórdico, curling, esqui alpino, esqui cross country, esqui estilo livre, hóquei no gelo, luge, patinação artística no gelo, patinação no gelo em velocidade, patinação no gelo em velocidade em pista curta, saltos com esqui, skeleton e snowboarding (clique aqui para ver todas as provas do programa). Os Jogos tiveram três mascotes, o coelho Powder, o coiote Copper e o urso Coal, representando o ideal olímpico do "mais alto, mais rápido, mais forte". A Cerimônia de Abertura contou com uma homenagem aos mortos no 11 de setembro de 2001, e uma retrospectiva de todos os Jogos de Inverno realizados até então. A honra de acender a pira coube não a um, mas a vinte atletas: o time de hóquei no gelo campeão em 1980, no jogo que entrou para a história com o apelido de Milagre no Gelo.

Infelizmente, não houve milagre no gelo de Salt Lake, apenas uma grande controvérsia e um imenso golpe de sorte. A controvérsia - como se já não bastasse o escândalo do suborno - ocorreu na patinação artística, categoria duplas. Os principais candidatos ao ouro eram os russos Yelena Berezhnaya e Anton Sikharulidze, e os canadenses Jamie Salé e David Pelletier. Na apresentação do programa curto, que acontece primeiro, a dupla russa se saiu melhor, mas no programa longo eles tiveram um tropeção, enquanto os canadenses se apresentaram de forma perfeita. Na contagem final das notas, porém, os russos ficaram com o ouro, obtendo notas mais altas de cinco dos nove jurados, enquanto os canadenses terminaram com a prata. A platéia discordou e vaiou o resultado, mas os canadenses se resignaram e receberam sua medalha com um sorriso no rosto.

Então, no dia seguinte, algo estranho aconteceu: a jurada francesa Marie-Reine Le Gougne, durante uma reunião com membros da ISU, a federação internacional de patinação no gelo, caiu em prantos e confessou ter sido pressionada pelo presidente da federação francesa de patinação no gelo, Didier Gailhaguet, a contribuir para que os russos ficassem com a medalha de ouro. Segundo ela, haveria um esquema para que na prova da dança no gelo, que aconteceria alguns dias mais tarde, os franceses Marina Anissina e Gwendal Peizerat ficassem com o ouro. Após a reunião, porém, Marie-Reine negou tudo, e emitiu um comunicado por escrito no qual declarava jamais ter havido qualquer esquema entre os russos e os franceses, e que ela realmente achara que os russos tinham se saído melhor na prova de duplas. Mesmo assim, a ISU decidiu tomar providências: suspendeu Marie-Reine e Gailhaguet por três anos, impediu que eles participassem de quaisquer cargos nos Jogos de 2006, e premiou os canadenses Salé e Pelletier também com uma medalha de ouro, não tirando o ouro dos russos, mas também não transferindo a prata para ninguém. Apesar de alguns protestos, jamais foi investigado se a delegação russa realmente teria armado algum esquema com os franceses. E, só para constar, os franceses realmente ganharam o ouro da dança no gelo, deixando a dupla da Rússia, Irina Lobacheva e Ilia Averbukh, com a prata.

Já o imenso golpe de sorte aconteceu na patinação em velocidade em pista curta, na prova dos 1.000 metros, e teve como maior beneficiado o australiano Steven Bradbury. Bronze em 1994 no revezamento 5.000 metros, Bradbury não tinha pretensão alguma de medalha, e foi aos Jogos apenas para participar. Em sua semifinal, porém, dois atletas se chocaram e caíram, e um terceiro foi desclassificado, e Bradbury acabou avançando até a final. Na final, parecia que ele iria chegar em quinto e último lugar, mas, faltando meia volta para o final, os quatro primeiros colocados, incluindo o favoritíssimo norte-americano Apolo Ohno, se chocaram e caíram. Sendo o único competidor ainda de pé, tudo o que Bradbury teve de fazer foi passar pelos caídos e cruzar a linha de chegada, para ganhar a primeira medalha de ouro em Olimpíadas de Inverno de todo o hemisfério sul. Ohno ainda conseguiu se levantar e cruzar a meta em segundo, seguido do canadense Mathieu Turcotte. Em outra prova, Ohno também acabaria beneficiado por um acontecimento estranho: na prova dos 1.500 metros, ele chegaria em segundo, atrás do sul-coreano Kim Dong-Sung, mas os juízes consideraram que Dong-Sung bloqueara Ohno ilegalmente, e desclassificaram o sul-coreano, dando o ouro para o norte-americano.

No feminino, Yang Yang entrou para a história da China ao ganhar o primeiro ouro daquele país, na prova dos 500 metros. Yang Yang ainda ganharia mais um ouro, nos 1.000 metros, e faria parte da equipe de revezamento 3.000 metros que terminaria com a prata. Curiosamente, duas das atletas chinesas se chamavam Yang Yang, mas com seus nomes pronunciados com entonações diferentes; para evitar confundir as duas, a Yang Yang que ganhou dois ouros e uma prata era referida como Yang Yang (A), enquanto a outra, que também fez parte da equipe que levaria a prata do revezamento e ainda ganharia um bronze nos 1.000 metros, era Yang Yang (S).

Na outra patinação em velocidade, a da pista mais longa, as provas do masculino foram dominadas por norte-americanos e holandeses. Casey FitzRandolph, o medalhista de ouro dos 500 metros, se tornou o primeiro norte-americano a vencer uma prova da patinação em velocidade desde 1980, enquanto seu compatriota Derek Parra, ouro e recorde mundial nos 1.500 metros, se tornou o primeiro descendente de mexicanos a subir no local mais alto do pódio em Jogos de Inverno. O holandês Gerard van Velde surpreendeu, conseguindo o ouro e o recorde mundial nos 1.000 metros, após terminar em quarto nas duas últimas Olimpíadas, mas seu compatriota Jochem Uytdehaage surpreendeu ainda mais: em sua primeira Olimpíada, ganhou o ouro e quebrou o recorde mundial nos 5.000 e 10.000 metros, e foi prata nos 1.500, onde havia quebrado o recorde mundial na semifinal, mas acabou superado por Parra na final. No feminino, o domínio foi da Alemanha, que ganhou três ouros, três pratas e um bronze, e teve pelo menos uma atleta no pódio em cada uma das cinco provas. O destaque foi Claudia Pechstein, que ganhou seu terceiro ouro seguido nos 5.000 metros, com direito a recorde mundial, além de também ganhar o ouro e quebrar o recorde mundial nos 3.000 metros.

Para encerrar a patinação, cabe registrar a imensa falta de sorte da norte-americana Michelle Kwan, considerada uma das maiores patinadoras de todos os tempos, mas que pela segunda vez - e mais uma vez sendo favoritíssima - não alcançou o ouro olímpico. Kwan teve uma queda durante sua apresentação, e terminou o torneio com a medalha de bronze. O ouro ficou com sua compatriota Sarah Hughes.

No esqui alpino, Janica Kostelic ganhou as primeiras medalhas de inverno da Croácia, e com uma apresentação histórica: mesmo se recuperando de uma cirurgia no joelho e vindo de um longo período de reabilitação, foi ouro no combinado, no slalom e no slalom gigante, e prata no slalom super gigante (curiosamente vencido pela italiana Daniela Ceccarelli), se tornando a primeira mulher a ganhar quatro medalhas em uma mesma edição dos Jogos de Inverno. No masculino, o norueguês Kjetil Andre Aamodt também entrou para a história, ao vencer o slalom super gigante dez anos depois de sua primeira vitória nos Jogos de Inverno, na mesma prova em 1992. Aamodt ainda ficaria com o ouro do combinado.

Outro norueguês cheio de medalhas foi Ole Einar Bjørndalen, que ganhou simplesmente todas as quatro provas do biatlo, incluindo o primeiro ouro da história da Noruega no revezamento 4 x 7,5 Km. O finlandês Samppa Lajunen também fez barba, cabelo e bigode ao vencer todas as três provas do combinado nórdico, a individual, a por equipe e a nova prova do sprint. Nos saltos com esqui, o destaque foi o suíço Simon Ammann, apelidado "Harry Potter" devido a sua aparência, e que jamais havia conquistado qualquer título em competições individuais, mas em Salt Lake foi ouro nas duas provas individuais, nas colinas alta e baixa. E no outro esqui, o cross country, a Estônia ganhou suas primeiras medalhas em Olimpíadas de Inverno, um ouro e uma prata com Andrus Veerpalu, nos 15 km e 50 km, respectivamente, e um bronze com Jaak Mae nos 15 km.

Nos trenós, o skeleton, modalidade onde o atleta desce deitado de bruços, com a cabeça primeiro, voltou ao programa olímpico, de onde esteve ausente desde 1948. Os Estados Unidos ficaram com o ouro nas duas provas, sendo que o vencedor do masculino, Jim Shea Jr, vinha de uma família de atletas olímpicos: seu pai competiu no combinado nórdico e no esqui cross country em 1964, e seu avô, Jack Shea, foi ouro nos 500 e 1.500 metros da patinação em velocidade em 1932. No luge, onde o atleta desce deitado de barriga para cima, com os pés primeiro, dois atletas conseguiram proezas: o alemão Georg Hackl, prata no individual, se tornou o primeiro atleta olímpico a ganhar medalhas em cinco edições consecutivas dos Jogos, sendo que nos três anteriores ele foi ouro, e em 1988 prata; e o italiano Armin Zöggeler completou uma escalada, sendo bronze em 1994, prata em 1998, e ouro em 1992 no individual. No bobsleding, pela primeira vez tivemos uma prova feminina, do trenó de dois lugares, e o ouro ficou com as norte-americanas Jill Bakken e Vonetta Flowers, que derrotaram os dois trenós favoritos da Alemanha, que ficaram com prata e bronze. Flowers foi a primeira atleta negra da história a conquistar uma medalha de ouro em Jogos de Inverno.

No hóquei no gelo, o Canadá acabou com um jejum de 50 anos ao derrotar os Estados Unidos na final - seu último ouro havia sido em Oslo, 1952. Cheio de estrelas da NHL, lideradas por Mario Lemieux, o time canadense começou dando um susto, ao perder para a Suécia e empatar com a República Tcheca, mas depois entrou nos eixos. No feminino, o Canadá também chegou ao ouro, mas de forma invicta, e se vingando na final da derrota para as norte-americanas quatro anos antes.

O Brasil enviou a Salt Lake City sua maior delegação na história dos Jogos de Inverno, 11 atletas, sendo 2 mulheres. Devido ao seu esforço para competir em um ambiente tão diferente do encontrado em seu território, o Brasil recebeu elogios do COI e de diversas federações internacionais, além de os atletas brasileiros terem sido tema de muitas reportagens na imprensa internacional. Pela primeira vez, o Brasil participou de outros esportes que não fossem o esqui alpino, no caso o esqui cross country, o luge e o bobsleding, onde o trenó amarelo da equipe brasileira, composta por Eric Maleson, Matheus Inocêncio, Edson Bindilattie e Cristiano Paes, ganhou o apelido de "Banana Congelada". Foi da equipe de bobsleding, aliás, a melhor colocação do Brasil nos Jogos e em toda a história das Olimpíadas de Inverno, 27a posição. A porta-bandeira foi Mirella Arnhold, que também conseguiu uma boa posição, 48a no slalom gigante. Depois que eu escrevi isso, achei meio contraditório chamar a 48a de "boa posição", mas para um país sem neve permanente o Brasil teve uma participação de destaque. Com melhores condições de treino, talvez uma medalha de inverno não seja um sonho tão impossível assim.

Atenas 2004


Graças ao enorme sucesso que os Jogos Olímpicos alcançaram no final do Século XX, os Jogos de 2004 receberam uma enxurrada de candidaturas a sede: nada menos que onze cidades pleitearam a honra de sediar os primeiros Jogos do Século XXI. Por causa disso, o COI criou um novo sistema de votação: em um primeiro momento, seriam escolhidas apenas cinco cidades, as cinco que tivessem as melhores condições de hospedar uma Olimpíada; estas cinco cidades então seriam submetidas à votação tradicional, em diversas rodadas, até que uma se sagrasse vencedora. Assim, após uma primeira análise, foram descartadas a cidade turca de Istanbul, a francesa Lille, a russa São Petersburgo, a espanhola Sevilha, a capital portorriquenha San Juan, e o Rio de Janeiro, primeira cidade brasileira a apresentar oficialmente um projeto de candidatura. Após esta eliminação, a disputa ficou entre Buenos Aires, capital da Argentina; Estocolmo, capital da Suécia e sede dos Jogos de 1912; Roma, capital italiana e sede dos Jogos de 1960; Cidade do Cabo, capital legislativa da África do Sul, e primeira cidade africana a se candidatar a uma Olimpíada; e Atenas, a capital grega, sede da primeira edição dos Jogos da Era Moderna, que havia perdido a chance de sediar os Jogos do Centenário para Atlanta, em 1996. Atenas acabou levando a melhor, vencendo Roma na última rodada de votações. Após 108 anos, os Jogos voltariam à Grécia.

Para muitos, porém, o COI havia escolhido Atenas apenas como um "consolo" pela cidade não ter sediado os Jogos de 1996. O fato da sede de 2004 ter sido escolhida em 1997 era o mais forte argumento a este favor, mas ainda havia outro bem mais perigoso: quase tudo na cidade precisaria ser feito ou refeito para os Jogos em um prazo de sete anos, e os gregos não eram exatamente conhecidos por sua rapidez, bom planejamento, ou por ter milhões de dólares à disposição para gastar com obras. No papel, o projeto de Atenas era fantástico, mas, até mesmo dentro do COI, muitos duvidavam de que tudo aquilo estivesse pronto e funcionando a tempo.

O COI, evidentemente, jamais chegou a manifestar publicamente esta opinião, ou a ameaçar tirar de Atenas o direito de sediar os Jogos. Mas, em 2000, um comunicado do COI, expressando sua "preocupação quanto ao progresso das construções" caiu como uma bomba sobre o comitê organizador, que temeu pelo pior. Todo o comitê acabou destituído, um novo foi formado, e muitas das obras foram aceleradas ou revistas. A piscina, por exemplo, seria coberta, mas após uma análise que constatou que a cobertura não seria essencial ao bom andamento das provas, descartaram o teto, o que chegou a gerar alguns protestos de nadadores em relação ao sol forte e a ventos indesejados. Um sistema de transporte através de bondes, que ligaria o centro da cidade aos locais de competição, previsto para estar pronto um ano antes, há dois meses da cerimônia de abertura ainda estava sendo construído, e teve de ter suas obras aceleradas. O próprio Estádio Olímpico só ficou pronto há menos de dois meses da abertura dos Jogos, e muitos nem acreditavam que ele pudesse ser finalizado a tempo.

Apesar de toda a correria, as instalações se provaram belas e funcionais. A principal delas era o Complexo Esportivo Olímpico de Atenas (OAKA, na sigla em grego), que, além do Estádio Olímpico, sede das Cerimônias de Abertura e Encerramento, do atletismo e da final do futebol, reunia o parque aquático, onde tivemos a natação, o pólo aquático, o nado sincronizado e os saltos ornamentais; o velódromo; o centro de tênis; e o indoor hall, palco da ginástica artística, da ginástica de trampolim e do basquete. Além do OAKA, foram construídos mais três complexos esportivos, o Helênico, composto de um estádio de hóquei, um de beisebol, um de softbol, uma arena de handebol, um salão para esgrima e um parque aquático para a canoagem; o Goudi, sede do badminton e do pentatlo moderno; e o Faliro, sede do vôlei de praia, do vôlei e do taekwondo. O Panathinaiko, principal estádio dos Jogos de 1896, foi revitalizado, e sediou as competições de tiro com arco, além da chegada da maratona. A maratona, aliás, ocorreu no percurso "original" da prova, entre Maratona e Atenas, mesmo percurso que o soldado Pheidippides teria feito na antiguidade. O arremesso de peso também ocorreu em um local histórico, em Olímpia, no mesmo estádio onde a prova era disputada nas Olimpíadas originais.

Os Jogos de 2004 ocorreram entre 13 e 29 de agosto, e contaram com a participação de nada menos que 11.099 atletas, sendo 4.440 mulheres, representando um número recorde de 202 nações em 301 provas de 34 esportes: atletismo, badminton, basquete, beisebol, boxe, canoagem, ciclismo, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, ginástica de trampolim, ginástica rítmica, handebol, hóquei, judô, levantamento de peso, luta olímpica, nado sincronizado, natação, pentatlo moderno, polo aquático, remo, saltos ornamentais, softbol, taekwondo, tênis, tênis de mesa, tiro com arco, tiro esportivo, triatlo, vela, vôlei e vôlei de praia (clique aqui para ver todas as provas do programa). Os mascotes de Atenas foram dois irmãos, Athina e Phevos, desenhados ao estilo dos daidala, estátuas de madeira que eram queimadas em festivais da antiguidade em homenagem à deusa Hera. O revezamento da tocha olímpica contou com uma grande novidade: pela primeira vez a tocha daria a volta ao mundo, visitando os cinco continentes. Após ser acesa em Olímpia, a tocha passou por um total de 34 cidades em 34 dias, incluindo as sedes de todas as Olimpíadas anteriores; Lausanne, na Suíça, sede do COI; e o Rio de Janeiro, na primeira passagem da tocha olímpica pela América do Sul; até retornar para a Grécia, onde visitaria mais algumas localidades, como a Ilha de Creta e o lago Prespa, na fronteira com a Albânia, antes de aportar em Atenas para acender a pira na Cerimônia de Abertura.

Dois incidentes desagradáveis ocorreram em Atenas. O primeiro foi uma acusação de doping envolvendo Kostas Kenteris, maior ídolo do atletismo grego e medalhista de ouro nos 200 metros em 2000, e Ekaterini Thanou, prata nos 100 metros de Sydney. Dois dias antes do Jogos começarem, ambos teriam de se apresentar para um exame anti-doping surpresa, mas não compareceram, alegando terem sofrido um acidente de moto. Nenhum dos dois, porém, apresentava sinais externos de que teria sofrido o acidente. A história tomou os jornais de toda a Europa, e imediatamente surgiu a suspeita de que o acidente teria sido forjado para que eles escapassem de ser pegos no exame. De favorito a um ouro em casa, o casal passou a vilão. Para evitar maiores complicações, Kenteris e Thanou anunciaram sua desistência dos Jogos, mas mesmo assim foram suspensos por dois anos a partir de dezembro de 2004. A sombra do doping em Atenas, infelizmente, não se restringiu ao casal: no total, 24 atletas foram pegos em exames anti-doping, sendo que sete perderam suas medalhas. Mais da metade dos resultados positivos foram para atletas do levantamento de peso, que chegou a sofrer a ameaça de ser retirado do programa olímpico, afastada com a promessa de ações mais rigorosas da Federação Internacional do esporte.

O segundo incidente aconteceu nas disputas da ginástica masculina, onde muitas das notas dos jurados foram contestadas. Tudo começou na disputa do combinado individual, quando a Coréia do Sul decidiu contestar a nota atribuída ao atleta Yang Tae-Young na barra horizontal. Segundo a delegação sul-coreana, a nota de início do atleta deveria ter sido 10, devido à complexidade do exercício, mas um dos jurados teria começado com 9,9. A Corte Arbitral do Esporte considerou que as provas apresentadas pela Coréia do Sul de que teria havido má-fé eram insuficientes, e manteve o resultado, mas a situação se tornou ainda mais controversa quando a Federação Internacional de Ginástica emitiu um comunicado no qual considerava o sul-coreano "o verdadeiro campeão". Apesar dos muitos protestos, não teve jeito: o ouro ficou mesmo com o norte-americano Paul Hamm, enquanto Tae-Young teve de se contentar com o bronze.

Na mesma competição da barra horizontal, cinco dias depois, haveria uma nova confusão: o russo Alexei Nemov fez uma apresentação aparentemente perfeita, mas recebeu um monte de notas baixas, e terminou na quinta posição. Após a divulgação das notas, a platéia vaiou por quase três minutos. A confusão final aconteceria no cavalo com alças, onde o romeno Marian Dragelescu conquistou a medalha de bronze mesmo após ter perdido o equilíbrio em sua segunda saída, deixando o canadense Kyle Shewfelt, o mais aplaudido pelo público, e que teve duas saídas perfeitas, em quarto.

Mas, além de incidentes desagradáveis, os Jogos de Atenas também tiveram atuações memoráveis, a maior delas do norte-americano Michael Phelps, 19 anos, seis ouros e dois bronzes na natação. Natação, aliás, cheia de provas emocionantes: nos 200 metros livre, por exemplo, estavam na água os quatro nadadores mais rápidos da história do evento, os australianos Ian Thorpe e Grant Hackett, o holandês Pieter van den Hoogenband, e o próprio Phelps. Com uma atuação de gala, Thorpe ganhou o ouro com um novo recorde olímpico, deixando Hoogenband na segunda colocação, e Phelps com o bronze. Thorpe ainda seria ouro nos 400 metros livre, prata no revezamento 4 x 200 livre, e bronze nos 100 metros livre; Hoogenband seria ouro nos 100 metros livre e prata no revezamento 4 x 100 metros livre; Phelps simplesmente ganharia o ouro nos 200 e 400 metros medley, 100 e 200 metros borboleta, revezamentos 4 x 200 metros livre e 4 x 100 metros medley, e mais um bronze no revezamento 4 x 100 metros livre, se tornando a maior esperança dos Estados Unidos para os Jogos de 2008 e 2012 - quando ainda terá só 27 anos - e sério candidato a quebrar o recorde de ouros de Mark Spitz.

Nos 50 metros livre, o norte-americano Gary Hall, Jr. repetiu seu ouro, desta vez sozinho. O japonês Kosuke Kitajima foi ouro nos 100 e 200 metros peito, e o norte-americano Aaron Peirsol subiu ao alto do pódio nos 100 e 200 metros costas. No feminino, a ucraniana Yana Klochkova venceu os 200 e os 400 metros medley, se tornando a primeira nadadora a vencer as mesmas duas provas em duas Olimpíadas seguidas; a holandesa Inge de Bruijn também repetiu seu ouro, nos 50 metros livre; e a maior surpresa da competição foi a nadadora Kirsty Coventry, do Zimbábue, um ouro, uma prata e um bronze, nos 200 metros costas, 100 metros costas e 200 metros medley, respectivamente. E o momento mais emocionante foi a vitória dos Estados Unidos no revezamento 4 x 200 metros livre, quando foi quebrado o recorde mundial mais antigo da natação ainda em vigor, estabelecido pela Alemanha Oriental em 1987.

No atletismo, os Estados Unidos fizeram o pódio inteiro dos 200 e dos 400 metros, mas nos 100 metros o português Francis Obikwelu ganhou uma prata, entre os norte-americanos Justin Gatlin e Maurice Greene. O marroquino Hicham El Guerrouj entrou para a história ao se tornar o primeiro homem a vencer os 1.500 metros e os 5.000 metros em uma mesma edição dos Jogos desde Paavo Nurmi em 1924. No feminino, a britânica Kelly Holmes conquistou o ouro dos 800 e dos 1.500 metros; Yulia Nesterenko, de Belarus, surpreendeu e ganhou os 100 metros; e os gregos puderam esquecer a decepção da desistência de Thanou comemorando um inesperado ouro de Fani Halkia - que havia abandonado o esporte alguns anos antes, mas retornado só para correr em casa - nos 400 metros com barreiras.

No basquete, o Dream Team dos Estados Unidos, mesmo contando com astros milionários da NBA, acabou se transformando em um Nightmare Team ao perder na primeira fase para Porto Rico e Lituânia, se classificando em quarto lugar em seu grupo para as quartas de final. Os norte-americanos ainda venceriam a Espanha nesta fase, mas nas semifinais perderiam para a Argentina, e teriam de se contentar com o bronze em uma espécie de revanche contra a Lituânia. Os argentinos, liderados por Manu Ginóbili, venceriam a Itália na final, ganhando sua primeira medalha de ouro desde 1952, e a primeira em um esporte coletivo desde 1936, quando foi campeã no polo a cavalo.

A Argentina ainda seria campeã do futebol, em uma campanha memorável, sem tomar um gol sequer, marcando 17, e fazendo uma final sul-americana contra o Paraguai - o Brasil sequer chegou a se classificar no pré-olímpico. A maior surpresa do campeonato foi o time do Iraque, que se classificou em primeiro em seu grupo, vencendo Portugal e Costa Rica, passou pela Austrália nas quartas de final, e então foi derrotado por Paraguai e Itália, encerrando sua campanha em quarto lugar.

Assim como o Brasil não chegou a se classificar para o futebol, os Estados Unidos surpreendentemente não se classificaram para o beisebol, o que abriu caminho para um ouro quase tranquilo de Cuba - que perdeu um jogo na primeira fase para o Japão, mas ganhou todos os outros - e fez com que as partidas tivessem a menor média de público de todas as Olimpíadas neste esporte. Em compensação, no softbol as meninas dos Estados Unidos não tiveram problemas para chegar ao ouro, vencendo todos os seus jogos, marcando 51 corridas e sofrendo apenas uma, contra a Austrália e precisamente na final.

Cuba fez a festa no boxe, vencendo cinco dos onze ouros possíveis, mais duas pratas e um bronze - e, curiosamente, nos superpesados a prata foi para o egípcio Mohamed Aly. No judô, o domínio foi do Japão, com três de oito ouros no masculino, mas cinco de oito no feminino, metade de todos os ouros disponíveis no total, mais uma prata no masculino e uma no feminino. Ilias Iliadis, categoria meio-médios, ganhou o primeiro ouro da Grécia no judô; Thomas Bimis e Nikolaos Siranidis o primeiro ouro grego dos saltos ornamentais, no trampolim sincronizado; Ting Li e Tian Tian Sun ganharam o primeiro ouro da China no tênis, nas duplas femininas; também no tênis, o chileno Nicolas Massu conquistou o primeiro ouro de seu país neste esporte, e depois ainda venceria o torneio de duplas, com Fernando González; e Ahmed Almaktoum conquistou o primeiro ouro da história dos Emirados Árabes, na fossa dupla do tiro.

As mulheres pela primeira vez disputaram a luta livre, com o Japão subindo ao pódio em todas as quatro categorias, com dois ouros, uma prata e um bronze. Também pela primeira vez, as mulheres puderam disputar a categoria sabre da esgrima, com Mariel Zagunis conquistando o primeiro ouro da história dos Estados Unidos em todas as categorias da esgrima. No levantamento de peso, a turca Nurcan Taylan, categoria moscas, 20 anos de idade, 1,50 m de altura, 48 kg de peso, teve uma performance assombrosa ao levantar 97,5 kg no arranque e 210 kg no total, quebrando o recorde mundial e se tornando a primeira mulher turca a ganhar um ouro olímpico. E a holandesa Leontien Zijlaard van Moorsel, do ciclismo, mesmo após uma queda feia na prova de estrada, ainda conseguiu um ouro na prova contra o relógio e um bronze na perseguição individual. Leontien entrou para a história como a primeira ciclista a ganhar quatro medalhas de ouro, já que em Sydney ela havia conquistado três, na estrada, perseguição individual e corrida contra o relógio, além de uma prata na prova por pontos.

E o Brasil? O Brasil enviou a Atenas sua maior delegação na história dos Jogos, 247 atletas, sendo 122 mulheres, só três a menos do que os homens. Se não voltou com o maior número de medalhas, pelo menos conseguiu o maior número de ouros de sua história, cinco, além de duas pratas e três bronzes. Além de tantas medalhas, cinco outros atletas do Brasil se tornaram bicampeões olímpicos, se unindo a Adhemar Ferreira da Silva nesta tão seleta galeria. Tal desempenho, para muitos, foi uma feliz surpresa.

Dois ouros do Brasil vieram da vela, com Robert Scheidt, categoria Laser, ouro em 1996, repetindo sua conquista, e terminando a competição 13 pontos à frente do austríaco Andreas Geritzer; e com Torben Grael e Marcelo Ferreira, ouro na categoria Star, também repetindo o feito de 1996. No vôlei de praia masculino, Ricardo Santos e Emanuel Rego foram ouro de forma invicta, perdendo apenas três sets em sete jogos. No feminino, Adriana Behar e Shelda Bede foram mais uma vez prata, mas desta vez perdendo para as favoritíssimas norte-americanas Kerri Walsh e Misti May, em um jogo bem menos traumatizante que o de quatro anos antes. Infelizmente, Adriana e Shelda, nas quartas de final, tiveram de enfrentar - e eliminar - a outra dupla brasileira, Ana Paula Connelly e Sandra Pires, o que impediu que tivéssemos duas duplas brasileiras no pódio pela terceira vez seguida.

No vôlei de quadra, sob o comando do técnico Bernardinho, o time masculino, já respeitado como o melhor do mundo na modalidade, teve exibições memoráveis durante o campeonato, onde só perdeu um jogo, na primeira fase, contra os Estados Unidos, e mesmo assim porque poupou vários titulares. O único time capaz de rivalizar com o do Brasil era o da Itália, que acabou derrotado duas vezes por 3 sets a 2, sendo a segunda justamente na final, que consagrou o voleibol masculino brasileiro - e em particular os jogadores Maurício e Giovane - com a segunda medalha de ouro de sua história. No feminino o time também tinha chances de chegar ao ouro, mas acabou perdendo uma partida inacreditável para a Rússia nas semifinais, onde estava vencendo por 24 a 19 no quarto set, a apenas um ponto da vitória, mas deixou o time russo empatar, levar a partida para o tie break e vencê-la. Abaladas, as meninas do Brasil acabaram perdendo também a disputa do bronze contra Cuba, terminando o torneio em quarto lugar.

O futebol masculino pode não ter ido aos Jogos, mas o feminino foi, e fez bonito, terminando com a medalha de prata, perdendo para os Estados Unidos por 2 a 1 na prorrogação, após empate de 1 a 1 no tempo normal. Em toda a competição, o Brasil perdeu apenas este e mais um jogo, também para os Estados Unidos, na primeira fase por 2 a 0. O basquete masculino não se classificou para os Jogos pela segunda vez seguida, e o feminino, em fase de transição, fez uma campanha irregular, terminando em quarto lugar após perder para a Austrália nas semifinais e para a Rússia na disputa do bronze. Os dois atletas brasileiros no taekwondo, Diogo Silva da categoria penas e Natália Falavigna da pesados, também terminaram em quarto lugar, assim como Ricardo Winicki, apelidado Bimba, da categoria Mistral da vela, que liderava a competição até a última regata, onde teve problemas e terminou em 17o, ficando a um ponto de ganhar uma medalha de bronze.

Dois dos bronzes do Brasil vieram do judô, com Leandro Guilheiro na categoria leves e Flavio Canto na meio-médios. O terceiro veio de forma bizarra na prova da maratona: apesar de não estar dentre os favoritos, Vanderlei Cordeiro de Lima liderava a prova com bastante folga até perto dos 10 km finais, quando foi atacado e empurrado para fora da pista pelo ex-padre irlandês Cornelius Horan, que já havia atrapalhado o GP da Inglaterra de Fórmula 1 de 2003, e fazia uma espécie de protesto. Ajudado por alguns torcedores, Vanderlei conseguiu voltar à prova, mas perdeu tempo e ritmo com o acidente, e acabou ultrapassado pelo italiano Stefano Baldini e pelo norte-americano Mebrahtom Keflezighi. O Brasil ainda entrou com uma representação para que Vanderlei fosse também agraciado com uma medalha de ouro, mas o pedido foi negado sob a alegação de que ainda faltava muito para o fim da corrida, e não havia como saber se ele manteria o mesmo ritmo até o final. Menos mal, Vanderlei acabou premiado pelo COI com a Medalha Pierre de Coubertin, por não ter se abalado com o acidente, e continuado a competir e fazer o seu melhor até o final da prova.

A última medalha do Brasil, durante algum tempo, teve cor indefinida. No Prêmio das Nações individual do hipismo, Rodrigo Pessoa, montando Baloubet du Rouet, terminou em segundo lugar, ao cometer quatro penalidades a mais que o irlandês Cian O'Connor. Quase um ano depois dos Jogos, porém, O'Connor perderia seu ouro, que passaria para Rodrigo, graças a um fato curioso: no hipismo, além dos atletas, os cavalos também são submetidos a exames anti-doping, e o teste do cavalo de O'Connor, Waterford Crystal, acusou uma substância proibida. Assim, em 10 de junho de 2005, a terceira prata se transformou no quinto ouro do Brasil.

Além do Brasil, outro país que superou suas expectativas em relação às medalhas foi a China, que terminou a competição com 32 ouros, apenas 4 a menos que os Estados Unidos, alguns deles conquistados em esportes onde o país jamais havia triunfado. O motivo, evidentemente, foi a forte preparação que os chineses já faziam para os Jogos de 2008, que acontecerão em Pequim, a capital chinesa. Os chineses não escondem de ninguém que seu objetivo é o topo do quadro de medalhas. Será que conseguirão?

Série Olimpíadas

Salt Lake City 2002
Atenas 2004

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