sábado, 16 de março de 2024

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John Wick

Tendo crescido na época em que Schwarzenegger e Stallone eram reis, eu sou fã de filmes de ação. Infelizmente, a partir dos anos 2000, os filmes de ação desse estilo começaram a rarear até sumir quase completamente, sendo substituídos por filmes de super-heróis (dos quais eu também gosto, mas são uma coisa diferente), ou por filmes cheios de lutas coreografadas e cortes bruscos de câmera, dos quais eu não gosto muito. Existe uma franquia de filmes de ação, entretanto, que parece resgatar o estilo dos anos 1980 e 1990, que me surpreendeu muito positivamente quando eu assisti seu primeiro filme, e sobre a qual eu gostaria de fazer um post. Hoje é dia de John Wick no átomo!

John Wick foi uma criação do roteirista Derek Kolstad, que, no início da carreira, teve muita dificuldade pra se estabelecer, escrevendo cerca de oito roteiros por ano, sem conseguir vender nenhum. A alcançar os 60 roteiros rejeitados, ele pensaria em procurar outra coisa para fazer da vida, mas sua esposa o convenceria a fazer uma última tentativa com a produtora MPCA, especializada em lançamentos diretamente em DVD, que concordaria em produzir A Última Bala, de 2012, com Cuba Gooding, Jr. e Dolph Lundgren. O filme seria bem recebido pela crítica, o que levaria a MPCA a produzir mais um de seus roteiros, Entrega Mortal, mais uma vez com Lundgren e trazendo o astro da WWE Steve Austin no papel principal. A partir daí, Kolstad passaria a conseguir sobreviver como roteirista de filmes de ação de baixo orçamento, a maioria deles lançada diretamente em DVD.

Após conseguir seu contrato com a MPCA, Kolstad escreveria um roteiro para um "filme de vingança", gênero de filme de ação no qual o protagonista sofre alguma injustiça e, para repará-la, sai matando todo mundo. Segundo Kolstad, ele havia acabado de assistir dois filmes de vingança péssimos, e queria tentar fazer um de qualidade melhor. Ele começaria criando o personagem John Wick, um assassino profissional que tinha entre 60 e 70 anos, inspirado nos atores Clint Eastwood e Paul Newman, que havia sido um dos mais bem-sucedidos em sua área, mas estava fora de ação há pelo menos uma década; nesse meio-tempo, as histórias de seus feitos se tornaram verdadeiras lendas, o que faz com que os mais jovens achem que elas foram inventadas e que ele não é isso tudo que dizem. Conforme desenvolvia o roteiro, Kolstad decidiria que Wick era "o pior homem do mundo", até encontrar a redenção no amor e decidir deixar sua vida de crimes para trás, mas que, após todos esses anos, essa vida voltaria para assombrá-lo. Após definir que algum evento faria com que Wick se voltasse contra a própria organização que o treinou e para a qual trabalhou, Kolstad decidiria evitar o "clichê Justiceiro", ou seja, "os bandidos mataram toda a família do herói", e fazer com que o motivo para a vingança fosse a morte do cachorro de Wick, o que acabaria se tornando um dos maiores destaques do filme.

O primeiro a ler o roteiro de John Wick seria o produtor Basil Iwanyk, da Thunder Road Films, que então produzia filmes para a Warner, mas estava insatisfeito por ter pouco poder criativo no processo - basicamente, a Thunder Road já recebia da Warner um roteiro pronto, o elenco escalado, e todas as indicações de como deveria fazer o filme, sem poder mudar muita coisa. Buscando produzir um filme de forma independente, para ter maior controle criativo, sem gastar muito dinheiro, Iwanyk recorreria aos filmes de ação, e receberia o roteiro de Kolstad, imediatamente se empolgando com seu tom subversivo e achando que, mesmo o protagonista sendo um assassino profissional, suas motivações poderiam fazer com que o público se identificasse com ele.

Iwanyk compraria o roteiro de Kolstad em fevereiro de 2013, e inicialmente pensaria em Eastwood ou Harrison Ford para o papel de Wick, mas acabaria decidindo usar um ator mais jovem por causa das muitas cenas de ação do filme; assim, o roteiro chegaria a Keanu Reeves, cujo agente era amigo de longa data do produtor. Vindo de uma sequência de fracassos, Reeves adorou o roteiro, ficando especialmente interessado no folclórico submundo do crime criado por Kolstad e na relação de Wick com sua esposa; ele ainda indicaria os coreógrafos Chad Stahelski e David Leitch, com quem já havia trabalhado na trilogia Matrix, para as cenas de ação. Após Reeves ser contratado, Kolstad decidiria reescrever partes do roteiro para que ficassem mais adequadas a seu estilo de atuação, e também para que Wick ficasse mais jovem, já que o ator tinha 49 anos na época.

Iwanyk teria, porém, muita dificuldade para conseguir um diretor. Todos os que foram procurados acharam que seria "mais um fracasso na carreira de Keanu Reeves", ou que a motivação do personagem não era suficiente para uma vingança, pedindo que Kolstad voltasse atrás e desse uma família para Wick, que seria morta pelos bandidos, o que ele se recusou terminantemente a fazer. Ao saber da dificuldade, Stahelski e Leitch se ofereceriam para dirigir não somente as cenas de ação, mas todo o filme, com Stahelski inclusive preparando uma apresentação sobre como o filme poderia explorar a vida dupla dos assassinos, fazendo uso da sociedade paralela criada para eles por Kolstad, e sobre como o tom do filme poderia ser realístico em um cenário de fantasia. Iwanyk compraria a ideia e os contrataria como diretores; por razões sindicais, entretanto, apenas Stahelski seria creditado, com Leitch recebendo crédito de produtor junto com Iwanyk, Michael Witherhill e a atriz Eva Longoria, que contribuiria financeiramente para a produção.

Um dos maiores destaques de John Wick é sua ambientação: os assassinos profissionais possuem uma sociedade própria, com moeda própria e organizações exclusivas, como o Hotel Continental, no qual só podem se hospedar assassinos, e dentro do qual é proibido matar. Os assassinos recebem suas missões através de um sistema parecido com o dos caçadores de recompensa, com o pagamento sendo oferecido, um alvo sendo determinado, e aquele que conseguir eliminá-lo coletando o dinheiro. Propositalmente, Kolstad não mostraria de nenhuma forma, nem com flashbacks, nem através de conversas, a vida de Wick antes de ele deixar de ser um assassino profissional, com até mesmo o que teria permitido que ele se aposentasse ficando em segredo; o máximo que os demais personagens comentam são seus feitos, sempre em tom de admiração e fazendo parecer que foram exagerados. Esse método de "explique pouco, imagine muito" acabaria sendo estendido a vários detalhes do filme, como as moedas de ouro usadas pelos assassinos e sua própria organização formal, tudo pensado por Kolstad para gerar maior interesse no público.

O que se sabe é que Wick (Keanu Reeves) largou tudo em nome do amor de uma mulher, Helen (Bridget Moynahan), que, pouco antes do filme, morre vítima de uma doença, presenteando-o antes de partir com um filhote de beagle para que ele consiga lidar com o luto. Antes um homem implacável e sem emoções, após a morte de Helen Wick se entrega à depressão, pouco saindo de casa e tendo como únicos amigos o cachorrinho e seu carro, um Boss 429 Mustang 1969. Um dia, enquanto está abastecendo, Wick é abordado por bandidos, que, sem saber quem ele é, tentam convencê-lo a lhes vender o carro; diante de sua recusa, eles vão até sua casa à noite, o espancam, roubam o carro e cometem o maior erro de suas vidas: matam o cachorrinho. Tomado por uma fúria devastadora, Wick recupera todas as armas e objetos de sua época de matador profissional, que havia escondido após seu casamento, e decide que somente uma morte violenta poderá pagar a desfeita.

O problema para Wick é que o responsável pelo ataque é Iosef Tarasov (Alfie Allen), filho do mafioso russo Viggo Tarasov (Michael Nyqvist), antigo empregador de Wick, que, evidentemente, tenta fazer com que o assunto seja resolvido sem a extinção de sua linhagem. Ainda em depressão, entretanto, Wick não tem nenhum outro interesse que não a vingança, recorrendo a antigos aliados, como Aurelio (John Leguizamo), dono do desmanche de automóveis para o qual o carro de John é levado por Iosef; o também assassino profissional Marcus (Willem Dafoe), que foi uma figura paterna para John em seus primeiros anos no ofício; Charlie (David Patrick Kelly), que tem como especialidade sumir com corpos produzidos pelos assassinos; o policial Jimmy (Thomas Sadowski); e o enigmático Winston Scott (Ian McShane), dono do Hotel Continental, onde trabalha seu homem de confiança, Charon (Lance Reddick). Viggo, por sua vez, consegue colocar um preço na cabeça de Wick, que passa a ser perseguido por vários assassinos profissionais em busca de fama e fortuna, como Miss Perkins (Adrianne Palicki), a sucessora de Wick como lenda viva dos assassinos.

A produção do filme sofreria com graves dificuldades financeiras; Iwanyk teve que colocar dinheiro do próprio bolso para que a produção seguisse, e chegou a ser orientado por seu advogado a cancelar tudo para não ir à falência e ser processado. Todos os cachês seriam abaixo do valor de mercado, com o próprio Reeves recebendo apenas cerca de 2 milhões de dólares, e os diretores concordariam em mudar várias cenas em cima da hora para que elas ficassem mais baratas. As filmagens seriam integralmente feitas em Nova Iorque, considerada uma cidade cara, mas Iwanyk diria que essa era uma concessão que ele não estava disposto a fazer, já que um filme de ação em Nova Iorque, "com a Ponte do Brooklyn ao fundo", chamaria mais atenção e seria mais rentável do que um ambientado em uma cidade mais barata mas mais clichê, como Chicago ou Detroit. Para cortar custos, os produtores dariam preferência a atores que já estivessem na cidade e não precisassem viajar para lá durante as filmagens, considerando muita sorte poder contar com nomes como McShane e Dafoe no elenco; falando em elenco, vale dizer que Perkins inicialmente seria um homem, mas Palicki, que faria o teste para uma assassina de menor destaque, agradaria tanto que acabaria ganhando o papel. Outro detalhe interessante é que o prédio que serve de fachada para o Hotel Continental existe de verdade, e se chama Beaver Building.

Stahelski e Leitch não gostavam das cenas de ação com cortes rápidos dos filmes mais recentes, e preferiram fazer longas cenas com tomadas amplas, recorrendo a cortes apenas para corrigir erros nas sequências; essas cenas de ação à moda antiga deram mais trabalho aos atores, mas também acabaram colaborando para que o filme ficasse mais barato, já que usavam menos câmeras, menos efeitos especiais, e ficavam prontas em menos tempo. Para que o filme ficasse o mais realístico possível, a computação gráfica também seria reduzida a um mínimo, sendo usada apenas para melhorar os ferimentos de bala e criar os disparos das armas; apenas uma cena teria verdadeiros efeitos especiais de computação gráfica, a que Wick é atropelado por um carro. Uma das ideias de Iwanyk, que acabaria sendo usada em todos os filmes da série, foi que todas as armas usadas na gravação eram cenográficas - ao invés de armas reais com balas de festim - com os efeitos dos disparos, como as luzes e a fumaça, sendo adicionados por computação gráfica na pós-produção, junto com o som. Após o incidente no qual Alec Baldwin acidentalmente atiraria na diretora de fotografia Halyna Hutchins durante as filmagens de Rust, uma campanha para que Hollywood banisse as armas reais e usasse esse mesmo tipo de efeito chegaria a ser criada, com o slogan "se John Wick consegue, os outros filmes também podem conseguir".

Todas as filmagens se concluiriam em apenas nove semanas, após as quais os atores partiriam para outros projetos, o que, somado à falta de dinheiro, faria com que não fosse possível regravar nada, com a editora Elísabet Ronaldsdóttir, que até então só havia trabalhado em filmes de drama, tendo de trabalhar somente com o que já estava pronto para chegar a um resultado que agradasse Iwanyk, Kolstad e o público. Enquanto ela trabalhava, Iwanyk tentava conseguir um distribuidor para os cinemas, encontrando resistência por Stahelski ser um diretor estreante e pelos filmes anteriores de Reeves terem sido fracassos. Após várias sessões exclusivas para potenciais distribuidores, a única que se interessou foi a Lionsgate, que ofereceu o pacote mínimo - sem pagamento adiantado nem mínimo de salas em contrato - o que normalmente significa que o filme será lançado diretamente em DVD, o que não interessava nem a Iwanyk, nem a Kolstad.

Iwanyk já estava pronto para recusar a proposta da Lionsgate também, quando foi surpreendido por uma visita dos executivos Jason Constantine e Tim Palen, que disseram ter adorado o filme e já ter reservado uma data de estreia para ele em outubro, através de sua subsidiária Summit Entertainment. A única exigência que eles fizeram foi mudar o nome do filme: originalmente, e até o final da produção, ele se chamava Scorn ("Desprezo"), mas, sempre que se referia a ele em qualquer evento, Reeves o chamava de John Wick, nome que, além de a Lionsgate achar melhor, ainda representaria uma economia de milhões de dólares em propaganda, que já estava sendo feita de graça pelo ator. Curiosamente, John Wick era o nome do avô de Kolstad, que colocou esse nome provisoriamente no personagem, e acabou vendo ele ficar definitivo e se tornar o título do filme.

John Wick estrearia em 24 de outubro de 2014, após uma pré-estreia em Nova Iorque no dia 13. A Lionsgate prepararia uma agressiva campanha de marketing, que incluía sessões gratuitas do filme em 42 cidades dos Estados Unidos no fim de semana anterior à estreia, que chamaram a atenção dos jornalistas, mas não despertaram muito interesse no público em geral. Ainda assim, o filme seria o segundo de maior bilheteria em seu fim de semana de estreia, ficando atrás apenas de Ouija: O Jogo dos Espíritos, o que surpreenderia analistas de cinema e a própria Lionsgate. A bilheteria cairia paulatinamente ao longo do período de exibição, e John Wick encerraria sua fase nos cinemas dos Estados Unidos e Canadá com renda de pouco mais de 43 milhões de dólares - o que é pouco se analisado separadamente, mas foi quase o dobro do dinheiro gasto por Iwanyk para produzi-lo. No restante do mundo, John Wick rendeu outros 43 milhões, o que fez com que a Lionsgate o considerasse um sucesso. A crítica seria muito positiva, elogiando o ritmo, a ação e a mitologia do filme, e considerando que ele tinha potencial para inaugurar uma franquia.

Muitos analistas considerariam John Wick um sleeper hit, ou seja, um filme que não era considerado um potencial sucesso antes de seu lançamento, mas acabaria se tornando um graças à propaganda boca-a-boca de seus espectadores. Os críticos atribuiriam esse sucesso principalmente ao carisma de Reeves e à mitologia do submundo do crime, que influenciaria lançamentos posteriores, como Atômica (também dirigido por Leitch), de 2017, Resgate, de 2020, Gunpowder Milkshake, de 2021, e Ninguém (que tem roteiro de Kolstad), também de 2021. Seu lançamento em DVD, Blu-ray e streaming o transformariam em cult, com seus fãs fazendo campanha para que ele ganhasse uma sequência.

Kolstad não havia pensado em fazer de John Wick um filme com uma continuação - na primeira versão do roteiro, inclusive, Wick morria após conseguir sua vingança - mas o alarido dos fãs motivaria a Lionsgate a encomendar um segundo filme, com o CEO da empresa, Jon Feltheimer, declarando que via "John Wick como o astro de uma franquia de múltiplos filmes", e a perspectiva de retornar ao personagem e à sua mitologia sem precisar se preocupar se as filmagens teriam ou não dinheiro animariam o roteirista, que começaria a trabalhar na continuação já em 2015. Kolstad seria confirmado como roteirista e Stahelski como diretor - dessa vez, sozinho - em maio de 2015, com Reeves, McShane, Moynahan, Leguizamo, Kelly, Sadowski e Reddick sendo confirmados no elenco em outubro - Iwanyk queria contar também com Nyqvist, que não pôde aceitar por problemas de saúde, sendo substituído por Peter Stormare como Abram Tarasov, irmão de Viggo. A produção ficaria com Iwanyk e Erica Lee, da Lionsgate.

No segundo filme, Wick é procurado pelo mafioso Santino D'Antonio (Riccardo Scamarcio), com quem tem uma dívida de sangue, contrato firmado entre dois assassinos que, por Wick estar aposentado, estava suspenso, mas, agora que ele voltou à ativa, pode ser cobrado. Basicamente, D'Antonio ajudou Wick a fazer o que quer que fosse para que ele pudesse se aposentar, então agora Wick tem de retribuir fazendo um favor a ele: assassinar sua irmã, Gianna D'Antonio (Claudia Gerini), para que ele ocupe seu lugar na Alta Cúpula, o grupo de 12 chefes do crime que coordena todas as ações dos assassinos a nível mundial. O problema é que, fazendo isso, Wick com certeza se tornará um alvo da Alta Cúpula, com todos os assassinos do planeta atrás do prêmio por sua cabeça. O elenco conta ainda, dentre outros, com o rapper Common como o segurança de Gianna; Ruby Rose como Ares, assassina muda e guarda-costas de D'Antonio; Franco Nero como Julius, gerente do Hotel Continental de Roma; Peter Serafinowicz como o Sommelier, um especialista em armas que atende a pedidos dos assassinos; e Laurence Fishburne como o Rei, criminoso que controla grande parte das atividades de Nova Iorque, sem estar submetido à Alta Cúpula e fingindo ser apenas um mendigo.

Com orçamento não divulgado, mas mais que o dobro do primeiro filme, John Wick 2: Um Novo Dia para Matar (apenas John Wick: Chapter 2 no original) teria filmagens em Nova Iorque, Montreal e Roma, com as filmagens em estúdio ocorrendo em Nova Jérsei. O segundo filme ajudaria a estabelecer que a sociedade dos assassinos opera a nível mundial, e não apenas em Nova Iorque ou nos Estados Unidos, e tem um grupo seleto (a Alta Cúpula) no comando de todas as suas atividades. Assim como o Continental de Nova Iorque, o de Roma era um prédio que realmente existe, o Museo Centrale del Risorgimento; as cenas que mostram Gianna sendo introduzida na Alta Cúpula seriam filmadas nos Banhos de Caracalla, que têm mais de 1800 anos. Mais uma vez, os efeitos especiais por computação gráfica seriam mantidos no mínimo possível, com Stahelski filmando efeitos e cenas de ação à moda antiga.

O filme estrearia em 10 de fevereiro de 2017, após uma pré-estreia em Los Angeles em 30 de janeiro. Somente nos Estados Unidos, ele renderia mais do que o anterior no mundo todo, 92 milhões de dólares, somando cerca de 174 milhões na bilheteria mundial. A crítica mais uma vez o receberia muito bem, elogiando as cenas de ação, as atuações de Reeves, McShane e Fishburne, e o fato de termos mais detalhes sobre a sociedade dos assassinos.

O sucesso ainda maior do segundo filme faria com que a Lionsgate encomendasse um terceiro, novamente com Stahelski na direção e Kolstad no roteiro. Reeves e Kolstad seriam confirmados em junho de 2017, mas o diretor, após discussões salariais, só seria confirmado em janeiro de 2018. A Lionsgate também queria que o filme fosse "maior e mais grandioso" que os dois anteriores, contratando os roteiristas Shay Hatten, Chris Collins e Marc Abrams para revisar e reescrever o roteiro entregue por Kolstad, com todos os quatro sendo creditados como roteiristas. A produção ficaria mais uma vez a cargo de Iwanyk e Lee.

Conforme previsto, após matar um membro da Alta Cúpula, Wick é considerado excommunicado (ou, em bom português, excomungado), perdendo todos os direitos e privilégios dos assassinos, incluindo o de se hospedar no Continental; além disso, uma gorda recompensa é posta em sua cabeça, o que faz com que praticamente todos os assassinos que encontra queiram matá-lo. Sem conseguir enfrentar todos os assassinos do mundo, Wick decide cobrar favores de antigos aliados para conseguir um encontro com o Ancião, única pessoa capaz de reverter um decreto da Alta Cúpula. Além de Reeves, McShane, Fishburne e Reddick, o elenco conta, dentre outros, com Halle Berry como Sofia Al-Azwar, gerente do Hotel Continental de Casablanca, Marrocos, que tem uma dívida de sangue com Wick; Anjelica Huston como a chefe de um sindicato do crime formado por ciganos russos da Ruska Roma; Mark Dacascos como o assassino Zero, que persegue Wick a mando da Alta Cúpula; Asia Kate Dillon como a Juíza, que assegura que todas as leis da Alta Cúpula sejam cumpridas pelos membros da sociedade; Jerome Flynn como Berrada, antigo empregador de Sofia; Unity Phelan como Rooney, bailarina que está sendo treinada para ser assassina; e Saïd Taghmaoui como o Ancião.

Com o título de John Wick 3: Parabellum (John Wick: Chapter 3 - Parabellum no original; segundo Reeves, o subtítulo vem da frase em latim si vis pacem, para bellum, "se queres a paz, prepara-te para a guerra"), o filme teria orçamento de 75 milhões de dólares, e seria filmado em Nova Iorque e Casablanca; a mando da Lionsgate, o número de efeitos especiais seria bem maior, sendo contratadas as empresas Method Studios, Image Engine e Soho VFX, o que desagradou Stahelski, que, mesmo assim, conseguiu colocar no filme suas longas cenas de luta à moda antiga. O próprio Stahelski, que havia sido dublê no início da carreira, substituiria Reeves nas cenas mais pesadas, mas, no geral, os próprios atores fariam suas cenas de ação, com Berry quebrando três costelas durante as filmagens. A cena na qual Wick enfrenta o assassino Ernest, interpretado pelo jogador da NBA Boban Marjanovic, seria uma homenagem de Stahelski ao filme Jogo da Morte, no qual Bruce Lee enfrenta o também jogador de basquete Kareem Abdul-Jabbar.

O terceiro filme estrearia em 17 de maio de 2019 em 3850 cinemas dos Estados Unidos, número de blockbuster, após uma pré-estreia em 9 de maio em Nova Iorque. Renderia 171 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos, sendo 57 milhões somente no primeiro fim de semana, mais do que o primeiro filme rendeu durante todo seu tempo em cartaz, e 327,7 milhões se considerada a bilheteria do mundo todo. A crítica mais uma vez seria extremamente favorável, elogiando as cenas de ação e considerando o filme vastamente superior aos demais do mesmo estilo produzidos na mesma década.

Três dias após a estreia do terceiro filme nos cinemas, a Lionsgate confirmaria que não somente um quarto, mas também um quinto filme já estariam entrando em produção o mais rápido possível e sendo filmados back to back, ou seja, um assim que acabasse o outro; a ideia da Lionsgate, inclusive, era lançar o quarto filme no mesmo fim de semana que Matrix Resurrections, com Reeves filmando os dois quase que simultaneamente, por isso Neo estava parecido com John Wick no Matrix mais recente. Em diversas entrevistas, Stahelski confirmaria estar disposto a dirigir quantos filmes de John Wick a Lionsgate quisesse que ele fizesse, mas que não tinha certeza sobre se Reeves estaria disposto a voltar a interpretar o personagem no quarto filme. Após desavenças no terceiro filme, a Lionsgate optaria por não chamar Kolstad para o seguinte, chamando Hatten para escrever o roteiro; durante a produção, insatisfeito com o rumo que ele deu para a história, Stahelski recomendaria Ricky Staub e Dan Walser, de Concrete Cowboy, filme que o deixou muito impressionado, para escrever um novo roteiro, mas a Lionsgate não concordaria, preferindo contratar Michael Finch, de Predadores, para revisar e alterar o roteiro de Hatten, creditando Hatten e Finch como roteiristas. A produção ficaria com Iwanyk, Lee e Stahelski, que teria bem mais controle criativo do que nos três filmes anteriores.

Devido a vários atrasos na produção, incluindo o causado pela Pandemia, a Lionsgate teve primeiro de desistir de seus planos de lançar o quarto filme junto com Matrix Resurrections, depois do de filmar dois filmes de uma vez só, preferindo fazer um só, bem comprido: com intermináveis 169 minutos (ou seja, faltando 11 para três horas), contra 131 do terceiro, 122 do segundo e 101 do primeiro, o quarto filme de fato parece ter sido pensado para ser dois, com inclusive tendo uma mudança de tom bem marcada mais ou menos na metade - o primeiro corte do filme, aliás, tinha 225 minutos (ou seja, faltando 15 para quatro horas), incluindo um final alternativo que provocou uma "reação violenta" das plateias de teste; considerando um filme tão comprido inviável (na verdade ele usaria a palavra screwed, algo como "zoado"), Stahelski pediria para que, já que iam alterar o final, cortassem algumas cenas para que a versão final tivesse menos de três horas.

Inicialmente, o quarto filme se chamaria John Wick: Chapter 4 - Hagakure, o nome do "Livro do Samurai", escrito por Yamamoto Tsunetomo no século XVII e considerado o guia prático e espiritual dos guerreiros japoneses, para se manter no mesmo tema de Parabellum. Durante a produção, a Lionsgate decidiria mudá-lo para John Wick: Chapter 4 - Baba Yaga, o nome de uma bruxa do folclore russo e apelido de Wick junto à máfia russa, conforme explicado por Viggo no primeiro filme. Pouco antes do lançamento, entretanto, eles mudariam de ideia de novo, decidiriam abolir o subtítulo e lançar o filme apenas como John Wick: Chapter 4. No Brasil, preferiram ignorar a mudança e lançar o filme com o título John Wick 4: Baba Yaga, enquanto no Japão ele seria lançado como John Wick: Consequences, título escolhido enquanto o oficial ainda era Hagakure, para não usar o nome do livro.

O quarto filme teria orçamento de 100 milhões de dólares e seria o mais internacional, sendo filmado em Nova Iorque, Paris, Berlim e Osaka. Curiosamente, as cenas no Arco do Triunfo seriam filmadas em um aeroporto abandonado em Berlim, com o Arco sendo inserido digitalmente na pós-produção. Para cortar custos, todas as armas cenográficas usadas no filme já estavam prontas e haviam sido usadas em outros filmes, sendo encontradas nos depósitos de vários estúdios e alugadas, exceto as pistolas usadas no duelo final e a que o Rei entrega a Wick quando chega a Paris, produzidas especialmente para o filme; o relógio de ouro do personagem Caine também seria criado especialmente pelo filme pela Carl F. Bucherer, uma das relojoarias mais famosas da Suíça.

Mais uma vez, apenas Reeves, McShane, Fishburne e Reddick retornam dos filmes anteriores; dentre outros, o elenco conta com Bill Skarsgard como o Marquês Vincent Bisset de Gramont, membro da Alta Cúpula que decide exterminar Wick de uma vez por todas, inclusive excomungando Winston e dessagrando o Continental de Nova Iorque, para que Wick não tenha para onde fugir; Donnie Yen como Caine, assassino amigo de Wick que, assim como ele, conseguiu se aposentar, mas é forçado pelo Marquês a sair da aposentadoria para matar o amigo; Hiroyuki Sanada como Shimazu Koji, gerente do Hotel Continental de Osaka e amigo de Wick, que decide ajudá-lo por uma questão de honra; a cantora japonesa Rina Sawayama como a filha de Koji, Akira; Shamier Anderson como o Sr. Ninguém, assassino que persegue Wick pelo planeta; Marko Zaror como Chidi, braço-direito do Marquês; Scott Adkins como Killa Harkan, membro da Alta Cúpula responsável pelas operações na Alemanha; Clancy Brown como o Anunciador, um agente de extrema importância da Alta Cúpula; Natalia Tena como Katia, membro da Ruska Roma e irmã adotiva de Wick; Sven Marquadt como Klaus, membro traidor da Ruska Roma; e George Georgiou como o Ancião, sucessor do interpretado por Taghmaoui no terceiro filme. O lutador de sumô aposentado Yoshinori Tashiro faz uma participação especial como o guarda-costas de Koji.

John Wick 4 seria lançado em 24 de março de 2023, após uma pré-estreia em Londres no dia 6. Renderia 187 milhões de dólares nos Estados Unidos e 440 milhões ao se considerar o mundo todo, e receberia mais uma vez críticas extremamente favoráveis, sendo considerado "um épico moderno", com as atuações de Reeves, Skarsgard e Yen sendo especialmente elogiadas. O quarto filme seria o primeiro da série a ser indicado a um Globo de Ouro, ainda que ao de Desempenho Notável em Bilheteria, que perdeu para Barbie. Curiosamente, o filme seria banido no Vietnã por conta da participação de Yen, considerado pelo governo vietnamita como "um porta-voz do governo chinês", por ter dado, em entrevistas, razão à China quanto a uma disputa sobre águas territoriais no Mar do Sul.

Embora eu não faça ideia de como eles vão arrumar uma história, em maio de 2023 a Lionsgate confirmou seus planos de fazer o quinto filme, com as filmagens começando "em breve", e já estando em negociações para o retorno de Stahelski e Reeves. A Lionsgate também pretende criar um "Wickverso", com vários filmes e séries ambientados no mesmo universo de John Wick, mesmo que estrelados por outros personagens.

A primeira dessas produções seria O Continental: Do Mundo de John Wick (The Continental: From the World of John Wick), série com três episódios de cerca de uma hora e meia cada que estreariam em 22 e 29 de setembro e 6 de outubro de 2023 no serviço de streaming Peacock, do canal de TV NBC. Com roteiros de Greg Coolidge, Kirk Ward, Shawn Simmons e Ken Kristensen, e episódios dirigidos por Albert Hughes e Charlotte Brändström, a série é ambientada nos anos 1970, e mostra como Winston, que nasceu pobre e vivia nas ruas, se tornou o dono do Hotel Continental de Nova Iorque. Além de Colin Wodell como Winston, Ayomide Adegun como Charon, e Peter Greene como Charlie, a série traz Mel Gibson como Cormac O'Connor, gente do Continental que não é bem-visto pela Alta Cúpula e tem uma ligação com o passado de Winston; Ben Robson como o irmão mais velho de Winston, Frankie; Mishel Prada como a policial KD di Silva, que investiga atividades criminosas de Frankie; Hubert Point-Du Jour como Miles Burton, veterano da Guerra do Vietnã, filho de um assassino que trabalhava para a Alta Cúpula e amigo de Frankie; Jessica Allain como Lou, irmã de Miles, que desconhece o passado do pai, acha que ele era apenas um professor de caratê, e luta para manter seu dojo em Chinatown; Nhung Kate como Yen, esposa de Frankie, que ele conheceu no Vietnã na época da guerra; Jeremy Bobb como Mayhew, parceiro corrupto de KD; Adam Shapiro como Lemmy, amigo de Miles envolvido em atividades criminosas; Katie McGrath como uma Juíza da Alta Cúpula; Ray McKinnon como Gene Jenkins, assassino amigo de Miles que já está em idade avançada e tendo problemas de visão; Zainab Jah como Mazie, antecessora do Rei no controle do submundo de Nova Iorque dissociado da Alta Cúpula; Dan Li como o Mestre dos Órfãos, que quer controlar Chinatown e vê o dojo de Lou como um entrave; e Mark Musashi e Marina Mazepa como "os gêmeos", assassinos enviados por Cormac para matar Frankie.

A ideia da série partiria de Stahelski e Kolstad, enquanto eles trabalhavam em John Wick 3; Stahelski planejava dirigir o primeiro episódio da série, e Kolstad queria que ela contasse a origem de diversos personagens dos três primeiros filmes. A Lionsgate daria luz verde para o projeto ainda em 2017, e negociaria a exibição da série, que inicialmente teria dez episódios, no canal a cabo Starz. Stahelski e Kolstad pediriam para que a produção só começasse após a estreia de John Wick 3, mas aí veio a Pandemia e várias coisas mudaram, inclusive com ambos decidindo se desligar do projeto. A Lionsgate decidiria levar a série adiante mesmo assim, e ouviria ideias de vários roteiristas, gostando mais da apresentação de Coolidge, Ward e Simmons, cuja história era centrada em Winston, e tinha como personagens dos filmes apenas ele e Charon, com todos os demais sendo novos (e Charlie sendo adicionado depois como uma participação especial). Ao saber que a série havia entrado em produção, a Amazon procuraria a Lionsgate e faria uma proposta para que ela estreasse exclusivamente no Prime Video, mas o estúdio preferiria um contrato que previa a exibição no Peacock nos Estados Unidos e no Prime Video no restante do mundo; após optar pelo streaming, a Lionsgate decidiria reformular a série para três episódios longos ao invés de dez mais curtos.

A série seria integralmente filmada em Budapeste, Hungria, com uma réplica da fachada do Hotel Continental sendo construída em estúdio. A crítica ficaria dividida, com a maioria concordando que a série despertaria mais interesse nos fãs interessados em saber mais sobre o passado do universo de John Wick. A principal reclamação do público seria de que a história era longa demais para um filme, mas curta demais para uma série, e que, no geral, O Continental se parecia mais com uma trilogia de filmes feitos para a TV do que com uma série nos moldes vistos hoje no streaming.

O próximo projeto do "Wickverso" é o filme Ballerina, previsto para estrear em 2025 - inicialmente a previsão era junho desse ano, mas, em fevereiro, ocorreria um adiamento para filmagem de cenas adicionais. Ambientado entre John Wick 3 e John Wick 4, o filme tem como protagonista a assassina Rooney, interpretada em John Wick 3 pela bailarina profissional Unity Phelan, mas que em Ballerina será interpretada por Ana de Armas; a história é bem clichê: após ter sua família assassinada, Rooney decide ir em busca de vingança. Hatten escreveria o roteiro em 2017; a Lionsgate ficaria sabendo, o compraria e pediria para que ele fizesse alterações para que o filme fosse ambientado no mesmo universo de John Wick, contratando-o depois para reescrever o roteiro de John Wick 3 e incluir Rooney no filme. Atualmente em pós-produção, o filme foi produzido por Iwanyk, Lee e Stahelski, mesmo trio dos últimos filmes de Wick, e dirigido por Len Wiseman, de Anjos da Noite; no elenco, além de Ana de Armas, estão Huston, Reeves, McShane e Reddick, todos repetindo seus papéis dos filmes de Wick (Reddick em seu último papel antes de sua morte), mais Catalina Sandino Moreno, Norman Reedus e Gabriel Byrne, que faz o antagonista.

Além do quinto John Wick, prováveis projetos futuros incluem uma nova série de TV, criada por Stahelski e centrada em personagens secundários, sem a presença de Wick; um filme estrelado por Sofia Al-Azwar; uma continuação de John Wick 4 centrada na rivalidade entre Akira e Caine; um filme que contaria as origens do Rei, como surgiu sua organização e como ele assumiu o lugar de Mazie; e até mesmo uma continuação de Ballerina, para a qual Ana de Armas já teria assinado contrato. Leitch já declarou em entrevistas que Atômica também é ambientado no mesmo universo de John Wick - embora isso nunca tenha sido oficialmente estabelecido - e que teria interesse em dirigir em um crossover ambientado entre Atômica (que é ambientado na década de 1980) e o primeiro John Wick, que reuniria um jovem John Wick a uma Lorraine Broughton (protagonista de Atômica, lá interpretada por Charlize Theron) um pouco mais velha. Kolstad também já declararia que Ninguém também é ambientado no mesmo universo de John Wick, dando como prova o fato de que em uma cena do filme aparecem barras de ouro com o mesmo símbolo usado pelo Hotel Continental, e que gostaria que fosse produzido um crossover no qual John Wick trabalhasse junto com Hutch Mansell (protagonista de Ninguém, interpretado por Bob Odenkirk).
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sábado, 9 de março de 2024

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Shang-Chi

Semana passada, em mais um post da série sobre o Universo Cinematográfico Marvel, eu falei sobre o filme do Shang-Chi. Confesso que só conheci Shang-Chi através do card game OverPower, e nunca tinha lido uma história dele até a Editora Salvat lançar uma coleção de encadernados, cada um centrado em um herói Marvel, que vendia no jornaleiro e cujo volume dedicado a Shang-Chi foi um dos últimos, então não tenho como dizer se gosto ou não das aventuras do personagem, mas, escrevendo sobre o filme, eu concluí que ele seria um bom assunto para um post porque tem aquilo que eu acho essencial para me motivar a escrever um: uma boa história. Essa história já foi resumida em um parágrafo semana passada, mas agora ela será vista em mais detalhes. Hoje é dia de Shang-Chi no átomo!

Assim como o Punho de Ferro, Shang-Chi foi um personagem criado sob medida para pegar carona na "febre do kung fu", que assolou os Estados Unidos na década de 1970, durante a qual tudo o que tinha a ver com artes marciais em geral se tornava extremamente popular. A história de Shang-Chi começaria em 1973, não na Marvel, mas na DC, que na época já era controlada pela Warner, que produzia um dos maiores catalisadores dessa febre, o seriado Kung Fu, estrelado por David Carradine, que havia estreado no ano anterior. Na época, era comum que filmes e seriados de sucesso ganhassem versões em quadrinhos, de forma que o roteirista Steve Englehart e o desenhista Jim Starlin, que trabalhavam na DC, sugeriram uma versão em quadrinhos de Kung Fu - que, por já ser da Warner, não precisaria sequer ser licenciada. O editor da DC na época, Carmine Infantino, entretanto, achava que a febre do kung fu seria passageira, que logo ninguém mais iria querer saber de artes marciais, e que adaptar a série seria gastar dinheiro à toa, vetando o projeto.

Englehart e Starlin não sabiam, porém, que, no final de 1972, a Marvel, que publicava muito mais adaptações que a DC, já havia procurado o canal de TV ABC, que exibia Kung Fu, se dizendo interessada em publicar uma adaptação da série - que, no caso, foi vetada não pela ABC achar que o kung fu não tinha futuro, e sim porque quem produzia a série era a Warner, que não aceitou negociar a adaptação com a concorrente da DC. Não querendo perder o bonde do kung fu, a Marvel pesquisaria outros personagens relacionados ao tema, e acabaria negociando com o espólio do escritor Sax Rohmer os direitos para uma série em quadrinhos estrelada pelo personagem Fu Manchu.

Nascido Arthur Henry Ward em 15 de fevereiro de 1883 em Birmingham, Inglaterra, filho de irlandeses que trabalhavam no comércio, Sax Rohmer decidiria adotar esse pseudônimo ao começar a escrever profissionalmente, aos 20 anos, após tentar ser, sem sucesso, poeta, comediante e compositor de músicas para o teatro. Seus primeiros textos profissionais foram histórias de mistério publicadas em revistas, começando por The Mysterious Mummy, publicada em 1903 na Pearson's Weekly. Em 1911, ele escreveria a história The Zayat Kiss, publicada em outubro de 1912 na revista The Story-Teller, que seria a estreia de seu personagem mais famoso, Fu Manchu - que não era um herói, e sim o vilão da história. The Zayat Kiss seria tão bem-sucedida que Rohmer decidiria escrever oito outras histórias nas quais o antagonista era Fu Manchu, que, em 1913, seriam reunidas e editadas para formar o livro The Mystery of Dr. Fu-Manchu, no qual o detetive Sir Denis Nayland Smith, da Scotland Yard, nascido na Birmânia, e o cientista Dr. James Petrie descobrem que um grupo de britânicos com ligações com a Índia está marcado para morrer pela organização comandada por Fu Manchu, e tenta impedir seus assassinatos.

Nascido na China mas residente na Inglaterra, Fu Manchu tem por volta de 70 anos e é extremamente inteligente, possuindo três doutorados: um em filosofia pela Universidade de Edimburgo, um em direito pela Sorbonne, e um em medicina por Harvard. Infelizmente, ele decidiria usar esses talentos para o mal, criando um império criminoso que destrói todos aqueles que tentam enfrentá-lo e desafiando a Scotland Yard com seus intrincados crimes que nunca usavam armas de fogo ou explosivos, preferindo métodos como venenos, animais perigosos ou bactérias mortais. A descrição da aparência de Fu Manchu incluía robes coloridos, um pequeno chapéu preto, longos cabelos presos em um coque e um longo bigode logo apelidado de "bigode Fu Manchu", e durante muito tempo seria usada como o estereótipo para qualquer personagem chinês da ficção; o vilão também seria o molde para praticamente todos os gênios do crime e cientistas loucos das décadas seguintes, incluindo Ernst Stavro Blofeld, arqui-inimigo de James Bond, já que Fu Manchu era o líder da organização criminosa internacional Si-Fan, na qual a SPECTRE seria baseada.

The Mystery of Dr. Fu-Manchu seria um gigantesco sucesso, que levaria Rohmer a escrever uma trilogia, composta também por The Devil Doctor, de 1916 (The Return of Dr. Fu-Manchu nos Estados Unidos), e The Si-Fan Mysteries, de 1917 (The Hand of Fu-Manchu nos Estados Unidos, onde o primeiro livro se chamava The Insidious Dr. Fu-Manchu). Depois disso, Rohmer decidiria investir em histórias de outros personagens, como os detetives Paul Harley, Gaston Max, Red Kerry e Morris Klaw - esse último ligado ao ocultismo - abandonando Fu Manchu por um tempo. Na década de 1920, entretanto, Fu Manchu experimentaria um surto de popularidade quando The Mystery of Dr. Fu Manchu seria adaptado para um seriado de 15 episódios de 20 minutos cada, estrelado por Harry Agar Lyons, exibido nos cinemas em 1923, cujo sucesso levaria a outro seriado, de mais oito episódios, chamado The Further Mysteries of Dr. Fu Manchu, exibido nos cinemas em 1924, e ao primeiro filme de Hollywood com o personagem, The Mysterious Dr. Fu Manchu, de 1929, produzido pela Paramount e estrelado por Warner Oland, que era escocês, mas mais tarde ficaria famoso por interpretar outro personagem chinês, Charlie Chan.

Diante do sucesso nos cinemas, Rohmer decidiria escrever Daughter of Fu Manchu (a partir do qual, assim como havia sido feito no cinema, o nome do personagem passaria a ser escrito oficialmente sem hífen), publicado em 1931, no qual introduziria Fah Lo Suee, filha de Fu Manchu com uma espiã russa e líder de sua própria célula da Si-Fan. Retomando a série, Rohmer escreveria The Mask of Fu Manchu (1932), The Bride of Fu Manchu (1933), The Trail of Fu Manchu (1934), President Fu Manchu (1936), The Drums of Fu Manchu (1939), The Island of Fu Manchu (1941), Shadow of Fu Manchu (1948), Re-Enter Dr. Fu Manchu (1957) e Emperor Fu Manchu (1959), último publicado antes de sua morte, em 1 de junho de 1959; em 1973, seria publicado The Wrath of Fu Manchu, uma coletânea de três contos e uma novela originalmente publicados em revistas, fechando a série em 14 livros.

A publicação de The Wrath of Fu Manchu ocorreria devido a um segundo surto de popularidade do personagem, mais uma vez causado pelo cinema, graças à estreia de uma série de filmes produzidos por Harry Alan Towers, nos quais Christopher Lee interpretava Fu Manchu. Ao todo, seriam produzidos cinco filmes de grande sucesso entre 1965 e 1969, o primeiro muito aguardado por ser a primeira aparição do personagem nos cinemas desde o controverso A Máscara de Fu Manchu, de 1932, no qual o vilão foi interpretado por Boris Karloff, que acabaria sendo considerado racista e ofensivo pelo governo chinês. Exceto por O Diabólico Dr. Fu Manchu, filme de comédia de 1980 no qual Peter Sellers interpreta tanto Fu Manchu quanto Sir Denis Nayland Smith, os cinco filmes de Towers seriam a última aparição de Fu Manchu no cinema, e principais responsáveis pela Marvel decidir licenciar o personagem.

Pois bem, a Marvel havia comprado os direitos de adaptação de Fu Manchu, mas não tinha muito o que fazer com ele, já que ele era um supervilão que não combinava com seus super-heróis, e, ainda por cima, não lutava kung fu, que era o que a Marvel estava querendo. Após verem sua ideia recusada pela DC, contudo, Englehart e Starlin decidiriam conversar com Roy Thomas, seu amigo de quando trabalhavam na Marvel, e que, então, ocupava o cargo de editor, sobre a possibilidade de criarem um personagem que lutava kung fu, mesmo que não fosse baseado no de Carradine, para estrelar uma revista da Marvel. Thomas veria aí uma oportunidade, e perguntaria se Englehart e Starlin não gostariam de assumir a revista que adaptaria Fu Manchu, criando um herói que não desvendasse seus crimes através de investigação, e sim o confrontasse diretamente, lutando kung fu. Os dois aceitariam, e criariam o personagem Shang-Chi.

Originalmente, Shang-Chi era filho de Fu Manchu (e meio-irmão de Fah Lo Suee), nascido no interior da China e treinado desde a mais tenra infância para se tornar o maior artista marcial do mundo; seu pai raramente acompanhava esses treinamentos pessoalmente, porém, deixando o menino com vários tutores. O intuito de Fu Manchu era fazer do filho seu braço-direito e principal assassino, mas, após um encontro com o arqui-inimigo do pai, Sir Denis Nayland Smith, durante sua primeira missão (que era nada menos que matar o Dr. Petrie), Shang-Chi, que até então acreditava ser filho de um humanitário, descobre a verdade sobre a Si-Fan, decidindo fugir e passar a combater as atividades criminosas do pai, jurando acabar com seu império ao invés de assumi-lo.

Shang-Chi faria sua estreia na revista Special Marvel Edition número 15, de dezembro de 1973, que trazia o subtítulo The Hands of Shang-Chi, Master of Kung Fu. Uma das muitas revistas Marvel sem periodicidade definida (com uma nova edição indo às bancas basicamente toda vez que a Marvel tinha vontade) que traziam histórias de personagens sem títulos próprios na época, a Special Marvel Edition seria lançada em janeiro de 1971 com histórias do Thor, passando, na edição 5, de julho de 1972, a trazer histórias do Sargento Fury (as aventuras de Nick Fury durante a Segunda Guerra Mundial), que seria a estrela da revista até Shang-Chi assumir; as vendas das edições 15 e 16 seriam tão boas, porém, que, a partir da 17, de abril de 1974, mantendo a numeração, a Marvel mudaria o nome da revista para Master of Kung Fu, tornando-a bimestral - e as vendas continuariam tão boas que, a partir da 19, de agosto de 1974, a revista passaria a ser mensal. Um sucesso de público e crítica, Master of Kung Fu teria ao todo 109 edições, com a última sendo a 125, de junho de 1983, mais quatro edições especiais, chamadas Giant-Size Master of Kung Fu, lançadas entre setembro de 1974 e junho de 1975, e uma Master of Kung Fu Annual, de abril de 1976, na qual Shang-Chi fazia dupla com o Punho de Ferro.

Englehart e Starlin, porém, não acompanhariam sua criação; o desenhista seria substituído já na edição 17 por Paul Gulacy, que decidiria modelar a aparência de Shang-Chi na do então recém-falecido ator Bruce Lee, enquanto o roteirista seria substituído na edição 20 por Doug Moench, que, picaretamente, criaria o personagem Lu Sun, cuja aparência era modelada na de Carradine, e cuja história tinha mais do que uma coincidental semelhança com a do protagonista de Kung Fu, Kwai Chang Caine; percebendo o que Moench pretendia, e com medo de tomar um processo, Thomas pediria que Gulacy desenhasse um bigode em Lu Sun, e que Moench evitasse usar o personagem a menos que fosse "absolutamente necessário".

Além de continuar usando Fu Manchu, Nayland Smith, Fah Lo Suee e o Dr. Petrie, Moench também criaria outros personagens importantíssimos para as histórias de Shang-Chi, como seu irmão adotivo M'Nai, codinome Meia-Noite, enviado por Fu Manchu para matá-lo; os agentes do MI-6 Black Jack Tarr, que originalmente tem a missão de prender Shang-Chi, mas, após vários encontros, se convence de que ele está do lado do bem e o convida para se unir à organização, e Clive Reston, baseado no personagem Roper, de Operação Dragão; e o interesse amoroso de Shang-Chi, a também agente do MI-6 Leiko Wu, filha de um chinês com uma britânica. Mais adiante na série, Shang-Chi, Nayland Smith, Tarr, Reston, Wu e o Dr. Petrie decidiriam fundar uma agência de detetives chamada Freelance Restorations, sediada na Escócia.

Embora fizesse participações eventuais em revistas como Marvel Team-Up e Marvel Two-in-One, a maior parte das histórias de Shang-Chi era separada do restante da continuidade do Universo Marvel, e trazia a Freelance Restorations em missões para tentar acabar com o império de crimes de Fu Manchu, normalmente entrando em ação após saber de algum plano do vilão; Fah Lo Suee, que era chefe de sua própria facção da Si-Fan, também planejava destronar o pai, mas para assumir seu lugar, sendo uma espécie de rival amistosa de Shang-Chi, ajudando-o em suas missões somente até o ponto que não atrapalharia seus próprios objetivos. Moench conseguiria a proeza de se manter roteirista até a edição 122, quando as vendas já estavam baixas e a febre do kung fu parecia ter passado; para encerrar a história, a Marvel chamaria Alan Zelenetz, que faria com que Shang-Chi matasse Fu Manchu, mas, consumido pelo remorso, se aposentasse de sua carreira de herói e fosse ser pescador no interior da China.

Enquanto Shang-Chi estava na crista da onda, ele ganharia uma segunda revista, The Deadly Hands of Kung Fu. Assim como a famosa The Savage Sword of Conan, The Deadly Hands of Kung Fu era uma revista "para adultos", em formato maior, em preto e branco, e trazendo, além das histórias em quadrinhos, matérias sobre artes marciais, resenhas de filmes e até mesmo uma seção de classificados, através da qual artistas marciais amadores podiam entrar em contato uns com os outros. Além das histórias de Shang-Chi todos os meses, The Deadly Hands of Kung Fu trazia, em edições alternadas, histórias do Punho de Ferro, do novo personagem Tigre Branco (criado para ela e mais tarde incorporado ao Universo Marvel), das Filhas do Dragão (Colleen Wing, das histórias do Punho de Ferro, e Misty Knight, das histórias de Luke Cage, agindo em dupla em histórias recheadas de sensualidade e artes marciais) e dos Filhos do Tigre (um grupo de artistas marciais que depois nunca mais deu as caras). Algumas histórias também foram criadas especialmente para uma única edição, a mais famosa sendo Sword Quest, que acompanhava um samurai no Japão Feudal, escrita e ilustrada por Sanho Kim, primeiro autor de mangá a ser publicado de forma regular nos Estados Unidos. Curiosamente, algumas dessas "histórias únicas" eram protagonizadas por Bruce Lee, com a da edição 26 trazendo uma biografia do ator em quadrinhos. Ao todo, The Deadly Hands of Kung Fu teve 33 edições publicadas entre abril de 1974 e fevereiro de 1977, mais uma edição anual, de junho de 1974.

Cinco anos após a aposentadoria de Shang-Chi, Moench procuraria a Marvel e se ofereceria para trazer de volta o personagem, em um contexto dissociado de Fu Manchu, de quem a Marvel já não tinha mais os direitos, e mais integrado ao Universo Marvel. Ao invés de lançar o personagem em uma nova revista, a Marvel dividiria a história de Moench, ilustrada por Dave Cockrum, em oito partes, e a colocaria nas oito primeiras edições, lançadas de setembro a dezembro de 1988, da Marvel Comics Presents, revista semanal que trazia entre seis e oito histórias curtas por edição, com a principal sendo do Wolverine. A história seria bem recebida, e a Marvel começaria a trabalhar em uma nova série de Shang-Chi, com roteiros de Moench e arte dos irmãos Dan e David Day; sucessivos atrasos na produção, porém, fariam com que a Marvel acabasse transformando essa nova série em uma edição especial de 80 páginas, lançada com o nome de The Return of Shang-Chi, Master of Kung Fu (apelidada Master of Kung Fu: Bleeding Black, o nome da história que ela trazia), em fevereiro de 1991. No ano seguinte, em outubro de 1992, seria a vez de Shang-Chi fazer dupla com o Cavaleiro da Lua em outra edição especial escrita por Moench, Moon Knight Special, com arte de Marie Severin.

Em 1995, com o sucesso dos filmes do diretor John Woo, o então editor da Marvel, Tom DeFalco, conversaria com Moench sobre a possibilidade de ele criar uma série na qual Shang-Chi resolvia seus problemas com tiros ao invés de com artes marciais. Moench não se sentiu atraído pela premissa, e DeFalco chamou o roteirista Dwayne McDuffie, que começou a trabalhar no roteiro da primeira edição. DeFalco deixaria a Marvel no final daquele ano, mas o projeto seguiria em andamento, capitaneado por Mark Gruenwald, que faleceria em 1996. Após o falecimento de Gruenwald, McDuffie seria comunicado de que o projeto seria engavetado.

A tentativa seguinte de trazer Shang-Chi de volta para o Universo Marvel viria com uma história em três partes nas edições 514, 515 e 516 da revista Journey Into Mystery, publicadas entre novembro de 1997 e janeiro de 1998, com roteiro de Ben Raab e arte de Brian Hagan, que trazia um Shang-Chi praticamente clone de Bruce Lee lutando contra criminosos nas ruas de Hong Kong. O intuito era que essa história desse origem a uma nova série do personagem, mas, como foi um fracasso, a série também seria cancelada. Não querendo desistir do personagem tão facilmente dessa vez, a Marvel decidiria colocá-lo como um dos personagens regulares da revista Marvel Knights, dedicada aos "heróis urbanos" da editora, como Demolidor, Punho de Ferro e Luke Cage, que teria 15 edições publicadas entre julho de 2000 e setembro de 2001.

No ano seguinte, se aproveitando de seu novo selo MAX, a Marvel apostaria em uma nova história aos moldes das apresentadas na The Deadly Hands of Kung Fu, cheia de violência e sensualidade, na qual Shang-Chi é chamado por Reston para ajudá-lo a encontrar um traficante conhecido apenas como Saint German, que teria sequestrado Wu. Com roteiro de Moench e arte de Gullacy, seria lançada uma minissérie novamente chamada Master of Kung Fu, com seis edições, entre novembro de 2002 e abril de 2003, que finalmente seria um sucesso, embora nem perto do obtido pela série original. Mais uma vez, o intuito era que uma nova série mensal de Shang-Chi a seguisse, mas problemas operacionais fizeram com que ela fosse sendo adiada indefinidamente; o retorno de Shang-Chi ocorreria apenas em outubro de 2006, durante os eventos da saga Guerra Civil, como parte da equipe Heróis de Aluguel, na segunda versão da revista Heroes for Hire, que teve 15 edições publicadas entre outubro de 2006 e dezembro de 2007. Em 2009, seria lançada uma edição especial chamada Shang-Chi: Master of Kung Fu, com quatro histórias protagonizadas pelo personagem em preto e branco e com a participação especial de Deadpool.

A reinserção definitiva de Shang-Chi no Universo Marvel começaria no ano seguinte, 2010, não com uma revista própria, mas quando Ed Brubaker colocou o personagem como um dos membros dos Vingadores Secretos, na revista Secret Avengers número 6, de dezembro daquele ano. Seria Brubaker o responsável pelo retcon que dissociaria Shang-Chi definitivamente de Fu Manchu, revelando que seu pai era na verdade o feiticeiro chinês Zheng Zu, que tinha mais de mil anos de idade e conhecia o segredo da imortalidade, líder da organização criminosa internacional Sociedade das Cinco Armas. Inicialmente, Zheng Zu, no início do século XX, tinha adotado a alcunha de Fu Manchu e usado o nome Si-Fan para manter suas verdadeiras operações em segredo, mas, em 2013, em um novo retcon que visava eliminar qualquer referência aos personagens de Rohmer, ficaria estabelecido que, no Universo Marvel, eram Zheng Zu e a Sociedade das Cinco Armas desde o início. Também em 2013, na revista The Fearless Defenders 8, de outubro, o roteirista Cullen Bunn traria de volta a meio-irmã de Shang-Chi, que, assim como Fah Lo Suee, era filha de seu pai com uma espiã russa, liderava uma célula da organização criminosa e queria derrotá-lo para assumir seu lugar, mas agora se chamava Zheng Bao Yu. Smith e Petrie não apareceriam mais após o retcon de 2010.

Também em 2013, Shang-Chi seria incorporado à equipe principal dos Vingadores, se tornando um dos astros da nova edição da revista Avengers lançada naquele ano. Em 2014, ele ganharia uma nova minissérie, em quatro edições lançadas entre julho e outubro, novamente com o nome de Deadly Hands of Kung Fu, com roteiro de Mike Benson e arte de Tan Eng Huat, que mais uma vez o fez parecido com Bruce Lee, na qual ele tem de desvendar o suposto assassinato de Wu. Em 2015, seria lançada uma nova minissérie chamada Master of Kung Fu, parte da saga Guerras Secretas, mais uma vez com quatro edições publicadas entre julho e outubro, com roteiro de W. Haden Blackman e arte de Dalbor Talajic, na qual Shang-Chi decide tentar derrubar o Imperador de K'un-Lun.

Em 2017, a revista Master of Kung Fu original ganharia uma edição 126, escrita pelo lutador de MMA CM Punk e ilustrada por Talajic. A intenção seria lançar, no ano seguinte, uma nova revista continuando a numeração, mas sucessivos atrasos, incluindo o causado pela Pandemia, fariam com que a nova revista fosse lançada apenas em novembro de 2020, com numeração recomeçando do 1 e, pela primeira vez, com o título Shang-Chi. Com roteiro do descendente de chineses Gene Luen Yang e arte de Dike Ruan e Philip Tan, a nova série acabaria sendo uma minissérie em cinco edições, a última lançada em março de 2021, e trazia Shang-Chi aceitando ocupar o lugar de seu falecido pai na Sociedade das Cinco Armas e tendo de lidar com vários fantasmas de seu passado. Ela seria seguida por um especial, chamado The Legend of Shang-Chi, com roteiro de Alyssa Wong e arte de Andie Tong, lançado em abril de 2021.

A minissérie seria um sucesso, e Yang e Ruan seriam mantidos para uma nova série regular chamada Shang-Chi, que continuava sua história, lançada em julho de 2021. Por decisões editoriais, essa nova série teria apenas 12 edições, a última de julho de 2022, sendo substituída em setembro de 2022 por Shang-Chi and the Ten Rings, ainda com roteiro de Yang, mas com arte de Marcus To. Mais uma vez continuando a história de onde ela havia parado, Shang-Chi and the Ten Rings acabaria tendo apenas seis edições, a última de fevereiro de 2023. Para que a história não ficasse sem conclusão, no mês seguinte seria lançada uma edição especial com roteiro de Yang e arte de Michael Yg, chamada Shang-Chi: Master of the Ten Rings. Atualmente, Shang-Chi faz parte da equipe dos Thunderbolts, com sua presença sendo justificada pelos roteiristas Collin Kelly e Jackson Lanzing pelo "passado de espionagem" do personagem em sua revista original.

Tradicionalmente, Shang-Chi nunca teve superpoderes; toda sua habilidade vem de seu intenso treinamento, que o transformou no maior artista marcial do mundo - a coisa mais próxima que ele tem de um superpoder é que, graças a seu domínio completo sobre o chi, ele consegue realizar breves proezas sobre-humanas, que incluem sentir o chi de outros seres vivos para identificar oponentes invisíveis ou mascarados psionicamente. Quanto mais Shang-Chi era integrado ao Universo Marvel, entretanto, mais ele precisaria de verdadeiros superpoderes, já que nem sempre era possível vencer um supervilão no braço; os dois métodos preferidos dos roteiristas eram dar a ele algum superpoder temporário, com a devida explicação - como durante a saga Ilha das Aranhas, na qual, assim como toda a população de Nova Iorque, ele ganhou os poderes do Homem-Aranha - ou fazer com que ele usasse armas místicas ou de tecnologia extremamente avançada, como um par de manoplas e nunchakus criados por Tony Stark, que canalizavam seu chi e ampliavam sua força, que ele usou enquanto fez parte da equipe dos Vingadores.

Recentemente, porém, de forma compreensível, o Shang-Chi dos quadrinhos vem ficando cada vez mais parecido com o do filme, tendo descoberto, por exemplo, que sua mãe, Jiang Li, é nativa do reino místico de Ta-Lo (criado por Mark Gruenwald, Ralph Macchio e Keith Pollard para uma história do Thor de 1980), o que lhe garante um elo psíquico com todos os seus parentes, vivos ou mortos, que permite que ele sempre saiba sua localização ou se eles estão em perigo. Em Shang-Chi and the Ten Rings, Shang-Chi também obteve o controle dos Dez Anéis, que lhe conferem força, velocidade, vigor e resistência sobre-humanos, além de permitirem que ele voe, e poderem ser controlados telepaticamente, podendo mudar de tamanho para serem usados como plataformas, projéteis, ou até mesmo para prender seus oponentes.
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sábado, 2 de março de 2024

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Universo Cinematográfico Marvel (X)

Hoje seguiremos falando sobre a Fase 4 do Universo Cinematográfico Marvel!

Viúva Negra
Black Widow
2021

Em fevereiro de 2004, motivada pelo sucesso de filmes como X-Men e Homem-Aranha, a Lionsgate negociaria com a Marvel os direitos para fazer um filme da Viúva Negra, e escolheria David Hayter, co-roteirista de X-Men 2 e Watchmen, para ser seu diretor e roteirista. O roteiro não agradaria, porém, e, em junho de 2006, a Lionsgate decidiria devolver os direitos do filme para a Marvel. Após a criação dos Marvel Studios, Hayter chegaria a negociar para que eles fizessem o filme, mas, segundo ele, ninguém na Marvel levava a personagem a sério.

Talvez para provar que Hayter estava errado, os Marvel Studios selecionariam a Viúva Negra como um dos heróis que faria parte da primeira formação dos Vingadores no cinema, mas, ao invés de dar a ela um filme próprio, decidiria introduzir a personagem em Homem de Ferro 2. A atriz preferida para o papel seria Emily Blunt, que não poderia aceitar por já estar filmando As Viagens de Gulliver; a segunda opção seria Scarlett Johansson, que assinaria contrato para atuar em cinco filmes. Homem de Ferro 2 seria lançado em abril de 2010, e, em setembro, Feige e Johansson começariam a conversar sobre um possível filme da Viúva Negra. Como isso não estava previsto no planejamento inicial das Fases 1 e 2, eles acabariam combinando que a aparição seguinte da personagem seria mesmo em Os Vingadores, e que, depois, ela teria um papel de destaque em Capitão América 2: O Soldado Invernal, antes de aparecer novamente como membro da equipe em Vingadores: Era de Ultron.

Segundo Johansson, após o lançamento de Era de Ultron, que foi seu quarto filme, a Marvel a procuraria e pediria para estender seu contrato, pois havia uma "demanda inesperada pela personagem", que ainda deveria aparecer em pelo menos três filmes; a atriz concordaria em estender por mais três, desde que houvesse a possibilidade de que um deles fosse o filma da Viúva Negra, que talvez estreasse ainda durante a Fase 3. Feige concordaria, principalmente por estar empolgado com as cenas do passado da personagem que apareceram em Era de Ultron, acreditando que poderia contar uma história interessante a partir delas.

O desenvolvimento do filme começaria em fevereiro de 2014, com Nicole Perlman, co-roteirista de Guardiões da Galáxia, escrevendo um roteiro preliminar; então, o filme seria ambientado antes mesmo de Homem de Ferro 2, focando no passado da Viúva Negra, em seu treinamento como agente da KGB e nos eventos que a levaram a desertar e se unir à S.H.I.E.L.D. Ao ficar sabendo do projeto, Hayter procuraria a Marvel e se ofereceria para trabalhar nele, assim como o diretor Neil Marshall, que se diria fã da personagem e se ofereceria para dirigi-lo; Joss Whedon, diretor de Os Vingadores e Era de Ultron, também declararia estar interessado no projeto, dizendo que essa seria a oportunidade de fazer um filme de espionagem ao estilo John le Carré. Mais de um ano se passaria sem que o filme entrasse em produção, porém, e, ao anunciar os projetos da Fase 3, dentre os quais não estava um filme da Viúva Negra, Feige declararia que ainda faltavam "uns quatro ou cinco anos" para que ele efetivamente saísse do papel, mas que a Marvel estava "criativamente e emocionalmente envolvida com o projeto".

Durante as filmagens de Guerra Infinita e Ultimato, ficaria oficialmente determinado que o filme da Viúva Negra seria o primeiro da Fase 4; Feige, então, se reuniria com Johansson e com as roteiristas Jac Schaeffer e Jessica Gao para discutir um possível enredo para o filme. O proposto por Gao começava com uma Natasha Romanova adolescente sendo plantada pela KGB em uma escola para assassinar um alvo, e, 20 anos depois, já adulta, participando de uma reunião da turma e tendo de lidar com as consequências de seus atos; o único porém foi que esse roteiro trazia a Mulher-Hulk, que tinha quase mais destaque no filme que a Viúva Negra, o que levou a cúpula dos Marvel Studios a desconfiar de que Gao, na verdade, estava tentando fazer um filme da Mulher-Hulk que tivesse a Viúva Negra como coadjuvante.

Schaeffer, que propôs que o filme fosse ambientado entre Guerra Civil e Guerra Infinita, época na qual a Viúva Negra estava pela primeira vez sozinha, sem estar ligada a uma organização como a KGB, a S.H.I.E.L.D. ou os Vingadores, agradaria mais, e seria contratada como roteirista em dezembro de 2017. Feige ficaria satisfeito pelo roteiro não ser uma "história de origem", algo do qual ele acredita que o público já está saturado, e garantiria que os flashbacks mostrados no filme seriam apenas para que o público pudesse compreender melhor a personagem, e não para mostrar como Natasha Romanova se tornou a Viúva Negra. Uma versão preliminar do roteiro trazia o Homem de Ferro e o Gavião Arqueiro, mas Feige pediria para que nenhum dos personagens antigos participasse da história, temendo que algum deles roubasse os holofotes.

Após contratar uma roteirista mulher, a Marvel decidiria contratar também uma diretora mulher, e faria uma lista de 65 possíveis candidatas, que incluía Deniz Gamze Ergüven, Chloé Zhao, Lynn Shelton e Lucrecia Martel - que recusou o convite dizendo que os filmes da Marvel eram "horríveis". Dentre as que aceitaram o convite estavam Amma Asante, Maggie Betts, Mélanie Laurent, Kimberly Peirce e Cate Shortland, a preferida de Johansson por causa de seu filme Lore, de 2012. Shortland declararia jamais ter assistido a um filme do MCU, e, após ser contratada, em julho de 2018, assistiria todos os filmes com a presença da Viúva Negra para saber como lidar com a personagem.

Ned Benson seria contratado em fevereiro de 2019 para reescrever partes do roteiro, que, segundo Feige, estava muito violento e correndo o risco de ser classificado como inapropriado para menores, mas o crédito de roteirista iria para Eric Pearson, que, a pedido da cúpula dos Marvel Studios, reescreveria completamente o roteiro durante a pré-produção, com Schaeffer e Benson recebendo apenas os créditos pela história. Pearson diria ter dificuldade para desenvolver a história sem contradizer o que havia acontecido nos filmes já lançados e ambientados depois dele, e deixaria um final aberto proposital, que não se encaixava diretamente com Guerra Infinita. Ele também faria questão de explicar o que teria sido a "situação com a filha de Dreykov" comentada por Natasha e Barton em Os Vingadores, algo que não constava do roteiro original, no qual o vilão principal era o Treinador; Pearson decidiria fazer de Dreykov o principal, e usar o Treinador como um vilão secundário. A única coisa que Pearson deixou inalterada foi o início do filme, ambientado nos Estados Unidos na década de 1990, durante a infância de Natasha; a ideia de fazer dos quatro personagens principais uma família viria de Johansson, que, durante uma reunião com Shortland, diria querer que o passado da Viúva Negra tivesse uma história semelhante ao da série The Americans, para justificar sua deserção.

Assim, o filme começa mostrando a infância de Natasha e de sua irmã adotiva, Yelena Belova, criadas por um casal de espiões soviéticos no interior dos Estados Unidos, e depois corta para após os eventos de Guerra Civil, com Natasha sendo considerada uma fugitiva e procurada pela equipe do Secretário Ross. Após ser atacada por um inimigo desconhecido, ela encontra Belova pela primeira vez após sua deserção, e descobre que a irmã tem informações sobre um plano da Sala Vermelha, organização que criou as Viúvas Negras, que Natasha acreditava ter desmantelado antes de desertar. Para pôr fim a esse plano, elas precisarão reencontrar seus pais adotivos, que estão na Rússia - o pai preso, a mãe em local secreto.

O elenco conta com Scarlett Johansson como Natasha Romanova / Viúva Negra; Florence Pugh como Yelena Belova; David Harbour (de Stranger Things) como Alexei Shostakov / Guardião Vermelho, o "Capitão América soviético", que passou por um projeto científico para ganhar força e resistência sobre-humanas, mas acabou fazendo o papel de pai em uma missão secreta, se tornando um homem ressentido por ter sido mal aproveitado ao longo de sua carreira, que vê na missão de Natasha e Belova uma chance de voltar à melhor época de sua vida; Rachel Weisz como Melina Vostokoff, cientista russa que fazia o papel de mãe de Natasha e Belova na missão nos Estados Unidos, ela mesma também uma Viúva Negra; O-T Fagbenle como Rick Mason, fornecedor de armas para Natasha, que no passado teve um romance com ela; Olga Kurylenko como o Treinador, vilão meio robótico que tem a capacidade de copiar qualquer movimento de luta que usem contra ele; William Hurt como Thaddeus Ross, Secretário de Estado dos Estados Unidos que tenta localizar Natasha para prendê-la por violação do Tratado de Sokóvia; e Ray Winstone como Dreykov, general russo responsável pela Sala Vermelha e ligado a um segredo terrível do passado de Natasha. Liani Samuel, Michelle Lee, Nanna Blondell e Jade Xu interpretam outras Viúvas Negras, enquanto Julia Louis-Dreyfus interpreta Valentina Allegra de Fontaine na cena pós-créditos.

As filmagens começariam em maio de 2019, e ocorreriam principalmente em Atlanta, nos estúdios preferidos da Marvel; cenas adicionais de estúdio seriam gravadas em Londres, e as cenas ambientadas na Rússia seriam na verdade filmadas em Surrey, no interior da Inglaterra - já as cenas ambientadas em Budapeste e na Noruega seriam filmadas lá mesmo. Os efeitos especiais ficariam a cargo das empresas Cinesite, Digital Domain, Industrial Light & Magic, Mammal Studios, SSVFX, Scanline VFX, Trixter e Weta FX; a cena mais trabalhosa foi a da destruição da Sala Vermelha, que combinou efeitos de computação a efeitos tradicionais, com os atores tendo de filmar suspensos por cabos e braços mecânicos em um túnel de vento em frente a um chroma key. O cenário da prisão de onde Shostakov é resgatado foi totalmente feito por computação gráfica, incluindo o helicóptero, as montanhas e a avalanche, com todas as cenas do resgate sendo filmadas em estúdio. Vale citar também que Viúva Negra é um dos raros filmes do MCU a trazer créditos de abertura - tendo sido o quinto, após O Incrível Hulk, Homem de Ferro 2, Guardiões da Galáxia e Guardiões da Galáxia Vol. 2. A decisão partiu de Shortland, que quis aproveitar a sequência de abertura para mostrar as atrocidades cometidas por Dreykov. As cenas da abertura seriam alteradas digitalmente para parecer que foram filmadas em 8 mm e VHS.

A data de estreia inicialmente prevista para o filme seria 1o de maio de 2020, e a pós-produção já estava concluida quando começou a quarentena da pandemia, que levou ao fechamento de todos os cinemas. Após sucessivos adiamentos, Viúva Negra finalmente estrearia em 29 de junho de 2021, mais de um ano depois. Segundo Shortland, nenhuma mudança foi feita no filme da data de sua conclusão até sua data de estreia, mas a cena pós-créditos acabou ressignificada: originalmente, ela seria a estreia de Valentina no MCU, mas, como Falcão e o Soldado Invernal acabaria estreando antes, ela passaria a ser a segunda aparição da personagem - segundo Feige, essa seria a única mudança causada na continuidade do MCU pela pandemia. Também vale citar que essa cena não estava originalmente prevista no roteiro, e seria incluída após Jonathan Igla pedir a Feige que Belova estivesse na série Gavião Arqueiro; como essa participação foi de certa forma mantida em segredo, Pearson escreveria a cena sem saber quem era o alvo que Valentina determina para Belova.

Com orçamento de 288,5 milhões de dólares, Viúva Negra renderia 183 milhões nos Estados Unidos e quase 380 milhões no mundo inteiro, mais 67 milhões do Premier Access do Disney+. A crítica seria bastante positiva, elogiando principalmente as atuações de Johansson, Pugh e a química entre as duas - que inseriam um monte de cacos no roteiro; a cena em que Belova critica a "pose de heroína" de Natasha não estava prevista e surgiu após um comentário de Pugh, em tom de brincadeira, de que Johansson ficava ridícula nessa pose, feito durante um dos intervalos das gravações. Houve, porém, quem criticasse pesadamente o filme, considerando-o vazio, um caça-níqueis ou uma compensação pela saída de Natasha do MCU - alguns críticos acharam que o filme veio "tarde demais", e teria feito mais sentido se lançado antes de Guerra Infinita.

Viúva Negra estrearia simultaneamente nos cinemas e no Disney+, através de um serviço chamado Premier Access, pelo qual os assinantes teriam de pagar 29,99 dólares adicionais - durante os sucessivos adiamentos, inclusive, houve conversas para que ele fosse lançado exclusivamente no Disney+ ainda em 2020, com Johansson sendo veementemente contra. Mesmo com o lançamento simultâneo, a atriz decidiria processar a Disney, alegando que seu contrato previa "lançamento exclusivo nos cinemas"; esse contrato estipulava que ela receberia parte da bilheteria, que seria diminuída pelo lançamento no Disney+, com o valor pago pelo Premier Access não sendo considerado bilheteria - ou seja, o lucro da Disney aumentaria, enquanto seu pagamento diminuiria. A Disney responderia dizendo que Johansson era "insensível à tragédia da pandemia" e divulgando que ela já havia recebido 20 milhões de dólares pelo filme, o que pegaria muito mal - Johansson se diria chocada, Feige se diria envergonhado, e até mesmo o CEO da Disney, Bob Iger, se diria "mortificado" com a resposta. No fim, como de costume, o caso seria resolvido fora dos tribunais, com Johansson recebendo um valor não revelado, mas estimado na casa dos 40 milhões de dólares, e prometendo nunca mais trabalhar para a Disney - que, por sua vez, não lançaria mais nenhum filme simultaneamente nos cinemas e no Disney+.

What If...?
1ª temporada
2021

Para quem não sabe, e não leu meu post sobre o assunto, What If...? (que pode ser traduzido para o português como "o que aconteceria se...?") foi uma revista lançada pela Marvel na década de 1970, que, em cada edição, mostrava como seria o Universo Marvel se um elemento-chave de uma de suas histórias tivesse ocorrido de maneira diferente. Desde que foi concluído o primeiro filme dos Vingadores, lá em 2012, a cúpula dos Marvel Studios gostava de brincar de What If...?, tentando imaginar como seria o MCU caso algumas situações mostradas nos filme fossem diferentes. Um dos executivos, Brad Winderbaum, era partidário de que a Marvel Television deveria produzir ou co-produzir uma série na qual cada episódio mostrasse um acontecimento dos filmes com um desfecho diferente, mas esse era considerado um projeto caríssimo, principalmente por causa do elenco, e, como já estava planejado que os (então) três filmes dos Vingadores comporiam a chamada Saga do Infinito, decidiria ele mesmo colocar o projeto em espera até a conclusão da Fase 3, para que houvesse mais histórias e situações com as quais eles pudessem trabalhar.

Não foi surpresa, portanto, quando What If...? foi uma das primeiras séries a serem discutidas na reunião que decidiu que os Marvel Studios produziriam séries de TV para o Disney+, lá em 2018. Após decidir que Winderbaum seria o executivo encarregado do projeto, e que Feige seria o produtor da série, o executivo Jonathan Schwartz indicaria a roteirista A.C. Bradley, que ele havia entrevistado quando estava sendo procurada uma roteirista para Capitã Marvel, para ser a showrunner. Bradley há muito tempo queria a oportunidade de "contar uma história ao estilo Marvel", e ficaria empolgadíssima com What If...? porque poderia contar "não uma, mas várias histórias". A cúpula dos Marvel Studios entrevistaria Bradley já em outubro de 2018, e ficaria muito impressionada com suas ideias para o projeto, contratando-a imediatamente. Paralelamente a essa entrevista, Winderbaum se reuniria com Bryan Andrews, responsável pelos storyboards de vários filmes do MCU, por achar que ele seria o mais indicado para diretor da série, já que conhecia a continuidade como ninguém. Andrews também ficaria bastante empolgado com o projeto, e aceitaria sem pensar duas vezes.

A série seria oficialmente anunciada em abril de 2019, com Bradley e Andrews sendo anunciados em agosto. Segundo Winderbaum, todos os eventos mostrados nos episódios seriam canônicos, cada um ocorrendo dentro de um universo específico no Multiverso do MCU, o que, na prática, significava que as versões dos personagens mostradas em What If...? poderiam aparecer futuramente em outros filmes ou séries do MCU; ainda segundo ele, a série foi planejada para estrear somente depois de Loki, onde ficaria estabelecido que o Multiverso e as versões variantes dos personagens existem no MCU. Durante a pré-produção, a equipe responsável por What If...? se reuniria com as equipes de Loki e WandaVision, para discutir linhas do tempo ramificadas, eventos imutáveis, nexo causal e estabelecer uma espécie de "livro de regras" do Multiverso, que seria usado em todas as produções futuras, começando por Doutor Estranho no Multiverso da Loucura.

Faltava, ainda, entretanto, um detalhe: o custo. Uma série que, em cada episódio, reproduzisse situações dos filmes, usando os mesmos elencos, sairia mais cara que um filme para o cinema, sem o retorno em bilheteria para compensar. Ficaria definido, portanto, que What If...? seria uma série de animação, com os atores originais dos filmes apenas dublando seus personagens, o que baratearia os custos - e contaria com total aprovação de Bradley e Andrews, que teriam muito mais liberdade para contar suas histórias, sem se preocupar com orçamento. Na mesma reunião que definiria que a série seria de animação, ficaria definido que cada episódio teria por volta de 35 minutos - o mais curto tem 32, o mais longo tem 38 - e que What If...? teria mais de uma temporada, com a primeira tendo dez episódios - atrasos causados pela pandemia, contudo, fariam com que não houvesse tempo para produzir um desses episódios, que seria deixado para a segunda temporada, o que levaria à definição de que tanto a primeira quanto a segunda temporada teriam nove episódios cada. Na San Diego Comic Con de 2022, Feige declararia que os eventos de What If...? ocorreriam no "Multiverso Animado Marvel" - contrariando o que Winderbaum havia falado - e que a Marvel já estava pensando em outras séries ambientadas nesse mesmo universo, uma delas sendo Marvel Zombies.

Segundo a produtora Victoria Alonso, a Marvel montaria um "mini estúdio de animação", chamado Marvel Studios Animation, para produzir What If...? e outras possíveis séries de animação futuras; o chefe desse estúdio seria o diretor, roteirista e quadrinhista Stephen Franck. A série usaria um estilo de animação conhecido como cel-shading, que usa gráficos de computação gráfica tridimensionais modificados para ficarem parecidos com ilustrações "bidimensionais" de histórias em quadrinhos; What If...? usaria um cel-shading realístico, semelhante ao usado em games, com as aparências dos personagens sendo baseadas nas dos atores que os interpretaram nos filmes. Os desenhos seriam supervisionados por Andrews e pelo chefe de desenvolvimento visual dos Marvel Studios, Ryan Meinerding, que chegaram a cogitar fazer a arte de cada episódio imitando a de um dos grandes mestres da Marvel - o do Capitão América a de Jack Kirby, a do Doutor Estranho a de Steve Ditko - antes de optar por um estilo realístico em toda a série.

A animação seria apenas coordenada pela Marvel Studios Animation, com cada episódio sendo produzido por diferentes estúdios ao redor do planeta, o que já estava planejado antes, mas permitiu que a série seguisse sendo desenvolvida durante a pandemia: os dois primeiros episódios seriam animados pela Blue Spirit, três dos seguintes pela Squeeze, três outros, incluindo o nono, pela Flying Bark Productions, e o oitavo seria uma produção conjunta entre Flying Bark, Squeeze e Stellar Creative Lab. Todo o trabalho seria supervisionado por Franck e Andrews, para garantir que o estilo de animação e os gráficos fossem consistentes em todos os episódios. A abertura ficaria a cargo da Perception, que também fez a abertura de WandaVision, e se inspirou em filmes como Jornada nas Estrelas: O Filme e Excalibur, usando um efeito de vidro se quebrando para representar as ramificações da linha do tempo. No melhor estilo Black Mirror, a Marvel prepararia um pôster promocional para cada um dos episódios, mais três que serviam para a temporada inteira.

Em relação ao elenco, a Marvel entraria em contato com todos os atores cujos personagens apareceriam em algum episódio - segundo Feige, a produção daria carta branca para Bradley usar os personagens que quisesse, sem que uma história dependesse de quais atores aceitariam ou não, e Winderbaum confirmaria que seriam usados dubladores profissionais para substituir os que não aceitassem. O primeiro a aceitar, e um dos que ficariam mais empolgados com o projeto, seria Chadwick Boseman, intérprete do Pantera Negra; Benedict Cumberbatch, intérprete do Doutor Estranho, também ficaria empolgado, e mudaria sua agenda de forma a permitir sua participação nas gravações. Nem todos os atores, porém, puderam aceitar, principalmente devido a outros compromissos previamente assumidos, incluindo um quinteto de respeito: Robert Downey, Jr. (Homem de Ferro), Chris Evans (Capitão América), Scarlett Johansson (Viúva Negra), Brie Larson (Capitã Marvel) e Tom Holland (Homem-Aranha). Dave Bautista, intéprete de Drax, diria em uma entrevista não ter sido procurado pela Marvel, o que inclusive geraria boatos de que ele seria substituído no terceiro filme dos Guardiões da Galáxia, mas Winderbaum receberia a informação com estranheza, declarando que todos os atores haviam sido contatados através de seus agentes, e que, se Bautista não recebeu o convite, foi devido a alguma falha de comunicação.

Os atores dos filmes que repetem seus papéis em What If...? são, em ordem alfabética: Andy Serkis como Ulysses Klaue, Angela Bassett como Ramonda, Benedict Cumberbatch como Stephen Strange / Doutor Estranho, Benedict Wong como Wong, Benicio del Toro como o Colecionador, Bradley Whitford como John Flynn, Carrie Coon como Proxima, Chadwick Boseman como T'Challa, Chris Hemsworth como Thor, Chris Sullivan como Taserface, Clancy Brown como Surtur, Clark Gregg como Phil Coulson, Cobie Smulders como Maria Hill, Danai Gurira como Okoye, David Daltmaschian como Kurt, Djimon Hounsou como Korath, Domimic Cooper como Howard Stark, Don Cheadle como James Rhodes, Emily VanCamp como Sharon Carter, Evangeline Lilly como Hope Van Dyne / Vespa, Hayley Atwell como Peggy Carter, Frank Grillo como Brock Rumlow, Georges St. Pierre como Bartroc, Jaimie Alexander como Sif, Jeff Goldblum como o Grão-Mestre, Jeremy Renner como Clint Barton / Gavião Arqueiro, John Kani como T'Chaka, Jon Favreau como Happy Hogan, Josh Brolin como Thanos, Karen Gillan como Nebulosa, Kat Dennings como Darcy Lewis, Kurt Russell como Ego, Leslie Bibb como Christine Everhart, Mark Ruffalo como Bruce Banner / Hulk, Michael B. Jordan como Killmonger, Michael Douglas como Hank Pym, Michael Rooker como Yondu, Natalie Portman como Jane Foster, Neal McDonough como Dum Dum Dugan, Ophelia Lovibond como Carina, Paul Bettany como Visão e Jarvis, Paul Rudd como Scott Lang / Homem-Formiga, Rachel House como Topaz, Rachel McAdams como Christine Palmer, Ross Marquand como Johann Schmidt / Caveira Vermelha, Samuel L. Jackson como Nick Fury, Sean Gunn como Kraglin, Sebastian Stan como Bucky Barnes, Seth Green como Howard, Stanley Tucci como Abraham Erskine, Taika Waititi como Korg, Tilda Swinton como a Anciã, Toby Jones como Arnim Zola, Tom Hiddleston como Loki, e Tom Vaughan-Lawlor como Fauce. Dentre os substitutos, temos Ross Marquand como Ultron, Josh Keaton como Steve Rogers / Capitão América, Mick Wingert como Tony Stark / Homem de Ferro, Lake Bell como Natasha Romanova / Viúva Negra, Hudson Thames como Peter Parker / Homem-Aranha, Alexandra Daniels como Carol Danvers / Capitã Marvel, Fred Tatasciore como Drax e Corvus, Brian T. Delaney como Peter Quill, Stephanie Panisello como Betty Ross, Mike McGill como Thaddeus Ross, Kiff Vandenheuvel como Obadiah Stane, Beth Hoyt como Pepper Potts, Ozioma Akagha como Shuri, Josette Eales como Frigga e Cynthia McWilliams como Gamora.

Mas faltou um nome nessa lista enorme: Jeffrey Wright, de 007 Cassino Royale e WestWorld, dá voz ao Vigia. Nos quadrinhos, o Vigia era o narrador das histórias de What If...?, apresentando ao leitor o momento no qual a mudança em relação ao Universo Marvel aconteceu e seguindo com as consequências; na série, ele tem o mesmo papel, começando e terminando cada episódio com uma pequena narração e, raramente, fazendo comentários ao longo do episódio - exceto no último, no qual ele tem um papel central. Em português, os títulos dos nove episódios seriam E se a Capitã Carter fosse a primeira Vingadora?, E se T'Challa se tornasse o Senhor das Estrelas?, E se o mundo perdesse seus heróis mais poderosos?, E se o Doutor Estranho perdesse seu coração em vez das mãos?, E se... zumbis?!, E se Killmonger tivesse resgatado Tony Stark?, E se Thor fosse filho único?, E se Ultron tivesse vencido? e E se o Vigia quebrasse seu juramento?, esse último um crossover no qual o Vigia reúne personagens dos episódios anteriores para enfrentar Ultron, que descobriu uma forma de viajar livremente pelo Multiverso.

Bradley escreveria quatro dos episódios, incluindo o primeiro e o último, enquanto Matthew Chauncey escreveria mais quatro, e o terceiro seria co-escrito por ambos; todos seriam dirigidos por Andrews. Quando a série foi anunciada pela primeira vez, alguns meios de comunicação noticiaram erradamente que cada episódio seria baseado em um dos filmes; Bradley desmentiria essa informação, declarando que alguns episódios trazem elementos de mais de um filme, ou do MCU como um todo - ela também diria que inicialmente pensaria em histórias simples envolvendo poucos personagens, mas, durante sua reunião com a cúpula dos Marvel Studios, eles teriam dito para ela "enlouquecer". Winderbaum confirmaria a carta branca, inclusive para matar heróis, e diria só impor uma restrição a Bradley: somente eventos relacionados aos filmes das Fases 1, 2 e 3 poderiam ser revisitados, com os da Fase 4 tendo de ficar para a segunda temporada.

Durante a pré-produção, Bradley, Andrews, Chauncey, Winderbaum, a executiva Simona Paparelli e o roteirista Ryan Little separariam 30 histórias possíveis de acontecer mudando um detalhe ou outro no MCU, dando preferência às que pudessem ter resultados diferentes e inesperados, ao invés de o mesmo resultado apenas com alguns detalhes diferentes; Feige analisaria todas as 30 ideias e escolheria suas dez favoritas, gostando especialmente do episódio final, que reuniria personagens de diferentes universos - dois desses personagens, Gamora e o Homem de Ferro, viriam do episódio que depois acabou sendo adiado para a segunda temporada, mas, como o último já estava pronto, Feige decidiu não alterá-lo. Dentre as ideias descartadas, a maioria envolvia conceitos que a cúpula do MCU já planejava usar em filmes futuros, como Loki se tornando um herói, Jane Foster usando o Mjolnir, Pepper Potts vestindo uma armadura, o Hulk mantendo a inteligência de Bruce Banner, ou o Capitão América jamais ficando congelado e se casando com Peggy - essas três últimas sendo usadas em Vingadores: Ultimato, que ainda estava sendo produzido quando Bradley comandou o brainstorming de What If...?. Segundo James Gunn, havia até uma ideia que ele pediu para que Feige descartasse porque, por pura coincidência, já que ele não havia contado para ninguém, ele planejava usar no terceiro filme dos Guardiões da Galáxia. Outras ideias foram descartadas por serem consideradas absurdas demais: uma delas traria os Vingadores como dinossauros na pré-história, outra era um crossover com Star Wars e contava com a participação de Luke Skywalker, e em uma Peter Parker lentamente se transformava em uma aranha de verdade após ser picado pela aranha radioativa - essa sendo considerada "muito tenebrosa" para a série.

What If...? estrearia no Disney+ em 11 de agosto de 2021, com um episódio sendo lançado por semana até 6 de outubro. A Disney não divulgaria os dados de audiência, mas consideraria a série um sucesso, e confirmaria a produção de uma segunda temporada em dezembro. A crítica ficaria dividida, elogiando as dublagens e a criatividade das situações escolhidas, mas reclamando da qualidade da animação, da duração dos episódios e da ingenuidade de alguns roteiros. A série seria indicada a três Emmys, um de Melhor Série Animada e dois de Melhor Dublagem, um para Wright e um para Boseman, que ganhou. What If...? seria o último trabalho de Boseman antes de seu falecimento, com o Emmy sendo conferido de forma póstuma.

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis
Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings
2021

Criado por Steve Englehart e Jim Starlin, Shang-Chi, também conhecido como Mestre do Kung Fu, nunca foi um dos personagens principais da Marvel. Ele até experimentou uma certa popularidade nos anos 1970, quando foi um dos principais personagens da revista The Deadly Hands of Kung Fu, publicada entre 1974 e 1977, que era voltada para o público adulto, em preto e branco, e trazia crônicas e artigos além de histórias em quadrinhos, mas, depois do cancelamento de sua revista colorida parte do Universo Marvel, Master of Kung Fu, ele seria muito pouco aproveitado. Mesmo assim, Stan Lee gostava muito do personagem, e, ainda na década de 1980, conversou pessoalmente com Brandon Lee e sua mãe, Linda Lee - respectivamente, o filho e a viúva de Bruce Lee, que havia sido uma das principais inspirações para Shang-Chi - sobre a possibilidade da produção de um filme de Shang-Chi estrelado por Brandon. Entretanto, nem a Marvel, nem o ator conseguiriam encontrar um estúdio disposto a investir no projeto, que acabaria sendo cancelado.

Em 2001, quando a Marvel fez um leilão de seus personagens para os estúdios de cinema, a DreamWorks se interessou por Shang-Chi e adquiriu os direitos do personagem, contratando Stephen Norrington (que havia dirigido o primeiro filme do Blade, em 1998) como diretor e registrando o nome The Hands of Shang-Chi. Em 2003, o diretor de filmes de ação de Hong Kong Yuen Woo-Ping substituiria Norrington, e Bruce C. McKenna, de The Pacific, seria contratado para escrever o roteiro. Ang Lee chegaria a ser anunciado como produtor em 2004, mas a DreamWorks acabaria desistindo do projeto e devolvendo os direitos do personagem para a Marvel. Em 2005, após a criação dos Marvel Studios, o produtor Avi Arad anunciaria estar em negociação com a Paramount para produzir um filme de Shang-Chi, e diria acreditar que, mesmo o personagem não sendo tão conhecido, sua história poderia resultar em um grande filme. Infelizmente, isso também acabaria não se concretizando.

As condições para que um filme de Shang-Chi no MCU acontecesse acabariam surgindo meio que por acaso. Nos quadrinhos, originalmente, Shang-Chi era filho do vilão Fu Manchu, e, após se rebelar contra o pai, passaria a combater seu império criminoso. Só que Fu Manchu não era uma criação da Marvel, e sim um personagem licenciado, como Tarzan ou Conan, e, após a Marvel perder os direitos, apesar de ainda poder usar Shang-Chi, não poderia sequer citar o nome do vilão, o que prejudicava muito suas histórias - e foi um dos fatores para que Shang-Chi ficasse sumido, embora o principal tenha sido o fim da onda de popularidade do kung fu nos Estados Unidos. Quando a Marvel decidiu trazer Shang-Chi de volta, ela alterou sua história - em um processo conhecido nos quadrinhos como retcon - para que ele fosse filho não de Fu Manchu, mas de Zheng Zu, vilão criado pela Marvel que era o líder da organização criminosa Sociedade das Cinco Armas - quase idêntica à Si-Fan liderada por Fu Manchu.

O primeiro filme do MCU, Homem de Ferro, de 2008, trazia uma organização criminosa semelhante: os Dez Anéis, uma referência ao vilão Mandarim - que, nos quadrinhos, foi o arqui-inimigo do Homem de Ferro durante quase toda a sua carreira, mas, a partir dos anos 2000, passou a ser visto como um personagem problemático, por ter várias características consideradas estereotipadas e até mesmo racistas pelos chineses. O Mandarim não estaria no primeiro filme do Homem de Ferro não por causa disso, mas porque Kevin Feige queria que o filme fosse totalmente focado em Tony Stark, o que não daria a um arqui-inimigo o destaque que ele mereceria. Feige planejava que o Mandarim fosse um vilão de grande destaque no terceiro filme, mas se veria forçado a desistir dessa ideia após uma conversa com Chris Fenton. Na época, Fenton era o presidente da DMG Entertainment, empresa de cinema sediada na China, que, antes de a Marvel ser comprada pela Disney, tentava firmar um contrato de colaboração com os Marvel Studios, segundo a qual a DMG co-produziria todos os filmes do MCU. Feige ofereceria a Fenton filmar uma cena pós-créditos para Os Vingadores com a presença ou de Shang-Chi ou do Mandarim, que seria exclusiva para exibição nos cinemas da China, mas Fenton recusaria explicando que um filme com o Mandarim provavelmente teria sua exibição proibida pelo governo chinês, o que resultaria em um baita prejuízo para a DMG. Após perceber que o Mandarim traria mais problemas que vantagens para o MCU e conseguir fechar um contrato para que a DMG co-produzisse Homem de Ferro 3 (que tem os atores chineses Wang Xueqi e Fan Bingbing no elenco e cenas exclusivas para os cinemas chineses), Feige sugeriria que o Mandarim do filme não fosse o vilão dos quadrinhos, e sim um ator fingindo ser o líder da organização criminosa, para desviar o foco do verdadeiro vilão do filme. Isso atrairia a ira de alguns fãs, mas, desde sua primeira entrevista após o lançamento do filme, Feige diria que não estava descartado que o verdadeiro Mandarim existisse no MCU - com os Marvel Studios inclusive produzindo o curta All Hail the King, que deixava subentendido que o Mandarim "verdadeiro" não tinha gostado de ver um ator fingindo ser ele.

O passo seguinte seria dado em 2018, quando os Marvel Studios lançariam Pantera Negra, que apresentava temas relacionados à cultura africana, contava com roteirista e diretor negros, e com a maioria do elenco e equipe formados por negros. O sucesso do filme motivaria Feige a tentar o mesmo com Shang-Chi: um filme do MCU que trouxesse temas relacionados à cultura asiática, realizado por um roteirista e diretor asiáticos, com maioria do elenco e equipe formado por asiáticos. Jessica Gao seria mais uma vez abordada e daria várias ideias para o filme, mas a Marvel preferiria fechar com o roteirista Dave Callaham, descendente de chineses, que se diria emocionado por esse ser o primeiro roteiro que ele poderia escrever partindo de sua própria experiência e usando sua própria perspectiva. Callaham receberia apenas duas instruções da Marvel: que o personagem deveria ser atualizado para fazer sentido dentro da sociedade atual, sendo "mais que o Bruce Lee da Marvel" e evitando qualquer tipo de estereótipos, e que Shang-Chi fosse filho do líder da organização Dez Anéis, que seria baseado não no Mandarim, mas em Zheng Zu.

Em março de 2019, seria contratado o diretor Destin Daniel Cretton, descendente de japoneses, após serem entrevistados Deborah Chow - que havia dirigido episódios das séries Jessica Jones e Punho de Ferro - Justin Tipping e Alan Yang. Ao ser procurado, Cretton diria não ter interesse em dirigir um filme de super-heróis, mas depois mudaria de ideia em nome da representatividade, animado por poder fazer criar um personagem no qual as crianças asiáticas pudessem se inspirar; Cretton criaria um visual para o filme que não seria específico de uma única cultura, misturando elementos chineses, coreanos, japoneses e do sudeste asiático. Cretton também escolheria para a fotografia William Pope, responsável por Matrix, por acreditar que seu estilo seria o ideal para um filme de artes marciais, e diria se inspirar nos filmes de Jackie Chan, em animes e videogames para dirigir as cenas de luta.

No filme, Shang-Chi é filho de Wenwu, homem que tem mais de mil anos de idade e lidera a organização criminosa Dez Anéis, tendo conseguido ambos através de um conjunto de dez braceletes que encontrou por acaso e lhe conferem vários poderes, com Ying Li, guardiã da mítica cidade de Ta Lo. Wenwu e Li se conheceriam em 1996, e ele juraria abandonar a vida de crimes e não usar nunca mais os braceletes se ela se casasse com ele, o que ela aceitaria e resultaria em dois filhos, Shang-Chi e Xialing. Quando Shang-Chi tinha dez anos, porém, Li seria morta por criminosos rivais de Wenwu, o que faria com que ele voltasse a usar os braceletes e se tornasse um homem rígido, submetendo o filho a um regime de treinamento insano para que ele se tornasse o maior artista marcial do mundo, e obcecado, buscando encontrar Ta Lo de qualquer forma. Um dia, cansado dessa vida, Shang-Chi decidiria fugir para os Estados Unidos e recomeçar, mas agora precisará reencontrar sua irmã e enfrentar definitivamente seu pai, que, achando que pode trazer Li de volta à vida, pretende atacar Ta Lo, que finalmente encontrou, e libertar um horror indizível.

O elenco traz Simu Liu como Shang-Chi; Awkwafina como Katy, sua melhor amiga, que decide acompanhá-lo em sua jornada; Meng'er Zhang como Xialing, que também fugiu de casa na adolescência e agora é dona de uma espécie de Clube da Luta em Macau; Fala Chen como Ying Li; Florian Manteanu como Razor Fist, membro da Dez Anéis que tem um facão no lugar da mão direita; Yuen Wah como Guang Bo, guardião de Ta Lo; Michelle Yeoh como Ying Nan, guardiã de Ta Lo e irmã de Ying Li; Ronnie Chieng como Jon Jon, braço-direito de Xialing; Ben Kingsley como Trevor Slattery, ator contratado para posar como o Mandarim em Homem de Ferro 3, que agora é prisioneiro do verdadeiro Mandarim; e Tony Leung como Xu Wenwu, codinome Mandarim, líder da Dez Anéis e pai de Shang-Chi. Participações especiais incluem Andy Le como o Mercador da Morte, responsável pelo treinamento de Shang-Chi; Dee Bradley Baker como a voz de Morris, um hundun (criatura da mitologia chinesa) que veio de Ta Lo e se tornou o melhor amigo de Slattery; Benedict Wong como Wong; Tim Roth como a voz do Abominável, que participa de uma das lutas no clube de Xialing; Jade Xu como uma Viúva Negra; e Mark Ruffalo e Brie Larson, que aparecem na cena intercréditos como Bruce Banner e Carol Danvers.

Assim que foi escolhido para a direção, Cretton pensou em Tony Leung, um dos mais famosos atores de Hong Kong, para interpretar o vilão do filme, mas temia que ele não aceitasse; o produtor Jonathan Schwartz decidiria entrar em contato com o agente de Leung mesmo assim, marcaria um almoço entre Leung e Cretton, e, para surpresa do diretor, o ator se mostraria bastante animado com o projeto. Depois de Leung, o primeiro ator convidado para o elenco seria Kingsley, já que o papel de Slattery seria essencial para o enredo; Feige, inclusive, diria acreditar que o ator ainda poderia aparecer em muitos outros filmes do MCU, sempre como apoio cômico. Outras três atrizes também seriam convidadas sem testes: Awkwafina, Michelle Yeoh e Jessica Henwick, a Colleen Wing de Punho de Ferro. Yeoh também já havia feito um papel no MCU, uma participação especial como Aleta Ogord em Guardiões da Galáxia Vol. 2, mas não achou que isso fosse um empecilho para aceitar um papel maior; já Henwick, escalada para o papel de Xialing, acabaria não aceitando porque tinha esperança de voltar a interpretar Wing no MCU, e preferiria aceitar um papel em The Matrix Resurrections, que seria filmado na mesma época - depois da recusa, seriam feitos testes, e Zhang, que até então só havia atuado em filmes chineses, seria escolhida. Simu Liu, nascido no Canadá mas filho de chineses, também seria escolhido através de testes, com o papel ficando entre ele e Lewis Tan, que também já tinha tido um papel em Punho de Ferro, o do assassino Zhou Cheng; Awkwafina participaria dos testes para que os produtores pudessem ver sua química com os atores, e desde o início acreditaria que Liu era o melhor, mas o ator, que foi um dos primeiros a testar, só seria efetivamente escolhido após retornar para uma segunda rodada de testes.

Cretton trabalharia junto a Callaham para criar a história do filme, e o roteiro acabaria sendo escrito por Callaham, Cretton e Andrew Lanham, parceiro de longa data de Cretton. Desde o início, os três decidiriam que as relações conturbadas de Shang-Chi com sua família deveriam ser o ponto central do filme, já que, nos quadrinhos, o personagem só decide se tornar um herói por não aceitar pertencer a uma família de criminosos. Como a história de Shang-Chi não é tão conhecida quanto a de heróis do primeiro time como o Homem-Aranha ou o Hulk, os roteiristas decidiriam tomar várias liberdades, como Shang-Chi renegando seu passado e tentando levar uma vida normal em San Francisco antes de decidir se tornar herói, e seu pai usando o codinome Mandarim, o que mesclava dois personagens dos quadrinhos em um único do cinema. Uma das maiores preocupações dos roteiristas foi evitar os estereótipos raciais presentes nos quadrinhos enquanto atualizavam a história para a época atual; a mudança de nome do pai de Shang-Chi, de Zheng Zu para Xu Wenwu fez parte desse esforço, para ficar claro que era um personagem novo, sem relação com o dos quadrinhos.

O esforço da equipe para que o filme retratasse com fidelidade a cultura asiática chegaria ao ponto de pesquisar qual tipo de comida deveria ser servido em qual cena, e se cada diálogo deveria ser inteiramente em inglês ou ter trechos em mandadim (a língua, não o vilão). O filme, aliás, começa com uma narração em mandarim, o que foi considerado ousado pela crítica, já que o público norte-americano é conhecido por não gostar de legendas, então abrir um blockbuster com uma narração legendada era uma aposta arriscada. Liu, Leung e Zhang seriam consultados frequentemente pela equipe, para contribuírem com opiniões de alguém nascido na diáspora chinesa, alguém nascido em um território chinês e alguém nascido na China em si, que então eram pesadas para decidir quanto a alguns aspectos de cenários e interações entre os personagens. Zhang também serviria como coach de mandarim para quando um dos atores sem mais familiaridade com a língua tivesse alguma fala nela. Outro aspecto que decidiu ser incluído pela produção foi mostrar que Katy, filha de chineses mas nascida nos Estados Unidos, tem dificuldade para falar mandarim, e precisa de ajuda para pronunciar corretamente o nome de Shang-Chi - o que também serviu para que a plateia aprendesse a pronúncia correta. Em uma cena especialmente interessante entre Katy e Jon Jon, ele diz que só sabe falar ABC (American Born Chinese), uma espécie de dialeto do mandarim falado por descendentes de chineses nascidos nos Estados Unidos, algo que muitas pessoas fora da diáspora asiática sequer sabem que existe.

O nome do filme seria escolhido por Feige, para mostrar que a organização criminosa Dez Anéis voltaria a ter destaque no MCU. O logotipo original da Dez Anéis, usado nos filmes do Homem de Ferro, mostrava dez círculos entrelaçados com ideogramas mongóis, o que causou a ira do governo da Mongólia, que chegou a soltar uma declaração de que a Marvel estava associando o país a grupos terroristas. Para o filme de Shang-Chi, o logotipo seria atualizado e passaria a ter ideogramas chineses, mas o governo da Mongólia seguiria insatisfeito, declarando que a mudança teria sido feita mais para agradar a China que a Mongólia. Nos quadrinhos, os dez anéis do Mandarim são anéis mesmo, feitos de metal alienígena, usados um em cada dedo, cada um com um poder, mas, para o filme, a produção optaria por fazer braceletes, todos interligados e com vários poderes, e, para ficar dentro do tema da Fase 4, vindos de outro universo; segundo Schwartz, os anéis ficariam com aparência engraçada nos testes de filmagem, e houve quem achasse que eles ficaram muito parecidos com as Joias do Infinito, e diversas configurações de joias e adereços foram testadas até os braceletes serem escolhidos.

A Marvel planejava filmar na China, mas acabaria desistindo e levando as filmagens para a Austrália, usando os estúdios da Fox em Sydney e filmando várias externas em cidades do estado de Nova Gales do Sul. Os incentivos financeiros do governo australiano foram tão bons que a Marvel decidiria filmar Shang-Chi e Thor: Amor e Trovão back to back, ou seja, começando as filmagens de um assim que terminassem as do outro. As filmagens começariam em fevereiro de 2020, mas teriam de ser interrompidas por causa da pandemia, retornando em agosto. Em outubro, cenas adicionais seriam filmadas em San Francisco, mas, devido ao protocolo de covid da Austrália, teve de ser usada uma nova equipe, pois, se alguém da equipe que estava filmando em solo australiano viajasse para os Estados Unidos, não poderia voltar sem passar por uma rigorosa quarentena. Apesar de tudo, a equipe trabalharia com eficiência, e todas as filmagens seriam concluídas na data prevista antes da pandemia, em outubro de 2020.

As cenas de luta seriam coreografadas por Brad Allan, que faleceria em agosto de 2021, com o filme sendo dedicado a ele. Ex-integrante do Jackie Chan Stunt Team, Allan contaria com a ajuda de vários colegas dublês para criar o estilo de luta de Shang-Chi, baseado no wushu, mas com elementos de diversas outras artes marciais. A cena mais difícil de ser filmada seria a luta no ônibus, que usaria dois veículos, que seriam totamente desmontados e remontados, levou um ano para ser planejada e seis semanas para ser filmada - com um intervalo de meses no meio causado pela pandemia, com as filmagens começando em Sydney e terminando em San Francisco. No filme, a sequência ocorre em San Francisco, o que fez com que as sequências gravadas em Sydney tivessem de ser digitalmente retocadas; isso não causaria polêmica, mas dois outros detalhes sim: quem mora em San Francisco diria que não há na cidade nenhuma ladeira extensa o bastante para que um ônibus em alta velocidade a desça durante seis minutos, e a Muni, empresa de transporte público da cidade, não quis seu nome associado a um acidente (já que o ônibus colide com vários carros no final), precisando ser usado um nome fictício.

Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis estrearia em 3 de setembro de 2021; pelo planejamento inicial, ele seria o terceiro filme da Fase 4, mas, após as várias mudanças de data, acabaria se tornando o segundo - originalmente, sua data de estreia seria 12 de fevereiro de 2021, primeiro dia do Ano Novo Chinês, enquanto Viúva Negra e Eternos estavam programados para estrear em 2020. Diferentemente de Viúva Negra, Shang-Chi ficou 45 dias exclusivamente nos cinemas antes de estrear no Premier Access do Disney+. O orçamento do filme não seria divulgado, mas seria estimado entre 150 e 200 milhões de dólares; ele renderia 224,5 milhões nos Estados Unidos e 432,2 milhões no mundo inteiro, rendimento que seria prejudicado porque, devido a uma declaração de Liu sobre experiências negativas que seus pais viveram na China, o governo chinês proibiria a estreia do filme no país. A crítica receberia muito bem o filme, elogiando principalmente a forma como a cultura asiática era retratada e as cenas de luta.

Série Universo Cinematográfico Marvel

•Viúva Negra
•What If…?
(1ª temporada)
•Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis

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