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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Escrito por em 20.2.17 com 1 comentário

Alfabeto (II)

Hoje eu vou adaptar mais um post do Almanaque BLOGuil para o átomo, o que falava sobre acentos e pontuação. Como os assuntos são relacionados, eu planejava juntá-lo ao post sobre o alfabeto e fazer um só, mas, como o do alfabeto acabou ficando maior que o esperado, acabei decidindo fazer o contrário: adicionar a ele mais informações sobre alfabetos, que eu acabei deixando de fora do primeiro, e transformá-lo em um Alfabeto (II).

Assim, vamos começar falando sobre as letras cursivas. Talvez você não saiba, mas atualmente está sendo travado um grande debate sobre a necessidade ou a importância de se ensinar às crianças a escrever em cursiva - também conhecidas como as letras "de mãozinhas dadas". Segundo aqueles que são contra, a maior parte das pessoas hoje digita (seja no computador, no smartphone, no tablet etc.) ao invés de escrever à mão livre, então não seria necessário que se aprendesse a escrita cursiva. A essas pessoas eu digo que, hoje em dia, a maior parte das pessoas faz contas usando uma calculadora, e nem por isso se está discutindo se devemos deixar de ensinar matemática nas escolas. Mas isso talvez fuja um pouco do propósito desse post, já que eu não pretendo explorar a validade ou a necessidade da escrita cursiva, e sim apenas a sua origem.

A escrita cursiva foi criada por volta do século II a.C., em Roma, mas, no início, era usada apenas por comerciantes, ao registrar suas transações. É importante notar que essas letras cursivas não eram as mesmas que usamos hoje, com a maioria tendo uma aparência bastante diferente, e até mesmo irreconhecível para nós; por isso, esse primeiro conjunto de letras cursivas ficaria conhecido como "romano cursivo arcaico".

A escrita cursiva não foi inventada porque os comerciantes não tinham mais o que fazer, e sim visando um propósito prático: as letras do alfabeto latino, com suas formas angulares, eram fáceis de se escrever, por exemplo, em uma gravação em pedra ou bronze, mas complicadas de se usar no dia a dia - na época, evidentemente, ninguém usava papel, e sim papiros, e, ao invés de lápis ou caneta, se usava uma pena de ave, cuja ponta era mergulhada em tinta. Apesar de a ponta da pena ter uma boa absorção - sendo este o motivo pelo qual era usada uma pena, e não, por exemplo, uma vareta de madeira - a quantidade de tinta que ela retinha não era suficiente para escrever durante um longo tempo, devendo a pena ser mergulhada na tinta inúmeras vezes cada vez que se fosse escrever alguma coisa. O fato de a pena ter que ser retirada do papiro para se fazer cada traço de cada letra piorava a situação, já que, para não escorrer e borrar o papiro todo, a tinta era de secagem rápida, o que significava que, cada vez que a pena deixava de encostar no papiro, a tinta em sua ponta secava um pouco.

Para tentar tanto economizar tinta quanto escrever mais rápido, os comerciantes, então, começaram a criar letras que, ao mesmo tempo em que lembrassem as letras originais, podiam ser escritas "de uma vez só", sem que a pena deixasse de encostar no papiro enquanto a letra estava sendo escrita. O nome "cursivo", portanto, não vem de "curso", "porque essa é a letra ensinada nas escolas", como eu já li uma vez: cursivus, em latim, significa "rápido e direto", como em uma viagem na qual você não faz escalas para chegar mais depressa. Como escrever em cursivo era mais rápido que escrever com as letras existentes até então, e cada letra era escrita "direto", sem a pena ser retirada do papiro, logo a escrita ganharia esse apelido, que acabaria pegando e se tornando seu nome oficial.

Apesar de suas vantagens, o romano cursivo arcaico tinha um sério defeito: suas letras eram quase ilegíveis. Muitas delas, como o E e o F, eram quase idênticas, enquanto outras, como o B e o R, em nada lembravam as letras originais. Conforme o uso da escrita cursiva foi se popularizando, portanto, um novo conjunto de letras seria criado pelos acadêmicos romanos, conhecido hoje como "novo romano cursivo". Esse conjunto também não é o mesmo que usamos hoje, mas a maioria de suas letras é bem semelhante às atuais, de forma que é bem mais fácil para nós ler algo escrito em novo romano cursivo do que em romano cursivo arcaico. Seu uso se popularizaria a partir do século III d.C., quando o novo romano cursivo começaria a ser usado nas escolas para se ensinar as crianças a escrever em latim.

Tanto no romano cursivo arcaico quanto no novo romano cursivo, as letras ainda não eram todas ligadas umas às outras como na escrita cursiva atual, já que o intuito era apenas escrever cada letra, e não cada palavra, sem retirar a pena do papiro - pois, se a pena fizesse muitos movimentos contínuos enquanto pressionada à superfície, o papiro poderia se romper. A escrita cursiva que usamos hoje começaria a surgir apenas no século VII, quando novos materiais, como o pergaminho e o velino, substituíssem o papiro como a forma preferencial de se registrar a linguagem escrita. A diferença na superfície desses materiais, feitos de couro de animais, em relação á do papiro, feito de fibras vegetais, permitiria que palavras inteiras fossem escritas de uma vez sem romper o material, o que resultou em maior economia de tinta, maior velocidade na escrita, e em um novo conjunto de letras diferentes. A principal característica desse novo conjunto seria que ele possui dois tipos de letras, as ascendentes e as descendentes, sendo que, nas descendentes (f, g, j, p, q, y e z) parte da letra deve ser escrita abaixo da linha, o que é feito para facilitar na hora de ligar a letra à anterior e à seguinte.

Curiosamente, não existe um modelo cursivo "oficial" para o alfabeto latino: ao longo desses séculos todos, várias formas diferentes de se escrever as letras em cursivo foram criadas, com algumas se tornando mais populares que outras, e sendo consideradas o padrão durante um tempo, até serem substituídas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o padrão entre 1850 e 1925 era a chamada "escrita spenceriana", criada em 1840 pelo professor Platt Rogers Spencer, que desejava uma escrita que fosse, ao mesmo tempo, bonita, veloz e facilmente legível. Exemplos de palavras que são ainda hoje escritas usando a escrita spenceriana são os logotipos da Ford e da Coca-Cola - reparem como os C da Coca-Cola são diferentes dos que usamos hoje. A escrita spenceriana seria substituída pelo Método Palmer, criado pelo empresário Austin Palmer em 1888, e que começou a ser introduzido em 1920 como uma forma de escrita "apropriada para o mundo dos negócios". Hoje, o Método Palmer é o padrão para escrita cursiva nos Estados Unidos, embora outros modelos também sejam usados por grande parte da população, como o D'Neliano, criado pelo professor Donald Neal Thurber em 1978 para ajudar no ensino de letras cursivas para crianças, e o Zaner-Bloser, criado em 1888 pelo professor Charles Paxton Zaner, que em 1891 se associou a outro professor, Elmer Ward Bloser, e em 1895 fundou a Zaner-Bloser Company, devotada à publicação e venda de materiais que auxiliem no ensino da escrita cursiva.

Aqui no Brasil, o modelo ensinado nas escolas desde o início do século XX é conhecido como "letra vertical redonda", pois tem formas arredondadas e todas as letras ficam perfeitamente na vertical - na escrita spenceriana, por exemplo, as letras são levemente inclinadas para a direita, o que, no Brasil da época, se acreditava ser responsável, acreditem ou não, por deixar as crianças com miopia, estrabismo, ou até mesmo escoliose. A letra vertical redonda não foi criada no Brasil, e sim na França (onde se chama vertical ronde), e sua criação é atribuída à escritora George Sand, que a usava em seus manuscritos - vale citar como curiosidade que Sand faleceu em 1876, mas a vertical ronde só se tornou padrão na França a partir de 1881; antes disso, o padrão na França era o round hand, criado na Inglaterra em 1680 pelos editores John Ayres e William Banson, e foi padrão em muitos países europeus, mas gradativamente abandonado por ser considerado muito rebuscado.

É importante registrar que, apesar de existirem diferentes modelos de escrita cursiva, em todos eles as letras são semelhantes - mais ou menos como ocorre com as fontes com as quais escrevemos no computador, as letras podem ter aparência diferente, mas é fácil reconhecê-las. Assim, embora algumas letras possam parecer estranhas em relação ao que estamos acostumados - sempre achei o G maiúsculo usado nos Estados Unidos muito esquisito - para quem conhece um dos modelos de escrita cursiva não é difícil ler textos escritos usando outros.

Evidentemente, o alfabeto latino não é o único que pode ser escrito em cursivo; o número de sistemas de escrita que tem pelo menos um método de escrita cursiva é, porém, bastante reduzido: em apenas sete deles alguém, em algum momento, teve a ideia ou a necessidade de se escrever sem tirar a pena do papel - nos alfabetos latino, grego e cirílico, no abjad hebraico, na abugida bengali, no silabário cherokee e nos ideogramas chineses. Os abjads árabe e siríaco também costumam ser incluídos nessa lista, mas eles possuem uma característica que os diferencia dos outros sete: neles, a única forma de se escrever é ligando uma letra à outra, ou seja, em árabe e siríaco, só existe a forma cursiva, não existindo letras-bastão.

Depois do latino, o alfabeto grego foi o primeiro a ganhar uma escrita cursiva, que surgiu no século IV, provavelmente através de relações comerciais entre gregos e romanos. Assim como ocorreu com o alfabeto latino, as primeiras letras gregas cursivas eram tentativas de se escrever as letras já existentes sem retirar a pena do papiro ou pergaminho; ao longo do tempo essas letras foram evoluindo, até se chegar no modelo atual, criado no século XIX. Também como ocorre com o alfabeto latino, o grego cursivo é cada vez menos usado, estando restrito, praticamente, às escolas. Isso também ocorre com o bengali cursivo, cujas letras são mais arredondadas que as tradicionais, e têm pequenos apêndices que permitem que elas se liguem umas às outras; criado no século XVIII, o bengali cursivo é ensinado nas escolas de Bangladesh, mas pouco usado no dia a dia.

Com o alfabeto cirílico, porém, o panorama é diferente: em países como Rússia e Ucrânia, no dia a dia a população praticamente só escreve em cursivo, ficando as letras-bastão reservadas para documentos impressos. Isso costuma causar muitas dificuldades àqueles que não estão habituados com a escrita cursiva do cirílico, pois, além de muitas letras serem completamente diferentes de suas versões em letra-bastão (como o д), e de outras serem extremamente parecidas entre si (como o и e o м), ainda há o problema de que algumas letras cursivas cirílicas se parecem com letras cursivas latinas sem qualquer relação com elas (o т cirílico é idêntico ao m latino). O alfabeto cirílico cursivo (oficialmente chamado rukopisnoye pis'mo, "escrita à mão livre") foi criado na Rússia, no século XVIII, pela Escola Russa de Taquigrafia, para se tornar o modelo oficial para se escrever em russo de forma cursiva, substituindo vários modelos conhecidos como skoropis, usados pela população em geral entre os séculos XIV e XVII, e que, assim como o romano cursivo arcaico, surgiram com os comerciantes e suas anotações. Graças ao poderio da Rússia e da União Soviética, esse modelo se tornaria padrão em todos os países que usam o alfabeto cirílico, exceto na Sérvia e na Macedônia, já que, na Iugoslávia, da qual ambas faziam parte, ele sofreria algumas modificações, que deixariam as letras б, г, д, п e т com aparências diferentes.

Outro país no qual a escrita cursiva é mais usada que as letras-bastão é Israel, o que significa que a forma cursiva do abjad hebraico ainda vai bem, obrigado. Assim como no alfabeto latino, existem vários modelos diferentes de hebraico cursivo, os mais antigos datando do século V, sendo que um deles, chamado ashkenazi, criado na Europa Central no século XIII, é hoje considerado o padrão para se escrever de forma cursiva em hebraico e em ídiche. Uma curiosidade do hebraico cursivo é que suas letras são bastante diferentes das letras-bastão, o que causa estranheza em quem não está acostumado com elas. Diferentemente dos alfabetos latino, grego e cirílico, no hebraico cursivo as letras não se ligam umas às outras, sendo seu único propósito a possibilidade de se escrever cada letra com um único traço.

Já a escrita cursiva dos ideogramas chineses atualmente quase não é usada, exceto como arte. Ela surgiu durante a Dinastia Han, entre os anos 265 e 420 d.C., com o intuito de permitir que se escrevesse com mais velocidade; os principais métodos para que isso fosse alcançado foram omitir parte dos ideogramas, juntar dois traços em um só, juntar vários pontos em um traço e modificar os estilos dos traços - dessa forma, era possível, por exemplo, reduzir um ideograma de 14 traços para apenas três. Ao longo do tempo, a escrita cursiva chinesa foi se modificando, e hoje temos dois modelos, o chamado cursivo moderno e o chamado cursivo livre, que é ilegível para a maior parte da população, e por isso seu uso é reduzido. O cursivo moderno deu origem aos ideogramas usados no chinês simplificado e, segundo alguns historiadores, ao hiragana japonês, mas jamais se tornou popular.

Vamos passar agora para as letras maiúsculas e minúsculas. Já estamos tão acostumados a usar letras maiúsculas e minúsculas que muita gente sequer para para se perguntar por que elas existem - ou por que algumas delas são tão diferentes em cada versão, como, por exemplo, G e g. Entretanto, parece óbvio que as letras maiúsculas e minúsculas não existem desde a invenção do alfabeto, então talvez seja interessante descobrirmos como elas surgiram e para que propósito.

De fato, quando os alfabetos grego e latino surgiram, todas as suas letras não somente eram maiúsculas, como também seguiam um padrão, tendo todas a mesma altura. As letras também eram todas angulares, ou seja, com poucas ou nenhuma curva, para facilitar sua gravação em em pedra, bronze ou madeira. Esteticamente, as letras angulares e todas do mesmo tamanho produziam um belo efeito, mesmo quando escritas em papiro, mas, no dia a dia, fazer todas as letras do mesmo tamanho e cheias de ângulos e linhas retas era extremamente complicado; exceto por textos oficiais e religiosos, mesmo aqueles que não escreviam com letras cursivas eram mais relaxados na hora de escrever, o que produzia letras mais arredondadas e de diferentes tamanhos. Alguns escribas começaram a experimentar usar essas letras em seus trabalhos, mas fazer letras arredondadas bonitas em papiros era extremamente difícil, devido à sua superfície áspera, de forma que as tentativas resultavam em aparência pouco profissional, sendo rapidamente descartadas.

Isso começaria a mudar no século IV, quando o pergaminho e o velino começassem a ser introduzidos para o registro de textos religiosos. Como o material do pergaminho era mais suave que o do papiro, os escribas podiam trabalhar em lindas letras arredondadas, muitas vezes escritas sem retirar a pena do pergaminho, como na escrita cursiva. Isso daria origem a um estilo de escrita hoje conhecido como uncial, nome cunhado no início do século XVIII pelo monge e linguista francês Jean Mabillon, que a retirou de um prefácio escrito em latim por São Jerônimo para uma versão comentada do Livro de Jó - curiosamente, São Jerônimo usa o termo uncialibus, que seria "uncial" em latim; como ninguém sabe o que é "uncial", acredita-se que, originalmente, ele escreveu inicialibus ("inicial"), e o termo foi corrompido durante uma cópia.

Seja como for, a escrita uncial visava imitar as letras latinas existentes na época, mas usando formas arredondadas, e sempre buscando fazer cada letra com um único traço. Ela jamais se popularizaria dentre a população em geral, que se sentia mais à vontade escrevendo em cursiva, e para quem o pergaminho só estaria disponível em larga escala três séculos mais tarde, mas, por sua beleza, logo se tornaria a escrita preferida dos escribas e copistas, que a usavam em seus textos oficiais e religiosos, algumas vezes ainda decorando-os com versões maiores e finamente trabalhadas das letras iniciais de cada parágrafo.

A escrita uncial seria a mais popular para o alfabeto latino até o final do século VIII, quando seria substituída pela escrita carolina, criada por monges beneditinos da abadia de São Pedro de Corbie, na França, sob a patronagem do Imperador Carlos Magno (por isso o nome "carolina"), que, apesar de ser quase analfabeto, era defensor ferrenho da disseminação da cultura através da leitura e da escrita. Baseada na escrita uncial usada na Inglaterra e Irlanda, e visando, a mando de Carlos Magno, ser o mais legível possível - para que o maior número possível de pessoas pudesse compreendê-la - a escrita carolina mesclava linhas grossas e finas, curvas e retas, criando letras fáceis não somente de ler, como também de escrever. Além disso, a escrita carolina possuía uma característica hoje considerada banal, mas que, na época, não era o padrão nem na escrita uncial, nem na tradicional: o espaçamento. Pois é, até então, as palavras eram escritas extremamente próximas umas das outras, algumas vezes como se todo o texto fosse uma palavra só, sendo difícil determinar onde terminava uma palavra e começava a outra se o leitor não estivesse habituado com o vocabulário usado; a escrita carolina acabou com esse problema, colocando espaços bem definidos entre uma palavra e outra.

Além do espaçamento, a escrita carolina trazia letras maiores e bem demarcadas, mas sem nenhuma decoração, no início de cada parágrafo. É interessante notar, porém, que nem a escrita carolina, nem a escrita uncial, tinham letras maiúsculas e minúsculas; todas as letras eram idênticas, com as do início dos parágrafos sendo maiores apenas para demarcá-los. Nesse estágio da evolução da escrita, ainda não se misturavam letras maiúsculas e minúsculas no mesmo texto; cada modelo de escrita era considerado um "alfabeto separado", e, quando se escolhia um modelo, apenas as letras daquele modelo eram usadas.

Por ordem de Carlos Magno, a escrita carolina se tornaria o padrão na Europa - embora outros modelos, como a uncial e a chamada merovíngia, ainda fossem usadas em menor escala por alguns rebeldes. Conforme se espalhava pelo continente, a escrita carolina evoluiria, ganhando diferentes características: na França as letras tinham traços finos e longos, enquanto na Alemanha as letras costumavam ser mais largas e mais altas. Foi esse segundo tipo, inclusive, que acabaria substituindo a escrita carolina: em meados do século XII, conforme as universidades se popularizavam, a demanda por livros crescia, e as letras carolinas, após mais de três séculos de domínio, se viram incapazes de supri-la devido a um problema prático - as letras carolinas tradicionais, largas, levavam muito tempo, davam muito trabalho, consumiam muita tinta e ocupavam muito papel. Enquanto eram usadas apenas para documentos e textos religiosos, isso não era um problema, mas quando as universidades passaram a precisar de várias cópias de seus livros de direito, gramática, história e outros assuntos, os escribas e copistas se viram sem tempo nem material para atender à demanda adequadamente.

As letras usadas na Alemanha, por outro lado, sendo estreitas e menos decoradas, podiam ser escritas em menos tempo, gastando menos tinta e ocupando menos papel que suas "rivais", e logo se tornariam o padrão para os livros universitários. No século XV, durante a Renascença, esse tipo de letra seria batizado como "gótica", palavra que, à época, era sinônimo de "bárbara", porque a letra era considerada muito feia, como se tivesse sido escrita por bárbaros, e não por homens letrados ("gótico", aliás, é uma espécie de erro de tradução: em português, o correto seria "godo", o nome de uma das tribos bárbaras que habitavam a Alemanha na época da queda do Império Romano; em italiano, porém, "godo" é "gotico", nome que foi mantido em português para a letra, mas não para a tribo). E é essa a parte que nos interessa, já que a escrita gótica foi a primeira a ter maiúsculas e minúsculas bem definidas.

Lembram-se das letras grandes e decoradas do início de cada parágrafo na escrita uncial? A escrita gótica também as tinha, mas com uma diferença: as do início de cada frase, bem como as do início de nomes próprios, também era maior e decorada - embora as do início de cada parágrafo, às vezes, fossem mais finamente decoradas ainda. Outra diferença era que, enquanto nas escritas uncial e carolina as letras maiores eram idênticas às menores, na escrita gótica elas eram diferentes: as menores lembravam a escrita carolina, enquanto as maiores lembravam as letras originais do alfabeto latino. Não se sabe como essa característica surgiu, mas, a partir do século XV, durante a Renascença, ela começou a ser imitada por escribas que usavam outros tipos de letras. Como a Renascença ditava a moda na Europa, esse costume se espalhou, e acabou dando origem às letras maiúsculas e minúsculas. E é por isso que as minúsculas (pelo menos no alfabeto latino) não são simplesmente versões menores das maiúsculas.

Assim como ocorre com a escrita cursiva, o alfabeto latino, obviamente, não é o único a ter letras maiúsculas e minúsculas. O nome técnico para um sistema de escrita que tem letras maiúsculas e minúsculas é bicameral, e, atualmente, seis sistemas de escrita são bicamerais: os alfabetos latino, grego, cirílico e armênio, o silabário cherokee e a abugida varang kshiti (usada para escrever em um idioma chamado ho, falado em partes da Índia e de Bangladesh); no passado, os alfabetos húngaro antigo, glagolítico e cóptico (um alfabeto derivado do grego, oficial no Egito até o século XIII, quando foi substituído pelo árabe), também eram bicamerais, mas hoje só podem ser encontrados em textos antigos preservados, não sendo usados no dia a dia.

As letras minúsculas do alfabeto grego, assim como as cursivas do hebraico, possuem a distinção de serem, salvo algumas exceções, completamente diferentes de suas versões maiúsculas. Sua primeira versão surgiu no século VII, quando escribas gregos criaram uma versão da escrita uncial para o alfabeto grego, partindo do mesmo princípio: letras arredondadas e que pudessem ser escritas com um único traço cada. A escrita uncial grega foi mais duradoura que a latina, resistindo até o século XII, quando assumiu as formas usadas até hoje - que, evidentemente, não apareceram da noite pro dia, e sim foram resultado de uma evolução da escrita ao longo desses séculos. Assim como no alfabeto latino, originalmente em grego não se misturavam maiúsculas e minúsculas; essa prática começou a ser usada por volta de 1300, provavelmente inspirada pelas letras góticas. Uma característica interessante do alfabeto grego, que vale ser citada, é que a letra sigma (equivalente ao nosso S) possui duas versões minúsculas, sendo que uma delas só é usada quando tal letra aparece no final de uma palavra. Isso também existia na escrita uncial do alfabeto latino, que tinha uma versão do s, hoje conhecida como "s longo" (ſ), própria para se usar no meio das palavras, com a que usamos hoje aparecendo apenas no final; com a escrita carolina, o s longo foi abandonado, passando o "s comum" a ser usado em qualquer posição.

Já as minúsculas dos alfabetos cirílico e armênio surgiram pela imitação de seus pares. Ambos foram inventados por apenas uma pessoa cada, o cirílico por São Clemente de Ocrida, o armênio por Mesrop Mashtots, estudioso da corte do Rei Vramshapuh, que, no final do século IV, foi ordenado por seu monarca a criar um alfabeto para substituir a escrita cuneiforme usada pelo povo armênio até então. Estudando os alfabetos existentes na época, Mashtots chegou à conclusão de que o melhor método era o do grego, no qual cada letra correspondia a exatamente um som; com isso em mente, ele criou um conjunto de 39 letras, cada uma correspondendo a um dos sons do idioma armênio. Originalmente, nem esse alfabeto armênio, nem o primeiro alfabeto cirílico (hoje conhecido como cirílico arcaico) tinham maiúsculas e minúsculas; somente a partir do século XII, quando os alfabetos grego e latino começaram a misturar letras maiúsculas e minúsculas, é que começaram a surgir os primeiros textos em cirílico e em armênio também com letras maiúsculas e minúsculas. Por essa razão, nesses alfabetos, quase todas as letras minúsculas são apenas versões menores das maiúsculas, sem formatos diferentes - em cirílico, apenas A, б, E, Ë e ф têm letras minúsculas que diferem das maiúsculas, e, mesmo assim, A, E e Ë são copiadas das minúsculas latinas.

O silabário cherokee também foi inventado por uma única pessoa, o Chefe Sequóia dos Cherokee, entre 1809 e 1824 no Canadá, e ele resolveu fazer o serviço completo: inventou tanto as letras maiúsculas e minúsculas quanto a escrita cursiva - talvez por isso tenha levado quase 20 anos. Quase todas as letras minúsculas são apenas versões menores das maiúsculas, mas as letras cursivas são totalmente diferentes de suas correspondentes em bastão, sendo todas extremamente trabalhadas e cheias de "voltinhas" - o que faz com que a maioria dos cherokee prefira escrever apenas em bastão, já estando a escrita cursiva considerada fadada ao desaparecimento. Finalmente, o varang kshiti também foi inventado por uma única pessoa, o líder religioso Dhawan Turi, no século XIII, que já o inventou com maiúsculas e minúsculas, embora, mais uma vez, as minúsculas sejam apenas versões menores das maiúsculas.

Nosso terceiro assunto de hoje é a acentuação gráfica. Ninguém sabe ao certo quem inventou a acentuação, mas sabe-se que ela foi inventada pelos gregos, já que os primeiros textos contendo acentos, datados do século I a.C., estão escritos em grego, usando o alfabeto grego. O motivo pelo qual a acentuação foi inventada, por outro lado, é evidente: quando o alfabeto grego foi criado, cada letra correspondia a um som presente no idioma grego, e com elas era possível escrever todas as palavras desse idioma sem dúvidas; conforme a língua evoluía, porém, novos sons eram adicionados, sendo que alguns deles mudavam o sentido de uma palavra, o que fez com que já não fosse possível ler um texto sem nenhuma dúvida (por exemplo, se você ler "vovo fez um bolo", não saberá se é "vovó" ou "vovô"). Ao invés de inventar letras novas para esses sons, optou-se por criar pequenos sinais, que seriam adicionados às letras cada vez que elas tivessem um som diferente do original.

É importante ter em mente que pouquíssimas pessoas sabiam ler ou escrever na época, então a adição desses sinais não foi um ato governamental de grande importância, e sim uma iniciativa das próprias pessoas responsáveis por registrar as palavras de forma escrita, como os escribas. Inclusive, acredita-se que foram criados diversos sistemas de acentuação gráfica diferentes, cada um por um grupo interessado em acabar com as dúvidas na hora de se ler um texto escrito; o que se tornou mais famoso e mais usado foi o que continha os três acentos que usamos ainda hoje: o agudo, o grave e o circunflexo. Também não se sabe por que justamente esse sistema prevaleceria, mas suspeita-se que foi porque ele era o mais simples, com os acentos sendo usados para demarcar a sílaba tônica de uma palavra, e diferentes acentos fazendo com que ela tivesse diferentes sons (como no já usado exemplo da vovó e do vovô). Com o tempo, os acentos grave e circunflexo deixaram de ser usados, mas o acento agudo é usado no idioma grego até hoje, principalmente para diferenciar palavras que têm grafia igual mas significado diferente.

Quando os romanos inventaram seu próprio alfabeto, mais uma vez cada letra correspondia a um som, o que eliminava a necessidade de acentos; mas, conforme as línguas derivadas do latim foram surgindo, mais uma vez novos e diferentes sons seriam incorporados aos já existentes, o que trouxe esta necessidade de volta. Como, na época, ainda havia muitos textos escritos em grego no Império Romano, foi adotada a solução mais simples: importar do grego os acentos agudo, grave e circunflexo. Como novos sons não pararam de surgir, seriam inventados outros sinais, como o til, que indica som nasal, e o macron, que indica que o som de uma vogal é mais longo que o normal.

A palavra "acento", originalmente, dizia respeito não aos sinais em si, e sim à característica de cada palavra possuir uma sílaba mais forte (tônica) que as demais. Hoje, em português, usamos o termo acentuação tônica quando queremos nos referir ao fato de cada palavra ter uma sílaba tônica, e acentuação gráfica para nos referirmos ao costume de usar sinais gráficos para demarcar os sons de uma palavra. Nesse último caso, entretanto, o termo "acentuação" não é totalmente correto, já que nem todos os sinais gráficos que usamos são verdadeiramente acentos. Os acentos são um dos subgrupos dos sinais gráficos conhecidos como diacríticos - palavra que vem do grego diakrino, "distinguir", nome que lhes foi dado justamente porque eram usados para que fosse possível distinguir o som de cada letra. O subgrupo dos acentos, além do agudo, do grave e do circunflexo, conta com o hacek (também conhecido como carom), um circunflexo de cabeça para baixo muito usado nos idiomas eslavos, e os estranhos agudo duplo e grave duplo, comuns no idioma húngaro. Os outros subgrupos são o dos pontos (que inclui o pingo, o ponto inferior e o trema), o das curvas (que inclui o breve, o breve invertido e o til), o das linhas (que inclui a barra, o slash e o macron), o dos anéis (cujo único representante é o angstrom) e o das ondulações, que por sua vez é subdividido em sobrescritas (que incluem o apóstrofo e o gancho) e em subscritas (que incluem a cedilha, a vírgula e o ogonek).

Pouca gente sabe, mas o pingo também é um diacrítico - em turco, por exemplo, existe o i sem pingo (ı), cujo som é diferente do i com pingo. A história de por que todos os nossos i (e j) levam pingo é bem interessante, e a culpa é da escrita cursiva: lá no Império Romano, quando se começou a escrever em cursivo, frequentemente, quando o i era escrito antes ou depois de outro i, u, m ou n, as pessoas ficavam em dúvida sobre qual seria a palavra (confundindo, por exemplo, ingenii com ingenu). Para solucionar esse problema, no século XI, se estabeleceu a prática de se colocar um pingo sobre os i que pudessem ser confundidos com outra letra, que, depois, se alastrou não somente para todos os i, mas também para todos os j, já que o j, originalmente, era um derivado do i. Como a confusão só ocorria com o i minúsculo, somente os i e j minúsculos têm pingos - exceto em turco, já que, como existem palavras que começam com o i com pingo, é necessário existir um i com pingo maiúsculo (İ).

Nem todos os idiomas usam todos os diacríticos, e cada idioma possui regras próprias que determina o que cada um deles faz. Em português, por exemplo, só usamos o acento agudo, o grave, o circunflexo, o til, a cedilha e o apóstrofo (antes da última reforma ortográfica, usávamos também o trema), e, mesmo assim, nenhum deles é usado em conjunto com todas as letras (não colocamos acento circunflexo em I ou U, por exemplo). Outros idiomas têm suas próprias regras, muitas vezes bastante diferentes das nossas: enquanto em português o acento agudo pode ser colocado sobre qualquer vogal, para indicar som aberto, em francês, por exemplo, ele só pode ser colocado sobre o E, e indica som fechado (ou seja, em francês, um "é" tem som de "ê"). Um dos motivos pelos quais não usamos outros diacríticos foi que a língua portuguesa deu preferência aos dígrafos para representar sons que não poderiam ser representados por uma única letra. Em relação à palatalização, por exemplo, em português usa-se o H logo após a letra que terá seu som palatalizado - criando os pares CH, LH e NH. Em outros idiomas, a palatalização é indicada por diacríticos, como no espanhol, no qual é usado um til sobre o N (ou seja, o som do ñ espanhol é o mesmo do nosso "nh"), e no romeno, no qual é usada uma vírgula sob o S e sob o T (ou seja, ș e ț ao invés de sh e th).

Alguns idiomas usam muitos diacríticos, como o vietnamita, que, para marcar a tonalidade das vogais, chega a usar mais de um diacrítico na mesma letra, como na palavra cất ("construir"), que tem um agudo e um circunflexo ao mesmo tempo sobre o "a". Por outro lado, há os que não usam diacrítico nenhum, ou usam um número muito reduzido deles. O inglês, por exemplo, não tem nenhuma palavra nativa que use diacríticos, embora tenha algumas palavras em seu vocabulário que foram "emprestadas" de outros idiomas, principalmente do francês, que os usam (como naïve e façade). O que determina a mudança do som ou a marcação da sílaba tônica em inglês são as letras dobradas - o som do A de apple é diferente daquele do A de staple por causa do p dobrado, por exemplo. Outro bom exemplo é o holandês, que só usa o acento agudo e o trema, e, mesmo assim, muito raramente, preferindo usar dígrafos - um "e" tem som de "ê", enquanto um "ai" tem som de "é", por exemplo.

Também é interessante registrar que, em português, as letras com diacríticos não são consideradas letras novas, apenas versões diferentes de letras já existentes; esse não é o caso, porém, em muitos idiomas, nos quais uma letra com diacrítico é considerada uma letra totalmente nova, com seu próprio lugar na ordem alfabética. O alfabeto usado no idioma polonês, por exemplo, possui 32 letras, sendo 23 das 26 que usamos (as exceções sendo Q, V e X, que jamais aparecem em palavras de origem polonesa), e mais 9 "novas" (ą ć ę ł ń ó ś ź ż), que vêm na ordem alfabética logo após suas versões sem diacríticos (o Ł vem entre o L e o M, por exemplo). Isso ocorre, também, no alfabeto cirílico usado para o idioma russo, no qual Ë e й são letras diferentes de E e и, e vêm na ordem alfabética logo depois delas.

A essa altura, acho que já é evidente que o alfabeto latino não é o único que usa diacríticos: o alfabeto grego, como já vimos, ainda usa o acento agudo, e, em algumas de suas diversas versões, o alfabeto cirílico usa o acento agudo (como no Ѓ do macedônio), o acento grave (como no Ѝ do búlgaro), o breve (como no Ў do bielorrusso) e o trema (como no ï do ucraniano). Em russo, em dicionários, livros didáticos voltados para crianças, e materiais voltados a estrangeiros que não estejam familiarizados com o idioma, o acento agudo também é usado para indicar qual seria a sílaba tônica de cada palavra, embora esse uso não esteja presente no dia a dia. Também podemos citar os diacríticos que não representam acentuação gráfica, como os dos abjads árabe e siríaco, os niqqudot do hebraico, e o ten-ten (dois traços) e o maru (círculo), presentes no hiragana e no katakana japoneses, e que, adicionados ao canto superior direito de certas letras, mudam a sílaba que aquela letra representa ("ha" com ten-ten vira "ba" e com maru vira "pa", por exemplo).

Para terminar por hoje, falta falar sobre pontuação. Conforme vimos anteriormente, no início, todos os textos eram escritos integralmente em maiúsculas e sem qualquer espaço entre as palavras, o que tornava meio difícil para alguns copistas copiá-los corretamente - com muitos dividindo as palavras no meio ao terminar uma linha, por exemplo. No século III, o grego Zenódoto de Éfeso, responsável pela Biblioteca de Alexandria, teve a ideia de criar o espaçamento, colocando um pequeno espaço entre uma palavra e outra, para facilitar a leitura, e ordenou a todos os copistas da Biblioteca que usassem o espaçamento quando copiassem seus textos. Um dos discípulos de Zenódoto, chamado Aristófales de Bizâncio, foi mais além, e decidiu colocar pequenos sinais junto às palavras, que facilitassem a tarefa na hora de copiar os textos: um ponto no alto da linha significava o fim de um grupo de palavras, um ponto no meio da linha significava que mais tarde algo seria adicionado àquele trecho, e um ponto na base da linha indicava que o significado daquela frase se completaria adiante. Como esse é o primeiro sistema de pontuação do qual se tem registro, o grego Aristófales é considerado o inventor da pontuação. O nome "pontuação", aliás, vem do fato de que cada grupo de copistas tinha uma espécie de "cola", uma lista dos sinais que deveriam ser usados por todo o grupo; essa lista se chamava punktus ("ponto"), nome que recebeu porque o sistema original, criado por Aristófales, usava apenas pontos.

Como a Biblioteca de Alexandria era a mais famosa do mundo, o sistema de pontuação logo passaria a ser usado por outros escribas e copistas. Nesse primeiro momento, entretanto, a pontuação tinha um propósito bem diferente da que tem hoje, sendo destinada não a quem lia o texto, mas sim a quem o escrevia; em outras palavras, a pontuação era um sistema de instruções para que quem copiasse o texto não mudasse seu sentido. Isso começaria a mudar, entretanto, já no século IV, quando começariam a circular os primeiros textos destinados à leitura em voz alta - em especial, a Bíblia. Para que tais textos fossem lidos na cadência correta, e mantivessem o sentido pretendido pelo autor, eles vinham acompanhados de uma série de símbolos, que especificavam paradas, entonação e outras características do texto. Não havia uma padronização, porém, com cada grupo usando seus próprios símbolos.

A padronização da pontuação ocorreria somente mais de mil anos depois de sua criação, com a invenção da prensa de tipos móveis no século XIV, que permitiu que cópias de livros fossem produzidas em maior velocidade e quantidade do que no sistema de cópias à mão usado até então. O sistema de pontuação que usamos hoje foi criação do editor Aldus Manutius, da cidade de Veneza, que, em parceria com seu neto (também chamado Aldus Manutius), criou o ponto final, a vírgula, o ponto-e-vírgula, os dois pontos e os parênteses. O sistema criado pelos Manutius era bem mais simples que a maioria dos usados até então, o que levou a uma rápida popularização, com praticamente todos os editores italianos passando a adotá-lo até o final do século XV. Ao longo dos anos seguintes, também seriam inventados, por diversas pessoas, e incorporados ao sistema-padrão, o ponto de interrogação, o ponto de exclamação, as reticências, o hífen e as aspas. No final do século XVII, o sistema de pontuação padrão da Europa já estava implementado, sendo usado em todos os países do continente.

Aparentemente, o sistema de pontuação inventado pelos Manutius era tão bom que se alastrou até mesmo para os outros sistemas de escrita - os alfabetos grego e cirílico, os abjads árabe e hebraico, e até mesmo o hiragana e o katakana, todos usam o mesmo sistema de pontuação que o alfabeto latino. Podem ocorrer, entretanto, algumas variações quanto a qual símbolo é usado para qual situação, ou na aparência dos símbolos: em grego, por exemplo, o ponto-e-vírgula é usado no final de cada pergunta, ao invés do ponto de interrogação; em armênio a função dos dois pontos e do ponto final são invertidas (o fim de cada frase é marcado com os dois pontos); em árabe, como a escrita é da direita para a esquerda, o ponto de interrogação e a vírgula são espelhados (؟); e, é claro, existem os famosos ponto de exclamação e de interrogação "de cabeça para baixo" (¿), usados no início de exclamações e perguntas no idioma espanhol.
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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Escrito por em 26.12.16 com 0 comentários

Alfabeto (I)

Há três semanas, no post 700, eu mencionei que, na época do BLOGuil, eu criei uma seção chamada Almanaque BLOGuil, que, na forma de perguntas e respostas, trazia curiosidades sobre temas como o alfabeto, os baralhos ou as Olimpíadas. Essa seção, que logo viria a se tornar uma das minhas preferidas, surgiria meio por acaso, quando conversávamos sobre o porquê dos dias da semana terem "nomes próprios" em vários idiomas, mas serem numerados sequencialmente em português. Logo eu comecei a procurar outros assuntos que suscitassem aquelas perguntas que de vez em quando fazemos, mas nem sempre nos animamos a buscar as respostas.

Ao todo, eu fiz oito posts para o Almanaque BLOGuil. Dois deles, o das Olimpíadas e o dos Baralhos, depois foram expandidos e se tornaram séries de posts aqui no átomo. Os outros seis, por tratarem de temas, digamos, mais abstratos, eu tive mais dificuldade para decidir trazer para cá. Tipo, eu já pensei no mínimo umas quatro vezes em transformá-los em posts do átomo (uma delas como parte de uma série chamada "O Melhor do BLOGuil"), mas sempre acabei desistindo.

Entretanto, talvez ter escrito sobre o BLOGuil há duas semanas tenha me animado a desengavetar esse projeto: essa semana, enquanto definia qual seria o post de número 703, decidi arriscar e transformar mais um post do Almanaque BLOGuil em post do átomo. Evidentemente, esse post não será uma reprodução daquele do BLOGuil, contendo novas informações, e sendo estruturado como texto corrido, e não como perguntas e respostas. Eu planejo fazer o mesmo com os outros temas restantes do Almanaque BLOGuil, embora não saiba nem possa prometer quando; já que alguns desses temas não encaixam em nenhuma das Categorias existentes, eles ficarão agrupados na nova Categoria "Almanaque", que eu estou inaugurando hoje. Portanto, puxem uma cadeira, peguem seus lápis e preparem-se: hoje é dia de alfabeto no átomo.

A importância da escrita para a civilização é imensurável, já que, sem um sistema de escrita, seria bem mais difícil difundir conhecimento - de fato, para muitos, o que diferencia um povo civilizado de um povo bárbaro é justamente a linguagem escrita, tanto que a própria História da humanidade só começa a ser considerada como tal a partir do surgimento da escrita, sendo tudo o que veio antes considerado Pré-História. O alfabeto é, talvez, a mais importante peça de um sistema de escrita, justamente por ser o método mais prático: são poucas letras, fáceis de se decorar e que, combinadas, podem formar todas as palavras de um determinado idioma. Se ninguém jamais tivesse inventado um alfabeto, provavelmente hoje estaríamos todos desenhando ao invés de escrevendo para registrar nossa linguagem.

O primeiro povo a desenvolver a linguagem escrita, os egípcios, inclusive, fizeram justamente isso, criando um conjunto de símbolos hoje conhecidos como hieróglifos, derivados das antigas pinturas rupestres com as quais os homens pré-históricos registravam cenas de seu cotidiano. Os hieróglifos eram um conjunto de 24 desenhos ricamente trabalhados, como um falcão, um rio ou uma cobra, cada um relacionado a um som presente no idioma do Antigo Egito. Estima-se que os hieróglifos tenham sido criados por volta do ano 3300 a.C., e seu principal uso era para registrar textos sagrados, como os encontrados nas paredes internas dos templos, sendo daí que veio seu nome: em grego, hierós significa "sagrado", e glyphein significa "escrita". Uma dificuldade no uso dos hieróglifos é que nem todos os sons possíveis do idioma egípcio antigo eram representados - exceto por um que representa uma vogal inicial ou final, cada um deles representa um som consonantal, devendo a vogal que vem depois dessa consoante (e até mesmo a vogal inicial ou final, no caso do outro símbolo), ser deduzida por quem lê a palavra. É mais ou menos como se alguém escrevesse SCO, e quem estivesse lendo tivesse de deduzir se a palavra era "saco", "seco", "soco" ou "suco" de acordo com o contexto.

No século XV a.C. - mais de quinze séculos após a criação dos hieróglifos, portanto - surgiria no Deserto do Sinai o primeiro conjunto de símbolos que poderia ser considerado efetivamente um alfabeto. Chamado de protossinaítico, palavras usando seus 22 símbolos seriam encontradas nas paredes de minas egípcias da Península do Sinai, e teriam sido escritas por um povo de origem semita que vivia na região, foi escravizado pelos egípcios e forçado a trabalhar nessas minas. Recentes estudos descobriram que esse alfabeto era a evolução de um conjunto de símbolos ainda mais antigo, criado por volta do século XVIII a.C., e inspirado em um conjunto de hieróglifos usado na região desde o século XX a.C. (é sempre bom lembrar que, para tempo a.C., a contagem é de trás para frente, então o século XX veio antes do XV).

É interessante registrar que o protossinaítico tem seu status de "primeiro alfabeto" contestado por dois grupos de pesquisadores, o primeiro por uma questão técnica: desde que os sistemas de escrita começaram a ser estudados e classificados, ainda no século XVIII, ficou estabelecido que, para que um sistema de escrita seja considerado um alfabeto, suas letras devem representar as consoantes e as vogais da língua com igual valor (ou seja, uma letra para cada consoante e uma letra para cada vogal). O primeiro grupo, portanto, alega que o protossinaítico não possui símbolos para representar as vogais, e que aqueles que identificam alguns de seus símbolos como vogais estariam equivocados. O segundo grupo alega que, mesmo que o protossinaítico seja um alfabeto, não foi o primeiro: segundo eles, um outro conjunto de 30 símbolos, incluindo três que representavam vogais, já eram usados na cidade de Ugarit, na Síria, desde antes do século XV - embora, como Ugarit foi destruída por volta de 1180 a.C., é difícil precisar quando de fato esses símbolos teriam sido inventados.

Seja como for, um dia o povo semita do Deserto do Sinai deixaria de ser escravo do Egito, e, no século XII a.C., fundaria, entre o que é hoje o norte da Síria e o centro-sul da Turquia, um reino que ficaria conhecido como Neo-Hitita (o Império Hitita original, que ocupava o que hoje é a Síria, havia caído alguns anos antes, então esse era o novo). O protossinaítico, com algumas modificações, se tornaria o conjunto de símbolos oficial para a escrita dos neo-hititas, e logo se popularizaria também dentre seus vizinhos, os cananeus e os fenícios.

Os fenícios eram um povo mercante, especializado em negociar com outros povos, e, portanto, gostava de fazer tudo da forma mais prática possível, para não perder tempo e, consequentemente, dinheiro. Assim, eles adaptaram os símbolos protossinaíticos para as formas mais simples possíveis - em uma simplificação exagerada, era como se os hieróglifos fossem desenhos trabalhados, os símbolos protossinaíticos fossem desenhos simples, e os símbolos fenícios fossem um bando de rabiscos. Ao todo, os fenícios criaram 24 "rabiscos", que, justamente devido à sua facilidade de escrita, logo se tornariam populares também dentre seus vizinhos, substituindo os conjuntos de símbolos que eles usavam. Criado no século X a.C., o alfabeto fenício foi o primeiro a ter um símbolo diferente para cada consoante e para cada vogal presentes no idioma fenício, sendo, portanto, o primeiro alfabeto "verdadeiro" - embora isso também seja contestado por um grupo de pesquisadores, que alega que suas vogais não representam sons de vogais, mas melhor deixar isso pra lá.

Os fenícios também eram um povo que viajava muito, principalmente para negociar. Viajando, eles levaram seu alfabeto para todo lado, e isso acabou estimulando o surgimento de vários outros: basicamente, cada povo que negociava com os fenícios já tinha um sistema de escrita qualquer, mas, ao ver que o dos fenícios era mais simples, acabava adotando-o também, primeiro em suas negociações com os fenícios, depois em seu dia a dia. Como cada língua tinha suas particularidades, os símbolos fenícios acabavam modificados ou ganhavam adições, dando origem a novos alfabetos. Foi assim, por exemplo, que surgiram os conjuntos de símbolos cananeu e aramaico, que, mais tarde, dariam origem ao usado no idioma hebraico, e o nabateu, que daria origem ao usado no árabe.

Quando os fenícios chegaram á Grécia, esse esquema se repetiu: na época, os gregos usavam um conjunto de símbolos conhecido hoje como Linear B, que descendia de um conjunto anterior chamado Linear A, que, por sua vez, era baseado nos hieróglifos egípcios. O Linear A possui pouquíssimos exemplares sobreviventes, então jamais foi decifrado e ninguém sabe ao certo quantos símbolos ele tem, mas o Linear B possuía nada menos que 87 símbolos que representavam cada um uma sílaba presente no idioma micênico, o usado na Grécia na época de sua criação, e mais de 100 símbolos que representavam cada um uma palavra inteira, usados em conjunto com os outros 87. Evidentemente, para quem escrevia, era mais fácil aprender 24 símbolos do que duzentos, então os gregos rapidamente adotaram os símbolos fenícios, mais uma vez fazendo as modificações necessárias.

Foi graças aos gregos, também, que o alfabeto ganharia seu nome: no alfabeto fenício, cada letra possuía o nome de um animal, planta ou objeto cujo nome começasse com aquela letra, e cuja forma lembrasse a do nome em questão. Assim, a primeira letra do alfabeto fenício, que se parecia com a cabeça de um touro, se chamava aleph, que significava "boi" em fenício, e a segunda, que se parecia com o telhadinho de uma casa, se chamava bet, que significava "casa". Esses nomes acabariam mantidos no hebraico, mas, no grego, foram corrompidos para alpha e beta. E, juntando os nomes das duas primeiras letras, chegou-se ao nome alfabeto.

Antes mesmo de Roma conquistar a Grécia, os gregos já possuíam transações mercantis com os povos da península itálica, e, assim, o alfabeto grego chegaria até a Itália, onde acabaria mais uma vez adaptado, de acordo com os gostos e necessidades de cada povo local, dando origem a diversos novos alfabetos. Um desses alfabetos seria criado pelos etruscos, povo que vivia na região da Itália hoje correspondente à Toscana, à Úmbria e ao Lácio. Os etruscos possuíam um idioma próprio, também chamado etrusco, e, por volta do século VIII a.C., adaptaram as letras do alfabeto grego a seus sons, criando o alfabeto etrusco, que tinha 27 letras, três a mais que o grego.

Por volta do século VII a.C., surgiria, na região do Lácio, um novo idioma, que se tornaria conhecido como latim, e as letras foram novamente adaptadas, dando origem ao alfabeto latino (pois, originalmente, "latino" era o nome dado a quem nascia no Lácio; vale citar também que é por isso que o idioma português é conhecido como "a última flor do Lácio", já que teria sido o último dos idiomas derivados do latim a surgir), que usava 21 das 27 letras etruscas, algumas com formatos modificados. Quando o Império Romano decidiu adotar o latim como sua língua oficial, trouxe junto o alfabeto latino, que ganharia a adição de duas novas letras, presentes no alfabeto grego mas não no latino original, para um total de 23. As três restantes seriam adicionadas ao longo dos anos, emprestadas de alfabetos usados por povos conquistados pelos romanos, até chegarmos às 26 que usamos hoje.

A Grécia não seria, porém, o único local onde o alfabeto fenício seria adaptado e daria origem a um novo. Por volta do século I d.C. surgiria, no norte da Europa, um alfabeto derivado do fenício conhecido como futharco, cujo nome vinha não de um povo, mas de suas seis primeiras letras (F, U, Þ, A, R e K). As letras desse alfabeto eram conhecidas como runas, do norueguês rún, que significava, bem, "letra". Por causa disso, ao longo dos séculos I e II d.C., o futharco daria origem a diversos alfabetos hoje conhecidos coletivamente como alfabetos rúnicos, já que suas palavras usavam as runas, e não as letras dos alfabetos grego ou latino. Alfabetos rúnicos, cada um com pequenas variações de um para outro, eram usados na Noruega, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Grã-Bretanha e Irlanda. Conforme os romanos conquistavam essas regiões, entretanto, eles impunham o alfabeto latino como a única forma oficial de se escrever por lá, o que acabaria levando à extinção dos alfabetos rúnicos, hoje encontrados apenas em inscrições antigas. Algo semelhante aconteceria na Hungria, onde, desde o século V a.C., era usado um alfabeto derivado do fenício, hoje conhecido como alfabeto húngaro antigo; por influência do Império Romano, esse alfabeto foi gradativamente abandonado em prol do latino, mesmo sendo mais difícil representar os sons próprios do idioma húngaro usando o alfabeto dos romanos. Hoje, o alfabeto húngaro antigo ainda é usado em textos religiosos e no dia a dia em algumas regiões do país, mas não é considerado um alfabeto oficial do idioma húngaro.

A influência do Império Romano sobre a Europa, aliás, foi tão grande que praticamente todos os povos europeus passaram a usar o alfabeto latino, não importando o quanto os sons de seus idiomas fossem complicados de se representar com suas letras. Para tentar contornar essa situação, alguns idiomas usaram combinações de letras (não existem os sons LH e NH em latim, então, para representá-los, usamos duas letras ao invés de uma), sendo que essas combinações não são as mesmas para todos os idiomas (em italiano, por exemplo, o som NH é representado por GN); em conjunto com as combinações de letras, alguns alfabetos também usam sinais gráficos, como os acentos, a cedilha e o til, que mudam o som original das letras (em espanhol, por exemplo, o som NH é representado por Ñ). Há ainda alguns idiomas que optaram pelo caminho mais difícil, e acrescentaram letras novas ao alfabeto latino: hoje, estão em vigor a letra ß, usada no alemão, erroneamente chamada de "beta", cujo nome verdadeiro é ess-zet, e que tem som de SZ; o eth (ð) e o thorn (þ), letras "emprestadas" do futharco usadas hoje no islandês, e que fariam bastante sentido se usadas no inglês, já que a primeira tem o som do TH de thing e a segunda o do TH de that; e o schwa (ə), usado no azeri, o idioma do Azerbaijão, para o som de "é" (com o "e" tendo som de "ê"). Vale citar ainda que alguns idiomas, como o francês, costumam "grudar" duas letras em algumas palavras, como em œuf ("ovo"), isso se chama ligatura, e não constitui uma letra nova, apenas o ato de se escrever duas letras juntas - como curiosidade, o famoso & também é uma ligatura, das letras E e T, e surgiu porque a conjunção aditiva "e", em francês, se escreve et.

Por volta do ano 862 d.C., dois irmãos e monges bizantinos nascidos na cidade de Salônica, Grécia, seriam enviados pelo Imperador de Bizâncio, Miguel III, para catequizar a região da Morávia, que hoje corresponde a partes da República Tcheca, Eslováquia e Hungria. Esses monges, hoje conhecidos como São Cirilo e São Metódio, decidiriam traduzir os livros religiosos que usariam em sua liturgia, originalmente escritos em grego e latim, para o idioma eslavônico, usado na Morávia na época, para que a população compreendesse seu sentido e fosse mais facilmente convertida. Eles se depararam, porém, com um problema: o idioma eslavônico possuía sons que não estavam presentes nem no grego nem no latim, e representá-los com o alfabeto grego ou latino de forma que os monges eslavos (que depois iriam ler esses textos) compreendessem o que estava escrito se mostrou inesperadamente difícil. São Cirilo, então, decidiu criar um novo alfabeto de 42 letras especialmente para representar os sons próprios do eslavônico, originalmente conhecido apenas como alfabeto eslavônico, mas que, a partir do século XIV d.C., passou a ser chamado de glagolítico - palavra derivada do verbo glagolati, que, em eslavônico, significava "falar".

O alfabeto glagolítico, entretanto, não era usado pela população em geral, e sim apenas pelos monges, e na maior parte das vezes apenas em textos religiosos. No final do século VIII d.C., um monge discípulo de São Cirilo, hoje ele mesmo um santo, São Clemente de Ocrida, que vivia em um monastério na Bulgária, decidiria criar uma nova versão do alfabeto glagolítico, que seria usado junto ao grego ou ao latino quando os monges de sua ordem fossem ensinar outras pessoas a ler e a escrever. São Clemente de Ocrida achava os desenhos das letras do alfabeto glagolítico muito trabalhados em comparação com os gregos e latinos, e temia que muitos se desanimassem a aprendê-las, por isso, ele "copiaria" muitas das letras do alfabeto grego, inventando letras novas para os sons que existissem no idioma búlgaro mas não no grego. Por coincidência, esse novo alfabeto também acabaria com 42 letras. Ao invés de chamá-lo de alfabeto búlgaro, São Clemente de Ocrida decidiria homenagear seu mentor, já falecido na época em que o novo alfabeto foi criado, e chamá-lo de cirílico, palavra derivada do nome Cirilo.

O nome do alfabeto, aliás, hoje é tema de muita discussão entre acadêmicos do leste europeu. A maioria dos alfabetos ainda usados hoje tem o mesmo nome do idioma o qual ele foi criado para representar, como, por exemplo, "alfabeto grego" ou "alfabeto latino"; com o cirílico, isso não ocorre, já que não há um "idioma cirílico". Como o russo é hoje o idioma mais conhecido que utiliza o alfabeto cirílico, a maioria das pessoas, imitando o padrão, acaba chamando-o de "alfabeto russo", o que, como vocês devem imaginar, irrita os linguistas búlgaros, já que não foi na Rússia nem para o idioma russo que o alfabeto nasceu, e sim na Bulgária para o idioma búlgaro. Diversos acadêmicos búlgaros defendem uma mudança oficial no nome do alfabeto para "alfabeto búlgaro", enquanto acadêmicos da Rússia e Sérvia propõem um meio-termo, segundo o qual o alfabeto seria conhecido como azbuka - palavra que, assim como "alfabeto", é a junção dos nomes das duas primeiras letras do alfabeto cirílico original, az e buk. Enquanto não se chega a uma conclusão, o alfabeto continua oficialmente sendo chamado de cirílico, e popularmente conhecido como russo, apesar dos protestos dos búlgaros.

O alfabeto cirílico usado hoje não é o mesmo criado por São Clemente de Ocrida, que atualmente é conhecido como "alfabeto cirílico arcaico". Ao longo dos anos, ele foi sofrendo modificações para se adequar aos diferentes idiomas dos países onde era adotado, perdendo algumas letras e ganhando algumas novas. A mais conhecida versão do alfabeto cirílico hoje, como já foi dito, é a usada para representar o idioma russo, que possui 33 letras; a versão usada atualmente na Bulgária tem 30 letras, todas presentes na versão russa, mas a versão usada na Sérvia, por exemplo, apesar de também ter 30 letras, possui seis que não estão presentes na versão russa ou na búlgara, e aquela usada na Ucrânia, apesar de ter 33 letras como a russa, tem quatro diferentes. Ao todo, estima-se que existam mais de 30 versões do alfabeto cirílico, totalizando umas 60 letras diferentes, sendo que algumas delas são usadas apenas por pequenos grupos étnicos - como o "alfabeto dungan", versão do alfabeto cirílico usada por um grupo étnico composto por cerca de cem mil pessoas na Ásia Central.

Outro alfabeto que merece destaque é o hangul, usado para escrever no idioma coreano, devido à forma curiosa como suas letras se comportam. Muitos pensam que, no idioma coreano, cada letra representa uma palavra ou uma sílaba; na verdade, seu alfabeto é composto de 40 letras, sendo 19 consoantes e 21 vogais. O que ocorre é que essas letras não são escritas de forma uma seguida da outra, como nos demais alfabetos, e sim agrupadas em blocos, com, aí sim, cada bloco representando uma das sílabas da palavra - assim, o nome hangul, por exemplo, é composto por dois blocos, um formado pela união das letras H-A-N, e o outro formado pela união das letras G-U-L. Cada bloco pode ser composto por até 6 letras, desde que tenha pelo menos uma consoante e uma vogal. Os blocos seguem regras de construção próprias, que determinam quando uma letra é escrita sobre a outra e quando ela deve ser escrita à direita - no bloco H-A-N, por exemplo, o A vem à direita do H, mas o N vem sob as outras duas; já no bloco G-U-L, cada letra vem abaixo da anterior. O alfabeto hangul foi criado em 1443, com o nome de hunminjeongeum ("os sons corretos para a instrução do povo", em coreano) pelo Rei Sejong, o Grande, para substituir os hanja, ideogramas importados da China; apesar disso, os hanja ainda foram usados na Coreia do Sul juntamente com o hangul até 1990, e ainda podem ser encontrados em alguns textos oficiais do governo e religiosos, e na Coreia do Norte até 1964, quando foram banidos por lei, e todos os textos que existiam com hanja foram convertidos para o novo alfabeto (e supostamente destruídos). O nome hangul significa "escrita elevada", e foi criado em 1912 por Ju Si-gyeong, considerado o pai da moderna linguística coreana; o nome hangul, entretanto, não é usado na Coreia do Norte, onde o alfabeto se chama Chosongul ("escrita de Choson", sendo Choson o nome usado na Coreia do Norte para seu próprio país; na Coreia do Sul, o nome usado para o país é Daehan).

Ninguém sabe ao certo quantos alfabetos diferentes ainda estão em uso hoje, pois alguns deles são usados apenas por grupos étnicos específicos ou em comunidades pequenas, embora as atuais estimativas sejam de que o número total é baixo, estando entre 12 e 15. Sem sombra de dúvida, o mais usado é o latino (usado por cerca de um bilhão de pessoas para escrever em praticamente todos os idiomas do hemisfério ocidental e mais alguns da Ásia e Oceania), seguido do cirílico (usado predominantemente nos idiomas do Leste Europeu, mas também em alguns da Ásia, por cerca de 250 milhões de pessoas) e do hangul (usado por cerca de 63 milhões de pessoas nas duas Coreias). Apesar de sua importância histórica e acadêmica, o alfabeto grego vem apenas em quinto nessa lista (já que é usado no dia a dia apenas por cerca de 13 milhões de pessoas na Grécia e no Chipre), atrás do tifinagh (usado em um idioma do norte da África chamado tamazight, falado em uma área que abrange partes do Marrocos, Egito, Argélia, Líbia, Mali, Níger, Tunísia, Burkina Faso e Mauritânia, por um grupo de cerca de 30 milhões de pessoas), mas à frente do armênio (usado por cerca de 6 milhões de pessoas na Armênia e Azerbaijão), do santali (usado em um idioma de mesmo nome falado em partes da Índia, Bangladesh, Nepal e Butão, por cerca de 5 milhões de pessoas) e do geórgico (do georgiano, idioma da ex-república soviética da Geórgia, usado por cerca de 4 milhões de pessoas), sendo esses os únicos usados por grupos maiores que um milhão de pessoas.

Alguns devem ter dado falta do hebraico e do árabe; a razão pela qual eles não estão na lista dos alfabetos mais usados no mundo é simples: eles não são alfabetos, e sim abjads. Assim como um alfabeto, um abjad é um conjunto de símbolos que representam os sons de uma determinada língua, sendo a única diferença entre um e outro o fato de que, em um abjad, apenas as consoantes são representadas por letras, sendo as vogais representadas por pequenos sinais, chamados diacríticos, colocados próximos às consoantes, ou devendo ser deduzidas por quem está lendo de acordo com o contexto. Por causa disso, os abjads também são conhecidos como "alfabetos consonantais", que era seu nome oficial até 1990, quando o linguista norte-americano Peter T. Daniels cunhou o termo "abjad", falando em sequência as quatro primeiras letras do abjad árabe.

Em número de usuários, atualmente o abjad mais usado é do idioma árabe, que possui algumas letras para representar vogais, sendo, por isso, considerado por alguns linguistas como um "abjad impuro", e chamado por eles de "alfabeto árabe", nome que eu também prefiro. O alfabeto árabe é uma evolução do abjad nabateu, usado para escrever um dialeto do aramaico, e surgiu no século IV, na Jordânia. No início, ele não era muito popular, sendo usado por apenas alguns pequenos grupos étnicos da Jordânia e da Síria, mas, a partir do século VII, graças à expansão do islamismo, que o usava como alfabeto oficial - já que foi com esse alfabeto que o Corão, o livro sagrado do islamismo, foi escrito - ele se popularizaria em todo o mundo árabe.

O alfabeto árabe possui 28 letras, sendo três usadas para representar as vogais A, I e U (E e O devem ser deduzidos de acordo com o contexto); a rigor, entretanto, só existem 18 letras diferentes, já que muitas possuem a mesma forma, sendo diferenciadas apenas pelos sinais diacríticos (por exemplo, os sons B, T e TH usam a mesma letra, mas no B ela tem um pontinho embaixo, no T tem dois pontinhos em cima, e no TH tem três pontinhos em cima). Diacríticos também são usados para mudar o som das vogais (de á para â, por exemplo) e para escrever palavras estrangeiras (que tenham sons que não estão presentes no árabe). Uma curiosidade sobre o alfabeto árabe é que cada letra pode ter até quatro formas diferentes, dependendo de se ela vem no começo, no meio ou no fim da palavra, ou se está escrita isoladamente. Na Arábia Saudita, Iraque, Egito, Argélia, Tunísia e Marrocos, o alfabeto possui quatro ou cinco letras extras por país, usadas para representar sons que não existem no chamado "árabe moderno padrão", a versão hoje considerada oficial do idioma árabe - sendo que o árabe efetivamente usado em cada país possui pequenas diferenças de pronúncia e vocabulário, como ocorre, por exemplo, com o espanhol na América Latina.

Assim como o cirílico, o alfabeto árabe possui variações, sendo que a "versão oficial" é a usada para escrever em árabe por cerca de 220 milhões de pessoas no Oriente Médio e Norte da África. As três mais usadas além da oficial são o alfabeto urdu, usado para o idioma de mesmo nome por cerca de 160 milhões de pessoas no Paquistão (onde é o idioma oficial) e no norte da Índia, com 34 letras (as 28 do árabe mais 6 novas); o alfabeto persa, usado por cerca de 130 milhões de pessoas no Irã, no Tajiquistão e em partes do Iraque, Rússia, China, Afeganistão, Uzbequistão e Azerbaijão, para idiomas como farsi, dari, tajique e uyghur, e que possui 32 letras; e o alfabeto pashto, usado para o idioma de mesmo nome por cerca de 50 milhões de pessoas no Afeganistão (onde é o idioma oficial) e Paquistão, com 30 letras.

O segundo abjad em número de usuários é o hebraico, que surgiu no século III d.C. a partir de uma adaptação do aramaico. Diferentemente do que ocorre com o árabe, o hebraico não tem nenhuma vogal, apenas 22 consoantes; quatro dessas consoantes, porém, podem ser usadas para representar vogais caso estejam isoladas ("sozinhas"), como por exemplo a primeira letra, chamada aleph, que normalmente tem o som de uma parada glotal (algo como o espaço que a gente dá entre cada "oh" quando fala "oh-oh"), mas sozinha pode ser usada para representar a letra A. Cinco das 22 letras possuem duas formas diferentes (para um total de 27 letras), sendo a segunda forma sempre e somente usada quando essa letra vem no final de uma palavra. As vogais são indicadas por pontos e traços, conhecidos como niqqudot (que é uma palavra no plural, o singular é niqqud) colocados sob a letra que vem imediatamente antes da vogal, com um niqqud diferente para cada som vocálico e mais alguns usados para mudanças de som, sendo que esses vêm acima da letra (para mudar o som de S para SH, por exemplo) ou no espaço vazio em seu centro (por exemplo, para mudar o som de V para B). Curiosamente, no idioma hebraico, exceto no caso de livros infantis, textos religiosos, poemas, palavras estrangeiras e palavras que podem ter duas pronúncias diferentes, os niqqudot que representam as vogais nunca são escritos, devendo as vogais serem deduzidas por quem está lendo.

Diferentemente do que ocorre com os alfabetos, o número de abjads ainda em uso hoje é conhecido, e são apenas cinco: além do árabe e do hebraico, temos o siríaco, usado para escrever o idioma de um grupo étnico que hoje ocupa partes do Irã, Iraque, Síria e Turquia; o thaana, usado para escrever o dhivehi, um dos idiomas das ilhas Maldivas; e o samaritano, usado para escrever em hebraico por um pequeno grupo de cerca de 700 samaritanos que ainda existe em Israel e na Palestina. No passado, havia muitos outros abjads, como o aramaico, o mandaico e o púnico, mas, quando seus idiomas desapareceram, eles deixaram de ser usados, e hoje só existem em documentos preservados. Vale citar também que, em todos os cinco abjads ainda existentes hoje, as palavras são escritas da direita para a esquerda, e não da esquerda para a direita.

Como vocês devem saber, nem todos os idiomas do mundo usam alfabetos ou abjads. Idiomas como o japonês, por exemplo, usam silabários, que, como o nome sugere, possuem símbolos que representam não uma letra, e sim uma sílaba inteira, ou seja, enquanto alfabetos e abjads são conjuntos de letras, silabários são conjuntos de sílabas. Como esses conjuntos são específicos para cada idioma, caso esse idioma não possua o som de uma determinada consoante, essas sílabas não serão representadas - em japonês, por exemplo, não existe o som de L, então seus silabários não possuem símbolos para LA, LE, LI, LO nem LU. A rigor, os símbolos de um silabário são sempre no formato consoante + vogal (nunca vogal + consoante), mas podem ocorrer exceções - em japonês, por exemplo, existe um símbolo para cada vogal em separado e um que representa apenas a letra N, usado, para escrever, por exemplo, sentai, que, em japonês, é uma palavra de quatro sílabas (SE-N-TA-I).

O japonês, inclusive, possui não apenas um silabário, mas dois, chamados hiragana ("letras suaves") e katakana ("letras fragmentadas"), nomes que vêm do fato de que os símbolos do hiragana são arredondados, enquanto os do katakana têm ângulos retos e linhas fortes. Ambos possuem 46 símbolos cada (com alguns símbolos de um sendo bem diferentes dos do outro), sendo cinco para vogais, 40 para combinações de consoante + vogal, e um para o som do N isolado. As 40 combinações são as mesmas tanto para o katakana quanto para o hiragana, ou seja, mesmo usando o katakana, são necessárias adaptações para se escrever palavras estrangeiras, como trocar o L pelo R, o V pelo U, e colocar um U após cada consoante "muda" (planes, por exemplo, seria escrito "puranesu"). O hiragana surgiu no século V d.C., adaptado dos ideogramas chineses, e é o mais usado no dia a dia; já o katakana surgiu no século IX d.C., foi originalmente criado por monges budistas para escrever textos sagrados, mas hoje costuma ser usado principalmente para escrever palavras estrangeiras, sendo usado também para termos técnicos, nomes próprios e para enfatizar uma palavra em meio ao texto.

O hiragana e o katakana são indubitavelmente os silabários mais usados no mundo, mas isso nem é uma vantagem muito grande, já que, além deles, só existem três outros ainda em uso: o cherokee, inventado entre 1809 e 1824 no Canadá pelo Chefe Sequóia dos Cherokee, para ser usado para registrar de forma escrita a língua desse povo indígena; o eskayan, usado em apenas uma das ilhas das Filipinas, e apenas por um único grupo étnico, de cerca de 550 pessoas; e o yi, usado por um grupo de cerca de 2 milhões de pessoas no sul da China.

Até bem pouco tempo atrás o número de silabários era bem maior, não porque muitos deles tenham sumido de repente, mas porque, recentemente, a maioria deles passou a ser conhecida por outro nome: abugidas. Embora o nome abugida tenha sido inventado em 1990, também por Peter T. Daniels e junto com abjad, ele demorou para ser amplamente aceito na comunidade linguista, e somente por volta de 2010 que livros e trabalhos científicos passaram a se referir amplamente a abugidas como tal. Assim como um silabário, uma abugida é um conjunto de símbolos no qual cada um deles representa uma sílaba inteira; a diferença está no fato de que, enquanto em um silabário os símbolos que usam a mesma consoante são completamente diferentes entre si (o símbolo do BA não tem nada a ver com o do BE, por exemplo), em uma abugida eles possuem um elemento em comum, que ganha um acréscimo diferente de acordo com a vogal que o segue. Para que isso ocorra, a abugida tem um símbolo para cada consoante, e um apêndice próprio que deve ser anexado a esse símbolo para cada som possível dessa consoante produzir.

Para melhor entender, vamos pegar como exemplo o devanagari, abugida usada para escrever várias línguas da Índia e do Nepal, incluindo o hindi. O devanagari é composto por 48 letras, 11 representando vogais e 37 representando consoantes. Cada consoante tem um valor intrínseco de "+A", então, se você deseja escrever, por exemplo, PA, basta escrever P, para TA, basta escrever T, e assim por diante. Caso você queira escrever outra combinação, como, por exemplo PE, deve pegar a letra que corresponde ao P e colocar um apêndice próprio nela - e esse mesmo apêndice será colocado junto ao T se você quiser escrever TE. Isso é diferente do que ocorre no hangul, já que o apêndice que representa o som E não é a letra E - ou seja, as letras não se combinam, elas apenas "aumentam" conforme o som muda. Essa característica também faz com que, diferentemente de um silabário, nem sempre os símbolos de uma abugida correspondem a um encontro consoante + vogal - no devanagari, por exemplo, existem símbolos para encontros como PRA, TLE, GAU etc.

O devanagari é a principal abugida em uso atualmente. Pertencendo a uma família de métodos de escrita conhecida como brâmane e criado por monges no século I d.C., ele descende da abugida gupta, hoje em desuso, usada originalmente para escrever em sânscrito, uma antiga língua da Índia hoje encontrada apenas em textos religiosos - e, na maior parte das vezes, escrita usando o próprio devanagari. Uma característica curiosa do devanagari é uma linha horizontal que acompanha toda a escrita, com as letras parecendo estarem "penduradas" nessa linha.

Cada país do sudeste asiático continental, exceto o Vietnã (que usa o alfabeto latino, introduzido lá pelos Jesuítas que foram catequizar o povo local), também tem sua própria abugida; dessa forma, por lá encontramos o tailandês (Tailândia), o khmer (Camboja), o lao (Laos) e o birmanês (Myanmar) - sendo que, deste último, pode-se citar como curiosidade que todas as letras são arredondadas, pois o meio preferencial de se registrar a escrita era em folhas de palmeira, que se rompiam caso as letras tivessem ângulos. Também merecem menção o sinhala, do Sri Lanka, e o tibetano, banido na China mas oficial no Butão. Fora da Ásia, a abugida de maior destaque é o ge'ez, contemporâneo do cananeu e do nabateu, o que faz com que ele seja um dos mais antigos sistemas de escrita ainda usados; com 27 letras e oito apêndices diferentes para se determinar os sons vocálicos, o ge'ez é usado para escrever em amárico, o idioma oficial da Etiópia - o nome "abugida", aliás, vem da junção dos nomes das quatro primeiras letras do ge'ez.

Assim como ocorre com os alfabetos, ninguém sabe ao certo quantas abugidas ainda estão em uso, já que algumas delas são usadas apenas por grupos étnicos pequenos, mas estima-se que o número de abugidas é bem maior que o de alfabetos, sendo por volta de 50; só na Índia, por exemplo, ainda são usadas 17 abugidas, chamadas devanagari, assamese, bantawa, bengali, chakma, gujarati, gurmukhi, kannada, jenticha, lepcha, malayalam, manipuri, odia, sorang sompeng, tâmil, telugu e varang kshiti - e, se você acha muito, saiba que a Índia possui 23 idiomas oficiais (incluindo o inglês, o hindi e o urdu) e mais 27 dialetos.

Finalmente, temos os ideogramas. Diferentemente de uma letra ou sílaba, cada símbolo de um conjunto de ideogramas representa uma ideia completa, motivo pelo qual eles receberam esse nome. O mais comum é que cada símbolo represente uma palavra, mas pode ocorrer de um mesmo símbolo representar duas palavras juntas, ou até mesmo de uma palavra ser representada por vários símbolos diferentes, caso ela possua diversos significados. Evidentemente, isso faz com que seja necessária uma gigantesca quantidade de símbolos diferentes, sendo essa a maior desvantagem dos ideogramas em comparação com outros sistemas de escrita; em chinês, por exemplo, estima-se que já existam mais de 80.000 símbolos diferentes, e já é tido como impossível que uma pessoa decore todos eles - calcula-se que a maioria dos chineses com educação superior saiba apenas por volta de 4.000 ideogramas.

O conjunto de ideogramas chineses - também conhecidos como zhongwen, palavra que significa "chinês" em mandarim, o idioma oficial da China - possuem duas curiosidades interessantes. Em primeiro lugar, muitos deles são considerados extremamente complexos e difíceis de se desenhar - alguns chegam a ter por volta de 30 traços, enquanto a nossa letra A, por exemplo, tem só três - o que levaria à criação, na década de 1950, pelo governo de Mao Tse-Tung, de um novo conjunto de símbolos conhecido como "chinês simplificado" (sendo o conjunto principal o "chinês tradicional"). Esses símbolos representam as palavras mais comuns do idioma mandarim, e foram criados para facilitar a escrita e a memorização - o símbolo do verbo "permitir", por exemplo, deixou de ter 25 traços e passou a ter apenas cinco. Segundo o governo chinês, o chinês simplificado foi um grande sucesso, mas estudos realizados por observadores internacionais apontam que não houve melhora no letramento ou aumento no número de símbolos conhecidos pelo chinês médio, e, pelo contrário, muitos textos em chinês simplificado acabam vindo com os símbolos do chinês tradicional ao lado, em uma demonstração de que os símbolos antigos ainda são mais conhecidos. O chinês simplificado só é usado e ensinado hoje na China continental, com Hong Kong, Macau e Taiwan usando apenas o chinês tradicional.

A segunda curiosidade é que a China possui um total de dez dialetos, mas seis deles usam os mesmos símbolos que o mandarim, apenas correspondendo a sons diferentes, o que faz com que quem fale mandarim, jin, huizhou, gan, xiang, hakka ou pinghua consiga ler o mesmo texto sem problemas, mas, se ler em voz alta, quem fala outro dialeto diferente do seu não vai entender nada ("guerra", por exemplo, em mandarim é "uwo", enquanto em hakka é "vu", mas o símbolo para ambos é o mesmo). Já os dialetos yue (também conhecido como cantonês, o idioma oficial de Hong Kong e Macau), min (ou hokkien, o idioma oficial de Taiwan) e wu (o segundo mais falado na China) usam cada um um conjunto de símbolos próprio, sendo que alguns símbolos (cerca da metade) são comuns com o mandarim, mas alguns destes (cerca de 30%) possuem significados diferentes daqueles que têm em mandarim (por exemplo, há um símbolo que significa "filhote", sendo usado apenas para animais, em mandarim, mas "criança", sendo usado apenas para pessoas, em cantonês). Não importa se o símbolo é do mandarim, cantonês, wu, min, chinês simplificado ou tradicional, todos são considerados parte de um mesmo conjunto.

Os hieróglifos egípcios já possuíam um conjunto de ideogramas (no caso, pictogramas, já que eram figuras, e não símbolos), usado junto aos que representavam as consoantes, para que palavras que se repetissem muito (como "homem", "faraó" ou "morte") pudessem ser representadas sem que fossem escritas letra por letra, economizando espaço; atualmente, o idioma japonês faz algo parecido, utilizando um conjunto de símbolos conhecido como kanji, composto por cerca de 13.000 símbolos, junto ao hiragana e ao katakana. Além de representar uma ideia completa, os kanji podem ser combinados de acordo com seu som para formar nomes próprios, justamente como o hiragana e o katanaka - o próprio nome do Japão em japonês, Nippon, é escrito com dois kanji, que significam, separadamente, "origem" e "sol", e deram ao país seu apelido de "Terra do Sol Nascente". Assim como o governo chinês, o japonês se preocupa com o fato de que é bastante difícil fazer com que todo o seu povo decore todos os kanji, então criou duas soluções: a primeira foi uma lista, elaborada na década de 1960, contendo entre 2 e 3 mil kanji que todo japonês deve saber ao concluir o Ensino Fundamental, e que correspondem às palavras mais comuns do idioma, sendo atualizada conforme necessário; a segunda foi que os kanji, quando aparecem em algum texto no qual possam não ser compreendidos por uma grande parcela da população, como em um jornal ou legenda de filme, são sempre acompanhados do furigana, um pequeno texto escrito em hiragana acima do kanji, soletrando-o - em um exemplo tosco, "água", em japonês, é mizu, então, acima do kanji de água, teríamos os hiragana das sílabas MI e ZU.

Os kanji japoneses e os ideogramas chineses são hoje os dois únicos conjuntos de ideogramas ainda em uso, mas, até bem pouco tempo, eles tinham dois companheiros, os hanja coreanos e o chu-nom, conjunto de ideogramas usado no Vietnã até a década de 1920, quando foi abandonado em prol do alfabeto latino - embora ainda possa ser possível aprender chu-nom, principalmente porque ainda existem muitos textos antigos escritos com esse sistema que ainda não foram convertidos.

Para terminar de vez, cabe falar que nem todo alfabeto hoje existente foi criado para ser usado em conjunto com um idioma específico, com muitos tendo sido desenvolvidos para facilitar a transmissão, aprendizado ou compreensão da língua. Podemos citar, como exemplo, o alfabeto braille, criado pelo professor francês Louis Braille em 1824 para a alfabetização de deficientes visuais, e que utiliza pontos em alto relevo em um papel duro, percebidos através das pontas dos dedos, para representar consoantes e vogais, podendo ser adaptado facilmente para qualquer idioma; o Alfabeto Internacional de Fonemas, aquele que aparece nos dicionários para explicar a pronúncia das palavras, criado pela Associação Internacional de Fonética em 1888, e desenvolvido para que qualquer som de qualquer idioma possa ser expressado sem dúvidas por seus 107 símbolos (nele, por exemplo, o NH do português, o GN do italiano e o Ñ do espanhol possuem o mesmo símbolo); e o Código Morse, criado pelo inventor norte-americano Samuel Morse em 1844 para que mensagens pudessem ser transmitidas através do telégrafo, um aparelho que envia pulsos elétricos que são então marcados como pontos e traços em uma tira de papel por um receptor. Isso sem contar os alfabetos ficcionais, como o Tengwar dos elfos de J.R.R. Tolkien ou o Klingon de Star Trek, criados para dar a povos fictícios um maior grau de veracidade - já que, como vimos, se existe quase uma centena de sistemas de escrita diferentes apenas em nosso planeta, não faria muito sentido se raças fantásticas e alienígenas usassem os mesmos que nós.
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domingo, 8 de agosto de 2004

Escrito por em 8.8.04 com 0 comentários

Omniglot

Eu já externei aqui minha paixão pelos idiomas. Se possível fosse, eu aprenderia todas as línguas do mundo, pois poucas coisas se comparam a descobrir novas palavras em um idioma estranho, e passar a compreender coisas que antes só podíamos imaginar.

Um belo dia, tive a curiosidade de descobrir o que dizia um texto que achei aqui pela internet. A dificuldade maior era a de que o texto se encontrava em russo. Eu costumo ter dicionários online de vários e vários idiomas, mas uma página em russo me trazia uma dificuldade nova: o alfabeto. Para quem não sabe, o idioma russo não é escrito com nosso alfabeto "tradicional", mas sim com o Alfabeto Cirílico, aquele que tem um R ao contrário e mais um monte de letras esquisitas. Oras, sem saber o que significavam aquelas letras, eu não poderia saber o som daquela palavra, tampouco procurá-la no dicionário. Afinal, nem sempre um B tem som de B. Em Cirílico, por exemplo, ele tem som de V.

Assim, comecei uma busca para descobrir a que equivalia cada letra daquele estranho alfabeto. Até encontrei um site bem legal, com links para sons em Real Audio, mas eu não sou exatamente conhecido por ficar satisfeito tão fácil. Procurando mais, achei um site sobre o Alfabeto Grego. Procurando mais ainda, achei o site sobre o qual vou falar nesse post de hoje, o Omniglot. Nome genial, se me permitem um comentário.

Meu entusiasmo por este tão singular site foi tanto que ele acabou gerando um Almanaque BLOGuil (e um bocado de trabalho para o Omby). Indo direto ao ponto, no Omniglot temos explicações sobre todos os alfabetos do mundo. Todos. Em uso ou não. É divertido olhar aquele monte de letras esquisitas e tentar imaginar como os pobres Geórgicos, por exemplo, fazem para decorar todas aquelas letras. Desenhar uma a uma quando se quer escrever alguma coisa então, nem se fala. Para falar a verdade, eu nem sabia que a Geórgia tinha um alfabeto próprio (pra mim, toda a ex-URSS escrevia em Cirílico), assim como também não sabia que os coreanos tinham um alfabeto ao invés de um alfassilabário.

Falando nisso, o Omniglot é dividido em várias seções: alfabetos, abjads (alfabetos só de consoantes), alfassilabários (onde cada letra é uma sílaba, como em japonês), logográficos (ideogramas e hieróglifos), sistemas de escrita ainda não decifrados, e alfabetos alternativos, como o Braille e o Unifon. Esta última parte é tão completa que possui até mesmo alfabetos "inventados", como o Klingon, o Tengwar dos elfos de Tolkien, e até mesmo o alfabeto alienígena do desenho Futurama. Todo tipo de escrita, dos quatro cantos do mundo está presente, incluindo até mesmo alguns que já não são usados, como os hieróglifos egípcios e o alfabeto fenício. No alfabeto fenício, porém, reside o único erro identificado por mim na relação: eles consideram o fenício como um abjad, quando ele claramente possui todas as vogais.

Para que não haja problemas na hora de identificar o significado de cada letra, é apresentada a letra mais próxima no nosso alfabeto, acompanhada do som correspondente no Alfabeto Internacional de Fonemas, aquele que vem entre parênteses no dicionário, para explicar o som de uma determinada palavra. E, se você não conhece o AIF, não tem problema, no Omniglot tem um link para ele também, explicando todos os sons um por um (o que é meio sacal, admito, mas extremamente completo).

E, como se já não bastasse, os malucos que mantêm o site ainda reservaram outra surpresa: links para todos os idiomas e dialetos do mundo (bem, não sei se são todos, mas com certeza há um bocado deles lá), explicando qual é o alfabeto utilizado por aquele idioma, se algumas letras podem levar acentos ou não, e qual é o som de cada letra para aquele idioma em particular, através do AIF. Afinal, um A em inglês não é um A, mas um "ei". Aqui vocês irão descobrir que mesmo nosso velho e bom alfabeto pode reservar algumas surpresas, como uma espécie de "A com cedilha" usado no idioma turco, e um U com dois acentos agudos de uma vez só, pertencente ao idioma húngaro.

Enfim, eu estou bisbilhotando esse site tem umas três semanas e ainda não consegui ver tudo. Decorar, então, será impossível. Me concentrei no Cirílico, e hoje já consigo ler páginas em russo, o que é uma enorme satisfação. Agora só falta entender o que está escrito.
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domingo, 5 de outubro de 2003

Escrito por em 5.10.03 com 0 comentários

Your Dictionary

Outra coisa da qual eu gosto muito é de idiomas. Acho interessantíssimo o fato da raça humana ter conseguido desenvolver tantas formas diferentes de expressar os mesmos sentimentos através de palavras. Afinal, quantas palavras será que existem no mundo para dizer, por exemplo, "quente" ou "frio"?

Sempre fui fascinado para aprender novos idiomas (embora "oficialmente" só tenha realmente aprendido três, inglês, alemão e francês, além do português, óbvio), mesmo que fossem apenas algumas poucas palavras. Sempre adorei dicionários e aqueles guias de viagem que ensinam a dizer "bom dia", "a que horas sai o vôo?", "onde é o banheiro?", "pega o ladrão" e outras frases úteis ao viajante que desconhece o idioma de seu destino.

Desconheço quantos idiomas e dialetos possam existir no mundo, e acho muito pouco provável que um dia eu consiga aprender todos eles (além de não existir nenhum uso prático para isso). Mesmo assim, a internet deu uma grande contribuição para saciar minha curiosidade, através dos dicionários online. Afinal, é mais legal entrar num dicionário online para descobrir uma ou duas palavras do que gastar uma fortuna num dicionário impresso que depois provavelmente ficará encostado.

Assim, hoje lhes trago um link para o Your Dictionary. Mais do que um dicionário online, este site é uma grande (e põe grande nisso) coleção de links para outros dicionários online. Nele você encontrará dicionários online de quase todos os idiomas e dialetos do mundo, embora alguns sejam mais difíceis de utilizar, menos completos ou menos precisos do que outros, o que exige uma certa paciência e um pouco de garimpo até se encontrar o que se deseja. A maioria deles é para dicionários "outra língua"-inglês (ou inglês-"outra língua"), o que pode exigir cohecimento prévio deste idioma. Mesmo assim é uma mão na roda quando você está curioso para saber o que significa uma determinada palavra que encontrou em um texto estrangeiro, ou como se diz alguma coisa em algum outro idioma.

Agora, quando você quiser saber como se diz "felicidade" em inuit, a língua dos esquimós da Groenlândia, pode ir até lá e descobrir que é "kuviasungnerk".
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