Kari-gurashi no Arrietty
2010
Lançado em 1952 e escrito pela inglesa Mary Norton, The Borrowers é um dos mais famosos livros infantis do Reino Unido. Ele é estrelado por uma família de pessoas minúsculas, que moram sob o assoalho de uma casa no interior da Inglaterra, pegando emprestado dos humanos que vivem na casa os objetos dos quais necessitam - daí o nome do livro, já que to borrow, em inglês, é o verbo "pegar emprestado". Vencedor da Carnegie Medal, o mais importante prêmio literário do Reino Unido, o livro teria quatro continuações, todos acompanhando a mesma família de Pequeninos, seria publicado em 1953 nos Estados Unidos, onde também faria muito sucesso, e adaptado diversas vezes, incluindo um filme para a TV produzido pela Hallmark para o canal norte-americano NBC em 1973; uma minissérie da BBC de 1992; um filme para o cinema de 1997, estrelado por John Goodman (lançado aqui no Brasil como Os Pequeninos); e uma minissérie de 2011 com Stephen Fry e Christopher Eccleston.
Embora no Brasil o livro não seja particularmente conhecido ou famoso, ele o é no Japão, de forma que tanto Hayao Miyazaki quanto Isao Takahata tentaram, desde a década de 1960, por diversas vezes fazer uma adaptação para um anime, sempre desistindo por um motivo ou outro. Após o lançamento de Contos de Terramar, Miyazaki estava conversando com Toshio Suzuki, e os dois concluiriam que, após adaptar Diana Wynne Jones e Ursula K. Le Guin, talvez esse fosse o momento certo para adaptar o livro de Mary Norton. Já envolvido com Ponyo, Miyazaki teria de abrir mão da direção, o que levaria Suzuki a escolher Hiromasa Yonebayashi, que faria sua estreia como diretor; tendo trabalhado como animador em A Viagem de Chihiro, O Castelo Animado e Ponyo, Yonebayashi era a escolha de Miyazaki para Contos de Terramar, mas Suzuki acabaria impondo Goro Miyazaki, filho de Hayao, considerado ainda muito cru para a função. Mesmo já estando trabalhando em outro projeto, Hayao Miyazaki escreveria uma versão preliminar do roteiro, passando então o encargo a Keiko Niwa, e revisando-o ao final; ambos seriam creditados como roteiristas.
Por ter uma ligação afetiva com a história, Miyazaki decidiria contá-la sob o seu ponto de vista, ao invés de seguir fielmente o livro; no filme, portanto, há um menino doente que mora na casa, e ele e a Pequenina protagonista vivem uma espécie de romance, embora sem nenhuma cena explícita. Miyazaki, aliás, era apaixonado pelo nome da Pequenina, Arrietty (que é falado exatamente como se lê, "arriéte") e planejava que o título do filme, ao invés de The Borrowers, fosse simplesmente Arrietty; Suzuki, entretanto, argumentaria que o tema de pegar coisas emprestadas estava em voga na cultura japonesa, e que deveria haver alguma referência o nome do livro no título do filme, que acabaria sendo algo como "Arrietty, aquela que pega emprestado". Também vale registrar que o livro é ambientado na Inglaterra do Século XIX, mas Miyazaki decidiria ambientar o filme no Japão do século XXI, mas ainda na zona rural, escolhendo a cidade de Hirakawa como inspiração.
No filme, Arrietty é uma menina da raça dos Pequeninos, que têm poucos cm de altura, e mora com sua mãe, Homily, e seu pai, Pod, em uma pequena casa escondida no fundo de um armário de uma casa de campo que passa a maior parte do tempo vazia, cuidada apenas pela governanta, Haru. A família acredita serem os últimos remanescentes da raça dos Pequeninos, e, como Pequeninos não produzem nada, desde o início dos tempos seu modo de vida envolve "pegar emprestado" - tecnicamente, furtar - aquilo do que precisam da casa maior. Assim, regularmente, Pod se utiliza de vários caminhos secretos por detrás das paredes da casa para pegar emprestadas coisas como comida, lenços de papel, elásticos e alfinetes, que a família utiliza em seu dia a dia.
Quando o filme começa, Arrietty está prestes a completar a idade na qual poderá sair para pegar coisas emprestadas, e espera ansiosamente pela ocasião na qual seu pai a levará com ele e a ensinará os segredos da profissão. Justamente nesse momento, porém, chega à casa o menino Sho, levado por sua tia avó; Sho tem um problema no coração, e precisa ficar em repouso absoluto enquanto aguarda sua cirurgia, com a casa de campo sendo considerada o lugar ideal. O problema para Arrietty é que a Lei dos Pequeninos diz que, se algum ser humano vir um Pequenino, a família precisará se mudar de casa, o que será um grande transtorno, já que a casa de campo é um lugar ideal que dificilmente será igualado, pois passa a maior parte do tempo vazia, e Sho ficará lá apenas temporariamente. Evidentemente, não somente Sho vê Arrietty como os dois conversam e se tornam amigos, com a menina tendo de esconder essa situação dos pais para que eles não sejam forçados a se mudar.
O Mundo dos Pequeninos seria o primeiro filme do Studio Ghibli no qual alguém que não fosse japonês ficaria a cargo da trilha sonora, com a escolhida sendo a francesa Cécile Corbel, que era grande fã dos filmes de Miyazaki, e enviou uma cópia de seu álbum Songbook Vol. 2 diretamente para Suzuki, na esperança de conseguir um trabalho. Suzuki ficaria impressionado com a carta escrita à mão que Corbel enviaria junto com o CD, e, ao ouvi-lo, concluiu que a voz e o estilo da cantora eram exatamente o que ele estava procurando para o filme. Suzuki mostraria o álbum para Yonebayashi, que concordaria em contratar Corbel para escrever e cantar a música-tema do filme; empolgada, ela mostraria várias de suas composições para a dupla, o que acabaria fazendo com que ela gravasse a trilha sonora inteira.
Corbel gravaria na França, acompanhada de músicos de sua confiança, e combinaria música folclórica celta com canções medievais turcas, madrigais barrocos e marchas irlandesas. O álbum resultante seria um grande sucesso no Japão, rendendo à cantora um Disco de Ouro e o prêmio de Melhor Álbum de Trilha Sonora no Japan Gold Disc Awards. A música-tema, chamada simplesmente Arrietty's Song, seria gravada pela própria Corbel em japonês, francês, inglês, italiano, alemão e bretão - idioma da Bretanha, região da França onde Corbel nasceu. A versão japonesa entraria para o Top 100 das mais tocadas nas rádios japonesas, alcançando a posição 58. Curiosamente, apesar de a versão dublada pela Disney trazer a versão em inglês de Arrietty's Song, sua música-tema é outra, Summertime, gravada por Bridgit Mendler, que dubla Arrietty nessa versão.
Falando nisso, O Mundo dos Pequeninos teria duas dublagens em inglês distintas; a primeira seria produzida pela Optimum Releasing para o lançamento do filme no Reino Unido, em 29 de julho de 2011, se chamaria, conforme o desejo de Miyazaki, simplesmente Arrietty, e contaria com Saoirse Ronan como Arrietty, Tom Holland como Sho, Olivia Colman como Homily e Mark Strong como Pod. A segunda seria a tradicional versão Disney, que estrearia nos cinemas dos Estados Unidos e Canadá em 17 de fevereiro de 2012, com o título de The Secret World of Arrietty. Uma curiosidade da versão Disney é que alguns personagens têm nomes diferentes: Sho se chama Shawn, sua tia-avó (que, na versão japonesa, se chama Sadako) se chama Jessica, e Haru se chama Hara. Além de Mendler como Arrietty, a versão Disney traz Amy Pohler como Homily, Will Arnett como Pod, Carol Burnett como Hara, e David Henrie como Shawn. No Brasil, o filme estrearia nos cinemas apenas em 21 de junho de 2012.
No Japão, distribuído mais uma vez pela Toho, O Mundo dos Pequeninos estrearia em 17 de julho de 2010, após uma pré-estreia que contaria com Miyazaki, Yonebayashi, Corbet cantando a música-tema em japonês ao vivo, e a presença do casal real da Suécia, a Rainha Sílvia e o Rei Carlos Gustavo XVI. O filme seria o mais assistido do país em seu primeiro fim de semana, quando renderia 1,35 bilhão de ienes e atraindo mais de um milhão de espectadores; também seria o filme japonês que conseguiria mais rápido ultrapassar a marca de 3,5 bilhões de ienes, levando 20 dias. O Mundo dos Pequeninos fecharia o ano como o filme mais assistido no Japão em 2010, e arrecadaria quase 10 bilhões de ienes na bilheteria. A crítica o receberia com enorme entusiasmo, considerando-o "Studio Ghibli em seu melhor" e "visualmente exuberante, livre de pieguices para toda a família e ancorado em grande profundidade". O filme ganharia os prêmios de Animação do Ano da Academia Japonesa de Cinema e do Tokyo Anime Awards, e muitos críticos norte-americanos considerariam injusto ele não ter sido indicado ao Oscar.
Ambicioso, Yonebayashi queria bater o recorde de salas de Ponyo, mas, por razões fora do controle da Toho, O Mundo dos Pequeninos estrearia em "apenas" 447 salas - ele conseguiria bater o recorde, entretanto, nos Estados Unidos, onde a versão Disney estrearia em 1522 salas. Nos Estados Unidos, aliás, o filme seria o segundo de maior bilheteria em seu fim de semana de estreia, perdendo apenas para a versão 3D de Star Wars: Episódio I: A Ameaça Fantasma, e no total renderia quase 20 milhões de dólares, se tornando o quarto anime de maior bilheteria na história do país e o primeiro que não era inspirado em uma franquia de games, já que ficaria atrás apenas de Pokémon: O Filme, Pokémon: O Filme 2000 e Yu-Gi-Oh!: O Filme.
Kokuriko-zaka Kara
2011
Após uma estreia desastrosa com Contos de Terramar, Goro Miyazaki pediria mais uma chance a Suzuki, dessa vez com o apoio de seu pai, Hayao Miyazaki, que sugeriria que ele adaptasse o mangá Kokuriko-zaka Kara, escrito por Tetsuro Sayama e desenhado por Chizuru Takahashi, publicado entre janeiro e agosto de 1980, que Hayao conheceria quando estava em sua casa de veraneio nas montanhas com um casal de sobrinhos, e eles encontraram uma versão encadernada do mangá, deixada lá por algum amigo de seus filhos. Ele leria a história e acharia interessante, tendo com seus amigos Mamoru Oshii e Hideaki Anno uma discussão acalorada sobre a possibilidade de fazer uma adaptação do mangá para o cinema. Hayao chegaria a garantir os direitos da adaptação, mas o projeto ficaria engavetado até a produção de O Mundo dos Pequeninos, quando ele decidiria que esse seria o próximo, aproveitando a disposição de Goro para assumir um novo projeto para sugeri-lo.
Ambientado em 1963, o mangá tem como protagonista a adolescente Umi Komatsuzaki, cujo pai, que era marinheiro, desapareceu dez anos antes, quando seu navio foi afundado durante a Guerra da Coreia, e cuja mãe, fotógrafa, decidiu aceitar um emprego nos Estados Unidos, deixando-a sozinha na casa da família, na cidade de Yokohama. Atráves de uma série de eventos, ela se apaixona por um menino de sua escola, Shun Kazama, que descobre que ambos são irmãos por parte de pai, mas, ao invés de contar para a menina, decide ficar rejeitando-a. A história, portanto, é centrada na paixão não correspondida de Umi, que não compreende a razão da rejeição. O nome do mangá vem do fato de que a casa de Umi fica no alto de uma colina onde crescem várias kokuriko, uma flor japonesa da família da papoula, famosa por sua cor vermelha.
Hayao Miyazaki escreveria uma versão preliminar do roteiro, e delegaria mais uma vez a Keiko Niwa a função de escrever a versão final. Ele aproveitaria que a história era ambientada em 1963, um ano antes da primeira Olimpíada disputada em Tóquio, e fazia referência à Guerra da Coreia, para incluir uma subtrama: a escola onde Umi e Shun estudam tem uma república estudantil, que congrega, dentre outros, os clubes de literatura, filosofia, astronomia e o jornal da escola; como parte de uma renovação da escola motivada pelo sentimento de que estava sendo criado um "novo Japão" após a Guerra da Coreia e com a proximidade das Olimpíadas, a república será demolida, com Shun sendo contra e convencendo Umi a lutar junto com ele para que o projeto seja cancelado.
Essa alteração teria como base acontecimentos históricos: após a derrota na Segunda Guerra Mundial, o Japão, como punição, foi proibido de ter forças armadas, mas, como a marinha japonesa ainda tinha navios, durante a Guerra da Coreia os Estados Unidos pressionaram o governo japonês para que esses navios fossem usados para transportar soldados norte-americanos e suprimentos para a Coreia, voltando com japoneses repatriados. Esses navios eram frequentemente atacados ou encontravam minas pelo caminho, de forma que muitos cidadãos japoneses acabaram mortos durante a Guerra da Coreia, da qual o Japão sequer estava participando, a maioria como resultado de navios colidindo contra minas - o pai de Umi seria dado como morto quando seu navio afundaria após colidir contra uma mina, tanto no mangá quanto no filme. Estimativas oficiais do número de japoneses mortos jamais seriam divulgadas, e nem o governo dos Estados Unidos, nem o do Japão, jamais reconheceriam oficialmente que essas mortes aconteceram. Isso levaria a uma onda de protestos estudantis que se alastrariam por várias escolas e universidades japonesas na década de 1960, não somente por causa da Guerra, mas por qualquer motivo que os estudantes achassem junto, coisa que não era comum no Japão antes disso.
No filme, Umi mora com uma avó em um antigo hospital transformado em pensão, sendo responsável por seu gerenciamento, enquanto sua mãe está estudando medicina nos Estados Unidos; uma irmã e um irmão mais novos de Umi também moram na pensão, que tem, dentre os hóspedes, uma residente de medicina e uma artista plástica. Durante um protesto contra a demolição da república estudantil, Umi conhece Shun, que é o responsável pelo jornal da escola, que a convida para trabalhar produzindo os estênceis. Os dois acabam se apaixonando, e Umi entra de cabeça na defesa da república estudantil, chegando a viajar com Shun até Tóquio para convencer Yasuyoshi Tokumaru, presidente do grupo dono da escola, a visitar Yokohama e ver que faria mais sentido reformar o local do que demolir. Mas a história do jovem casal sofrerá um revertério quando, durante um almoço na pensão, Shun descobrir que os dois podem ser irmãos por parte de pai.
Além de fazer alterações na história, Hayao Miyazaki decidiria mudar o sobrenome de Umi para Matzuzaki, e faria Tokumaru, tanto em maneirismos quanto em aparência, inspirado em Yasoyushi Tokuna, presidente da Tokuma Shoten, editora da qual o Studio Ghibli foi uma subsidiária até 2005. Goro Miyazaki viajaria para Yokohama, disposto a retratar a cidade no filme da forma mais fiel possível, mas, enquanto estava lá, chegaria à conclusão de que seria melhor se os cenários fossem extremamente bonitos do que extremamente fiéis, então faria apenas algumas notas gerais sobre a cidade, dando carta branca para que os diretores de arte a retratassem da forma que achassem melhor. Para criar a república estudantil, chamada Latin Quarter, Goro decidiria criar uma mansão na qual cada quarto tinha características diferentes, dependendo de qual clube o ocupasse. Ele trabalharia com os diretores de arte para criar um prédio que fosse "um amálgama de vários estilos", mas que também transmitisse a sensação de amontoado e sujeira que ele sentia ao entrar nas repúblicas estudantis de sua época de escola.
A produção seria impactada pelo terremoto e tsunami que atingiriam a região de Tohoku em março de 2011, já que o governo japonês faria apagões de energia programados para que não houvesse colapso do sistema; isso faria com que os animadores tivessem de trabalhar à noite, quando os apagões eram mais espaçados e menos frequentes. Apesar do contratempo, Hayao Miyazaki se recusaria a mudar a data prevista para a estreia do filme nos cinemas, alegando ser sua responsabilidade garantir que o tudo estivesse pronto na data programada. Em maio, Goro Miyazaki declararia que por volta de 50% da animação estava pronta, quando o planejado, se não houvesse ocorrido o desastre, seria que 70% já estivesse pronto; ele também diria que o principal fator que causaria o atraso não seriam os apagões, mas o fato de que vários profissionais que trabalhavam no filme ficariam abalados com a tragédia, com o Studio Ghibli decidindo dar a eles um tempo para que se recuperassem.
Da Colina Kokuriko estrearia nos cinemas japoneses, distribuído pela Toho, em 16 de julho de 2011. Seria o terceiro filme mais assistido do ano, atrás de Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2 e Pokémon, o Filme: Preto - Victini e Reshiram / Branco - Victini e Zekrom. Uma exposição chamada THE ART OF Kokuriko-zaka Kara, que contava com 130 peças de arte conceitual e storyboards usados no filme estrearia no mesmo dia na Seibu Ikebukuro, em Tóquio, ficando por lá até 28 de julho e depois, entre 10 e 15 de agosto, na galeria Sogo's de Yokohama. Um dia antes, em 9 de agosto, o canal de TV NHK exibiria um especial chamado Futari Kokuriko-zaka Chantoko no 300-nichi Senso: Miyazaki Hayao x Miyazaki Goro ("A Guerra de 300 Dias entre Pai e Filho"), que mostrava os bastidores da produção. Em setembro, Da Colina Kokuriko seria exibido fora de concurso no Festival Internacional de Cinema de Toronto, e estrearia nos cinemas da Coreia do Sul.
O filme seria o primeiro do Studio Ghibli a estrear na Europa distribuído pela Disney, com a Walt Disney Studios Motion Pictures France distribuindo o filme na França, onde ele estrearia em janeiro de 2012; com diferentes distribuidores, ele estrearia ao longo de 2012 também na Alemanha, Espanha, Itália, Suíça e Turquia, e seria o terceiro filme do Studio Ghibli a estrear na China, em setembro de 2021. Curiosamente, a Disney decidiria não lançar o filme nos Estados Unidos, com a GKIDS se oferecendo para um lançamento limitado nos cinemas, em 15 de março de 2013, e amplo em home video, em setembro de 2013; no Reino Unido, Da Colina Kokuriko seria lançado apenas em home video. A dublagem em inglês conta com Sarah Bolger como Umi, Anton Yelchin como Shun, Jamie Lee Curtis como a mãe de Umi, Beau Bridges como Tokumaru, e Gillian Anderson, Aubrey Plaza e Christina Hendricks como as hóspedes da pensão.
A crítica ficaria dividida, com alguns considerando-o "gentil e nostálgico" e "tão adorável quanto os fãs do Studio Ghibli esperariam", e outros achando o enredo previsível e o final sem graça. A direção de Goro Miyazaki também dividiria a crítica, com a maioria achando que ele conseguiu superar os erros cometidos em Contos de Terramar e se firmar como um bom diretor, outros achando a direção amadora e descuidada; seja como for, Goro se tornaria o primeiro diretor, à exceção de seu pai e de Takahata, a dirigir mais de um filme do Studio Ghibli, e Da Colina Kokuriko seria o segundo filme seguido do Studio Ghibli a ganhar o prêmio de Animação do Ano tanto pela Academia Japonesa de Cinema quanto no Tokyo Anime Awards.
Kaze Tachinu
2013
Apaixonado por aviação, Hayao Miyazaki, entre novembro de 1984 e janeiro de 2010, contribuiu esporadicamente com artigos, resenhas e mangás de sua autoria para a revista Model Graphix, especializada em modelos de montar e voltada para aqueles que têm o modelismo como hobby. Dentre essas contribuições, estariam os mangás Hikotei Jidai, de 1989, que seria adaptado para o filme Porco Rosso; Buta no Tora, de 1992, e Hans no Kikan, de 1994, ambos sobre um mecânico alemão chamado Hans, que cuida de um tanque como se fosse seu melhor amigo; Doromamire no Tora, de 1999, adaptação das memórias do alemão Otto Carius sobre a Segunda Guerra Mundial; e Kaze Tachinu, publicado entre abril de 2009 e janeiro de 2010, versão ficcional da vida de Jiro Horikoshi, engenheiro japonês responsável pela criação do Mitsubishi A6M, apelido Zero, caça japonês usado durante a Segunda Guerra Mundial. Conhecidas coletivamente como Miyazaki Hayao no Zasso Noto (algo como "anotações aleatórias de Hayao Miyazaki"), essas contribuições seriam lançadas em diversos encadernados publicados pela mesma editora da Model Graphix, a Dainippon Kaiga, e se tornariam extremamente famosas, sendo citadas como influência por diversos outos autores, dentre eles Kazuma Kujo, que diria em entrevistas que elas serviriam de inspiração para sua maior criação, o game Metal Slug.
Após concluir Ponyo, Miyazaki decidiria que estava na hora de o Studio Ghibli investir em uma continuação, prática comum dentre outros estúdios no Japão e no ocidente, mas que ainda não havia sido explorada por eles. Sua primeira opção seria uma continuação de Porco Rosso, que acabaria engavetada por não conseguir financiamento. Ele decidiria, então, trabalhar em uma continuação de Ponyo, que era mais recente e havia sido um grande sucesso, mas, enquanto ele ainda estava pensando no roteiro, Suzuki, que não era favorável à ideia da continuação, sugeriria uma adaptação para o cinema de Kaze Tachinu. Miyazaki inicialmente seria contra, achando que o assunto do mangá não era familiar para crianças, mas mudaria de ideia quando um membro da equipe diria que "deveríamos permitir que crianças fossem expostas a assuntos com os quais elas não estão familiarizadas", se lembrando, então, de uma frase do próprio Horikoshi: "tudo o que eu quero é fazer algo bonito".
Curiosamente, o mangá usava porcos antropomórficos, semelhantes ao protagonista de Porco Rosso, como persongens, mas, empolgado por produzir o primeiro filme "baseado em fatos reais" do Studio Ghibli, Miyazaki decidiria que a animação teria personagens humanos. Ele também decidiria fazer o filme bem menos ficcional e mais fiel aos eventos históricos do que o mangá, exceto por um detalhe: o título do mangá (que significa algo como "o vento soprou") havia vindo de um romance escrito por Tatsuo Hori e publicado em 1937. O livro não tem absolutamente nada a ver com a vida de Jiro Horikoshi, acompanhando um homem sem nome que conhece acidentalmente uma mulher chamada Setsuko, que tem como hobby a pintura, se apaixona por ela e, após alguns encontros e desencontros, descobre que ela tem tuberculose, decidindo ir viver com ela no sanatório para que possam se casar. O romance é semi-autobiográfico, já que Hori se inspiraria em sua própria história de amor com sua esposa, Ayako Kano, que também faleceria de tuberculose - embora a maioria dos eventos do livro seja ficcional, jamais tendo acontecido entre Hori e Kano.
Miyazaki, que leria o livro ao fazer pesquisa para escrever o mangá, se encantaria com a história e, para o filme, criaria uma namorada para Horikoshi - que, na vida real, jamais existiu - inspirada em Setsuko, com a história intercalando seu trabalho como engenheiro aeroespacial e seu romance com ela. Hori também não seria o criador do título do livro, retirando-o de um poema do francês Paul Valéry, que, falando sobre vida e morte, diz "o vento soprou, precisamos viver"; no filme, o poema é citado, e esse trecho usado como uma espécie de lema de Horikoshi. Outra obra frequentemente referenciada durante o filme é A Montanha Mágica, de Thomas Mann, preferido de Stephen Alpert, diretor executivo da divisão internacional do Studio Ghibli, que deixou o cargo por razões pessoais em 2011, mas seguiu sendo amigo de Miyazaki e Suzuki; Miyazaki criaria para o filme um personagem secundário com o mesmo nome do protagonista de A Montanha Mágica, Hans Castorp, inspirado em Alpert, desenhado à sua imagem e semelhança, e o convidaria para dublá-lo na versão japonesa.
O filme começa em 1918, quando Jiro Horikoshi, ainda criança, sonha em ser piloto de avião, mas, devido à sua miopia, isso se mostra impossível. Ele decide, então, seguir os passos do engenheiro italiano Giovanni Battista Caproni, que jamais pilotou um avião na vida, mas criou dezenas de modelos, e se tornar ele mesmo um engenheiro aeroespacial. Anos mais tarde, já como aluno da Universidade Imperial de Tóquio, ele conhece a jovem Naoko Satomi, por quem se apaixona, mas de quem se desencontra após um terremoto que atingiu a região de Kanto em 1923. Após se formar, Horikoshi e seu melhor amigo, Kiro Honjo, vão trabalhar para a Mitsubishi, mas todos os seus projetos fracassam. A fábrica, então, decide retirá-los do projeto do caça e colocá-los no de um bombardeiro, enviando-os para um intercâmbio com a Junkers, na Alemanha, em 1929. Ao retornar, Horikoshi tam várias novas ideias para o caça e, durante férias em um resort, em 1933, se reencontra com Naoko, com os dois começando a namorar. A moça, entretanto, tem tuberculose e pouco tempo de vida, com Horikoshi decidindo se casar com ela em segredo, dividindo seu tempo entre o projeto do caça e seu amor.
Distribuído pela Toho, Vidas ao Vento estrearia no Japão em 20 de julho de 2013; seria o filme mais assistido do ano no país, rendendo 11,6 bilhões de ienes na bilheteria. Ao mesmo tempo em que Miyazaki trabalhava em Vidas ao Vento, Takahata também produzia seu novo filme, O Conto da Princesa Kaguya. Os dois, então, decidiriam repetir o que fizeram com Meu Amigo Totoro e Túmulos dos Vagalumes, e lançar ambos os filmes em sessão dupla; atrasos na produção de O Conto da Princesa Kaguya, entretanto, fariam com que ele tivesse de ser adiado quatro meses, estreando apenas em novembro.
Vidas ao Vento seria exibido no Festival Internacional de Cinema de Veneza, no Festival Internacional de Cinema de Toronto, e no Festival de Cinema de Telluride, sempre ovacionado pelo público, mas acabaria tendo distribuição limitadíssima na Europa, estreando em 2014 apenas na França e Itália; no Brasil, estrearia em 28 de fevereiro de 2014. A Disney decidiria distribuí-lo nos Estados Unidos através de sua subsidiária Touchstone Pictures; a princípio, ele teria distribuição limitada apenas na cidade de Los Angeles, estreando em 8 de novembro, somente para que pudesse concorrer ao Oscar, mas depois a Disney mudaria de ideia, o lançaria em cidades selecionadas em 21 de fevereiro de 2014, e em todo o país em 28 de fevereiro. A dublagem da Disney traria Joseph Gordon-Levitt como Horikoshi, Emily Blunt como Naoko, John Krasinski como Honjo, Martin Short como o engenheiro-chefe da Mitsubishi, Werner Herzog como Castorp, William H. Macy como o pai de Naoko, e Stanley Tucci como Caproni. Vale citar como curiosidade que, na versão japonesa, Horikoshi é dublado por Hideaki Anno, o criador de Neon Genesis Evangelion.
A crítica seria extremamente positiva, destacando a beleza da animação, a fluidez do roteiro, e a proeza de Miyazaki ter conseguido fazer um filme ambientado durante uma guerra, protagonizado por um homem que criava máquinas de guerra, sem jogar nenhuma luz positiva sobre a guerra - de fato, o filme tem a mesma crítica contra a guerra presente em todas as obras de Miyazaki, embora de forma mais sutil. Essa característica, aliás, faria com que o filme fosse alvo de críticas por parte de políticos japoneses, que acharam que o filme era "anti-patriótico" e mostrava os japoneses como incompetentes e arrogantes. Miyazaki colocaria mais lenha na fogueira ao escrever para um jornal um artigo condenando a proposta de alguns políticos que queriam que o Japão voltasse a ter forças armadas. O filme também seria alvo de duras críticas na Coreia do Sul, com alguns alegando que o Zero era um "instrumento de opressão", "fabricado por coreanos em campos de trabalho forçado".
Vidas ao Vento ganharia dois prêmios da Academia Japonesa de Cinema, o de Animação do Ano e o de Melhor Trilha Sonora, para Joe Hisahi; também seria indicado ao Oscar de Melhor Filme de Animação, perdendo para Frozen, e para o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira, perdendo para o italiano A Grande Beleza. Miyazaki declariria em entrevistas que ele seria seu primeiro filme que o faria chorar ao assisti-lo; alegando esgotamento físico e idade avançada, aos 72 anos, ele anunciaria sua aposentadoria, dizendo que se afastaria da produção de longa-metragens para cuidar exclusivamente das exposições do Museu Ghibli. Em reconhecimento à sua importância para a animação mundial, em 2014 Miyazaki receberia um Oscar honorário pelo Conjunto da Obra.



0 Comentários:
Postar um comentário