sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Escrito por em 6.9.24 com 0 comentários

O Fantasma do Ópera

Hoje temos um conto que eu escrevi para o Crônicas de Categoria. Não é exatamente original, mas uma homenagem a uma das minhas histórias preferidas.




O Fantasma do Ópera

Era uma vez Christine Daaéeg, que não aguentava mais ter de soletrar seu nome pra todo mundo – culpa de seu avô, que era holandês. O sonho de Christine era ser cantora lírica, mas, como nem sempre a gente alcança nossos sonhos, ela era garçonete no Ópera, o mais popular restaurante do centro da cidade.

Acontece que um dos motivos pelos quais o Ópera era tão popular era que as pessoas diziam que ele era assombrado. Vira e mexe aconteciam lá umas coisas estranhas, tipo lustres caindo e pedidos saindo errados, e todo mundo punha a culpa no Fantasma, uma entidade sobrenatural que, segundo diziam, trocava batata frita por purê quando ninguém estava olhando para prejudicar o dono do Ópera, o Sr. Ricardo Firmino. Por causa disso, o Ópera vivia lotado de jovens com seus smartphones, todos tentando tirar umas fotos do Fantasma ou de seus atos sobrenaturais.

O que ninguém sabia era que o Fantasma não era só uma lenda, sendo uma pessoa verdadeira de verdade. Seu nome era Eric, e, um dia, ele foi um chef. Foi ele quem inventou a receita do mais famoso prato do Ópera, o escondidinho de batata baroa com alho poró e kafta, o qual Firmino, com a cara mais deslavada do mundo, inscreveu no Comida di Buteco dizendo ser sua criação, e sagrou-se vencedor. Quando Eric viu que o movimento do Ópera triplicou e ele não ganharia um tostão por isso, enlouqueceu, tentou colocar fogo no restaurante, mas acabou horrivelmente desfigurado, escondendo parte de seu rosto com um pão de hambúrguer e vivendo sob catacumbas que existiam abaixo do Ópera desde tempos imemoriais.

Desde que enlouqueceu, Eric devotou sua vida a destruir Firmino, se utilizando de túneis secretos para realizar suas traquinagens sem que ninguém percebesse. Seu objetivo era irritar os clientes para que eles nunca mais voltassem. Como já vimos, o tiro saiu pela culatra, mas Eric era um Fantasma muito insistente, e não desistia de seu intento.

Em uma triste armadilha do destino, entretanto, Eric se apaixonou por Christine, e, determinado a fazer dela a melhor garçonete de todos os tempos, começou a falar com ela de dentro dos túneis secretos, fingindo ser um anjo e dando dicas de como poderia melhorar em seu serviço. Em sua loucura, Eric até mesmo fez com que Carlota, a garçonete mais popular do Ópera, tropeçasse e caísse derrubando toda a comida em cima de dignitários estrangeiros que lá se encontravam para um almoço, para que ela fosse demitida e Christine assumisse seu lugar. A vida de Christine ia de vento em popa, graças a seu anjo, e Eric cada vez julgava estar mais próximo o dia em que ele se revelaria e ambos viveriam seu amor proibido.

Todavia, sem que Eric soubesse, Christine tinha um noivo, chamado Raul. Justamente no dia em que Eric decidiu se revelar para Christine, Raul foi buscá-la após o expediente, e eis que nosso Fantasma se revela no exato momento em que o doce casal se encontrava aos beijos. Tomado de fúria insana, Eric decidiu sequestrar Christine e levá-la para suas catacumbas, onde fez para ela uma belíssima receita de bolo de cenoura com sour cream vegano, a coisa mais linda que ela já havia visto na vida.

Enquanto isso, o corno, digo, Raul, desesperado com o sequestro, recorreu à polícia, que riu de sua cara, pois até mesmo uma criança de cinco anos sabe que a polícia não pode prender um fantasma. Andando pela rua com as mãos nos bolsos e chutando pedrinhas em revolta, Raul passou por um túnel e sentiu um cheiro de comida. Ligando uma coisa à outra, imaginou que tal túnel daria nas catacumbas do Ópera, e decidiu adentrá-lo para salvar sua amada. Chegou bem no momento em que o Fantasma treinava Christine para que ela conseguisse carregar uma bandeja maior que a do Outback, equilibrando todos os pratos, copos e jarras com maestria.

Christine regozijou-se ao ver Raul, mas o Fantasma foi tomado por um ódio primal, e o atacou com uma escumadeira. Durante a luta, o pão de hambúrguer caiu, e Christine vislumbrou o rosto desfigurado de seu tutor. Eric pensou que tudo estava arruinado, mas, em uma demonstração de ternura jamais vista na face da Terra, Christine lhe beijou candidamente os lábios e explicou que seu lugar era na friendzone, pois seu coração pertencia a Raul, podendo o Fantasminha Camarada continuar se encontrando com ela como seu amigo, desde que isso compreendesse. Tocado pela sinceridade de sua amada, o Fantasma deu a ela seu WhatsApp, cumprimentou Raul com o tradicional "você é um homem de sorte", e mostrou a saída das catacumbas ao casal.

Mas esperem! Alas! Não é aqui que a história acaba! No dia seguinte, Christine voltou ao trabalho e quem surge? Carlota! Tendo creditado a Christine a culpa de seu infortúnio, eis que a prima dona retorna para se vingar, e planeja derrubar todo o óleo fervente da fritura das batatas sobre a moçoila. Porém, nosso herói, o Fantasma, a tudo observava de seu túnel secreto, e, ao perceber o maligno intuito da vingativa garçonete, se adiantou rapidamente, recebendo em seu corpo as chagas destinadas à sua amada. Christine correu para salvá-lo, mas chegou somente a tempo de vê-lo morrer em seus braços, mãos entrelaçadas com o agora genuíno fantasma. Ao abrir a mão, Christine encontraria uma rosa murcha com um bilhete que dizia alguma coisa que ninguém nunca conseguiu ler porque foi borrado pelo óleo.

E todos viveram felizes para sempre. Assim, todos, toooooodos não, porque, depois de uma tragédia dessas, só vive feliz quem tem problema. Mas o Ópera ficou ainda mais famoso, e sem as peraltices do Fantasma, então pelo menos um dos personagens se deu bem.

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