domingo, 23 de maio de 2021

Escrito por em 23.5.21 com 0 comentários

Peter Cushing

E hoje teremos mais um post da minissérie sobre meus quatro atores de filmes de terror preferidos, com um que é bem conhecido pelo pessoal mais ligado em cultura pop. Hoje é dia de Peter Cushing no átomo!

Peter Wilton Cushing nasceu em Kenley, Inglaterra, em 26 de maio de 1913, filho de George Edward Cushing e Nellie Marie Cushing. Seu pai vinha de família rica e trabalhava como inspetor de quantidade, profissional especialista em custos e contratos relativos à construção civil; sua mãe era filha de um vendedor de carpetes, e ambas as famílias foram contra o casamento por eles serem de classes sociais diferentes. Cushing teve um irmão três anos mais velho, George, e sua mãe estava tão certa de que seu segundo filho seria uma menina que não se conformou quando ele nasceu menino, vestindo-o com vestidos e deixando seu cabelo comprido e sempre preso com arcos e laçarotes, o que fazia com que ele constantemente fosse confundido com uma menina.

Talvez por causa disso, Cushing sempre gostou muito de se fantasiar e brincar de faz de conta, sendo essa, inclusive, a diversão estimulada por sua mãe na época da Primeira Guerra Mundial, quando a família Cushing morava na cidade de Dulwich, que foi bastante bombardeada, mas ele era pequeno demais para entender o que estava acontecendo, e suas principais memórias da época são as de sua mãe colocando a ele e a seu irmão para brincar de faz de conta embaixo da mesa da cozinha - mais tarde ele saberia que isso sempre ocorreria durante os bombardeios. Cushing seria uma criança bastante doente, tendo pneumonia duas vezes e o que na época era chamado de pneumonia dupla uma vez; o médico consideraria sua sobrevivência após esse último caso um verdadeiro milagre.

Apesar de ter atores nos dois lados da família - incluindo seu avô paterno, Henry William Cushing, e um tio de sua mãe, Wilton Herriot, de quem ele recebeu o nome do meio, ambos atores de teatro relativamente famosos no início do Século XX - Cushing só se interessaria pelo teatro na década de 1920, quando, após a família se mudar para Purley, ele veria uma representação teatral da história de Peter Pan durante o Natal. A partir de então, ele começaria a usar seus brinquedos em apresentações de marionetes para a família e amigos, sempre sendo muito elogiado por sua criatividade e interpretações.

Quando Cushing tinha dez anos, sua família tentou matriculá-lo em um colégio interno no Condado de Sussex, mas ele não aguentou de saudades de casa, e convenceu seus pais a transferi-lo de volta para Purley após apenas um semestre. Na escola, ele se destacaria nas aulas de artes e teatro, e na natação e no críquete, mas, nas demais matérias, seria um péssimo aluno, somente passando de ano porque seu irmão fazia o seu dever de casa e estudava com ele para as provas; Cushing sempre diria que não conseguia manter a atenção nas aulas por mais de alguns momentos, e que isso prejudicava seu aprendizado. Seu professor de teatro, porém, reconheceria seu talento precoce, e permitiria que ele passasse quase todo seu tempo livre no teatro da escola, onde ajudava a pintar os cenários e ensaiava seus papeis.

Cushing seria o protagonista em quase todas as peças encenadas na Purley County Grammar School enquanto foi aluno de lá, e, ao concluir o Ensino Médio, quis buscar uma carreira de ator. Seu pai foi terminantemente contra, e, aproveitando que o filho tinha talento também para desenho e pintura, conseguiu para ele um emprego no departamento de artes do Conselho Urbanístico do Distrito de Purley e Coulsdon, onde ele mesmo trabalhava como inspetor de qualidade. Já com 20 anos, Cushing detestava o trabalho, e sempre o realizava com o mínimo esforço possível, o que fez com que ele trabalhasse durante três anos sem receber nenhuma gratificação ou promoção, por "falta de ambição e interesse"; a única parte do trabalho da qual ele gostava era de desenhar modelos para prédios novos, mas seus desenhos sempre eram rejeitados por serem considerados impossíveis de serem construídos, o que ele considerava "um mero detalhe".

Graças a seu ex-professor de teatro na escola, Cushing faria sua estreia nos palcos como ator amador em 1934, numa montagem de Pigmaleão e Galateia; ele atuava em segredo, e ensaiava seus papeis em um sótão no trabalho, com a desculpa de que ia até lá recolocar no lugar mapas de pesquisa utilizados por outros funcionários. Ele seria convidado para uma dezena de peças antes de decidir se arriscar e começar a se candidatar a papéis, o que faria através da sessão de classificados da revista The Stage, voltada para o mundo teatral; Cushing sempre seria rejeitado, porém, devido à sua falta de experiência profissional. Por causa disso, em 1935 ele decidiria se candidatar a uma bolsa na Guildhall School of Music and Drama, em Londres. Em sua entrevista, porém, o ator Allan Aynesworth, seu avaliador, o rejeitaria de imediato, pedindo para que ele só retornasse quando melhorasse sua dicção. Cushing não desistiria e, ao longo do ano, enviaria nada menos que 21 cartas pedindo uma nova chance, até que o diretor, Bill Fraser, decidiria se encontrar pessoalmente com ele, não para entrevistá-lo, mas para pedir-lhe que não escrevesse mais. Durante esse encontro, contudo, Cushing o convenceria a dar-lhe um papel sem falas na montagem de Cornelius que ocorreria na escola naquele mês; mesmo fazendo pouco mais que andar para lá e para cá no palco, Cushing causaria uma boa impressão em Fraser, que concordaria em lhe dar a bolsa desde que ele também trabalhasse no teatro da escola, desempenhando funções como servir refrescos e ajudar a montar o palco.

Cushing impressionaria a equipe da escola em suas apresentações, e, ainda em 1935, conseguiria um papel na montagem de The Middle Watch que seria encenada no Connaught Theatre, na cidade de Worthing. No verão de 1936, ele pediria demissão do emprego de desenhista após receber um convite para se unir à companhia de teatro Southampton Rep, para trabalhar como assistente de cenografia, desempenhando também pequenos papéis nas montagens da companhia no Grand Theatre da cidade de Hampshire. Cushing ficaria três anos com a companhia, se candidatando também a papéis em outras montagens, o que faria com que ele participasse de quase cem peças no período. No verão de 1939, entretanto, cansado da vida na companhia, ele decidiria arriscar e se mudar para os Estados Unidos, onde tentaria uma oportunidade no cinema.

Com uma passagem só de ida para Los Angeles, comprada por seu pai, e somente 50 libras esterlinas no bolso, Cushing conseguiria marcar uma entrevista com um executivo da Columbia Pictures, que lhe recomendaria para um papel no filme O Homem da Máscara de Ferro, de 1939, dirigido por James Whale. O "papel", no caso, era o de dublê do ator Louis Hayward, que interpretava tanto o Rei Luís XIV quanto seu sósia Felipe de Gasconha; Cushing "interpretava" um enquanto Hayward interpretava o outro, e, na edição, as cenas seriam combinadas e Cushing seria removido, com Hayward "contracenando com ele mesmo". Isso significava que Cushing não apareceria em nenhuma cena, mas ele daria um jeito de fazer com que esse filme marcasse sua estreia no cinema: durante as gravações, o ator que interpretaria o mensageiro do Rei faltou, e Cushing se ofereceu para o papel, inclusive garantindo a Whale que era excelente na esgrima - sendo que mal sabia pegar numa espada. Whale, que já havia visto as atuações de Cushing como dublê de Hayward, aceitou a oferta, e lhe deu o papel.

Alguns dias depois das filmagens de O Homem da Máscara de Ferro, Cushing ouviria que o produtor Hal Roach estava procurando um ator inglês para uma participação em um dos filmes de Stan Laurel e Oliver Hardy (conhecidos aqui no Brasil como O Gordo e o Magro) e se candidataria, conseguindo um papel minúsculo em Dois Palermas em Oxford, lançado em 1940. Durante as filmagens, ele seria convidado para um jogo de críquete, no qual conheceria o ator Robert Coote, que o acharia perfeito para o próximo filme do diretor George Stevens, que estava na fase de montar o elenco. Cushing acabaria fazendo o teste e conseguindo o papel em Noites de Vigília, também lançado em 1940, sobre uma enfermeira que trabalha em um hospital mal-equipado do interior, interpretada por Carole Lombard. Cushing interpretaria o marido da irmã dessa enfermeira, o segundo papel masculino com maior destaque do filme, e chamaria a atenção da crítica especializada, recebendo vários elogios.

Nenhuma porta se abriria para ele em decorrência das boas críticas, porém, e ele acabaria aceitando fazer um monte de pequenos papéis sem crédito, para não ficar desempregado, inclusive voltando a ser dirigido por Whale em Mulheres na Guerra. Cushing interpretaria Robert Clive da Índia num episódio da série para o cinema The Hidden Master, com os executivos da MGM, que a produziam, ficando muito impressionados com sua atuação e começando a planejar lançá-lo como protagonista em um de seus próximos filmes, mas, descontente por não conseguir bons papéis e com saudades de casa, ele decidiria pegar carona até Nova Iorque, onde conseguiria trabalhos como narrador de comerciais de rádio e se candidataria a papéis no teatro para juntar dinheiro para comprar uma passagem de volta para a Inglaterra. Cushing atuaria em quatro peças, incluindo uma versão modernizada de Macbeth, de William Shakespeare, na qual seria convidado por um olheiro da Broadway para participar de uma montagem do musical The Seventh Trumpet, em 1941. A estreia de Cushing na Broadway seria um fracasso de público, porém, e só ficaria em cartaz durante onze dias.

Cushing voltaria à Inglaterra bem no meio da Segunda Guerra Mundial; devido a uma antiga lesão no joelho, ele seria considerado inapto para o serviço militar, mas, por sugestão de um antigo colega, se candidataria para trabalhar montando espetáculos e encenando peças para divertir os soldados no front, através da Entertainments National Service Association. Em 1942, a ENSA faria uma montagem da peça Private Lives que percorreria vários hospitais militares no Reino Unido, e o ator que interpretaria o protagonista seria convocado para lutar; Cushing concordaria em substituí-lo com pouquíssimo tempo para ensaiar e se preparar, e ganhando apenas dez libras por semana. Durante essas apresentações, ele conheceria a atriz Helen Beck, que interpretava a principal personagem feminina; os dois se apaixonariam e se casariam em 1943, ficando juntos até a morte dela, em 1971. Pouco depois do casamento, Cushing teria um edema pulmonar que faria com que ele tivesse de deixar a ENSA, sobrevivendo de seguro-desemprego e do fundo de amparo aos artistas até se restabelecer.

Em seguida, viria uma época de vacas magras, já que a maior parte das peças para as quais ele conseguiria papéis seriam canceladas após poucas apresentações ou antes mesmo de estrear, como uma montagem de cinco horas de Guerra e Paz no Phoenix Theatre de Londres, que teria apenas sete apresentações antes de ser encerrada por falta de público. Para sobreviver, Cushing fazia comerciais de rádio, e chegou a trabalhar como estilista de uma linha de echarpes femininas para uma loja de uma amiga de sua esposa. Em 1945, as coisas começariam a melhorar com uma montagem de The Rivals no Westminster Criterion Theatre, com a qual ele conseguiu dinheiro suficiente para se livrar das dívidas contraídas nos anos anteriores. Em 1946, ele faria um teste para uma montagem de Born Yesterday dirigida por Laurence Olivier, mas não seria escolhido por não conseguir imitar de forma convincente o sotaque norte-americano. Aos 33 anos, Cushing cogitaria desistir da carreira de ator por se considerar um fracasso.

Mas, no ano seguinte, 1947, Olivier começaria a produção de sua versão para o cinema de Hamlet, que estrearia em 1948, e Helen convenceria Cushing a se candidatar para um teste. O diretor se lembraria dele, e se diria satisfeitíssimo por poder lhe oferecer um papel, mas, como Cushing chegou tarde, a única vaga em aberto seria a do cortesão Osric; Cushing aceitaria, e retornaria aos cinemas após quase dez anos. Além de atuar no filme, Cushing criaria as echarpes usadas pelas personagens femininas, com duas delas sendo presenteadas à Rainha e a sua filha, Princesa Elizabeth (atual Rainha Elizabeth II). Hamlet ganharia o Oscar de Melhor Filme, e a performance de Cushing seria elogiadíssima, o que renderia convites de Olivier para que ele e Helen se juntassem à sua prestigiada companhia de teatro, a Old Vic, que, em seguida, embarcaria em uma turnê de um ano pela Austrália e Nova Zelândia.

Ao retornar à Inglaterra, Cushing voltaria a ter dificuldades para conseguir papéis no teatro, e Helen o encorajaria a se candidatar mais ao cinema; mesmo assim, seu papel de maior destaque seria uma participação em Moulin Rouge, de 1952, na qual ele interpretava um espectador das corridas de cavalo que contracenava com José Ferrer. Helen também o encorajaria a buscar papéis na televisão, que começava a ser implementada no Reino Unido, mas Cushing se mostraria reticente; quando finalmente procurou a BBC, a decisão se mostrou acertada, já que, graças a seu histórico, ele logo seria contratado para uma série de adaptações de grandes peças de teatro, que seriam encenadas ao vivo na TV. Graças a isso, Cushing não somente passaria a ser considerado um ator do primeiro time, como hoje ele é considerado um dos pioneiros da TV no Reino Unido.

A estreia de Cushing na TV seria com Eden End, de J.B. Priestley, televisionado em dezembro de 1951. No ano seguinte, ele seria elogiadíssimo ao interpretar o Sr. Darcy em Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, e, em 1953, ele ganharia o National Television Award de Melhor Ator por sua interpretação de Piotr Petrovsky em Anastácia. Ao todo, Cushing estaria em mais de trinta especiais da BBC na década de 1950, mas a de maior repercussão seria sua participação em 1954 como protagonista da adaptação feita por Nigel Kneale do livro 1984, de George Orwell. Após a apresentação, o diretor Rudolph Cartier receberia ameaças de morte, Cushing seria massacrado pela crítica por "se envolver com algo tão sujo", e até o Parlamento consideraria proibir que o programa fosse reprisado; Cartier conseguiria autorização para fazer uma segunda versão, com algumas mudanças, e, dessa vez, o programa seria elogiadíssimo, com a performance de Cushing sendo até hoje considerada uma das maiores da história da TV britânica. Cushing sempre se disse perplexo com o fato, já que, em sua opinião, as duas versões eram praticamente idênticas, e sempre lamentou por achar que sua performance na primeira versão foi superior à da segunda, mas, devido à controvérsia, a segunda foi a única que sobreviveu até hoje.

Após 1984, Cushing ganharia o prêmio de Melhor Ator de Televisão do Ano do jornal Evening Chronicle em 1954, o prêmio de Melhor Ator da Guilda dos Produtores de TV em 1955, e o BAFTA (o "Oscar britânico") de Melhor Ator de 1956. Em 1955, ele voltaria a trabalhar com Kneale no especial A Criatura, que seria transformado em filme, chamado O Abominável Homem das Neves, com Cushing no mesmo papel, em 1957. Também a partir de 1954, ele começaria a tentar voltar a se dedicar ao cinema, por achar o mundo da televisão ao vivo muito estressante, mas seria muito difícil encontrar papéis, já que a maioria dos produtores de cinema tinha preconceito contra atores de televisão - e um pouco de raiva por achar que a televisão roubava público dos cinemas. Por causa disso, ele só conseguiria papéis em filmes filmados fora do Reino Unido, como O Espadachim Negro (1954), filmado na Espanha, no qual contracenaria com Alan Ladd, e Chama Imortal (1955), a história da vida do compositor alemão Richard Wagner, filmado em Munique.

Um dia, por acaso, Cushing leria em uma revista que os estúdios Hammer planejavam filmar uma nova versão de Frankenstein; tendo lido a história quando jovem e gostado, o ator pediu que seu agente entrasse em contato com a Hammer, oferecendo-o para interpretar o Barão Victor Frankenstein, criador do monstro. James Carreras, co-fundador da Hammer, foi à loucura, pois havia pensado em convidar Cushing para vários filmes antes desse, mas sempre esbarrava em sua falta de disponibilidade devido à apertada agenda da televisão. Mesmo Cushing sendo cerca de vinte anos mais velho que o cientista na história original, Carreras ordenaria que não somente ele fosse contratado, mas também que o roteiro fosse reescrito para que o protagonista do filme, ao invés do monstro, fosse o Barão - o que se tornaria uma marca dos filmes de Frankenstein da Hammer, em contraste com os da Universal, nos quais o monstro tinha claro protagonismo. Durante as gravações, Cushing conheceria o ator Christopher Lee, que interpretaria o monstro - ambos haviam estado em Hamlet, mas jamais se encontrado - e os dois se tornariam melhores amigos; no dia em que os dois se conheceram, Lee estava totalmente maquiado como o monstro, e, como isso chegou até a imprensa, a assessoria de imprensa da Hammer divulgaria uma nota publicitária dizendo que, na primeira vez em que Cushing viu Lee sem maquiagem, não o reconheceu e gritou de horror.

Cushing faria uma extensa preparação para o papel, inclusive aprendendo com um cirurgião a forma correta de segurar e manusear um bisturi. A versão da Hammer do Barão Frankenstein era muito mais maligna que as demais retratadas até então, com o cientista passando por cima de tudo e de todos para conseguir seus objetivos, chegando até a matar um amigo para adquirir seu cérebro; a interpretação fria e controlada de Cushing seria elogiadíssima, e, para muitos, ajudaria a criar a imagem do "cientista louco", que surgiria em vários filmes de horror a partir de então. Ao todo, Cushing interpretaria o Barão Frankenstein em nada menos que seis filmes, dos 22 que ele faria para a Hammer: A Maldição de Frankenstein (1957), A Vingança de Frankenstein (1958), O Monstro de Frankenstein (1963), ..E Frankenstein criou a Mulher (1967, no qual o "monstro" era interpretado pela Coelhinha da Playboy Susan Denberg), Frankenstein tem que ser Destruído (1939) e Frankenstein e o Monstro do Inferno (1974).

Devido a suas cenas de violência extrema e conteúdo sexual, A Maldição de Frankenstein seria um gigantesco sucesso de público, mas um fracasso de crítica, que, mesmo assim, pouparia Cushing e Lee, exaltando as interpretações de ambos. Carreras, então, decidiria combiná-los em outro filme de horror clássico, Drácula, o Vampiro da Noite, de 1958, no qual Cushing interpretaria o caçador de vampiros Abraham Van Helsing, e Lee o vampiro titular. Apesar de o nome de Cushing vir primeiro nos créditos, o filme, que mais uma vez seria um gigantesco sucesso de público mas um fracasso de crítica, ajudaria a alavancar a carreira de Lee, que até hoje é bastante ligado ao personagem. Cushing novamente faria uma extensa preparação para o papel, estudando todos os maneirismos de Van Helsing descritos no livro para reproduzi-los na tela, e seria dele a ideia de uma das cenas mais icônicas do filme, na qual o caçador pula sobre uma mesa, abre uma cortina para ferir Drácula com a luz do Sol, e faz um crucifixo improvisado com duas velas.

Cushing voltaria a interpretar Van Helsing em As Noivas do Vampiro, de 1960, sem a participação de Drácula ou de Lee. Em 1964, no retorno de Lee ao papel, em Drácula: O Príncipe das Trevas, seriam usadas cenas suas gravadas para O Vampiro de Noite; como agradecimento por Cushing ter dado permissão para o uso sem cobrar nada a mais, Carreras pagaria a reforma do telhado de sua casa. Em 1972, mais uma vez com Lee, a Hammer lançaria Drácula no Mundo da Minissaia, que trazia o vampiro ressurgindo na época atual, e no qual Cushing interpretaria o neto do caçador de vampiros, Lorrimer Van Helsing; aos 59 anos, Cushing dispensaria dublês para suas cenas de ação, surpreendendo seus colegas de elenco. Ele voltaria ao papel de Lorrimer em Os Ritos Satânicos de Drácula (1974), última aparição de Lee em um filme de Drácula da Hammer, e interpretaria outro parente do caçador, Lawrence Van Helsing, em A Lenda dos Sete Vampiros, ambientado no século XIX e que misturava vampiros e kung fu.

Todos esses filmes de Drácula e Frankenstein consolidariam Cushing como um astro do terror. Helen ficaria preocupada que ele ficasse marcado, mas ele acabava aceitando os papéis porque a Hammer pagava muito bem. Para tentar acalmar o casal, Carreras ofereceria a Cushing o papel de Sherlock Holmes em O Cão dos Baskervilles, de 1959, que deveria ser o primeiro de uma série de filmes sobre o detetive, mas acabaria sendo o único. Cushing, que atuaria mais uma vez ao lado de Lee (que interpretava Sir Henry Baskerville), consideraria essa uma das melhores atuações de sua carreira; novamente ele faria uma intrincada preparação, relendo o livro e escrevendo notas no roteiro, até mesmo sugerindo alterações ao diretor em nome de uma maior fidelidade. Sua habilidade em usar objetos de cena durante a atuação - folheando papéis, brincando com o cachimbo ou enchendo um copo de uísque enquanto interpretava - chamaria atenção, e lhe renderia o apelido de Props Peter (sendo props a gíria em inglês para os objetos de cena). Fora do terror, além de Sherlock Holmes, ele interpretaria o Xerife de Nottingham em Robin Hood: O Invencível (1960), o avarento gerente de um banco roubado em Estranho Assalto (1961), e um explorador em A Deusa da Cidade Perdida (1965), sobre uma cidade secreta governada por uma rainha imortal interpretada por Ursula Andress.

Mas ele obteria destaque mesmo no terror; fora das séries de Drácula e Frankenstein, seu maior sucesso seria A Múmia, de 1959, no qual ele interpretaria um arqueólogo (e Lee, a múmia); o pôster do filme teria a múmia com um buraco no peito, pelo qual passavam raios de sol, mas não havia nenhuma cena no roteiro que causasse esse buraco, Cushing, então, pediria permissão ao diretor Terence Fisher para atravessar um arpão pelo peito da múmia durante uma cena de luta, para que pelo menos o pôster fizesse sentido, e foi atendido. Outros destaques seriam A Patrulha Fantasma, de 1962, na qual ele interpretaria um reverendo em uma cidade costeira do Século XVIII aparentemente assombrada por fantasmas; A Górgona, de 1964, no qual o monstro era uma versão moderna da Medusa; e Um Grito Dentro da Noite, de 1972, no qual Cushing interpretava o diretor de uma escola onde vai lecionar uma professora que se imagina perseguida por criaturas sobrenaturais. Em 1970, ele trabalharia em Carmilla, a Vampira de Karnstein, primeiro de uma trilogia inspirada nos livros de Sheridan Le Fanu, mas, por Helen estar doente, teria de abrir mão do segundo, Luxúria de Vampiros, de 1971, sendo substituído por Ralph Bates; Cushing retornaria para o terceiro, As Filhas de Drácula, de 1972.

Fora da Hammer, Cushing daria preferência para papéis que não fossem de terror; ele interpretaria o general ateninense Memnon em Alexandre Magno, de 1959; um capitão da marinha britânica em Ainda Não Comecei a Lutar, também de 1959, a história do oficial escocês John Paul Jones; o médico Robert Knox, acusado de comprar cadáveres de um assassino serial, no filme biográfico O Monstro da Morgue Sinistra, de 1960; e contracenaria com Gary Cooper e Deborah Kerr em A Tortura da Suspeita, de 1961, no qual uma mulher suspeita que seu marido cometeu assassinato e incriminou outro homem. Seu papel mais curioso da década de 1960, porém, seria interpretando o Doutor em dois filmes inspirados na série Doctor Who - nos quais, bizarramente, o Doutor era humano, e realmente tinha o sobrenome "Who". Chamados Dr. Who e a Guerra dos Daleks e Ano 2150: A Invasão da Terra, os filmes seriam lançados, respectivamente, em 1965 e 1966.

Cushing também voltaria a interpretar Sherlock Holmes, dessa vez na TV, em uma série de 16 episódios produzida pela BBC em 1968, da qual infelizmente somente seis sobreviveram até hoje; ele tentaria fazer o personagem no mesmo tom que em O Cão dos Baskervilles, mas, devido à cansativa agenda de gravações, apertada principalmente por restrições financeiras, ele sempre manifestaria a opinião de não ter conseguido dar seu melhor no papel. Ainda na televisão, ele estaria em um episódio de Os Vingadores, de 1967, faria várias participações em episódios da famosa série de comédia The Morecambe & Wise Show, em 1969, uma delas interpretando ele mesmo passando por várias confusões para receber seu pagamento por sua participação anterior, e voltaria a interpretar o Barão Frankenstein (com Lee voltando a interpretar o monstro) em um episódio da série de comédia Uma Dupla em Sinuca, de 1970. Em 1971, ele entraria em contato com o Royal National Institute for the Blind, instutuição que produz material para cegos, e seria voluntário para gravar várias histórias em áudio, dentre elas The Return of Sherlock Holmes, uma coleção de 31 contos do detetive.

Cushing também faria vários filmes de terror para a Amicus, a "rival da Hammer", dentre os quais podemos destacar As Profecias do Dr. Terror, de 1965, filme composto por episódios, no qual o personagem-título, interpretado por Cushing, serve como ligação entre as histórias; A Maldição da Caveira, também de 1965, no qual interpreta um professor obcecado por um crânio que teria pertencido ao Marquês de Sade; As Torturas do Dr. Diabolo (1967), outro filme composto por episódios, no qual, no último deles, interpretaria um colecionador de objetos ligados a Edgar Allan Poe e contracenaria com Jack Palance; Grite, Grite Outra Vez!, de 1970, estrelado por Vincent Price, no qual fez uma participação especial como um coronel de um país totalitário; e O Soro Maldito, de 1971, adaptação de O Médico e o Monstro, no qual interpretava o mentor do Dr. Marlowe, a versão desse filme do Dr. Jekyll (interpretado, adivinhem, por Lee, assim como sua contraparte, Blake, a versão do Sr. Hyde). Também podem ser citados os filmes compostos por episódios A Casa que Pingava Sangue (1971), Contos do Além (1972) e O Asilo do Terror (1973), nos quais Cushing participa de um episódio de cada. Ele gravaria Contos do Além poucos dias após o falecimento de Helen, e sugeriria ao diretor Freddie Francis que seu personagem, um homem solitário levado ao suicídio por seus vizinhos, que estavam de olho em sua propriedade, conversasse com um retrato de sua falecida esposa; sua performance lhe renderia o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cinema de Fantasia da França.

Um dos filmes de terror de maior repercussão de Cushing na década de 1960, entretanto, não seria produzido nem pela Hammer, nem pela Amicus, e sim pela Columbia Pictures: A Face da Corrupção, de 1968, no qual ele interpreta um cirurgião plástico casado com uma lindíssima modelo (interpretada por Sue Lloyd), que se torna obcecado por restaurar sua beleza depois que ela sofre um acidente e fica desfigurada. O filme seria um dos poucos do ator ambientados na época atual, e acabaria censurado em diversos países por ser considerado violento demais - no Reino Unido, o governo recomendava que "nenhuma mulher entrasse no cinema sozinha" para assisti-lo.

Entre 1955 e 1965, Cushing também faria várias peças de teatro; em 1975, após dez anos longe dos palcos, ele convenceria um casal de amigos, Helen Ryan e Guy Slater, que planejavam reabrir o Horseshoe Theatre, na cidade de Basingstoke, a fazer uma montagem de The Heiress com ele no papel principal. Cushing se diria renovado pela experiência, que seria sua mais prazerosa desde a morte de sua esposa. Embora ele mesmo ainda vivesse quase duas décadas, essa acabaria sendo a última peça que Cushing encenaria no teatro.

Em 1976, George Lucas procuraria Cushing e lhe ofereceria um papel em Star Wars; segundo Lucas, como Darth Vader usaria máscara o tempo todo, era preciso um vilão "com cara", e ele pensou que Cushing seria perfeito para interpretar o Grand Moff Tarkin, comandante da Estrela da Morte. Em entrevistas após o lançamento do filme, porém, Cushing diria que Lucas o procurou querendo que ele interpretasse Obi-Wan Kenobi, e só o convidaria para interpretar Tarkin porque Cushing teve de recusar o papel de Obi-Wan por, devido a já ter se comprometido com outras produções, não ter o tempo disponível necessário para se dedicar às filmagens, com só então Lucas lhe oferecendo Tarkin, que tinha bem menos cenas e ele poderia filmá-las em menos tempo; Cushing também diria que preferiria ter ficado com o papel de Obi-Wan, mas que se dedicou ao máximo ao pequeno mas importante papel que recebeu. De fato, Tarkin, mesmo com pouco tempo de tela, se tornaria, também por causa do sucesso do filme, um dos papéis mais icônicos de Cushing, e um dos pelos quais ele é mais lembrado até hoje. Vale citar como curiosidade que Cushing era o nome mais famoso do elenco, e que seu salário era maior que o dos protagonistas Mark Hamill, Carrie Fisher e Harrison Ford, mas menor que o de Alec Guinness, que acabaria ficando com o papel de Obi-Wan.

Depois de Star Wars, por alguma razão, a carreira de Cushing entraria na descendente, e ele só seria convidado para papéis que, segundo os críticos, estavam abaixo de seu talento - em pérolas como O Filho de Hitler (1978), Uma Aventura na Arábia (1979) e O Mistério da Ilha dos Monstros (1981). Ele interpretaria um oficial nazista isolado em uma ilha cheia de zumbis em Horror em Alto Mar, de 1977; voltaria a contracenar com Price e Lee no terrir A Mansão da Meia-Noite, de 1983, no qual um autor de romances de terror (interpretado por Desi Arnaz, Jr.) se isola em uma mansão no País de Gales para tentar se livrar de um bloqueio criativo; e faria uma pequena participação como um professor sequestrado no filme de comédia Top Secret! Superconfidencial, de 1984. Também em 1984, Cushing faria seu último filme no qual seu nome viria primeiro nos créditos, em uma que seria considerada das melhores atuações de sua carreira, voltando a interpretar Sherlock Holmes, no filme para a TV The Masks of Death. Seu último trabalho como ator seria interpretando um coronel da força aérea no filme de fantasia Biggles, de 1986, aos 73 anos.

Também em 1986, Cushing seria convidado para participar do programa de TV Jim'll Fix It, no qual o apresentador Jimmy Saville "realiza desejos"; Cushing desejaria que uma espécie de rosa fosse batizada em homenagem a sua falecida esposa, e a produção do programa entraria em contato com o Wheatcroft Rose Garden, na cidade de Edwalton, que daria a uma nova espécie ainda não-batizada o nome de Rosa Helen Cushing. Ainda em 1986, ele seria homenageado pelo British Film Institute, e convidado a dar uma palestra sobre cinema no National Film Theatre; ele também organizaria um retrospecto de sua carreira em uma escola pública em Canterbury, cuja renda da admissão foi totalmente revertida para um hospital que cuida de crianças com câncer. No ano seguinte, uma aquarela pintada por ele seria leiloada, com toda a renda revertida para instituições de caridade, e um desenho que ele fez de Sherlock Holmes seria escolhido como logotipo oficial da Northern Musgraves Sherlock Holmes Society. Em 1989, ele receberia a Ordem de Oficial do Império Britânico (OBE), como reconhecimento por sua contribuição à indústria do cinema.

Cushing escreveria três livros. Dois deles, Peter Cushing: An Autobiography (publicado em 1986) e Past Forgetting: Memoirs of the Hammer Years (publicado em 1988) seriam autobiografias, escritas originalmente não para serem publicadas, e sim para que ele tivesse uma ocupação após a morte de sua esposa, quando ficou à beira de uma depressão; seria o ator John Mills, que interpretou Watson em The Masks of Death, que o convenceria a publicá-los. O terceiro, The Bois Saga, publicado em 1994, era um livro infantil, escrito para tentar ajudar a filha de sua amiga e secretária pessoal Joyce Broughton, que tinha dislexia, a aprender a ler; Broughton gostaria tanto do livro, uma espécie de "história da Inglaterra para crianças", que convenceria Cushing a publicá-lo.

Em maio de 1982, Cushing seria diagnosticado com câncer na próstata e internado de emergência no Kent and Canterbury Hospital, onde os médicos lhe deram entre um ano e 18 meses de vida. Ao receber alta, ele foi morar com Broughton e sua família na cidade de Hartley, se recusando a receber qualquer tratamento, inclusive quimioterapia. Mesmo assim, e apesar do prognóstico, Cushing viveria mais doze anos, falecendo em 11 de agosto de 1994, aos 81 anos de idade. Seu último trabalho em vida, realizado poucas semanas antes de sua morte, seria a narração para o documentário Flesh and Blood: The Hammer Heritage of Horror, lançado em 1994 e que contava a história da Hammer; as gravações ocorreriam próximas à casa de Broughton, para que Cushing não tivesse de se deslocar por uma grande distância. Lee, que foi co-narrador do filme e participou das mesmas sessões de gravação que o amigo, ficou muito assustado com a fragilidade que Cushing aparentava, e, ao terminar as gravações, disse ter tido um pressentimento de que aquela era a última vez que o veria com vida.

Em 2016, mais de vinte anos após sua morte, Cushing receberia um papel póstumo, ao ter sua aparência e voz recriadas para o filme Rogue One: Uma História Star Wars, no qual ele novamente "interpretaria" o Grand Moff Tarkin. Na verdade, a interpretação coube ao ator Guy Henry, que teve sua face substituída digitalmente na pós-produção por imagens de Cushing gravadas para Star Wars, algumas para cenas que não foram utilizadas em 1977; a voz dos dois atores é parecida, mas ainda assim a voz de Henry seria levemente alterada em um programa de computador para que ele soasse mais como Cushing. A utilização da aparência e voz de um ator morto há tanto tempo em uma nova produção gerou muita controvérsia na época, mas Broughton, na qualidade de representante do espólio de Cushing, não somente permitiu seu uso como o aprovou com louvor; ela sairia da pré-estreia do filme se dizendo emocionada por ter sido capaz de ver Cushing mais uma vez na tela de um cinema.

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