domingo, 1 de março de 2020

Escrito por em 1.3.20 com 2 comentários

Roteiristas

Minhas amigas são as melhores do mundo e eu posso provar. Aproveitando o enorme sucesso do Mês dos Convidados (medido pelo fato de que eu passei um mês inteiro sem precisar escrever um post), que aconteceu em maio do ano passado, pensei em fazer um segundo mês temático esse ano, mas, como mês temático repetido é proibido, tinha que inventar alguma diferença em relação ao anterior. Como todo mundo sabe, março é o Mês da Mulher, então pensei "por que não convidar quatro (depois descobri que teriam de ser cinco) das minhas extremamente inteligentes e competentes amigas para agraciar o átomo com seus textos?". O resultado dessa indagação vocês verão a partir de hoje e ao longo de todo esse mês, quando ocorrerá o Mês da Mulher no átomo - durante o qual vocês poderão comprovar que eu não menti no começo dessa introdução.

Para começar o Mês da Mulher, trago-vos um texto da fabulosa Letícia Nascimento, jornalista e roteirista, que escreve no Trópico de Capricórnio e em nosso querido Crônicas de Categoria. Hoje é dia de roteiristas no átomo!





Com tantas possibilidades de assuntos para explorar neste blog, que abrange tantas coisas que eu amo - como jogos de tabuleiro, literatura e séries de TV - resolvi escolher o cinema, mais especificamente, uma vertente dele que também faz parte direta da minha vida, roteirista (nas horas que o proletariado permite) que sou.

Para aproveitar o Mês da Mulher, resolvi falar sobre roteiristas mulheres, nós que ainda temos estatísticas desiguais na indústria, por mais que os números melhorem a cada dia. Mesmo que a maioria das pessoas nem saibam o nome dos roteiristas dos filmes que assistem no cinema, ou os autores daquele episódio de série viciante, o trabalho do roteirista é parte essencial de uma produção.

E como uma mulher que dirigiu dois curtas-metragens, tirando meus personagens do papel e os levando para uma tela grande, algo que me dá um orgulho danado, tenho ainda mais consciência de como o espaço para as roteiristas e diretoras ainda está anos-luz de ser o ideal. Por exemplo, enquanto escrevo este texto, o corretor sublinhou em vermelho a palavra "diretoras" e "Did you mean: diretores". Temos um longo caminho pela frente.

Por sorte, há aquelas que chegam lá. Que conseguem seu espaço nas produtoras, exibem em grandes festivais, chegam ao Oscar e tudo mais. Não sem antes passar por uma enxurrada de machismo e alguns obstáculos que não estavam ali para os seus colegas. E quando falo de machismo, falo de olhos fechados, porque é muito raro conhecer uma mulher que não o tenha vivenciado na própria pele. Nós convivemos tanto com o machismo que às vezes nem conseguimos identificá-lo.

Eu passei por alguns episódios no meio audiovisual da minha cidade. Um diretor disse que adoraria que eu trabalhasse em um set seu, o que me deixou instantaneamente feliz, e na sequência disse "pena que só temos vaga na produção", ao que eu prontamente respondi "sem problemas", e ele, rindo com um outro cara ao lado: "mas tem que carregar peso, você não dá conta". Mal sabe ele quanto peso carreguei sorrindo no set dos meus dois curtas. Essa fala e as risadas me afastaram para sempre de trabalhar com este homem, que me procurou depois para que eu fizesse parte de sua equipe. Aqui não!

Outra coisa recorrente era chegarmos para filmar e qualquer pessoa achar que um dos meus assistentes (homens) dirigiam o filme e não eu. O pedido de silêncio do meu assistente também era ouvido com mais respeito do que o meu. Ao final do dia, as coisas aconteciam, mas sempre com uma sensação de insuficiência do lado de dentro do meu peito. Ao final do meu segundo filme tive que ouvir de um homem como ele estava surpreso por eu ter conseguido dar conta de fazer aquilo. Como se ele estivesse esperando o tempo todo pelo meu fracasso. Isso, inclusive, contribuiu para me afastar de vez da direção, mas isso é assunto para outra conversa.

Para não ficarmos apenas no mundo das lamentações, vou tornar este texto mais efetivo sugerindo alguns filmes de roteiristas incríveis, que estão dando a cara à tapa na indústria, muitas vezes dirigindo os seus próprios roteiros. Eu não gosto de sinopses - pois é - então vou apenas indicar filmes maravilhosos, para todos os gostos. Assim como na literatura, fica meu apelo: assista filmes escritos e dirigidos por mulheres. Nós somos tão boas quanto eles.

E que tal começar a reparar nos créditos das produções que você consome? Veja quantas mulheres aparecem e a minha necessidade de falar sobre isso e de colocar você para pensar nisso vai fazer mais sentido, pode apostar.

O Lixo e o Sonho (Ratcatcher, 1999) - Lynne Ramsay



As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, 1999) - Sofia Coppola



Que Horas Ela Volta? (2015) - Anna Muylaert



Zama (2017) - Lucrécia Martel



Tomboy (2011) - Céline Sciamma



Outros filmes que foram escritos por mulheres e você nem desconfiava:

Metrópólis (Metropolis, 1927) - roteiro de Thea von Harbou, direção de Fritz Lang


E.T. - O Extraterrestre (E.T. the Extra Terrestrial, 1982) - roteiro de Melissa Mathison, direção de Steven Spielberg


Thelma & Louise (1991) - roteiro de Callie Khouri, direção de Ridley Scott


Hiroshima, Meu Amor (Hiroshima, Mon Amour, 1959) - roteiro de Marguerite Duras, direção de Alain Resnais


Garota Exemplar (Gone Girl, 2014) - roteiro de Gillian Flynn, direção de David Fincher

2 comentários:

  1. Amei a estreia do mês das mulheres <3 E reforço o discurso da Letícia: leiam mulheres, vejam filmes produzidos e dirigidos por mulheres, ouçam mulheres, VEJAM as mulheres.

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  2. Que alegria conhecer mais uma face de Eva. Letícia é como muitas mulheres incríveis que trombamos por aí nas ruas, a maioria nem suspeita do que elas são capazes, de que há universos incríveis em cada ser humano. Leiam, ouçam, vejam, consumam produtos de mulheres. Só temos a ganhar.

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