2001
Na década de 1960, no auge da popularidade de Godzilla, surgiriam, como de costume, vários outros monstros, criados por estúdios rivais da Toho, visando pegar uma carona no sucesso de seus filmes. A maioria deles protagonizou apenas um filme e caiu no esquecimento, mas alguns conseguiram conquistar uma base de fãs própria, ganhando várias continuações e alcançando uma certa popularidade. Desses o mais popular de todos foi Gamera.
Criada por Yonejiro Sato para os estúdios Daiei, Gamera era uma tartaruga colossal, capaz de andar sobre duas pernas, de cuspir fogo e de voar. Segundo seu primeiro filme, ela era uma tartaruga pré-histórica, aprisionada no gelo durante a Era Glacial e libertada na década de 1960 durante uma batalha no ártico entre os exércitos dos Estados Unidos e da União Soviética. Por alguma razão, Gamera se alimenta de petróleo e seus derivados - o que lhe dá as já citadas habilidades de cuspir fogo e de voar, essa última recolhendo as pernas para dentro do casco, de onde sai um fogo tipo de foguete, que a propulsiona - e passa a atacar o Japão em busca de alimento.
Assim como Godzilla, Gamera teve duas séries. Na série original, que teve oito filmes lançados entre 1965 e 1980, assim como Godzilla, ela atacava o Japão, era enfrentada pelo exército e, eventualmente, confrontava algum outro monstro que aparecia por lá - seis dos oito filmes, aliás, têm como título "Gamera vs." algum outro monstro. Na segunda série, que teve três filmes, lançados em 1995, 1996 e 1999, houve um reboot, e a origem de Gamera foi alterada para que ela se tornasse um personagem heroico: criada através de engenharia genética na cidade de Atlântida, Gamera tem a missão de proteger a Terra de seu arqui-inimigo Gyaos, devotado a destruir toda a raça humana, e sai da animação suspensa em que se encontrava quando a poluição ambiental liberta Gyaos de sua prisão.
Não, infelizmente, Gamera nunca fez uma participação em um filme de Godzilla. O motivo pelo qual ela está sendo abordada nesse post é que os três filmes da segunda série de Gamera foram dirigidos pelo mesmo diretor, Shusuke Kaneko. Como os três também foram sucessos de público e crítica no Japão, a Toho procurou Kaneko e lhe convidou para escrever e dirigir um filme de Godzilla. Que, como vocês devem estar imaginando, foi esse aqui, que atende pelo comprido título de Godzilla, Mothra and King Ghidorah: Giant Monsters All-Out Attack (no original japonês, Gojira, Mosura, Kingu Gidora: Daikaiju Sokogeki, ambos os subtítulos significando "o ataque total dos monstros gigantes").
Em seu roteiro original, porém, Kaneko não iria usar nem Mothra, nem King Ghidorah. Na primeira versão do roteiro - co-escrito por Kaneko, Keiichi Hasengawa e Masahiro Yokotani - Godzilla atacava Tóquio, e só conseguia ser detido pela união de Anguirus, Varan e Baragon. Os co-produtores Shogo Tomiyama e Hideyuki Honma aprovaram o roteiro, mas pediram para que Anguirus e Varan fossem substituídos por Mothra e King Ghidorah, dois personagens mais populares, para atrair mais público para os cinemas. Isso geraria algumas controvérsias: primeiro, King Ghidorah, que, antes desse filme, sempre era mostrado como vilão, pela primeira vez apareceria como herói, se unindo a outros monstros contra uma ameaça maior. Segundo, Godzilla, que normalmente estava do lado dos heróis, pela primeira vez em sua carreira era a tal "ameaça maior" que precisava ser detida pelos outros monstros. Terceiro, muitos não entenderam por que a Toho decidiria tirar Anguirus, e não Baragon, do filme - sendo a justificativa oficial a de que Baragon, apesar de menos famoso, era mais querido dentre os fãs. Seja como for, um dos que ficaram menos satisfeitos com a mudança foi o chefe da equipe de efeitos especiais, Fuyuki Shinada. Grande fã de Varan, ele ficou empolgado quando soube que o monstro apareceria no filme, e, depois do corte, decepcionado, decidiu prestar uma espécie de homenagem, fazendo as cabeças de King Ghidorah bastante semelhantes à de Varan.
E a aparência e o comportamento nem seriam as únicas alterações feitas em Ghidorah: tradicionalmente, ele era mais alto que Godzilla, mas agora, como seria o herói, foi "reduzido", ficando mais baixinho para que Godzilla parecesse uma ameaça mais perigosa. Mothra também teria sua aparência alterada - ficando bem mais parecida com uma borboleta que com uma mariposa - assim como seus poderes, perdendo o pó venenoso e a habilidade de criar vendavais com as asas, mas ganhando uma espécie de jato de teia lançado de seu abdômen, essencial na luta contra Godzilla. Finalmente, para que Baragon não ficasse muito parecido com Godzilla, perdeu sua baforada e ganhou um rugido diferente, mas manteve sua habilidade de cavar túneis rapidamente.
Assim como seus oponentes, Godzilla foi modificado para esse filme: nele, ele é um morto-vivo, um cadáver reanimado pelos espíritos dos soldados japoneses que morreram na Segunda Guerra Mundial. Para ficar mais ameaçador, seus olhos não possuem pupilas, que, segundo Kaneko, o deixavam com uma aparência muito humanizada. Essas alterações foram alvo de muitas reclamações dos fãs, que viam Godzilla, mesmo nos primeiros filmes, não só como uma ameaça, mas também como uma vítima dos desmandos da humanidade; nesse filme, Godzilla é simplesmente uma força do mal, característica acentuada pela grande ênfase na destruição que ele causa e nas mortes que provoca, algo que não se via desde o primeiro filme. Kaneko também desejava que Godzilla caminhasse mais curvado, para ficar mais ameaçador, mas o ator Mizuho Yoshida, que veste a roupa de Godzilla nesse filme, sofria muitas dores ao tentar adotar essa postura; no final, todos acabaram concordando que seria melhor se Godzilla caminhasse com sua postura ereta tradicional.
O filme começa com uma palestra do Almirante Taizo Tachibana (Ryudo Uzaki), cujos pais foram mortos no ataque original de Godzilla, em 1954. Falando aos cadetes sobre a ameaça da Godzilla, o Almirante revela que o monstro não foi completamente derrotado, e que o ataque a um submarino nuclear pode ser um indício de seu retorno. Paralelamente a isso, a filha do Almirante, a repórter Yuri Tachibana (Chiharu Niyama), está filmando um documentário no Monte Myoko, quando um estranho terremoto liberta Baragon. No dia seguinte, um grupo de adolescentes está acampando no Lago Ikeda, e vê uma aparição de Mothra. Yuri desconfia que o surgimento dos dois monstros possa estar ligado ao retorno de Godzilla, e decide fazer um documentário sobre o Rei dos Monstros.
Para esse documentário, Yuri entrevista o Professor Hirotoshi Isayama (Hideyo Amamoto), que já há algum tempo vem tentando alertar as autoridades quanto a um retorno de Godzilla. Segundo o Professor, Godzilla morreu durante o primeiro ataque em 1954, mas foi reanimado pelas almas dos soldados japoneses mortos na Segunda Guerra Mundial, e agora retorna para punir o Japão, pois o país se esqueceu do sacrifício de seus filhos durante o combate. Segundo o Professor, a única forma de deter Godzilla é reunir os três Monstros Guardiões - Baragon, Mothra e Ghidorah - que devem ser despertados antes que Godzilla chegue ao país. Yuri, então, passa a seguir os relatos das aparições dos monstros, tentando documentar sua luta contra Godzilla, enquanto o exército, não querendo confiar em Monstros Guardiões, decide mobilizar suas forças e atacar todas as quatro criaturas.
O "ator homenageado" do filme - aquele que interpretou algum papel na Série Clássica e agora retorna como um personagem "venerável", tradição da Série Millenium que começou em Godzilla vs. Megaguirus - é justamente Hideyo Amamoto, que interpreta o Professor Isayama. Na Série Clássica, Amamoto interpretou dois papéis pequenos, o de um assistente da Princesa Salno em Godzilla vs. Ghidrah e o de um membro do Bambu Vermelho em Godzilla contra o Monstro do Mar, mas ele ficaria extremamente famoso entre os fãs de tokusatsu por interpretar o Dr. Shinigami, antagonista das primeiras séries do Kamen Rider.
O filme estrearia em 15 de dezembro de 2001, dividindo a crítica - alguns o considerariam um dos melhores da série, elogiando o clima sombrio da história, enquanto outros criticariam as várias mudanças feitas em relação aos filmes anteriores e a tentativa de se fazer uma crítica social em um filme de monstros. A bilheteria foi boa - aliás, este foi o filme de maior bilheteria dentre todos os da Série Millennium - mas muitos atribuem esse rendimento a uma estratégia de marketing bizarra da Toho, que pôs o filme, na primeira semana, em seção dupla com um longa-metragem de Hamtaro - um ingresso valia para ambos os filmes, então as crianças que foram ver Hamtaro acabaram contando como espectadores de Godzilla.
Como de costume, a Toho preparou uma versão internacional do filme, dublada em inglês em Hong Kong, para ser lançada na Ásia e Europa; curiosamente, a versão internacional altera vários dos diálogos do filme, para pôr menos ênfase na questão dos soldados japoneses mortos na Segunda Guerra e diminuir um pouco as críticas sociais feitas pelos personagens. Assim como fez com Godzilla vs. Megaguirus, a Sony preparou uma versão editada do filme, que foi exibida na televisão, no SciFi Channel, em 2003, sendo a versão sem cortes lançada em DVD no ano seguinte.
2002
Depois do retorno de Mothra e King Ghidorah, parecia óbvio que Mechagodzilla também retornaria. De fato, Tomiyama, dessa vez acompanhado pelo co-produtor Takahide Morichi, apresentou a ideia à Toho ainda durante as filmagens de Giant Monsters All-Out Attack. Com a luz verde, Tomiyama chamou mais uma vez Wataru Mimura para escrever o roteiro.
Mimura se basearia na última aparição de Mechagodzilla, no Godzilla vs. Mechagodzilla de 1993, no qual ele fora criado pela ONU, e no fato de que Godzilla, no filme anterior, era o vilão, e criaria um roteiro no qual Godzilla era a ameaça a ser detida, e Mechagodzilla a arma da Terra para detê-lo. Para diferenciar esse Mechagodzilla de suas aparições nos filmes anteriores, ele e Tomiyama optariam por chamá-lo, no filme, de Kiryu - que, em japonês, significa "dragão mecânico".
Como os filmes anteriores da Série Millenium, Godzilla Against Mechagodzilla (que, em inglês, significa "Godzilla contra Mechagodzilla", sendo que o título original japonês era, pela terceira vez, Godzilla vs. Mechagodzilla) não leva em conta o restante da cronologia, apenas o filme original de 1954. Desde aquele ataque, no qual o Godzilla original morreu, os militares japoneses vêm trabalhando em uma arma capaz de deter um novo Godzilla caso ele surja, e testam seus protótipos em vários monstros semelhantes a Godzilla, mas mais fracos, que aparecem de vez em quando. Durante um desses testes, o do Canhão Mazer, considerada a arma mais promissora desde que o projeto foi iniciado, a tenente Akane Yashiro (Yumiko Shaku), que está operando o Mazer, não consegue derrotar um dos monstros. Os militares chegam à conclusão de que Godzilla seria imune ao Mazer, mas, para justificar os milhões de ienes e anos de preparação envolvidos no projeto, Akane é usada como bode expiatório para o mau desempenho da arma, e transferida para um cargo burocrático.
Após o descarte do Mazer, o exército decide que a única forma de deter Godzilla seria com um segundo Godzilla, e põe em prática o Projeto Mechagodzilla, comandado pelo Professor Tokumitsu Yuaha (Shin Takuma). O Projeto cria um Godzilla mecânico, o qual o exército batiza de Kiryu, a partir do esqueleto do Godzilla original. Para pilotá-lo, o exército escolhe Akane - recebida por desconfiança por seus colegas, que acreditam que o Mazer falhou por culpa sua, e com hostilidade pelo tenente Susumu Hayama (Yusuke Tomoi), que a considera responsável pela morte de seu irmão durante o teste.
Bem no dia em que o exército revela Kiryu e procede com uma demonstração, Godzilla surge, e começa a destruir a cidade. Os militares veem isso como uma oportunidade perfeita para testar Kiryu em combate, mas, durante a luta, ocorre um imprevisto: o rugido de Godzilla desperta uma espécie de memória primal em Kiryu, que se livra do controle de Akane e sai também destruindo a cidade, causando ainda mais danos que Godzilla. Enquanto os militares lutam para reverter a situação e ganhar novamente o controle, Akane luta para não ficar com uma má-fama ainda maior, e provar que é capaz de destruir Godzilla.
Godzilla Against Mechagodzilla seria dirigido por Masaaki Tezuka (de Godzilla vs. Megaguirus), após Kaneko declinar o convite. Após ficar de fora do filme anterior, Tsutomu Kitagawa voltaria a vestir a roupa de Godzilla, e a roupa de Kiryu ficaria com Hirofumi Ishigaki, ator que, assim como Kitagawa, estava acostumado a aparecer em seriados de tokusatsu. Como de costume, o elenco conta com uma atriz veterana da Série Clássica, Kumi Mizuno, a Namikawa de Godzilla contra o Monstro Zero e a Dayo de Godzilla contra o Monstro do Mar, que aqui interpreta a Primeiro-Ministro do Japão, Machiko Tsuge. Vale citar que o filme conta com uma participação especial de Hideki Matsui, jogador de beisebol que na época atuava pelos Yomiuri Giants no Japão, mas que, no ano seguinte, seria contratado pelos New York Yankees. Curiosamente, a participação de Matsui se deu nem tanto por sua fama, mas porque seu apelido, dentre os fãs de beisebol, era Godzilla.
Também é interessante registrar que Godzilla Against Mechagodzilla faz referência não somente ao Godzilla original, mas também a outros filmes de kaiju da Toho, como Mothra, War of the Gargantuas e Space Amoeba. Um livro lançado no Japão pouco antes da estreia do filme traz uma "linha do tempo" de ataques de monstros contra os quais o exército japonês teria testado suas armas enquanto esperava por Godzilla; a lista inclui Varan, Moguera, Maguma, Dogora, Baragon, King Kong, Gorossauro, a serpente marinha gigante de King Kong 2 e os monstros Gezora e Ganimes, de Space Amoeba. O filme, infelizmente, não inclui nenhum desses monstros, mas quase incluiu Titanossauro: o roteiro original previa que, na batalha final, Titanossauro surgiria e ajudaria Kiryu na luta contra Godzilla, em uma espécie de homenagem a O Terror de Mechagodzilla; para cortar custos, porém, a ideia seria abandonada.
Godzilla Against Mechagodzilla estrearia em 15 de dezembro de 2002, agradando público e crítica: se tornaria o segundo filme de maior bilheteria da Série Millenium, e teria pouquíssimas críticas negativas. Os pontos mais elogiados seriam as cenas de batalha, consideradas bem dirigidas e bem coreografadas, e o roteiro, considerado bastante bem desenvolvido para um filme de kaiju.
Como sempre, o filme ganharia uma versão internacional, dublada em Hong Kong; partiu dos executivos da Toho em Hong Kong a ideia de usar a palavra against no título, para evitar a confusão que ocorreu quando do lançamento do segundo Godzilla vs. Mechagodzilla. A versão internacional seria lançada nos Estados Unidos, diretamente em DVD, em 2004, pela Sony - que, a essa altura, já parecia desinteressada até em editar os filmes para a TV, e provavelmente só os estava lançando porque, já que tinha o direito de fazê-lo, tentava ganhar algum dinheirinho com isso.
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•Giant Monsters All-Out Attack |
eu particularmente não que achei o filme ruim, mas não está entre meus favoritos esse godzilla do Shusuke Kaneko, acho que não foram boas mudanças.
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