O biatlo é um esporte de inverno que combina duas disciplinas, o esqui cross-country e o tiro - e, quando eu digo "combina", quero usar o verbo em sua mais real expressão, já que, assim como na prova final do pentatlo moderno, as séries de tiro são intercaladas com os trechos da corrida.
O biatlo foi criado na Noruega, pelos membros do Clube de Esqui e Rifle da cidade de Trysil, em 1861. Em sua maioria militares, os membros do clube, que praticavam esqui cross-country e tiro esportivo, planejavam criar um esporte que refletisse suas atividades do dia a dia durante as patrulhas nas montanhas, podendo, assim, ser utilizado não só como recreação, mas também como treinamento. O esporte que eles criaram era bem parecido com o que existe hoje, mas, talvez por falta de imaginação, seu nome era "patrulha militar".
A patrulha militar se tornou especialmente popular nos países nórdicos, que conseguiram convencer o COI a incluí-lo como esporte de demonstração nas Olimpíadas de Inverno de 1924, realizadas em Chamonix, França. Ele ainda voltaria ao programa, sempre como esporte de demonstração, nas edições de 1928, 1936 e 1948, mas o baixo número de praticantes, em sua maioria militares dos países nórdicos, e a falta de um órgão que o regulasse internacionalmente, sempre evitou que o COI se animasse a promovê-lo a esporte oficial do programa.
Foram os suecos que decidiram tentar mudar essa história. Tendo bastante influência na recém-fundada UIPM, a União Internacional de Pentatlo Moderno, os membros suecos decidiram mudar o nome do esporte para biatlo, e convenceram a União a também regulá-lo internacionalmente - de fato, durante quase cinquenta anos, o órgão se chamou como UIPMB, União Internacional de Pentatlo Moderno e Biatlo. Sob a batuta da UIPMB, o esporte se difundiu, ganhando novos adeptos e regras mais claras. Quando ele caiu no gosto dos soviéticos, não teve mais jeito, o biatlo rapidamente se tornou um dos mais populares esportes de inverno.
O biatlo seguiu sendo regulado pela UIPMB até 1993, quando o escritório da União responsável por sua regulação decidiu, visando maior autonomia, se transformar em um órgão separado, chamado IBU - União Internacional de Biatlo - o que levou à mudança de nome da UIPMB para apenas UIPM. A IBU ainda continuou sendo um escritório da UIPM até 1998, quando se separou definitivamente, passando a ser uma federação internacional própria. Hoje, a IBU conta com 55 membros, incluindo o Brasil - como o biatlo é um esporte de inverno, nem todos os 114 membros da UIPM tinham condições de praticá-lo, o que causou essa diferença no número de membros das duas federações.
Uma das principais características do biatlo é que o atleta deve carregar o rifle que usará nas sessões de tiro durante toda a prova - o que ocorre para refletir suas raízes, quando era um treinamento para militares que patrulhavam as montanhas. Evidentemente, para não atrapalhar o manejo dos bastões dos esquis, o rifle não é carregado nas mãos, e sim nas costas, preso a uma alça - mesmo assim, como o rifle pesa 3,5 Kg, representa uma dificuldade a mais para os atletas durante a corrida. Outra característica é que metade das séries de tiro que ocorrerão durante a prova é feita na posição de pé, enquanto a outra metade é feita na posição deitado. A prova sempre começa pela corrida, e, após ser completada uma determinada distância, os atletas se dirigem ao stand de tiro, onde deverão recarregar seus rifles e acertar, a uma distância de 50 metros, 5 alvos, que têm diâmetro de 115 milímetros cada para a posição de pé e 45 mm cada para a posição deitado. Cada alvo que o atleta erra resulta em uma punição, que depende do tipo de prova.
Os esquis usados durante a prova são do estilo nórdico, com os calcanhares livres e preferencialmente feitos de madeira, podendo ser revestidos de fibra de vidro e com núcleo de espuma. O comprimento máximo dos esquis é igual à altura do atleta menos 4 cm. Os bastões, com os quais o atleta tomará impulso, podem ser feitos de fibra de vidro, alumínio, grafite ou fibra de carbono, e devem ter altura proporcional à altura do atleta, suficiente para que ele consiga tomar impulso sem ter de se inclinar muito. Todas as provas do biatlo são disputadas usando o estilo livre de esqui - para quem não conhece (ou não leu ainda meu post sobre esqui), o esqui cross-country possui dois estilos diferentes: no estilo livre, o atleta pode usar três técnicas diferentes, o chamado "movimento cruzado", no qual uma das pernas permanece firme no chão enquanto o esquiador move a outra para a frente, dando impulso com o bastão do mesmo lado da perna fixa (ou seja, se a perna esquerda está indo para a frente, ele toma impulso com o bastão direito), e, a seguir, a perna que se moveu se firma e a outra se move, com o bastão do outro lado dando impulso (por isso o movimento se chama cruzado, pois a perna de um lado sempre se move junto com o braço do outro); o chamado "double poling", no qual o esquiador põe os esquis em paralelo e toma impulso com os dois bastões simultaneamente; e o chamado "skating", um movimento parecido com o da patinação, no qual as pernas são impulsionadas alternadamente para a frente e o esquiador desliza sobre cada esqui por alguns instantes, tomando impulso com os dois braços simultaneamente; no outro estilo, conhecido como estilo clássico, só podem ser utilizados o movimento cruzado e o double poling, sendo vedado o uso do skating.
Existem cinco tipos de provas de biatlo. A mais antiga e tradicional é a Individual, composta de cinco voltas na pista intercaladas com quatro sessões de tiro (volta, sessão, volta, sessão, volta, sessão, volta, sessão, volta), sendo duas de pé e duas deitado de forma intercalada (deitado, de pé, deitado, de pé). No Individual, cada atleta larga 30 segundos após o anterior, e o vencedor não é aquele que cruzar a linha de chegada primeiro, e sim quem completar a prova em menos tempo, sendo o tempo, para cada atleta, contado separadamente. As distâncias oficiais para as provas Individuais são de 20 Km (com cada volta tendo 4 Km) no masculino e 15 Km (com cada volta tendo 3 Km) no feminino. Errar um tiro no Individual resulta em mais um minuto acrescentado ao tempo total do atleta para cada erro.
Outra prova semelhante ao Individual, mas mais curta, é o Sprint, realizada em apenas três voltas intercaladas com duas sessões de tiro, a primeira deitado, a segunda de pé. As distâncias do Sprint são de 10 Km (duas voltas de 3 Km cada e uma de 4 Km) para o masculino e 7,5 Km (três voltas de 1,5 Km cada) para o feminino. Assim como no individual, cada atleta larga separado por 30 segundos, e o vencedor é quem completar a prova em menos tempo. Errar um tiro no Sprint resulta em uma volta na pista de punição, que tem 150 m, para cada erro. Uma volta na pista de punição leva entre 20 e 30 segundos - o que pode parecer mais vantajoso se comparado a perder um minuto inteiro - mas deixa o atleta mais desgastado para o restante da prova.
Pouco após o Individual, surgiria a prova de Revezamento, disputada por equipes de quatro atletas. No revezamento, todos os primeiros atletas de cada equipe largam juntos, e, após completar sua parte da prova, devem tocar no companheiro que a realizará a seguir, que estará aguardando na linha de chegada/largada. Como todos largam juntos, a equipe campeã será aquela cujo quarto atleta cruzar primeiro a linha de chegada. No masculino, cada membro da equipe deve cumprir 7,5 Km, na forma de três voltas de 2,5 Km cada intercaladas com duas sessões de tiro, a primeira deitado, a segunda de pé; o feminino segue o mesmo esquema, mas com voltas de 2 Km cada, o que resulta em uma distância total de 6 Km para cada atleta. Recentemente, foi criado também o revezamento misto, no qual cada equipe é formada por dois homens e duas mulheres; as mulheres largam primeiro e têm de completar 6 Km cada, os homens fecham a prova e têm de completar 7,5 Km cada. Nas sessões de tiro da prova de revezamento, após carregar seu rifle e disparar seus cinco tiros, se tiver deixado de acertar algum alvo, cada atleta tem direito a mais três balas, que devem ser carregadas individualmente, para tentar acertar os alvos restantes - o que resulta em mais perda de tempo, mas não desgasta tanto o atleta. Caso, após disparar os oito tiros, algum alvo ainda esteja restando, aí sim o atleta deverá dar uma volta na pista de punição, de 150 m, para cada alvo que não acertou.
Uma das mais curiosas provas é a da Perseguição, disputada em dois dias. No primeiro dia, todos os atletas disputam uma prova de Sprint normal. No segundo dia, os 60 melhores atletas do primeiro dia participarão de uma prova de cinco voltas intercaladas com quatro sessões de tiro, sendo as duas primeiras deitado e as duas últimas de pé. Os atletas largam separados pela diferença de seus tempos na prova de Sprint (por exemplo, se o segundo colocado teve um tempo 10 segundos pior que o primeiro, ele larga 10 segundos depois do primeiro), mas, diferentemente do que ocorre no Individual e no Sprint, o tempo não é contado separadamente para cada atleta, e sim de forma contínua, com o cronômetro sendo disparado na largada do primeiro (ou seja, em nosso exemplo anterior, o segundo já largaria com 10 segundos de desvantagem). O nome da prova é "Perseguição" porque o vencedor será quem cruzar a linha de chegada primeiro - cada atleta, portanto, estará "perseguindo" os que largaram à sua frente, tentando tirar a diferença de tempo no decorrer da prova. No masculino, a prova da Perseguição tem 12,5 Km (cinco voltas de 2,5 Km cada), enquanto no feminino a distância é de 10 Km (cinco voltas de 2 Km cada). Cada alvo que o atleta não acertar durante uma sessão de tiro resulta em uma volta na pista de punição de 150 m.
Finalmente, temos a prova da Largada em Massa, na qual todos os atletas largam juntos, e quem cruzar a linha de chegada primeiro é o vencedor. Para evitar confusão na pista, o número total de participantes na Largada em Massa é limitado a 30, enquanto nas outras provas ele é ilimitado - sendo limitado apenas o número de participantes de um mesmo país, normalmente três. A prova da largada em massa é disputada em cinco voltas intercaladas com quatro sessões de tiro, as duas primeiras deitado, as duas últimas de pé. No masculino, a distância é de 15 Km (com cada volta tendo 3 Km), enquanto no feminino é de 12,5 Km (cada volta tendo 2,5 Km). Cada tiro errado resulta em uma volta na pista de punição de 150 m.
Até 2004, a IBU regulava também uma curiosa prova por equipes, hoje descontinuada. Nela, os quatro atletas de uma mesma equipe largavam todos juntos, e tinham de atirar todos juntos, dois de pé e dois deitados, dando uma volta na pista de punição para cada tiro que errassem, e ainda por cima tendo de terminar com no máximo 15 segundos de diferença entre eles, ou seria adicionado um minuto ao tempo total da equipe - que só era registrado quando o quarto atleta cruzasse a linha de chegada - para cada atleta fora dessa "margem de erro". Por alguma razão, esse formato era considerado confuso, o que fazia com que ele fosse pouco praticado, e acabaria levando à sua extinção.
O biatlo entrou oficialmente para o programa das Olimpíadas de Inverno em 1960, em Squaw Valley, Califórnia, Estados Unidos, quando foi disputado o individual masculino. O revezamento masculino começaria a ser disputado em 1968; o sprint masculino em 1980; e o individual, o revezamento e o sprint femininos em 1992. A perseguição masculina e feminina estreariam em 2002; a largada em massa, masculina e feminina, em 2006; e o revezamento misto em 2014. As nações mais bem sucedidas no biatlo olímpico são Alemanha, Noruega e Rússia.
O biatlo também possui um Campeonato Mundial, organizado anualmente (com alguns anos tendo sido pulados, não sei por que razão) desde 1958, quando a única prova disputada foi o individual masculino. No Mundial, o revezamento masculino começaria a ser disputado em 1965; o sprint masculino em 1974; e o individual, o revezamento e o sprint femininos em 1984. A perseguição masculina e feminina estreariam em 1997; a largada em massa, masculina e feminina, em 1999; e o revezamento misto em 2005. O Mundial contou ainda com provas por equipes masculinas e femininas, de 1989 e 1998, e com um evento por equipes masculino (no qual simplesmente se somavam os pontos dos três melhores colocados de cada país no individual) de 1958 a 1965.
Para fechar a trinca, existe também a Copa do Mundo de Biatlo, um circuito mundial com várias etapas ao redor do planeta, nas quais são atribuídos pontos aos atletas de acordo com sua colocação nas provas. Curiosamente, os pontos são somados levando em conta todas as provas, e, ao final, aquele com mais pontos é considerado o Campeão Mundial de Biatlo - e não o campeão mundial do individual ou do sprint, títulos que estão em jogo no Campeonato Mundial. Os atletas com mais pontos em cada uma das provas ao final da última etapa, entretanto, também recebem um troféu. A Copa do Mundo é disputada anualmente desde 1977 no masculino e 1982 no feminino, e hoje conta com nove etapas nas quais são disputadas todas as cinco provas.
Existe, também, uma versão paralímpica do biatlo, que não é regulada pela IBU, e sim pelo próprio Comitê Paralímpico Internacional (IPC). Como de costume, os atletas são divididos em categorias: nas categorias LW1 a LW9, participam aqueles capazes de esquiar de pé usando o mesmo equipamento do biatlo regular, subdividos de acordo com sua deficiência (por exemplo, LW2 para amputados de uma perna que usam prótese, ou LW6 para amputados de um braço); nas LW10 a LW12, participam os paraplégicos e outros que precisem esquiar sentados; e nas B1 a B3 participam os deficientes visuais.
Os atletas das categorias LW10 a LW12 competem usando um assento especialmente moldado para o atleta, e que conta com amortecedores de impacto, acoplado aos esquis. O atleta, portanto, compete sentado nesse assento, e usa os bastões para impulsionar os esquis ao longo do percurso. Desnecessário dizer, todas as etapas de tiro para atletas das categorias LW10 a LW12 ocorrem de pé (ou sentado, depende do ponto de vista) sem etapas deitado. Já os atletas da categoria B1 a B3 competem com rifles especiais laser, que acertam alvos eletrônicos e têm sensores que avisam, através de um som, se a mira está correta ou incorreta. Atletas das categorias B1 a B3 também não precisam carregar os rifles durante a prova, com os mesmos permanecendo montados no stand, e só atiram da posição deitado. Durante a parte do cross-country, atletas da categoria B1 a B3 podem competir junto a um guia (para os B1 ele é obrigatório, para os demais é opcional), que os conduz para que eles não saiam dos limites da pista, mas não pode ajudá-los, apenas acompanhá-los.
O biatlo paralímpico faz parte do programa das Paralimpíadas de Inverno desde a edição de 1988, disputada em Inssbruck, Áustria. As distâncias no masculino são as de 7,5 Km (três voltas de 2,5 Km com duas sessões de tiro), 12,5 Km (cinco voltas de 2,5 Km com quatro sessões de tiro) e 15 Km (cinco voltas de 3 Km com quatro sessões de tiro); e no feminino são de 6 Km (três voltas de 2 Km com duas sessões de tiro), 10 Km (cinco voltas de 2 Km com quatro sessões de tiro) e 12,5 Km (cinco voltas de 2,5 Km com quatro sessões de tiro). Em todas as provas os atletas largam separados por 30 segundos de diferença, e o tempo de cada atleta é contado separadamente, sendo vencedor quem terminar a prova no menor tempo. Caso atletas de diferentes categorias estejam competindo juntos - por exemplo, nas Paralimpíadas de Inverno desse ano, os atletas de LW10 a LW12 competiram todos juntos na mesma prova - o tempo de cada atleta também é multiplicado por um fator que leva em conta sua dificuldade de locomoção em relação aos atletas das outras categorias (o tempo de um atleta LW10 é equivalente a 96% de um LW11, por exemplo). Errar um tiro em qualquer uma das provas do biatlo paralímpico resulta em uma volta na pista de punição de 150 m para cada erro.
E assim eu acabo de falar sobre biatlo, triatlo, tetratlo, pentatlo, heptatlo e decatlo. Se, algum dia, inventarem o hexatlo, o octatlo e ao eneatlo, talvez eu volte ao assunto.
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