Se eu não me engano, assisti a alguns episódios de Os Vingadores quando passou no Multishow, em meados da década de 1990. Foi minha mãe quem descobriu que estava passando e me convidou para ver. Não sei quantos episódios eu assisti, mas sei que isso me motivou a assistir no cinema ao filme baseado na série, que foi até bem ruinzinho. Depois, nunca mais soube dela.
Diante disso, seria um tremendo exagero falar que Os Vingadores é uma das minhas séries de TV preferidas. Ainda assim, por alguma razão, me lembrei dela semana passada, e decidi procurar algumas informações. Acabei encontrando uma história interessantíssima, digna de um post. Assim, mesmo não sendo uma série tão favorita assim, e mesmo eu já tendo escrito um post sobre os Vingadores da Marvel - o que fará com que eu tenha dois Vingadores diferentes na lista dos Textos Passados - decidi escrever sobre ela também.
Os Vingadores foi uma produção da ABC, mas não da ABC norte-americana (cuja sigla significa American Broadcasting Company), e sim da ABC britânica (a Associated British Corporation), cuja história é bastante curiosa. Até 1954, o único canal de TV da Inglaterra era a BBC; preocupado com o monopólio, o governo decidiria criar a ITA, agência que regularia a televisão inglesa. A ITA controlaria um canal chamado ITV (de Independent Television), mas não produziria sua programação, definida através de um esquema de franquias: basicamente, a ITA habilitava grupos interessados em produzir programação própria de qualidade para competir com a BBC, permitindo que eles usassem o canal da ITV regionalmente em alguns dias da semana para transmitir a programação que produzissem. Nos demais dias da semana, a ITV exibiria programação produzida pelas demais franquias habilitadas, mas fora de suas regiões originais.
Um desses grupos habilitados foi a Associated British Picture Corporation (ABPC), estúdio de cinema preocupado com o fato de que a TV podia levar o cinema à falência. Em 1956, a ABPC receberia autorização da ITA para criar a franquia ABC, que trasmitiria sua programação no Norte da Inglaterra e na região das Midlands aos sábados e domingos. Nos dias da semana, de acordo com o esquema da ITV, para essas regiões seriam transmitidos programas de outras franquias habilitadas pela ITA, enquanto a programação da ABC seria selecionada e transmitida nas demais regiões nos dias em que as franquias de lá não ocupassem o canal.
Sendo ligada a um estúdio de cinema, a ABC se especializaria em filmes para a TV e em séries, sendo responsável pela criação de alguns dos maiores sucessos da TV britânica, como Police Surgeon, The Human Jungle, Redcap, Callan, Public Eye, Emerald Soup e, é claro, The Avengers, que se tornaria conhecido no Brasil como Os Vingadores.
Os Vingadores seria uma criação do canadense Sydney Newman, o qual quem presta atenção no átomo deve ter reconhecido como sendo, também, o criador de Doctor Who. Recém-chegado ao Reino Unido, Newman já tinha vasta experiência com séries no canal CBC, e recebeu a tarefa de criar uma série policial para ser exibida aos sábados à noite. Essa série se chamaria Police Surgeon, e acompanharia o Dr. Geoffrey Bent (Ian Hendry), médico que trabalhava para a polícia ajudando na resolução de crimes misteriosos. Police Surgeon teve baixa audiência e foi cancelada após apenas doze episódios, exibidos entre 10 de setembro e 3 de dezembro de 1960, mas foi um grande sucesso de crítica, com a atuação de Hendry tendo sido especialmente elogiada.
Satisfeito com a repercussão, e não querendo dar o braço a torcer, Newman convidaria Hendry e sua colega Ingrid Hafner, que interpretava a enfermeira Gibbs, ajudante do Dr. Bent, para estrelar uma nova série. A pedido da ABC, essa nova série deveria ter um quê de Sherlock Holmes; assim, Newman criaria o personagem Dr. David Keel, novamente um médico, mas que trabalhava de forma independente, solucionando mistérios de forma paralela à investigação policial oficial. Como, ao final do episódio piloto, o Dr. Keel arrumaria um parceiro para suas investigações (bem ao estilo da dupla Holmes/Watson), Newman decidiria chamar essa série de Os Vingadores.
A primeira temporada, filmada em preto e branco, teria um total de 26 episódios de meia hora cada, cujo primeiro estrearia em 7 de janeiro de 1961. O segundo episódio teria roteiro de Brian Clemens, na época um iniciante, mas que logo se tornaria o roteirista-chefe e, a partir da terceira temporada, o produtor, ajudando a definir o tom da série: a cada episódio, o Dr. Keel (Hendry) e seu parceiro John Steed (Patrick Macnee), que decide trabalhar com ele após ambos solucionarem com sucesso o caso do episódio piloto, atuam como detetives particulares em casos misteriosos, usando nada mais que sua inteligência e deduções lógicas, e sendo frequentemente ameaçados de morte e se envolvendo em situações perigosas. A tônica da série seria o conflito entre a personalidade idealista e despojada do Dr. Keel e o profissionalismo e seriedade do Sr. Steed. Além de Keel e Steed, o único outro personagem recorrente era Carol Wilson (Hafner), bela recepcionista do escritório da dupla.
Infelizmente, assim como aconteceu com Doctor Who, grande parte da primeira temporada de Os Vingadores se perdeu, tendo suas fitas sido reutilizadas para a gravação de outros programas da ABC. Atualmente, apenas dois episódios completos sobrevivem, sendo que apenas um deles, o décimo-quinto, The Frighteneres, em sua fita original; o sexto, Girl on the Trapeze, no qual Keel investiga o caso sozinho, sem a presença de Steed, sobreviveu graças a uma gravação caseira em 16 mm. Recentemente, também foram redescobertos os 20 primeiros minutos do episódio piloto, mas parece que os demais episódios estão mesmo perdidos para sempre.
A primeira temporada seria um grande sucesso de público e crítica, mas teria um efeito colateral inesperado: apesar de a série ter sido criada especificamente para Hendry, Steed fazia mais sucesso do que Keel, o que levou os roteiristas a aumentar progressivamente seu destaque em detrimento do médico. Hendry, evidentemente, não ficou nada satisfeito com isso, e inclusive exigiu que seu personagem atuasse sozinho em um dos últimos episódios (como Keel já havia atuado sozinho em Girl on the Trapeze, ao todo dois episódios não contaram com a presença de Steed). No final da série, porém, a popularidade de Steed já era tanta que os roteiristas decidiram fazer o contrário, omitindo Keel do último episódio.
Os episódios da primeira temporada seriam exibidos de forma bem espaçada ao longo do ano, entre janeiro e dezembro. A ideia da ABC era começar a produção da segunda temporada o mais rapidamente possível, para tentar fazer a mesma coisa no ano seguinte, mas uma greve convocada pelo sindicato dos atores atrasaria a produção. Quando ela foi retomada, Hendry optou por não renovar contrato, alegando estar mais interessado em fazer cinema. Clemens, então, se aproveitaria da popularidade de Steed e o promoveria a protagonista, e, talvez para que não se repetisse o que ocorreu na primeira temporada, decidiria que ele não teria um parceiro fixo, mas três que se alternariam.
O primeiro parceiro seria o Dr. Martin King (Jon Rollason), praticamente uma cópia do Dr. Keel. Isso foi feito propositadamente, primeiro para que pudessem ser aproveitados três roteiros que não foram filmados na primeira temporada, segundo para que King servisse como uma transição entre a parceria de Keel e Steed e o novo modelo da segunda temporada. A intenção de Clemens era que King participasse dos primeiros episódios da segunda temporada, mas, na hora de exibi-los, a ABC acabaria alterando a ordem, fazendo com que King só estreasse no quinto episódio. A inversão faria com que Clemens desistisse do personagem, que só participaria de três episódios.
O segundo parceiro seria Venus Smith (Julie Stevens), uma cantora noturna super empolgada em participar de, segundo ela, aventuras de espionagem ao lado de Steed, por quem é apaixonada. Venus era uma completa amadora, sem nenhuma experiência em investigação, o que possibilitava que os episódios que a envolviam tivessem uma tônica diferente daqueles nos quais Steed trabalhava junto com Keel ou King. Ao todo, Venus participaria de seis episódios, estreando no terceiro. Os episódios que envolviam Venus contavam com números musicais, nos quais ela se apresentava no clube no qual trabalhava.
Mas seria o terceiro parceiro quem alteraria definitivamente a fórmula da série, inaugurando o formato pelo qual ela se tornaria conhecida: Cathy Gale (Honor Blackman) era uma antropóloga sexy, extremamente autoconfiante, de raciocínio rápido, faixa-preta de judô e apaixonada por roupas de couro. Além de ser uma mulher poderosa, algo por si só já raro em uma série do início dos anos 1960, Gale era viúva - seu marido morreu durante a revolta Mau-Mau no Quênia - tinha por volta de 30 anos e seu interesse em Steed era puramente profissional - algo totalmente diferente das protagonistas femininas da época, todas invariavelmente jovens, solteiras e apaixonadas pelo protagonista masculino, como Venus. Parte da personalidade de Gale seria criada, porém, por acaso: seu episódio de estreia era mais um dos roteiros que sobraram da primeira temporada, e os roteiristas mudaram apenas o estritamente necessário para que ela substituísse Keel, mantendo os diálogos como estavam. Seja como for, como esse também foi o episódio de estreia da segunda temporada, logo Gale faria um enorme sucesso, garantindo sua participação em um total de 17 episódios.
A segunda temporada estrearia em 29 de setembro de 1962, com mais 26 episódios em preto e branco, mas, a partir de então, com 50 minutos cada. Assim como ocorreu com a primeira, todas as fitas originais foram reutilizadas, mas a ITV conseguiria, ao longo dos anos, recuperar todos eles através de gravações caseiras em 16 mm, o que permitiu, até, que eles fossem disponibilizados em DVD.
Ao longo da segunda temporada a série deixaria de ser uma série de detetives ao estilo Sherlock Holmes para se tornar uma série de agentes secretos ao estilo James Bond. Aproveitando que o porquê de Steed ter decidido ajudar Keel em seus casos jamais havia sido explicado, e que um dos episódios da primeira temporada sugeriu que ele trabalhava para a Inteligência Britânica, aos poucos os roteiristas foram introduzindo dicas de que ele seria um agente secreto a serviço do governo ao invés de um simples investigador particular. Na terceira temporada, isso já estaria bem estabelecido, e Gale, inclusive, seria recrutada para atuar a seu lado oficialmente. Curiosamente, quanto mais se tornava um agente secreto, mais refinado Steed ficava - do homem sisudo, de ação e vestido com sobretudo da primeira temporada para um gentleman de chapéu-coco, terno e guarda-chuva, apreciador de chá, boa leitura e carros clássicos. O contraste de seu estilo impecável com as roupas de couro e personalidade progressiva de Gale se tornaria uma marca registrada da série, e contribuiria para aumentar ainda mais sua popularidade.
A terceira temporada teria mais 26 episódios em preto e branco, o primeiro tendo estreado em 28 de setembro de 1963. Todos eles são estrelados por Steed e Gale, agora agentes secretos do governo britânico. A temporada também aproveitaria para revelar mais sobre o passado de Steed - que serviu na Segunda Guerra Mundial como piloto da RAF - e para estabelecer uma certa tensão sexual entre os dois protagonistas, algo que hoje em dia é cliché, mas que na época foi ousado e bastante comentado - em um dos episódios foi revelado que Gale estava morando no apartamento de Steed, mas a crítica foi tão contumaz que, no seguinte, seria revelado que ele não estava morando lá com ela, mas em um hotel, e que ela só estava lá enquanto não encontrasse um local que pudesse pagar. Assim como a segunda temporada, a terceira também teve suas fitas originais apagadas, mas seus episódios sobrevivem graças a gravações caseiras em 16 mm.
Ao final da terceira temporada a série já era um sucesso tão grande que a ABPC cogitava fazer um filme para o cinema baseado nela - mais que isso, eles planejavam vendê-lo também para o mercado norte-americano, fazendo com que, no filme, Steed e Gale atuassem ao lado de dois agentes da CIA na resolução de uma ameaça internacional. O filme chegou a entrar em pré-produção, mas sucessivos problemas, principalmente financeiros e de logística, fariam com que ele fosse abandonado. Durante essa pré-produção, porém, Blackman seria convidada para interpretar Pussy Galore em 007 contra Goldfinger, e decidiria deixar a série para se dedicar ao cinema.
Mas, apesar do contratempo inesperado, a produção cancelada do filme também seria responsável por um acordo muitíssimo vantajoso para a ABC: sua homônima, a ABC dos Estados Unidos, se interessou pela série, e pagou a quantia recorde de 2 milhões de dólares, jamais oferecida a qualquer série estrangeira, pela exclusividade de exibição da quarta temporada na América do Norte. Com esse orçamento bombado, a ABC britânica pôde passar a filmar os episódios em película ao invés de em videotape, o que não somente faria com que a adaptação para o sistema de vídeo dos Estados Unidos fosse possível - o sistema de videotape usado na Inglaterra na época, de 405 linhas, era incompatível com o NTSC norte-americano, o que significava que, para que os episódios das três primeiras temporadas pudessem ser exibidos por lá, teriam que passar por uma caríssima conversão - mas também solucionaria o problema dos episódios perdidos, já que não dá para gravar por cima de película, o que significa que todos os episódios da quarta temporada em diante ainda sobrevivem até hoje em suas gravações originais.
Mesmo com o orçamento maior, entretanto, como pouquíssimos lares ingleses já possuíam TVs a cores, ainda seriam filmados em preto e branco os 26 episódios da quarta temporada, que estreariam em 2 de outubro de 1965 - o intervalo de mais de um ano entre o final da terceira temporada e o início da quarta se deveu ao fato de que, após a malfadada pré-produção do filme e a saída de Blackman, se não tivessem entrado os dólares a série teria sido cancelada. Sem querer mexer em time que está ganhando, a nova parceira de Steed para a quarta temporada seria bem parecida com Gale: chamada Emma Peel e interpretada por Diana Rigg, a moça também seria autoconfiante, altamente capacitada no combate corpo a corpo, inteligente, perspicaz, corajosa, à frente de seu tempo e praticamente viúva - seu marido desapareceu misteriosamente enquanto sobrevoava a Amazônia. As principais diferenças eram que ela era mais jovem e não se vestia só de couro, estando sempre por dentro da última moda e preferindo tecidos modernos, como lycra, para as missões. Os roteiristas aproveitariam esse fato para aumentar ainda mais o contraste entre os estilos de Steed e Peel, como se ele fosse uma referência à antiga Inglaterra e ela uma à nova - até os carros que Steed dirigiam eram todos clássicos da década de 1920, enquanto Peel dirigia modernos esportivos conversíveis.
O nome "Emma Peel" surgiu de uma espécie de brincadeira: ao comentar que precisavam de um novo personagem feminino, um dos roteiristas disse que só aceitaria continuar trabalhando na série se fosse alguém com apelo junto ao público masculino - em inglês, man appeal. Por causa disso, enquanto não definiam o nome do personagem, os produtores e roteiristas usavam o nome temporário M. Appeal, que tem som idêntico a Emma Peel. Diana Rigg não foi a primeira escolha dos produtores para o papel, e entrou na série quase que por acidente: Clemens e o produtor Albert Fennell convidaram Elizabeth Shepherd, que chegou a gravar um episódio e meio, mas foi dispensada por ser considerada inadequada para o papel. Mais de vinte atrizes foram testadas sem sucesso, até que, por sugestão do diretor de elenco, Clemens e Fennell assistiram a um episódio da série Armchair Theatre no qual Rigg, ainda uma iniciante, fazia um pequeno papel. Impressionado com sua atuação, Clemens a chamou para o teste, e sua química perfeita com Macnee selou sua contratação. Graças a essa química, e ao fato de que as temporadas com Rigg foram as exibidas nos Estados Unidos, a dupla Steed e Peel é a mais famosa da série, e muita gente acha que todas as temporadas foram estreladas por eles.
O contrato com a ABC dos Estados Unidos também seria responsável por uma mudança no tom da série: para que a série ficasse mais ao gosto dos norte-americanos, o tom cômico foi acentuado em detrimento da tensão sexual, com Steed e Peel frequentemente disputando quem era o mais esperto ou mais apto a se livrar da situação na qual se encontravam. Elementos de ficção científica, como robôs assassinos e plantas mutantes, também começaram a ser gradualmente inseridos, o que rendeu à série, junto à crítica, o apelido de spy-fi (junção dos termos spy, "espião", e sci-fi, abreviação de "ficção científica" em inglês). Os episódios exibidos nos Estados Unidos ainda contavam com uma "pré-introdução", um curto segmento antes da abertura que explicavam quem eram Steed e Peel, já que eles estavam começando a assistir pela quarta temporada.
Ao final da quarta temporada, Clemens conseguiu convencer a ABC a filmar em cores, e, portanto, a quinta temporada, de 24 episódios, o primeiro estreando em 14 de janeiro de 1967 (após quase um ano do final da temporada anterior, devido justamente aos preparativos para filmar em cores) seria a primeira a trazer episódios coloridos. Uma nova "pré-introdução" explicando quem eram Steed e Peel foi gravada, dessa vez exibida também antes dos episódios na Inglaterra. No início da quinta temporada, não somente a ficção científica estava mais presente que nunca, com Steed e Peel sendo encolhidos, enfrentando um oponente invisível e robôs alienígenas, como também o humor seria maximizado: alguns episódios seriam paródias de O Agente da U.N.C.L.E., Missão Impossível e até mesmo Batman; no início de cada episódio Peel estava efetuando uma atividade corriqueira, como fazer compras ou ler jornal, quando, do nada, surgia um bilhete de Steed que dizia "Sra. Peel, precisamos de você"; e cada título agora tinha um subtítulo no qual Steed e Peel competiam entre si (no formato "Steed faz isso, Emma faz aquilo" ou vice-versa). Esse crescendo durou até o episódio 16, quando a ABC deu um ultimato aos produtores, dizendo que, se quisessem que a série continuasse sendo produzida, tinham de remover o chamado a Peel e os subtítulos e maneirar no humor e na ficção científica. Como tiveram de descartar alguns roteiros, os produtores acabaram decidindo refilmar quatro episódios, um da segunda e três da terceira temporada, mudando apenas alguns detalhes.
Ao final da quinta temporada, Rigg também decidiu deixar a série, insatisfeita, principalmente, com o salário. Assim como Blackman, ela seria logo convidada para participar de um filme de James Bond, 007 a Serviço Secreto de Sua Majestade. Com sua saída, a ABC britânica decidiu que não compensava mais simplesmente trocá-la por outra mulher parecida e prosseguir com a mesma fórmula, e resolveu voltar ao realismo das primeiras temporadas, substituindo Clemens por John Bryce, produtor da segunda e terceira temporadas que havia sido substituído justamente por Clemens no decorrer da terceira.
Bryce, porém, não teria uma missão fácil, já que o contrato com a ABC norte-americana previa que os sete primeiros episódios da sexta temporada fossem enviados junto com os oito últimos da quinta - nos Estados Unidos, os 16 primeiros episódios da quinta temporada foram a "segunda temporada" (os 26 da quarta foram a primeira), os oito restantes com os sete primeiros da sexta foram a "terceira temporada" e o restante da sexta foi a "quarta temporada". Sem tempo para testar uma nova atriz para um novo papel, ele escalou sua própria namorada, a atriz iniciante Linda Thorson, de apenas 20 anos, e decidiu que sua personagem se chamaria Tara King, uma agente iniciante na mesma organização de Steed, de personalidade mais inocente e menos independente, e com dicas de que havia um romance entre os dois. Para ser o mais diferente possível de Gale e Peel, Tara seria loura, mas a tintura danificou os cabelos de Thorson, que teve de raspá-los e usar peruca até que eles crescessem novamente, quando a personagem passou a aparecer com cabelos castanhos.
Escalar a própria jovem e inexperiente namorada como protagonista não foi a única coisa enrolada que Bryce fez. Por alguma razão, ele decidiu que o episódio de estreia de Tara, o primeiro da sexta temporada, seria um especial de 90 minutos. E, quando o concluiu, decidiu filmar mais um de 90 minutos. Ao todo, Bryce havia filmado apenas três episódios, dois de 90 minutos e um de 45 minutos quando a ABC decidu demiti-lo e chamar Clemens de volta, alegando que seus gastos estavam estratosféricos e o prazo para a entrega dos episódios estava chegando sem que ele os tivesse concluído.
Ao ver o que Bryce já tinha filmado, Clemens se desesperou: os episódios eram cheios de erros de continuidade - em uma cena, os vilões perseguem Steed, mas chegam antes dele ao seu destino - e, se não fosse o prazo apertado, seriam totalmente descartados. Como não havia tempo, Clemens optou por editá-los, gravar novas cenas, e transformá-los em três episódios normais de 50 minutos. Ele também não estava satisfeito com a forma como Tara era introduzida na série, então convenceu Rigg a fazer uma participação especial e filmou um novo primeiro episódio para a temporada, transformando o original em um episódio comum durante a edição. Clemens e sua equipe ainda filmaram, a toque de caixa, quatro novos episódios, sendo um deles de um roteiro não utilizado da quarta temporada, e entregaram oito aos norte-americanos junto com os últimos da quinta temporada.
Clemens ainda decidiria finalmente revelar o chefe da organização para a qual Steed e Tara trabalhavam, um homem conhecido apenas como Mother (Patrick Newell). Alguns episódios também contaram com a presença de uma mulher cega chamada Father (Iris Russell) e da secretária muda da dupla, Rhonda (Rhonda Parker). O humor voltou a dar as cartas na série, com muitas paródias de filmes norte-americanos de sucesso. Segundo a equipe de produção, durante a temporada eles tiveram a impressão de que aquela seria a última - com sérios problemas financeiros desde 1964, a ABC se viu forçada, em julho de 1968, a se fundir com outra franquia, chamada Rediffusion, e a mudar de nome para Thames Television - então aproveitaram para fazer o que bem entendessem, sem qualquer responsabilidade futura - e também para encompridar a temporada o quanto puderam: estreando em 25 de setembro de 1968, a sexta temporada teve nada menos que 33 episódios, o último sendo exibido em 21 de maio de 1969.
A sexta temporada seria um grande sucesso na Inglaterra, mas teria baixa audiência nos Estados Unidos - a "terceira temporada", que ainda contava com Peel, teve até bons índices, mas a "quarta", composta dos episódios de 8 a 33 da sexta, todos com Tara, não conseguiu ganhar de nenhum de seus concorrentes, e era justamente a aposta da ABC para ganhar de Rowan and Martin's Laugh-In, da NBC. Com esse desempenho, a ABC resolveu não renovar o financiamento para uma sétima temporada, e a Thames não viu outra alternativa a não ser cancelar a série - como os produtores já estavam mesmo achando que fariam.
Mas esse não seria o fim dos Vingadores. Na década de 1970, a série começaria a ser exibida na França, onde faria um grande sucesso, tanto que, em 1975, Macnee e Thorson seriam convidados para ir até aquele país gravar uma série de comerciais de uma marca de champagne, nos quais voltariam a interpretar Steed e Tara. Diante da repercussão, os executivos do canal TF1, que exibia a série na França, decidiram entrar em contato com Clemens, visando a produção de episódios inéditos. Como a Thames não demonstrou interesse, Clemens e Fennell fundaram uma companhia chamada The Avengers Enterprises, que, com financiamento francês, produziria novos episódios, para serem exibidos na ITV e no TF1. Durante a produção, Clemens e Fennell foram abordados pela CBS, que também lhes ofereceu um patrocínio em troca de exclusividade da exibição dos episódios nos Estados Unidos, e ainda conseguiram vender os novos episódios para o canal canadense CTV e para o irlandês RTÉ.
Ao invés de simplesmente fazer uma nova temporada estrelando Steed e Tara, porém, Clemens e Fennell optaram por produzir uma nova série, chamada The New Avengers, na qual Steed assumia o papel de chefe da organização secreta e mentor do agente Mike Gambit (Gareth Hunt), de excelente mira e perito em artes marciais. Assim como Steed nos áureos tempos, Gambit também possuía uma parceira feminina, Purdey (Joanna Lumley), ex-bailarina que era uma espécie de amálgama das personalidades de Gale, Peel e Tara. Como Macnee já passava dos 50 anos, o intuito de Clemens era que toda a ação ficasse por conta de Gambit e Purdey, mas, ao longo da série, Macnee, não querendo ficar em segundo plano, se esforçou para que Steed tivesse o mesmo destaque de seus pupilos, transformando a tradicional dupla de protagonistas em um trio.
The New Avengers estrearia em 22 de outubro de 1976 na ATV, franquia da ITV que atendia às Midlands, e, na mesma semana, estreou em diferentes dias nas demais franquias da ITV, no TF1, na CBS, na CTV e na RTÉ. Sua primeira temporada teria 13 episódios, e seria majoritariamente no estilo spy-fi que consagrou a série internacionalmente. Clemens e Fennell ainda produziriam uma segunda temporada, de mais 13 episódios, o primeiro estreando em 9 de setembro de 1977, mas sem o dinheiro do TF1, que, decepcionado com os índices de audiência da primeira, decidiu não financiar a segunda, apenas pagando a taxa normal para poder exibir os episódios na França. Como a audiência na Inglaterra também caía a cada episódio, Clemens e Fennell se viram forçados a tomar uma atitude para evitar o cancelamento, produzindo episódios em tom mais sério e realístico, e até tentando convencer Diana Rigg a fazer uma participação - quando não conseguiram, eles optaram por usar cenas dela falando ao telefone gravadas mas não usadas na quinta temporada, dubladas pela atriz Sue Lloyd e combinadas com novas cenas gravadas por Macnee para parecer que um estava falando com o outro.
Quando só faltava a produção de quatro episódios para fechar a segunda temporada, Clemens recebeu um convite para trabalhar em uma outra série, do canal LWT, e, para não ter que encerrar a segunda temporada com apenas nove episódios, acabou aceitando uma proposta do estúdio canadense Nielsen Ferns, que se comprometeu a financiar integralmente os quatro últimos episódios, desde que eles fossem filmados no Canadá e estreassem na CTV antes de nos demais canais. Clemens aceitou, e a produção do seriado - que, para esses quatro últimos episódios, mudou de nome para The New Avengers in Canada - se mudou para Toronto, com Steed, Gambit e Purdey resolvendo mistérios em solo canadense. A Nielsen Ferns ainda se ofereceu para financiar também a terceira temporada, mas, insatisfeitos com os episódios canadenses, Clemens e Fennell decidiram fechar a The Avengers Enterprises e encerrar a produção de The New Avengers, cujo último episódio foi ao ar em 17 de dezembro de 1977.
Curiosamente, as duas temporadas de The New Avengers fizeram um enorme sucesso nos Estados Unidos, o que levou a CBS a tentar duas vezes, em 1979 e em 1980, sem sucesso, convencer Clemens e Fennell a deixá-la produzir mais uma temporada. Para tentar convencê-lo da primeira vez, a CBS até financiou um piloto de uma nova série criada por ele, chamada Escapade, mas que acabaria não sendo levada a diante.
Em 1995, a BBC compraria de Clemens os direitos de The New Avengers, e a reprise de seus episódios no canal de maior audiência no Reino Unido levaria a um renovado interesse pela série original, que acabaria tendo também sua quarta, quinta e sexta temporadas reprisadas na Inglaterra e nos Estados Unidos - se não me engano, foi bem nessa época que também passou aqui e eu assisti, muito provavelmente a versão norte-americana da quinta temporada, já que todos os episódios dos quais me lembro são coloridos e com a presença de Emma Peel. O renovado interesse nos Estados Unidos levou à produção de um filme, estrelando Ralph Fiennes como Steed, Uma Thurman como Peel, Jim Broadbent como Mother, Fiona Shaw como Father e Sean Connery como o vilão Sir August de Wynter, que inventa uma máquina capaz de controlar o clima do mundo e decide usá-la para chantagear os governos do planeta. Produzido pela Warner Bros. e dirigido por Jeremiah S. Chechik (de Benny & Joon), o filme estreou em 14 de agosto de 1998 e foi um imenso fracasso, custando 60 milhões de dólares e rendendo menos de 50 milhões, além de ter sido detonado pela crítica.
Mesmo com o fracasso do filme, atualmente Os Vingadores ainda é uma série cult de enorme sucesso na Inglaterra, e Steed e Peel são grandes ícones pop daquele país - por lá, inclusive, o filme dos Vingadores da Marvel teve de se chamar Avengers Assemble (o "grito de guerra" da equipe) pois uma pesquisa prévia com o público mostrou que eles não gostariam que se chamasse The Avengers em respeito à série.
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