Muita gente não sabe, mas Corra que a Polícia Vem Aí teve origem em um seriado de TV do início da década de 1980, chamado Esquadrão de Polícia. Criado por Jim Abrahams e pelos irmãos David e Jerry Zucker, que na época estavam famosos graças ao sucesso de dois de seus filmes, The Kentucky Fried Movie e Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu, Esquadrão de Polícia (Police Squad! no original) era uma sátira aos seriados de drama policial da década de 1960, especialmente M Squad e Felony Squad.
Esquadrão de Polícia seria produzido pela Paramount (que já havia feito Apertem os Cintos) e oferecido à ABC, que procurava um novo seriado de comédia. Com episódios de meia hora, o primeiro estreando em 4 de março de 1982, a série mostrava os casos investigados pelo Sargento Frank Drebin (Leslie Nielsen), Tenente Detetive do Esquadrão de Polícia. Outros personagens recorrentes eram o Capitão Ed Hocken (Alan North), chefe do Esquadrão de Polícia, o atrapalhado policial Nordberg (Peter Lupus), o cientista Ted Olsen (Ed Williams), que auxilia o Esquadrão examinando provas e criando apetrechos como canetas que disparam balas de revólver, o policial Al (Ronald Taylor), tão alto que sua cabeça jamais aparece na tela, e o informante Johnny (William Duell), um engraxate a quem Drebin recorre quando precisa de pistas. Nielsen, que já havia trabalhado com o trio de roteiristas em Apertem os Cintos, foi escolhido não somente por sua aptidão para a comédia, mas também pelo seu passado: antes dos papeís cômicos, ele havia atuado em dois seriados de drama policial, The Bold Ones: The Protectors, do qual era um dos protagonistas, e o famoso S.W.A.T.
Bem ao estilo do trio Zucker-Abrahams-Zucker (como os roteiristas eram conhecidos), cada episódio era cheio de piadas de duplo sentido, trocadilhos e situações absurdas. Piadas recorrentes incluíam Frank, ao estacionar, atropelar um número de lixeiras, barris ou objetos semelhantes de acordo com o número do episódio (no primeiro episódio ele atropela um, no segundo dois, e assim por diante) e responder com "são sim" quando alguém lhe mostra um maço e oferece "cigarros?". A abertura era um espetáculo à parte: imitando a de M Squad, anunciava orgulhosamente que o seriado era "em cores" (algo que realmente ocorria na década de 1960, quando seriados em preto e branco ainda eram comuns, mas inútil em 1982, quando todos os seriados novos já eram coloridos), e trazia como elenco fixo apenas Nielsen, North e "Rex Hamilton como Abraham Lincoln", que, na abertura, se envolvia em um tiroteio no teatro no qual Lincoln foi assassinado, mas jamais participou de um episódio propriamente. Quem também nunca participava dos episódios eram os "atores especialmente convidados" (outro termo comum nas séries de 1960) anunciados na abertura de cada episódio: Lorne Greene (de Bonanza e Battlestar Galactica), Florence Handerson (A Família Sol-Lá-Si-Dó), William Conrad (narrador de inúmeras séries) e até mesmo William Shatner (também conhecido como Capitão Kirk), dentre outros, todos morreram na própria abertura, sem chegar a aparecer no episódio para o qual foram anunciados. Finalmente, cada episódio tinha não um, mas dois títulos: enquanto um aparecia na tela, o narrador lia outro, completamente diferente (no primeiro episódio, por exemplo, aparecia na tela "Um Presente Substancial", mas o narrador dizia "A Promessa Quebrada").
Melhor que a abertura, somente os créditos finais: assim como em várias séries às quais satirizava, os créditos finais de Esquadrão de Polícia eram exibidos sobre uma imagem congelada. O detalhe era que a imagem não era realmente congelada: Nielsen, North e outros membros do Esquadrão que estivessem na tela ficavam imóveis como estátuas, apenas fingindo que a imagem estava congelada. A graça ficava por conta do fato que o universo ao redor deles ainda estava em movimento - um dos episódios, por exemplo, termina bem quando Drebin está enchendo uma xícara de café, que transborda até a cafeteira ficar completamente vazia, enquanto Nielsen e North permanecem imóveis e impassíveis. Personagens que não pertenciam ao Esquadrão de Polícia também se moviam normalmente, e demonstravam espanto em relação a seus colegas "congelados".
Com piadas realmente engraçadas e o envolvimento de grandes nomes de Hollywood, como o diretor Joe Dante (de Gremlins, que dirigiu dois episódios da série) e o compositor Ira Newborn (de Os Irmãos Cara de Pau, responsável pelo tema de abertura), Esquadrão de Polícia logo se tornou um gigantesco sucesso de crítica, elogiado em todos os meios de comunicação. Nielsen foi indicado ao Emmy de Melhor Ator de Comédia (perdendo para Alan Alda, de M*A*S*H), assim como Zucker-Abrahams-Zucker ao de Melhor Roteiro de Comédia pelo primeiro episódio (perdendo para um episódio da série Táxi).
Se você está se perguntando por que uma série tão boa e tão elogiada é tão desconhecida, a explicação é que, por algum motivo, o desempenho de Esquadrão de Polícia foi inversamente proporcional junto ao público. Desde o primeiro episódio, a audiência foi sofrível, caindo mais e mais a cada semana. Várias teorias foram criadas para explicar o fenômeno, desde as mais ridículas ("como a série não tinha claque, os espectadores não sabiam quando rir") até as mais filosóficas ("era um humor avançado demais para sua época"). Diante da baixa audiência, a ABC optou por cancelar a série após apenas quatro episódios, se comprometendo a levar ao ar dois outros já filmados, o que fez com que Esquadrão de Polícia tivesse um total de seis, o último exibido em 8 de julho de 1982.
Aí, como acontece com vários filmes e seriados, após o cancelamento, Esquadrão de Polícia se tornou cult. Graças às reprises e ao lançamento em VHS, o seriado foi atraindo uma legião de fãs - especialmente os interessados no trabalho de Zucker-Abrahams-Zucker, conforme outros de seus filmes, como Top Secret: Superconfidencial e Por Favor, Matem a Minha Mulher, estreavam nos cinemas. Animados com a popularidade, os roteiristas decidiram tentar relançar a série como um filme, aproveitando cenas dos episódios e gravando algumas novas para interligá-las. Esse projeto não iria adiante, mas, perto do final da década, o trio receberia luz verde da Paramount para fazer um novo filme, do zero, usando os mesmos personagens e o mesmo estilo de humor.
Assim surgiu Corra que a Polícia Vem Aí (cujo imenso título original é The Naked Gun: From the Files of Police Squad!, algo como "A Arma Nua: Dos Arquivos do Esquadrão de Polícia"). Lançado em 2 de dezembro de 1988 com roteiro de Zucker-Abrahams-Zucker e Pat Proft (um dos criadores de Loucademia de Polícia, que também dirigiu o terceiro episódio de Esquadrão de Polícia) e dirigido por David Zucker, o filme foi um imenso sucesso, sendo muito elogiado pela crítica e rendendo quase sete vezes mais do que custou, o que talvez valide a teoria de que o humor do seriado era muito avançado para a época - várias das piadas do filme, aliás, são recicladas do seriado, repetidas com pouca ou nenhuma variação.
No filme, o atrapalhado policial Nordberg (agora interpretado pelo ex-jogador de futebol americano e futuro assassino O.J. Simpson) descobre, acidentalmente, um esquema de tráfico de heroína orquestrado pelo magnata Vincent Ludwig (Ricardo Montalban), e fica entre a vida e a morte após ser alvejado por seus capangas. Graças à influência de Ludwig, Nordberg é acusado de estar envolvido em corrupção e tráfico de drogas, e pode ser expulso da corporação. O chefe do Esquadrão de Polícia, Ed Hocken (agora interpretado por George Kennedy), não acredita, e coloca seu melhor homem, o Sargento Frank Drebin (Leslie Nielsen), para trabalhar no caso e provar a inocência de Nordberg. Enquanto investiga Ludwig, Drebin se envolverá romanticamente com a secretária do vilão, Jane Spencer (Priscilla Presley), e descobrirá um plano muito mais terrível: usando sugestão hipnótica, Ludwig planeja assassinar a Rainha da Inglaterra (Jeannette Charles) durante uma visita que a monarca fará aos Estados Unidos. Além de Nielsen, Ed Williams e Ronald Taylor também repetem seus papéis no filme, voltando a interpretar o cientista Ted Olsen e o policial Al, agora seu assistente.
Alguns anos depois, David Zucker decidiria fazer uma continuação, autorizada pela Paramount por conta do sucesso do primeiro filme. Jerry Zucker e Jim Abrahams, entretanto, prefeririam não se envolver com a sequência por já estarem comprometidos com outros projetos (Jerry com Ghost: Do Outro Lado da Vida e Jim com Top Gang: Ases Muito Loucos); assim, o roteiro ficaria a cargo de David e Pat Proft, com David mais uma vez na direção. Lançado em 28 de junho de 1991, o filme teria o inspirado título de Corra que a Polícia Vem Aí 2 1/2 (The Naked Gun 2 1/2: The Smell of Fear, "o cheiro do medo", em inglês).
No segundo filme, o Dr. Albert Manheimer (Richard Griffiths) cria um programa revolucionário de energia limpa, que o Presidente dos Estados Unidos (John Roarke) planeja adotar em toda a nação. Evidentemente, o magnata da indústria do petróleo Quentin Hapsburg (Robert Goulet, que foi "ator especialmente convidado" no terceiro episódio de Esquadrão de Polícia) não fica nada satisfeito com essa notícia, e bola um plano maligno: substituir Manheimer por um sósia, Earl Hacker (também Griffiths), que fará o plano fracassar de propósito.
Hapsburg só não contava com o envolvimento de Frank Drebin, trazido ao caso por sua ex-namorada Jane, agora secretária de Manheimer, que chama o Esquadrão de Polícia após o laboratório chefiado pelo cientista ser alvo de um atentado orquestrado pelo terrorista Hector Savage (Anthony James). Ao investigar o caso, Frank desconfia do atual namorado de Jane - ninguém menos que Hapsburg - e acaba desvendando o plano. Cabe a ele alertar o Presidente antes que seja tarde demais. Além de Nielsen e Presley, Kennedy, Simpson e Williams também repetem seus papéis do primeiro filme.
O segundo filme não foi tão bem sucedido quanto o primeiro: a crítica ficou dividida e a bilheteria foi bem menor, mas, ainda assim, como rendeu quase quatro vezes mais do que custou, e 1991 foi um ano de intensa concorrência (as cinco maiores bilheterias do ano seriam O Exterminador do Futuro 2, Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões, A Bela e a Fera, O Silêncio dos Inocentes e Hook: A Volta do Capitão Ganchgo; Corra que a Polícia Vem Aí 2 1/2 seria a décima), a Paramount o considerou um sucesso, e pediu que Zucker fizesse um terceiro, para fechar uma trilogia.
Esse terceiro filme, lançado em 18 de março de 1994, seria Corra que a Polícia Vem Aí 33 1/3: O Insulto Final (The Naked Gun 33 1/3: The Final Insult). 33 e 1/3 é a velocidade de rotação de um disco de vinil, e esse número foi escolhido porque o subtítulo original criado por Zucker era Just for the Record, que significa "só para constar", mas traz um trocadilho, pois record é a palavra usada em inglês para se referir aos discos de vinil; o subtítulo seria trocado na última hora para The Final Insult por insistência dos executivos da Paramount, que temiam que muitas pessoas não entenderiam o trocadilho. David Zucker escreveria o roteiro, junto com Pat Proft e Robert LoCash, mas preferiria não dirigir, e pediria para ser substituído nessa função por Peter Segal, que até então só havia dirigido filmes para a TV. Zucker também aproveitaria para usar no terceiro filme várias cenas e piadas originalmente planejadas para os dois primeiros.
No terceiro filme, Frank e Jane se casaram, e Frank está aposentado da polícia. Justamente quando ele está passando por uma fase difícil, já que tem saudades da época em que podia dar tiros e prender criminosos, o Capitão Hocken e Nordberg pedem sua ajuda em um caso complicado: a polícia conseguiu descobrir que o terrorista Rocco Dillon (Fred Ward), atualmente encarcerado, planeja um grande atentado a bomba, mas não consegue precisar nem o dia nem o local, e precisa de um homem que não seja policial para tentar ganhar sua confiança e fazê-lo revelar esses detalhes. Frank aceita o caso, mesmo sabendo que isso pode custar seu casamento, já que Jane, absolutamente contra ele voltar à ativa, decide sair de casa e viajar de carro pelo interior do país com sua melhor amiga, Louise (Ellen Greene).
Frank começa a investigação pela namorada de Rocco, Tanya Peters (a finada ex-coelhinha da Playboy Anna Nicole Smith), mas, quando chega a um beco sem saída, opta por um plano mais audacioso: se infiltrar na penitenciária, fingir ser um detento e dividir a cela com Rocco. O plano dá certo, e Frank acaba descobrindo que a bomba será detonada na cerimônia de entrega do Oscar - e que ele é o único capaz de impedir o terrorista.
Como de costume, o terceiro filme foi o que teve a menor bilheteria, mas, ainda assim, se pagou com sobras, rendendo quase o dobro do que custou. A crítica, por outro lado, não o poupou, considerando a fórmula gasta e esgotada. Como Zucker não estava a fim de fazer um quarto filme mesmo, Corra que a Polícia Vem Aí 33 1/3 acabou sendo o último da série, encerrando a carreira de Frank Drebin. Até alguém resolver fazer um reboot.
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