Nas Montanhas da Loucura (At the Mountains of Madness) - O livro já começa com a história que lhe dá nome, uma novela escrita no início do ano de 1931. Como eu já comentei aqui, Nas Montanhas da Loucura é a terceira história mais longa escrita por Lovecraft, com 40.878 palavras; das três mais compridas, entretanto, foi a única a ser publicada enquanto Lovecraft ainda era vivo.
A história acompanha uma expedição à Antártida, organizada pela Miskatonic University, financiada pela Nathaniel Derby Pickman Foundation e batizada Expedição Pabodie, em homenagem a Frank H. Pabodie, professor de engenharia da universidade e inventor de uma broca revolucionária, que permitiria à expedição trazer amostras inéditas do solo polar. Os principais membros da expedição são o Professor Lake, biólogo, responsável por analisar as amostras; o Professor Atwood, físico e meteorologista; um aluno conhecido apenas como Danforth, fã de histórias fantásticas, especialmente de Edgar Allan Poe, e que sabe pilotar aviões; e o Professor William Dyer, geólogo, líder da expedição e que atua como narrador da história.
Toda a história, aliás, é um relato desesperado de Dyer, que implora para que outra expedição já a caminho desista de estudar o continente gelado e deixe seus segredos enterrados na neve e no gelo, antes que eles retornem para assombrar a humanidade. Escrevendo meses após retornar da expedição, Dyer relata uma estranha descoberta feita por Lake, que levou a ele e a Danforth a encontrar e explorar uma cidade ancestral encravada nas montanhas da Antártida. Uma cidade que eles julgavam abandonada desde épocas imemoriais, mas que, na verdade, esconde um segredo terrível.
Lovecraft sempre fora fascinado pela Antártida. Na infância, inspirado por livros sobre o continente, havia criado vários cenários de faz de conta inspirados por sua imensidão branca; aos 12 anos, já gostava de escrever ensaios sobre exploradores do continente, e lia praticamente todas as notícias que eram publicadas sobre o assunto. Esse interesse tinha duas motivações: primeiro, na época a Antártida ainda era largamente inexplorada - provavelmente, aliás, o único pedaço de terra de nosso planeta ainda inexplorado - com vastos trechos nos quais seres humanos jamais haviam pisado. Os mapas publicados da Antártida possuíam vários trechos em branco, como se ninguém pudese imaginar o que havia lá, e Lovecraft adorava exercitar sua imaginação preenchendo esses espaços, sem se importar que as próximas descobertas o desmentissem. Além disso, Lovecraft sofria de uma profunda falta de tolerância ao frio, chegando a desmaiar se saísse na rua em um dia de temperaturas muito baixas; a Antártida, para ele, portanto, era um local de profundo terror, ao qual seu corpo jamais conseguiria resistir, e isso, de certa forma, o encorajava a explorar o local em sua mente.
Mesmo com toda essa fascinação, a ideia de finalmente ambientar uma de suas histórias na Antártida só viria quando Lovecraft tomasse conhecimento da primeira expedição liderada por Richard Evelyn Byrd, que aconteceu entre 1928 e 1930. Foi esta expedição que primeiro encontrou indícios de que a Antártida, no passado, poderia ter tido clima tropical. Essa descoberta deixou Lovecraft extremamente animado, e ele passou a mencioná-la com frequência nas cartas que escrevia a seus amigos. Lovecraft assumiria, inclusive, ter modelado a Expedição Pabodie a partir dos relatos da Expedição Byrd.
No campo literário, a principal influência sobre Nas Montanhas da Loucura foi um romance de Edgar Allan Poe, A Narrativa de Arthur Gordon Pym. Único romance escrito pelo autor, ele tem sua parte final ambientada na Antártida, e é citado diversas vezes ao longo do texto de Lovecraft, sendo referenciado como "perturbador e enigmático". Em uma carta a August Derleth, Lovecraft escreveria que tentava alcançar com o final de Nas Montanhas da Loucura um efeito semelhante ao que Poe teria conseguido com o final de A Narrativa de Arthur Gordon Pym.
Outra história que pode ser considerada uma influência é At the Earth's Core, de Edgar Rice Burroughs, cujas criaturas antagonistas guardam numerosas semelhanças com as criaturas encontradas pela Expedição em Nas Montanhas da Loucura, tanto na aparência quanto na organização social. Também podem ser encontradas algumas semelhanças entre as criaturas criadas por Lovecraft para a história e as de The People of the Pit, conto de A. Merritt, mas não se sabe se Lovecraft conhecia esse conto. O título de sua história Lovecraft tiraria de um trecho de The Hashish Man, de Lord Dunsany, no qual o protagonista diz ter chegado a colinas conhecidas como Montanhas da Loucura.
Nas Montanhas da Loucura faz referências a diversas outras histórias de Lovecraft, a começar pelo nome da financiadora da expedição, a Nathaniel Derby Pickman Foundation: todos os três são nomes que Lovecraft usa com frequência em suas histórias, em especial em A Coisa na Soleira da Porta, que tem um personagem chamado Edward Pickman Derby. O Necronomicon - mais especificamente sua cópia guardada na biblioteca da Miskatonic University - é citado com frequência, assim como lugares que, aparentemente, não têm relação nenhuma com a história, como o platô de Leng e a montanha Kadath, mais associados a histórias do Dream Cycle. Até a Cor que Caiu do Céu chega a ser citada em determinado momento por Danforth. A história de Lovecraft com a qual Nas Montanhas da Loucura tem a ligação mais forte, porém, é A Cidade sem Nome: ambas tratam da exploração de uma cidade ancestral cujos exploradores julgavam abandonada, e em ambas os exploradores encontram obras de arte que contam a história de seus antigos moradores.
Alguns estudiosos de Lovecraft argumentam que ele pode ter escrito Nas Montanhas da Loucura com a intenção de desmitificar sua própria mitologia: até então, muitas de suas histórias possuíam componentes sobrenaturais para os quais a única explicação seria a magia; mas, em certos trechos de Nas Montanhas da Loucura, Lovecraft parece querer dar uma explicação científica a eles - até Cthulhu e R'lyeh teriam uma explicação mais ligada à ficação científica que ao sobrenatural. Outros estudiosos discordam, alegando que, em todas as obras de Lovecraft, a magia e a ciência não são excludentes, mas complementares, e que, após Nas Montanhas da Loucura, ele continuaria escrevendo histórias cujos eventos não poderiam ter qualquer explicação científica. O debate prossegue até hoje, mas, devido a sua popularidade, Nas Montanhas da Loucura acabou contribuindo para um fato inusitado e inesperado por parte de Lovecraft, ajudando a popularizar a teoria dos "deuses astronautas", segundo a qual nosso planeta foi visitado há milhares de anos por raças alienígenas tecnologicamente avançadas, que teriam influenciado nossa própria evolução.
Desde sua publicação, Nas Montanhas da Loucura é uma das histórias mais populares de Lovecraft, sendo hoje considerada uma de suas obras-primas. Antes de ser publicada, porém, ela foi responsável por um dos maiores sentimentos de rejeição que Lovecraft experimentou na vida: ao terminar de escrevê-la, ele, também, a considerava sua obra-prima, e prontamente a ofereceu à revista Weird Tales, que publicava a maior parte de suas histórias. O editor da Weird Tales, Farnsworth Wright, porém, a recusou, alegando que ela era longa demais para a revista.
Essa rejeição, infelizmente, coincidiria com o cair por terra de um dos maiores sonhos de Lovecraft, a publicação de seus contos em um livro. No início de 1931, motivada por um contanto de W. Paul Cook, amigo de Lovecraft, a editora G.P. Putnam's Sons pediria para ver alguns de seus contos, dizendo a Lovecraft que, se fossem aprovados, seriam publicados na forma de livro. Lovecraft ficou extremamente esperançoso e ansioso - o que era totalmente incomum - certo de que receberia uma resposta positiva. A editora, porém, rejeitaria o projeto, e, poucos dias depois, Wright rejeitaria a publicação de Nas Montanhas da Loucura. Essa dupla rejeição foi um baque imenso para Lovecraft, que passou a duvidar de sua capacidade como escritor, e a fazer dois, às vezes três rascunhos de cada uma de suas histórias subsequentes, sempre achando que a primeira versão não estava boa o suficiente.
Foi somente em 1936 que a revista Astounding Stories aceitaria publicar Nas Montanhas da Loucura, e mesmo assim em três partes, nas edições de fevereiro, março e abril daquele ano. Na mesma época, Lovecraft chegaria a declarar que estava mais longe do que planejava para sua carreira do que 20 anos antes. Já doente, ele praticamente não tomaria conhecimento do sucesso da história, e, ainda com a rejeição falando alto em sua mente, pouco faria para combater sua doença.
Para finalizar, vale dizer que Nas Montanhas da Loucura pode vir a se tornar o primeiro blockbuster baseado em uma história de Lovecraft: desde 2005, o diretor Guillermo del Toro (de Hellboy e O Labirinto do Fauno) tenta adaptar a história para o cinema, até agora sem sucesso. Depois de protestos da Warner, que queria uma história com romance e final feliz, e do envolvimento como produtor de James Cameron, que queria convencer del Toro a filmar em 3D, parece que agora vai, com as filmagens marcadas para começar em junho desse ano e a estreia prevista para 2013. Depois de ler que del Toro queria Tom Cruise no papel de Dyer, eu decidi que vou esperar mais um pouco antes de me pronunciar sobre esse filme.
A Casa Temida (The Shunned House) - A casa do título é uma estranha residência, velha e abandonada, localizada na Rua Benefit, em Providence. O narrador da história, sem nome, nutre uma espécie de fascínio por essa casa, principalmente porque, em sua juventude, sempre ouvira falar que inúmeros moradores dessa casa morreram sem explicação. O aspecto decrépito da casa, coberta por limo e fungos malcheirosos, contribuía para que as lendas sobre este ser um local de horrores inenarráveis se espalhasse, tanto que, segundo ele, até Edgar Allan Poe, em suas viagens a Providence, ficava observando a casa quando passava por ela.
Um dia, o narrador descobre que seu tio, o Dr. Elihu Whipple, que trabalhava em um antiquário, também é fascinado pela casa, e mantém uma série de anotações sobre sua história, desde que ela fora construída sobre o cemitério da família Roulet, notoriamente envolvida com ocultismo - o que, sejamos francos, não contribui para a fama da casa. Dispostos a desvendar o segredo da casa de uma vez por todas, o narrador e seu tio decidem passar uma noite nela. E, como Lovecraft nos ensina, isso sempre é uma péssima ideia.
A casa da Rua Benefit, em Providence, realmente existe, realmente é velha e decrépita, mas não é temida. Lovecraft a conhecia muito bem, pois uma de suas tias morou lá enquanto trabalhava para a Sra. Babbit, dona da construção. A inspiração para Lovecraft escrever o conto, entretanto, só viria depois de uma viagem à cidade de Elizabeth, Nova Jérsei, durante a qual ele passou por uma casa ainda mais antiga, mais decrépita e mais assustadora, coberta por plantas e transmitindo uma imagem de horror. Após retornar da viagem, Lovecraft decidiria escrever uma história com uma casa do tipo como ambientação, mas usando a casa da Sra. Babbit, com a qual ele era tão familiar. Curiosa e bizarramente, embora a casa da Sra. Babbit ainda exista, a de Elizabeth já não existe mais, tendo sido derrubada para dar lugar a uma praça chamada Winfield Scott - que, embora tenha sido batizada em homenagem a um político local, coincidentemente, é o mesmo nome do pai de Lovecraft.
Lovecraft escreveu A Casa Temida em quatro dias, entre 16 e 19 de outubro de 1924, mas não a ofereceu de imediato a nenhuma revista. Em 1928, seu amigo W. Paul Cook conseguiu convencer a editora Recluse Press a publicá-la sob a forma de livro, e outro amigo de Lovecraft, Frank Belknap Long, chegou a escrever um prefácio para a edição. A Recluse Press passava por sérias dificuldades financeiras, entretanto, e, mesmo após já ter imprimido 250 cópias, não teve dinheiro para encaderná-las e distribuí-las. Lovecraft teve de adiar seu sonho de publicar um livro mais uma vez, e Cook, se sentindo responsável, entrou em contato com a G.P. Putnam's Sons e insistiu até convencê-los a ler alguns contos de Lovecraft, o que acabaria levando ao episódio da rejeição citado na resenha de Nas Montanhas da Loucura.
A Casa Temida só viria a ser publicada após o falecimento de Lovecraft, na edição de outubro de 1937 da Weird Tales. Das 250 cópias originais impressas pela Recluse Press, 100 se perderam, mas 150 acabaram adquiridas pela Arkham House, a editora que August Derleth e Donald Wandrei fundaram para publicar as obras de Lovecraft. Eles venderam 50 no estado a colecionadores, e encadernaram as demais 100, lançando, em 1961, finalmente, A Casa Temida sob a forma de livro.
Os Sonhos na Casa Assombrada (The Dreams in the Witch-House) - No final de 1931, Lovecraft assistiria a uma palestra de Willem de Sitter, chamada O Tamanho do Universo, cujo tema era a geometria e curvatura do universo e a possibilidade de uma compreensão mais profunda de sua natureza através do uso da matemática. Impressionado com o que ouvira, Lovecraft decidiu escrever uma história. Assim, no início de 1932, surgiria Os Sonhos na Casa Assombrada.
O protagonista da história é Walter Gilman, estudante de matemática da Miskatonic University. Apaixonado por lendas e folclore, Gilman se matriculou na Miskatonic para estudar "cálculo não-euclidiano e física quântica", ciências que, segundo ele, estariam ligadas à magia das antigas lendas. Disposto a fazer qualquer esforço para complementar seus estudos, Gilman se hospedou em um antigo casarão na cidade de Arkham no qual teria morado a bruxa Keziah Mason, pedindo, especificamente, pelo quarto que teria sido dela. E não se espantou com o fato de que todos os ocupantes do cômodo nos últimos anos tivessem morrido misteriosamente.
Mason era uma mulher idosa de Arkham, presa durante a caça às bruxas do final do século XVII por falar de linhas e curvas que dariam acesso a diferentes pontos do tempo e do espaço. O próprio quarto que fora de Mason no casarão segue uma geometria incomum, como se ela tivesse feito experimentos com tais linhas e curvas nele. Dormindo nesse quarto, Gilman começa a ter sonhos cada vez mais vívidos com a bruxa - que jamais foi executada, pois sumiu misteriosamente de sua cela após o julgamento - e com seu familiar, um grande rato marrom de feições humanas. Aos poucos, Gilman teme não estar mais conseguindo dissociar o que é sonho e o que é realidade, e sua prinicpal preocupação vem do fato de que os eventos dos sonhos ficam cada vez mais bizarros e fantásticos.
Além da palestra de de Sitter, duas outras fontes podem ser consideradas influências para Os Sonhos na Casa Assombrada: o livro The Nature of the Physical World, de A.S. Eddington, que trata do uso do espaço não-euclideano como atalhos entre pontos do espaço convencional, o qual Lovecraft leu antes de decidir assistir à palestra; e um romance inacabado de Nathaniel Hawthorne, Septimius Felton, o qual Lovecraft também leu no final de 1931.
Assim como as duas outras histórias abordadas hoje, Os Sonhos na Casa Assombrada também está diretamente ligada à dupla rejeição que Lovecraft sofreu no início de 1931: após escrevê-la, Lovecraft mostrou a história para seu amigo Derleth, que lhe disse que a história era pobre. Lovecraft lhe respondeu por carta, dizendo que essa reação já era esperada, e que agora ele tinha certeza de que seus dias como escritor de ficção estavam acabados. Mesmo após apelos de outros amigos, Lovecraft se recusou a oferecer a história para publicação. Arrependido, Derleth a pegou sem que ele soubesse e a ofereceu à Weird Tales, que aceitou publicá-la em sua edição de julho de 1933.
Curiosamente, muitos críticos parecem concordar com Derleth, considerando Os Sonhos na Casa Assombrada uma das mais fracas histórias de Lovecraft.
O Depoimento de Randolph Carter (The Statement of Randolph Carter) - Randolph Carter, para quem não se lembra, é o astro do último livro visto nessa série, protagonista de histórias como À Procura de Kadath e A Chave de Prata. Nesse conto, porém, Carter ainda não é o sonhador experiente das histórias futuras. Ainda um iniciante no mundo do ocultismo, ele acompanha seu amigo Harley Warren a uma cripta no pântano de Big Cypress. Warren entra na cripta e não retorna; Carter, que ficou do lado de fora esperando pelo amigo, é encontrado no dia seguinte vagando sem rumo, e interrogado pela polícia. Como o próprio nome afirma, esse conto é seu depoimento.
Lovecraft escreveu O Depoimento de Randolph Carter baseado em um sonho que tivera, adicionando um preâmbulo e o formatando como depoimento. Em uma carta que escreveria posteriormente a Derleth, Lovecraft descreveria o sonho e assumiria ter baseado Carter em si mesmo - já que, no sonho, o papel de Carter era desempenhado por ele. Esse fato talvez tenha inspirado Lovecraft a mais tarde transformar Carter no principal protagonista do Dream Cycle e em seu principal personagem recorrente. Também segundo essa carta, no sonho de Lovecraft, Warren também era "interpretado" por um de seus amigos, Samuel Loveman.
O Depoimento de Randolph Carter é considerado um dos primeiros exemplos da temática do alto preço do conhecimento na obra de Lovecraft. Foi escrito em dezembro de 1919, e publicado pela primeira vez na edição de maio de 1920 do periódico The Vagrant, editado por W. Paul Cook.
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