segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Escrito por em 10.8.09 com 0 comentários

Fiona Apple

Talvez nada surpreendentemente, o instrumento musical que produz o som que mais me agrada é o piano. Ele pode não ser muito portátil, ou muito fácil de se arrumar um lugar sobre um palco, mas, para mim, qualquer música que tenha um piano se torna muito mais agradável. Eu acredito, inclusive, que um dos motivos pelos quais eu gosto tanto de Tori Amos seja porque ela toca piano. Fosse ela uma guitarrista, talvez não tivesse se tornado minha cantora preferida.

Como Tori Amos não é a única cantora que toca piano no mundo, de vez em quando minha predileção por este instrumento faz com que eu me interesse por outras - não acredito que um dia uma delas vá desbancar Tori no topo de minha lista, já que, afinal, o piano não é o único nem o principal motivo pelo qual eu gosto de suas músicas, mas mesmo assim elas acabam fazendo a lista crescer. Recentemente, por exemplo, tenho ouvido bastante Regina Spektor, que acabou de lançar um álbum novo, mas entrou na minha lista por ocasião do anterior.

Mas esse post não é sobre Tori Amos nem sobre Regina Spektor, e sim sobre outra cantora-pianista, uma que, curiosamente, eu não descobri por causa do piano - aliás, só vim a descobrir que ela tocava piano depois de comprar seu primeiro CD. O post de hoje é sobre Fiona Apple.

Eu descobri Fiona Apple pela Mtv, através do clipe da música Criminal. Confesso que, se tivesse de escolher uma palavra para defini-la depois de assistir a esse clipe, teria sido "esquisita". Magra demais, com uns olhões azuis enormes, uma boca maior ainda e uma voz grossa, ela aparentemente não tinha motivo nenhum para me atrair. Ainda assim, por alguma razão bizarra, aquela música grudou na minha cabeça. E, como eu já disse aqui de outras vezes, na época eu não somente era um consumidor compulsivo de CDs (hoje, pareço ter transferido essa compulsão para os DVDs, mas isso não vem ao caso agora), como também, graças à paridade de um dólar igual a um Real, comprava direto na CDNow (que depois foi absorvida pela Amazon), o que fazia com que eu sempre estivesse em busca de um "terceiro CD", já que, para até três, o frete era o mesmo. Tidal, o primeiro lançado por Fiona Apple, acabou fechando uma trinca desse jeito, e depois me agarrou pelo ouvido - principalmente depois que eu descobri que ela tocava piano. O resto, como se diz, é história. Uma história que envolve a compra de dois outros CDs dela, e lamentação por ela não ter lançado mais.

Fiona Apple McAfee Maggart - esse "Apple" é um segundo nome, não um sobrenome - nasceu em 13 de setembro de 1977, em Manhattan, Nova Iorque, Estados Unidos, em uma família de artistas: sua mãe, Diane McAfee, é cantora; seu pai, Brandon Maggart, ator (e chegou a atuar na versão norte-americana da Vila Sésamo); sua irmã, Maude Maggart, é cantora performática; seu irmão Spencer Maggart é diretor de clipes; e seu outro irmão, Garett Maggart, é ator e um dos protagonistas da série The Sentinel. Sua infância não foi nada fácil, com seus pais se separando quando ela tinha quatro anos de idade. Fiona foi morar com a mãe, que a matriculou em aulas de piano quando ela tinha oito anos; rebelde, ela faltava às aulas, e preferia aprender sozinha em casa, dedilhando um teclado eletrônico. Aos onze anos de idade, Fiona disse brincando que era infeliz com sua vida, iria matar a irmã e depois se matar. Preocupados, seus pais a colocaram para fazer análise, mas talvez tivesse sido melhor se não o tivessem feito: aos doze anos, quando voltava para casa depois de uma sessão, Fiona foi atacada e estuprada, e acabaria precisando de mais alguns anos de terapia para superar o trauma.

A vida só começaria a sorrir para Fiona em 1994, quando, aos dezesseis anos, ela gravou uma fita demo com a ajuda de uma amiga. Essa amiga fazia serviços de babá para Kathryn Schenker, uma publicitária que trabalhava para alguns músicos. Sabendo disso, a amiga de Fiona levou a fita para Schenker, para que ela escutasse e dissesse o que achava. O que nenhuma das duas sabia é que os "músicos" com os quais Schenker trabalhava eram Sting e o Aerosmith, e que ela era amiga de Andrew Slater, produtor da Sony Music e gerente da gravadora WORK, associada à Sony. Schenker ficou muito impressionada com o estilo de Fiona, e a apresentou a Slater, que, cativado por sua voz diferente, sua habilidade com o piano e profundidade de suas letras, decidiu contratá-la imediatamente.

O primeiro álbum de Fiona, Tidal, seria lançado em julho de 1996 pela Epic Records, uma subsidiária da Sony. Mesmo não possuindo um som pop, o álbum foi um sucesso instantâneo, rendendo um disco de ouro já em dezembro do mesmo ano, e disco de platina triplo apenas três anos após seu lançamento. Até hoje, Tidal já vendeu mais de três milhões de cópias só nos Estados Unidos, uma marca invejável para um disco de estreia de uma cantora de 18 anos sem apelo dentre os adolescentes.

Das dez faixas de Tidal, seis se tornaram singles, sendo lançadas neste formato, tocando direto nas rádios, e ganhando clipes de grande repercussão: Shadowboxer, Slow Like Honey, Sleep to Dream, The First Taste, Criminal e Never Is a Promise. Criminal, a terceira música trabalhada, foi justamente a que lançou Fiona ao estrelato, sendo tocada repetidas vezes nas rádios, alcançando o 17o lugar no Top 20 norte-americano, rendendo um um Grammy de Melhor Performance Vocal Feminina, e gerando um clipe que deu muito o que falar: nele, uma Fiona Apple parcamente vestida (e que chega a fazer um striptease, ficando só de calcinha) canta em uma casa ao estilo anos 1970, junto a um grupo de moças e rapazes igualmente seminus, que parecem bêbados ou drogados depois de uma noite de orgia ou coisa parecida. Ao ser perguntada sobre o teor do clipe, Fiona diria ter decidido que, "já que eu vou ser explorada, serei explorada por mim mesma".

A controvérsia em torno de Criminal - e da própria Fiona - só aumentaram depois de ela, ao receber o Mtv Video Music Award de 1997 pelo clipe de Sleep to Dream, ter declarado que "esse mundo é uma farsa, e vocês não devem modelar suas vidas baseados no que vocês pensam que nós pensamos ser legal, nem no que estamos vestindo, nem no que estamos dizendo". Na hora ela foi bastante aplaudida, mas depois a imprensa caiu de pau, acusando a própria Fiona de fomentar uma indústria que ela estava criticando - por incrível que pareça, ela acabou criticada até mesmo por namorar o mágico David Blaine, com algumas publicações insinuando que ela só teria sido lançada por pressão dele junto à gravadora. A comediante Janeane Garofalo pegou especialmente pesado, parodiando em um humorístico o discurso de Fiona ao receber o prêmio e incluindo trechos como "mesmo eu tendo feito um clipe onde apareço de lingerie para que as outras meninas possam se sentir mal por não serem tão magras como eu". Ao ser mostrada à paródia pela revista Rolling Stone, Fiona disse ter transtornos alimentares, estar lutando para ganhar peso, aparecer gorda em seu próximo clipe e provar a todas as meninas que elas não precisam ser magras para fazerem sucesso, e que se sentia mal por ter ficado conhecida justamente por causa desse clipe.

Fiona não conseguiu engordar tanto quanto gostaria, mas continuou fazendo sucesso, sendo convidada em 1997 para gravar um programa Mtv Unplugged (conhecido por aqui como Acústico Mtv), e no ano seguinte para gravar duas músicas para a trilha sonora do filme Pleasantville: A Vida em Preto e Branco. Ambas as músicas eram regravações de grandes sucessos, Please Send Me Somebody to Love, de Percy Mayfield, e Across the Universe, dos Beatles. Ambas fizeram sucesso também na voz de Fiona, com esta última sendo lançada também em single e ganhando um clipe.

O segundo álbum de Fiona Apple seria lançado em 1999, e teria o singelo título de When the Pawn Hits the Conflicts He Thinks like a King What He Knows Throws the Blows When He Goes to the Fight and He'll Win the Whole Thing Fore He Enters the Ring There's No Body to Batter When Your Mind Is Your Might So When You Go Solo, You Hold Your Own Hand and Remember That Depth Is the Greatest of Heights and If You Know Where You Stand, Then You'll Know Where to Land and If You Fall It Won't Matter, Cuz You Know That You're Right. Esse título tão comprido (que acabaria sendo reduzido sempre que alguém se refere a ele para apenas When the Pawn...) é na verdade um poema, de autoria da própria Fiona, escrito de rompante após ela ler cartas dos leitores em sua defesa, endereçadas à revista Spin, que havia falado mal dela na edição anterior. O título curioso rendeu a When the Pawn... um lugar no Livro dos Recordes, como álbum de nome mais comprido da história, onde ficou até 2007, quando a banda Soulwax lançou um com um nome ainda mais comprido - como curiosidade, vale dizer que hoje esse recorde pertence ao Chumbawamba, que em 2008 lançou um maior ainda.

Em When the Pawn..., Fiona passou a flertar com a música eletrônica, incluindo loops de bateria e um teclado conhecido como Chamberlin em suas faixas. Embora o álbum tenha sido bastante elogiado pela crítica, não vendeu o esperado, com apenas a primeira música de trabalho, Fast as You Can, conseguindo exposição e entrando no Top 20 norte-americano na vigésima posição. Outras duas faixas, Paper Bag e Limp, foram lançadas como singles, mas não chamaram muita atenção, e tocaram pouco nas rádios. Ainda assim, When the Pawn... vendeu mais de um milhão de cópias, rendendo um disco de platina. Na época, Fiona já não namorava o mágico Blaine, mas o diretor Paul Thomas Anderson (de Boogie Nights: Prazer sem Limites), que conheceu quando ele dirigiu o clipe de Across de Universe; graças ao namoro, Anderson dirigiu os três clipes das faixas de trabalho de When the Pawn....

Este novo relacionamento de Fiona não lhe traria repercussão negativa na mídia, mas um novo incidente em uma aparição pública, sim. Em março de 2000, irritada com a péssima qualidade do som de um show que fazia no Roseland Ballrom, em Nova Iorque, Fiona parou a apresentação no meio e foi embora, deixando quem pagou pelo show a ver navios - e não sem antes vociferar, com direito a palavrões, contra a indústria da música. Desnecessário dizer, os críticos de música ficaram enfurecidos com essa atitude, e, para muitos deles, Fiona Apple passou a ser persona non grata.

O prestígio de Fiona dentre seus colegas músicos continuava alto, porém, e em 2001 ela seria convidada por Johnny Cash para gravar com ele uma nova versão de Bridge over Troubled Water, de Simon & Garfunkel, que seria incluída no álbum seguinte de Cash, e renderia a Fiona uma indicação ao Grammy de Melhor Colaboração Vocal. Cash gostou tanto do resultado que convidou Fiona para gravar outra música, outra regravação, desta vez de Father and Son, de Cat Stevens, que também acabaria incluída em um álbum de Cash.

Depois de encerrar a turnê de When the Pawn..., Fiona decidu mudar-se para Los Angeles, e chegou até mesmo a considerar encerrar sua carreira - não por causa das crescentes críticas negativas à sua pessoa, mas por não ter mais inspiração para escrever novas músicas. Em 2002, durante um almoço com seu amigo Jon Brion, que também havia sido produtor de When the Pawn..., este a pediu para trabalhar com ele em um novo álbum, pois havia acabado de encerrar um relacionamento amoroso de cinco anos, e gostaria de esquecê-lo trabalhando. Fiona concordou, desde que Brion conseguisse um contrato com a Epic sem data estipulada de lançamento para este novo álbum. Após algumas negociações, a Epic concordou, desde que Fiona concordasse com uma data provisória de lançamento, que seria de Novembro de 2002.

Fiona então se pôs a trabalhar nas novas canções, e chegou até mesmo a apresentar algumas delas em pocket shows que fez acompanhada de amigos. As sessões de gravação, produção e mixagem se estenderiam até o final de 2003, com Fiona e Brion sempre querendo mudar ou acrescentar alguma coisa nas faixas, o que fez com que a data de lançamento provisória fosse alterada mais três vezes, primeiro para julho de 2003, depois para setembro de 2003, e então para fevereiro de 2004. Enquanto isso, detalhes sobre as músicas iam vazando para a imprensa, e a cada mês mais jornais e revistas revelavam títulos ou letras de canções, o que deixou os fãs ansiosos pelo lançamento, que nunca chegava. Em fevereiro de 2004, enquanto a Epic adiava mais uma vez o lançamento, agora para uma data indefinida, a revista Spin revelaria o nome escolhido por Fiona para o álbum: Extraordinary Machine.

Então, algo estranho aconteceu. A partir de junho de 2004, as faixas de Extraordinary Machine começaram a aparecer na internet em formato Mp3, começando pela faixa título, depois Better Version of Me, uma das faixas que Fiona já havia cantado em um pocket show, mas com um arranjo completamente diferente, e aí todas as outras. Com o álbum completo na internet, mas sem ainda nem sinal dele nas lojas, os críticos de música começaram a avaliar as novas canções, enquanto os fãs se perguntavam o porquê da demora, sem que Fiona, Brion ou a Epic se manifestassem sobre o assunto.

Somente em outubro de 2004, em uma entrevista à Entertainment Weekly, Brion diria que o álbum havia sido engavetado por decisão da Epic, que achou suas faixas muito pouco comerciais, sem nenhuma que pudesse ser usada como música de trabalho. Mais do que depressa a Epic negou, estipulando a data de lançamento para fevereiro de 2005, e declarando oficialmente que o álbum havia atrasado porque Fiona não estaria satisfeita com as versões das músicas que vazaram para a internet, querendo mais tempo para melhorá-las. Em janeiro de 2005, Brion voltaria a acusar a Epic, dizendo que a gravadora queria um álbum mais parecido com Tidal, e que não teria aceitado Extraordinary Machine do jeito que estava. No mesmo mês, o jornal USA Today perguntou a Fiona se o álbum seria mesmo lançado no mês seguinte, ao que ela respondeu "vocês provavelmente ficarão sabendo disso antes de mim".

Sem se conformar com as informações desencontradas, os fãs de Fiona começaram uma campanha para pressionar a Epic a lançar o álbum na data marcada, enviando diversos e-mails, cartas e abaixo-assinados para a Sony. A Epic, porém, continuava declarando que não tinha culpa, e que não podia lançar o álbum porque Fiona ainda estava trabalhando nele. Curiosamente, as versões das músicas disponíveis online começaram a ser elogiadíssimas pelos principais críticos do país, o que só aumentava a pressão sobre a gravadora. A Epic porém não mais se pronunciou, até agosto de 2005, quando, em um comunicado oficial, estipulou a data de lançamento para outrubro de 2005, e anunciou que todas as faixas estavam sendo completamente refeitas, com a participação dos produtores Brian Kehew e Mike Elizondo.

Depois desse parto complicado, Extraordinary Machine finalmente foi lançado em outubro de 2005. De suas doze faixas, apenas a título e Waltz são idênticas às que haviam vazado na internet; outras nove são completamente diferentes, com praticamente a única coisa igual sendo as letras, e uma outra, Parting Gift era inédita, não tendo vazado antes do lançamento. A versão oficial para o atraso de certa forma confirma os dois lados da história, dizendo que tanto Fiona não estava confortável para lançar o álbum do jeito que ele estava quando vazou, quanto a Epic imaginava que, se fosse lançado daquele jeito, não teria apelo comercial. Seja como for, a verdade é que Extraordinary Machine não vendeu tanto assim - "apenas" meio milhão de cópias, rendendo um novo disco de ouro para Fiona - mas foi elogiadíssimo pela crítica, sendo escolhido melhor álbum de 2005 pela Entertainment Weekly, pelo jornal The New York Times e pela revista Slant, e alcançando o sétimo lugar na parada da Billboard, mais alto do que seus dois antecessores conseguiram.

Depois do lançamento de Extraordinary Machine, Fiona saiu em turnê, primeiro solo, depois junto com o Coldplay, e então junto com o Nickel Creek. Atualmente, ela está descansando, provavlemente em busca de inspiração para seu quarto álbum. Que todos esperam não ter um lançamento tão complicado quanto o terceiro.

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