Nunca passou pela minha cabeça ter uma pista de boliche em casa - embora já tenha passado ter um pinball, mas isso não vem ao caso agora - mas às vezes eu gostaria que houvesse um boliche mais próximo de onde eu moro, para que eu pudesse jogar mais. Por outro lado, boliche é uma diversão cara, tanto que normalmente eu combino de ir em bando, para dividirmos os gastos, então eu acho que, se houvesse um boliche aqui perto, talvez eu fosse uma pessoa mais pobre. De qualquer forma, nem a distância nem o preço parecem capazes de me fazer deixar de gostar de arremessar uma bola na direção de um monte de pinos. E, em homenagem a este gosto peculiar, hoje será dia de boliche no átomo!
A mecânica do jogo de boliche é bastante simples - jogar uma bola para que ela derrube um monte de pinos. Por causa disso, é difícil precisar quando o esporte teria sido inventado: escavações arqueológicas já encontraram indícios de que se jogava boliche no antigo Egito, há mais de 5.000 anos. Existe uma espécie de consenso, porém, de que não seria o boliche que conhecemos hoje, que teria sido inventado na Alemanha no ano 300. Mas a primeira referência escrita ao jogo de boliche data apenas de 1366, quando o Rei Eduardo III da Inglaterra proibiu que seus soldados jogassem boliche, pois o jogo estaria prejudicando os treinos de arqueria do exército.
Seja qual for a sua origem, este boliche mais antigo não usava dez pinos como o de hoje, mas apenas nove. Diz a lenda que a versão de dez pinos teria sido inventada nos Estados Unidos em 1841, quando uma lei do estado de Connecticut proibiu o jogo por este estar associado com apostas e crime organizado. Para poder continuar jogando sem desobedecer a lei, os jogadores teriam adicionado um décimo pino, e "inventado um esporte novo". Embora a lei de 1841 realmente exista, a versão da invenção do jogo esbarra em outros registros históricos, que atestam a existência de um boliche com dez pinos na Grã-Bretanha já em 1810. Tendo o pino extra sido colocado nos Estados Unidos ou não, o fato é que tanto a versão de nove pinos quanto a de dez pinos ainda são jogadas até hoje, sendo a de dez pinos muito mais popular nos Estados Unidos, e a de nove a preferida da maioria dos europeus.
Como normalmente nós somos mais influenciados pela cultura norte-americana que pela européia, também no Brasil o boliche de dez pinos é mais popular, com suas pistas abertas ao público pagante sendo encontradas em vários shoppings. Por causa disso, tudo o que eu falar neste post dirá respeito ao boliche de dez pinos, a menos que eu avise expressamente que se trata do de nove - que, embora não seja tão popular como diversão, também conta com um número expressivo de jogadores em nosso país, e até já rendeu uma medalha de bronze nos World Games de 2005.
O boliche é jogado em uma superfície plana, feita de madeira ou poliuretano, conhecida como pista. Normalmente, locais dedicados à prática do boliche possuem dez ou mais pistas, uma ao lado da outra, para que várias pessoas possam jogar ao mesmo tempo. Em torneios oficiais, onde as partidas são sempre um contra um, só costumam ser utilizadas duas pistas, uma para cada jogador. Para que a bola deslize melhor e não pare antes de chegar aos pinos, os primeiros 12 metros da pista são lubrificados com óleo; pistas usadas normalmente para diversão usam 18 ml de óleo, mas pistas dedicadas a jogos profissionais entre mulheres usam 25 ml, e para jogos profissionais masculinos são usados 30 ml. Além disso, em torneios profissionais, a forma como o óleo é espalhado na pista, mais concentrado no meio que nas bordas, por exemplo, também pode ser usada como um fator complicador, pois interfere na forma como a bola se comportará quando jogada. Torneios que usam este artifício costumam ganhar apelidos de acordo com o desenho que o óleo faz na pista, como o shark tournament, onde o óleo é espalhado na forma de uma cabeça de tubarão.
A extensão total de uma pista oficial de boliche é de 18,29 metros. Em cada uma de suas extremidades é traçada uma linha, sendo que a linha mais próxima da extremidade onde o jogador lançará a bola é conhecida como foul line; o jogador deve soltar a bola antes de pisar na foul line ou além dela, caso contrário a jogada será invalidada. A linha da outra extremidade não tem nome, mas o pino número 1 fica posicionado exatamente sobre seu centro. Os pinos podem ser feitos de madeira, madeira coberta com plástico ou de resina sintética, têm 38 cm de altura, 12 cm de diâmetro no ponto mais largo, e deve pesar entre 1,47 e 1,64 Kg, com uma diferença máxima de 113,4 gramas de um pino para outro se feitos de madeira ou 56,7 gramas se feitos de material sintético. Pinos oficiais são sempre pintados na cor branca, com uma ou duas faixas vermelhas no ponto mais estreito, para facilitar a visualização.
Os pinos são arrumados em forma de triângulo, com 18 cm de espaço entre um e outro, e numerados, com o pino 1 à frente, o 2 e o 3 atrás dele, o 4, 5 e 6 na linha seguinte, e o 7, 8, 9 e 10 mais atrás. O local onde eles ficam é chamado de deck, é feito de material macio e resistente a impacto, e se estende por 91 cm além do final da pista. Atualmente o deck é totalmente automatizado, com uma máquina que recolhe os pinos e os arruma novamente para a próxima jogada, além de identificar quais pinos foram derrubados e quais permanecem de pé. A máquina é acionada assim que a bola cai em um buraco atrás do deck (onde outra máquina a levará através de esteiras até onde está o jogador), e, para computar os pontos, só valem os pinos que tenham caído totalmente antes da máquina ser acionada; pinos que balancem mas não caiam, ou que fiquem apoiados nas paredes do deck após a bola bater neles são reposicionados normalmente, sem contar como se tivessem sido derrubados.
Na largura, a pista tem 1,05 m, e conta, em cada lateral, com uma das infames canaletas, canais côncavos de 10,8 cm de raio, feitos para que uma bola que caia ali seja levada direto ao final do deck sem acertar nenhum pino. As canaletas possuem três objetivos: o primeiro é evitar que a bola invada a pista do lado, prejudicando outro jogador, sem que seja necessário cercar a pista com muros; o segundo é impedir o uso de "tabelas", ou seja, que a bola vá quicando dos lados da pista até atingir os pinos, o que aconteceria se houvessem muros no lugar das canaletas; e o terceiro é dificultar a jogada, impedindo que a bola seja lançada de certos ângulos que favoreçam a derrubada de todos os pinos de uma só vez. Em pistas usadas para diversão, as canaletas podem ser "anuladas" por muretas de plástico chamadas bumpers, normalmente acionadas quando crianças estão jogando.
Uma bola de boliche é normalmente feita de resina, embora algumas do circuito profissional sejam feitas de plástico. Normalmente elas são feitas de duas partes, com um núcleo mais denso envolvido em uma cobertura menos densa, mas também existem bolas de três partes, com dois núcleos de densidades diferentes. Seu diâmetro deve ser obrigatoriamente de 21,6 cm, mas o peso pode variar; as regras não prevêem um peso mínimo, mas o máximo deve ser de 7,2 Kg, ou 16 libras. A bola pode ser pintada em uma ou mais cores, pode ser opaca ou perolada, ter um padrão de "rodamoinho" ou "melancia", mas bolas oficiais não podem ter qualquer outro desenho que não seja o logotipo do fabricante e o número da bola. Este número representa o peso da bola em libras, e normalmente vai do 6 (2,72 Kg) ao 16. Como todas as bolas são do mesmo tamanho, é sua densidade que varia; por causa disso, as bolas 6, 7, 8, 9 e 10, menos densas, flutuam na água - algo bastante curioso em se tratando de uma bola de boliche. O número e o logotipo do fabricante devem ser pintados na bola, e não decalcados ou adesivados, pois toda a superfície da bola precisa ser perfeitamente lisa, com a exceção de buracos onde se encaixam os dedos do jogador antes do arremesso. Embora quase todas as bolas de boliche do mundo tenham três buracos, para os dedos polegar, médio e anular, as regras oficiais também permitem que elas tenham cinco, um para cada dedo.
O normal é que as bolas sejam providenciadas pelo local onde se vai jogar, que cuida para que cada pista tenha uma seleção de bolas de vários pesos diferentes, para agradar ao maior número possível de jogadores. Jogadores mais exigentes, porém, podem mandar fazer suas próprias bolas, com o peso mais adequado ao seu estilo de jogo, buracos furados de acordo com o tamanho de seus dedos, e até mesmo pintada na sua cor favorita ou com um desenho qualquer - alguns jogadores encomendam até mesmo bolas transparentes, pintadas de forma que um objeto, como uma caveira ou uma bola de beisebol, pareça estar "preso" dentro da bola. Eu não sei se, aqui no Brasil, um jogador pode levar uma bola própria para jogar em um shopping, e como ele faz para que outros jogadores não usem sua bola nem sumam com ela. Em torneios oficiais, as bolas são sempre fornecidas pelos organizadores, em diferentes pesos para que cada jogador escolha a mais apropriada antes de cada jogada.
Mas ainda falta falar de um acessório importantíssimo para o jogo de boliche: os sapatos de boliche. Embora felizmente não tenha o óleo, a área destinada para o jogador transitar e tomar impulso antes de lançar a bola é feita do mesmo material que a pista. Os sapatos de boliche são usados não somente para que esta área não seja danificada, mas também para que o jogador não escorregue durante o movimento, o que pode arruinar a jogada ou até mesmo ocasionar uma lesão. Sapatos de boliche normalmente são alugados pelo local onde se joga, devendo ser devolvidos ao final da partida, mas também é possível que um jogador compre seus próprios sapatos, embora eu também não saiba como isso funciona na prática. Alguns jogadores, principalmente os profissionais, também usam luvas de boliche, que proporcionam uma pegada mais firme na bola e protegem o punho contra torções.
Uma partida de boliche é dividida em dez partes, chamadas frames. Em torneios oficiais, o primeiro jogador joga um frame, e depois cada jogador joga dois frames seguidos, até que a partida se encerre com o primeiro jogador jogando o décimo frame; em partidas de diversão, como as dos shoppings, cada jogador dá a vez ao seguinte após cada frame.
Em cada frame, o jogador terá duas chances para, arremessando a bola, derrubar todos os dez pinos. Se ele conseguir derrubar todos os dez no primeiro lançamento do frame, terá feito um strike, e não precisará da segunda tentativa. Se deixar algum pino de pé após a primeira tentativa, terá direito à segunda; conseguindo derrubar todos os que faltavam, terá conseguido um spare. Caso após as duas tentativas ainda restem pinos de pé, será um open, e se iniciará o frame seguinte. É importante notar que, se o jogador não derrubar nenhum pino na primeira tentativa, mas na segunda derrubar todos os dez, contará como um spare, não como um strike, que só acontece quando todos os pinos são derrubados na primeira tentativa do frame. Na linguagem do boliche, dois strikes seguidos são chamados double, três são um turkey, quatro são um sombrero, cinco um five badger, seis um six pack, e fechar uma partida só com strikes é um perfect game. Finalmente, se um jogador, após a primeira tentativa do frame, deixa dois pinos muito difíceis de se derrubar com uma única jogada (normalmente os pinos 7 e 10), e falha em derrubar os dois na segunda jogada, ficará com um split.
O placar do boliche é bastante curioso, difícil de se deduzir só de olhar para ele, e costuma ser considerado complicado por quem não conhece o jogo. Basicamente, cada pino vale um ponto, então, se um jogador derruba oito pinos, ele marca oito pontos. Os pontos de cada tentativa de cada frame são anotados separadamente em números menores, enquanto o placar total do frame é anotado em um número maior. Strikes são anotados com um X, spares com um \, open frames com um -, e splits com um círculo em volta do número de pinos que o jogador derrubou na primeira tentativa.
Strikes e spares também conferem bônus ao jogador: toda vez que um jogador faz um strike, ganha dez pontos mais uma bonificação igual ao número de pinos derrubados em suas duas próximas bolas. Assim, se um jogador faz um strike no primeiro frame, na primeira tentativa do segundo derruba 7 pinos, e na segunda tentativa derruba 2, o strike valerá 19 pontos (10 + 7 + 2), e seu placar total será 28 (19 do primeiro frame + 9 do segundo). No caso de dois ou mais strikes seguidos, cada novo strike valerá mais 10 pontos, e a bonificação continuará se aplicando normalmente. Assim, para um jogador que faça um strike no primeiro frame, um strike no segundo, derrube 7 pinos na primeira tentativa do terceiro, e 2 pinos na segunda tentativa, o primeiro strike valerá 27 pontos (10 + 10 + 7), e o segundo strike valerá 19 (10 + 7 + 2) para um total de 55 pontos (27 + 19 + 9).
Para poder calcular o valor de um strike feito no décimo e último frame, portanto, este possui uma regra especial: se o jogador fizer um strike na primeira tentativa do último frame, terá direito a jogar a bola mais duas vezes. Os pontos dessas duas jogadas extras, porém, não serão adicionados ao placar separadamente, mas apenas à pontuação do strike. Assim, um jogador que chegue ao décimo frame com, digamos, 100 pontos, faz um strike na primeira tentativa, derruba 7 pinos na segunda e 2 na terceira, termina o jogo com 119 pontos (100 de antes, + 19 do strike) e não 128 (100 de antes + 19 do strike + 7 + 2). Aliás, caso um jogador faça um segundo ou até um terceiro strike no décimo frame, estes não receberão a bonificação, somando simplesmente mais 10 pontos ao valor do primeiro strike cada. Devido a esta regra e a todas estas bonificações, a pontuação máxima que um jogador pode fazer em um perfect game é de 300 pontos, se acertar todos os 12 strikes possíveis (um em cada frame + 2 de bônus no décimo).
A bonificação do spare funciona de forma semelhante: um spare vale 10 pontos, mais uma bonificação igual ao número de pinos derrubados pela bola seguinte (10 se for um strike). Assim, um jogador que consiga um spare no primeiro frame, derrube 7 pinos na primeira tentativa do segundo frame e 2 na segunda tentativa terá 26 pontos (17 do spare + 7 + 2). Um jogador que consiga um spare no décimo frame tem direito a uma terceira tentativa, que, assim como no caso do strike, só servirá para determinar o valor do spare. Falando nisso, se na terceira tentativa do décimo frame, seja após dois strikes ou após um spare, o jogador não conseguir derrubar todos os pinos, o jogo acaba ali mesmo, sem uma quarta tentativa para um novo spare.
Além de ser um jogo muito divertido, o boliche é um esporte - e a maior dificuldade das federações de boliche, inclusive, é justamente provar que ele não é só um jogo muito divertido. O órgão máximo do boliche é a Federação Internacional de Boliche (FIQ, do francês Fédération Internationale des Quilleurs), que regula tanto o boliche de dez pinos quanto o de nove. Fundada em 1952, a FIQ conta hoje com 109 países membros, dentre eles o Brasil. A FIQ mantém um ranking dos jogadores profissionais de boliche, com distribuição de pontos a cada torneio, semelhante ao do tênis, com o principal torneio sendo o Campeonato Mundial de Boliche, realizado a cada dois anos, nas categorias individual, duplas, trios e equipes masculinas e femininas. Os torneios masculino e feminino são intercalados, o que significa que há um Mundial de Boliche por ano. Este ano teremos o feminino em Las Vegas, Estados Unidos; ano que vem será a vez do masculino, em local ainda não definido.
A FIQ foi reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional em 1979, e desde então luta para que o boliche entre para o programa das Olimpíadas, tendo a seu favor o fato de que é particularmente simples organizar uma competição de boliche. Em 1988, em Seul, o boliche de dez pinos foi esporte de demonstração, embora não tenha retornado ao programa desde então. Enquanto não consegue entrar para as Olimpíadas, o boliche faz parte do programa dos World Games, onde a categoria dez pinos é disputada desde a primeira edição, e a de nove pinos desde 2005, com ambas já confirmadas para a edição deste ano em Kahosiung, Taiwan. O boliche também é um dos esportes não-olímpicos que fazem parte do programa dos Jogos Pan-Americanos, sendo disputado desde 1991.
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