Há uns vinte anos, porém, a coisa era mais complicada. Sem computadores tão avançados, os criativos cineastas que desejassem filmar aventuras em um mundo fantástico tinham de recorrer a atores fantasiados, anões, anóes fantasiados, animatronics, marionetes, bonecos de espuma e coisas do tipo. Hoje em dia eles são considerados toscos, mas na época eram o pináculo da tecnologia em efeitos especiais. Tanto que muitos filmes de fantasia dos anos 80 entraram para a história, como é o caso do tema do post de hoje, A História sem Fim. E agora reparo que acabei fazendo um trocadilho totalmente não-intencional.
Como acontece com muitos dos filmes de fantasia de hoje, A História sem Fim não nasceu filme, mas livro. E um livro alemão, chamado Die unendliche Geschichte, escrito por Micahel Ende, e publicado pela primeira vez em 1979. Pouca gente sabe, mas o filme, de 1984, também é alemão, embora seja totalmente falado em inglês. Dirigido por Wolfgang Petersen e lançado nos Estados Unidos com o nome de The Neverending Story, o filme usou e abusou dos efeitos disponíveis à época para criar o mundo de Fantasia, tanto que se tornou o filme mais caro até então produzido fora dos Estados Unidos, com orçamento de 27 milhões de dólares. Infelizmente, o filme só rendeu 20 milhões, mas foi aclamado pelos críticos, e se tornou um dos mais vendidos da história quando lançado em vídeo.
A História sem Fim tem dois protagonistas, ambos crianças. O primeiro deles é Bastian Bux (Barret Oliver), órfão de mãe, filho de um pai workaholic (Gerald McRaney) que dedica mais de seu tempo ao trabalho que a ele, perseguido pelos meninos valentões da escola, e que usa os livros como válvula de escape de sua triste realidade. Um dia, fugindo dos valentões, Bastian acaba entrando na livraria do Sr. Koreander (Thomas Hill), que está lendo um livro grande, de capa dura, chamado A História sem Fim. Bastian pede para ler o livro, mas o Sr. Koreander nega, dizendo que o livro "não é seguro". Enquanto o Sr. Koreander atende a um telefonema, porém, Bastian leva o livro, deixando um bilhete prometendo devolvê-lo assim que terminar de ler.
O livro "emprestado" por Bastian conta a história de um mundo chamado Fantasia, que está sendo ameaçado por uma força chamada Nada, que o destrói aos poucos, transformando tudo em... bem, em nada. Um grupo de viajantes de pontos distantes de Fantasia - Teeny Weeny (Deep Roy) e sua lesma de corrida; Furão (Tilo Prückner) e seu morcego gigante dorminhoco; e o Come-Pedra, uma criatura semelhante a uma montanha - decide ir até a Torre de Marfim pedir ajuda à Imperatriz Menina (Tami Stronach), governante de toda Fantasia, mas ela está muito doente, e incapaz de ajudar seu povo. É aí que surge o segundo protagonista da história, Atreyu (Noah Hathaway), um guerreiro do Povo da Planície, chamado pela Imperatriz para partir em uma missão em busca de ajuda para derrotar o Nada. Atreyu recebe da Imperatriz o Auryn, uma espécie de medalhão formado por duas serpentes entrelaçadas, que servirá de guia e símbolo de que age em nome da Imperatriz, e parte acompanhado de seu cavalo Arfax.
Enquanto Bastian lê a história, ele vai ficando cada vez mais envolvido com a busca de Atreyu, como se os atos de ambos fossem, de alguma forma, interligados. Buscando derrotar o Nada, Atreyu parte em busca de conselhos de Morla, a tartaruga gigante, tenta alcançar o Oráculo do Sul, com a ajuda do cientista gnomo Engywook (Sydney Bromley) e sua esposa Urgl (Patricia Hayes), e voa no dorso de Falkor, o dragão da sorte (dublado por Alan Oppenheimer). Infelizmente, o Nada também manda um de seus agentes para deter Atreyu, o lobisomem-vampiro Gmork (também dublado por Oppenheimer, que ainda atua como o narrador da história).
No fim, o Nada vence e consegue destruir Fantasia, mas, milagrosamente, Bastian se encontra com a Imperatriz Menina, que o revela que, graças à sua ajuda, um pequeno grão de areia foi salvo, e este grão de areia basta para que toda Fantasia seja reconstruída. Usando sua imaginação, Bastian reconstrói toda Fantasia voando com Falkor. E, graças a esta experiência, ele estará melhor preparado para os desafios da vida, ou coisa do tipo. Pois esta é a moral da história, a de que todos temos um lugar no mundo, e que jamais devemos perder nossa imaginação.
Curiosamente, o filme na verdade acaba na metade do livro, onde, após a reconstrução, Bastian viaja até Fantasia. Inclusive, muitos outros pontos da história são diferentes, tanto que Michael Ende, que acompanhou as filmagens, ficou tão insatisfeito com o rumo que elas tomavam que pediu que o título do filme fosse mudado. Como os produtores se recusaram, ele processou a Warner Bros. Ende perdeu, já que a Warner havia adquirido os direitos legalmente, mas teve garantido o direito de não ter seu nome nos créditos iniciais, nem associado ao filme em material promocional (tipo um "baseado na obra de Michael Ende" nos posters), embora a versão exibida nos Estados Unidos (e vendida aqui em DVD) traga justamente esta frase nos créditos finais.
Mesmo com esta confusão e com o baixo rendimento do filme, a Warner decidiu apostar em uma seqüência, alguns anos mais tarde, para aproveitar os avanços na área dos efeitos especiais. Uma co-produção entre Estados Unidos e Alemanha, The Neverending Story II: The Next Chapter (simplesmente A História sem Fim 2 no Brasil), dirigido por George T. Miller, estrearia em 1990 na Alemanha e um ano depois nos Estados Unidos. Embora neste segundo filme Bastian viaje até Fantasia, ele não é equivalente à parte do livro que ficou de fora do primeiro filme, tendo uma história totalmente nova, aproveitando apenas alguns personagens e situações.
Desta vez o que ameaça Fantasia não é o Nada, mas o Vazio. Ouvindo a um chamado da Imperatriz Menina (Alexandra Johnes) enquanto visita a livraria do Sr. Koreander, Bastian (Jonathan Brandis) viaja até Fantasia, onde se unirá a Atreyu (Kenny Morrison) e ao pássaro Nimbly (Martin Umbach) para tentar deter mais esta ameaça. Bastian, porém, acaba manipulado pela feiticeira Xayide (Clarissa Burt), que o conquista com uma máquina de realizar desejos. Cada vez que Bastian faz um desejo, porém, ele perde uma memória, e, quando todas tiverem sumido, Fantasia também desaparecerá, e o Vazio terá triunfado. Caberá a Atreyu salvar seu amigo, impedindo que Fantasia seja mais uma vez destruída.
O melhor do filme, porém, é que, ao procurar por seu filho desaparecido, o pai de Bastian (John Wesley Shipp) acaba encontrando o livro da História sem Fim, começa a lê-lo, e descobre que Bastian é o protagonista da história. O pai de Bastian então se envolve com a narrativa, e, quando Bastian recupera suas memórias e salva Fantasia do Vazio, voltando ao mundo real, descobre que seu pai também se tornou uma pessoa melhor. Esse livro faz milagres mesmo.
A História sem Fim 2 custou 36 milhões de dólares, e só rendeu 17 milhões. Pior que isso, foi detestado pela crítica, que achou os efeitos especiais pobres e o enredo inconsistente. Ainda assim, por algum motivo que só ela conhece, a Warner decidiu fazer um terceiro filme.
Mais uma vez uma co-produção entre Estados Unidos e Alemanha, The Neverending Story III: Escape from Fantasia (A História sem Fim 3 no Brasil), dirigido por Peter MacDonald, estrearia em 1994 na Alemanha, mas somente em 1996 nos Estados Unidos. Com orçamento de 17 milhões e renda ridícula de apenas um milhão, é considerado o pior filme da série, principalmente por não ter nada a ver com a obra de Ende, exceto os personagens.
Desta vez, Bastian (Jason James Richter) já está entrando na adolescência, e, além de ter de conviver com os problemas do colégio, onde é importunado por uma gangue de valentões liderada por Slip (Jack Black), ainda ganha problemas em casa, já que seu pai (Kevin McNulty) decidiu se casar novamente, e Nicole (Melody Kay), filha de sua nova esposa, não está nada satisfeita de ganhar uma nova família e um novo irmão. Bastian escapa de seus problemas para Fantasia, onde se reencontra com Falkor (dublado por Gordon Robinson), Engywook (Tony Robinson) e Urgl (Moya Brady), mas os valentões liderados por Slip encontram o livro, e usam sua imaginação cruel para bombardear Fantasia com bolas de fogo e relâmpagos, e enviar caranguejos gigantes para matar a Imperatriz Menina (Julie Cox). Esta pede que Bastian use o Auryn, capaz de realizar qualquer desejo, para colocar o livro em segurança antes que Fantasia seja destruída, mas algo sai errado, e Bastian, Engywook, Urgl, Falkor, o troll Bark (Kaefan Shaw) e o filho do Come-Pedra, Júnior (dublado por Dave Formann), vêm parar na Terra. Pior ainda, Nicole se apossa do Auryn, e planeja utilizá-lo para realizar todos os seus desejos em um shopping center. Bastian então deve recuperar o amuleto, derrotar os valentões, e ainda levar os fantasianos de volta para casa.
Além dos três filmes, A História sem Fim teve uma série animada, co-produzida pela alemã CineVox, pela francesa Ellipse e pela canadense Nelvana e exibida na HBO entre 1995 e 1996, com um total de 26 episódios, e uma série de TV, Tales from the Neverending Story, produzida pela Muse Entertainment em 2001, exibida na Europa e Canadá na forma de 13 episódios, e nos Estados Unidos e aqui como 4 filmes feitos para a TV. Esta série ignora todos os filmes, é ainda mais diferente do livro do que eles, e conta simultaneamente as aventuras de Bastian no mundo real e de Atreyu em Fantasia, embora Bastian tenha algum grau de influência em Fantasia através do livro. A série traz Mark Rendall como Bastian, John Dunn-Hill como o Sr. Koreander, Noël Burton como o pai de Bastian, Tyler Hynes como Atreyu, Victoria Sanchez como Xayide, e Audrey Gardiner como a Imperatriz Menina.
Tirando o filme 3 que realmente é meio chato, e sem falar pela série animada, que eu nunca vi, A História sem Fim é uma série muito legal e divertida, e que deixa uma lição para os filmes de hoje: por mais que os efeitos especiais sejam superfantásticos, eles nunca serão mais importantes que uma boa história. Afinal, só a armadura bonita não adianta, a Esfinge pode ver o que está no coração.
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