Eu assumo: eu torço por Danica Patrick. Talvez não tanto quanto pelos brasileiros, mas, assim como ela, eu esperava por essa vitória há tempos. Devo confessar que me emocionei quando a vi recebendo a bandeirada, e até senti um impulso de imediatamente escrever alguma coisa aqui no átomo para comemorar o feito. Depois, pensei melhor: eu ia pular o dia de hoje por causa do feriado, mas, como eu fiquei por aqui, não custa nada colocar um post hoje também. E, como não custa nada colocar um post hoje, também não custa que ele seja sobre Danica Patrick! Assim sua conquista não passa em branco.
Danica Sue Patrick nasceu em 25 de março de 1982, na cidade de Beloit, Wisconsin, Estados Unidos, filha do ex-piloto de motocross T.J. Patrick, que conheceu sua mãe, Bev, durante uma corrida de snowmobiles, aquelas motos próprias para andar na neve, onde T.J. iria correr e Bev seria a mecânica da moto de um amigo. Acostumada às corridas desde pequena, Danica começou a correr em karts aos dez anos de idade, ganhando sete títulos regionais e quatro nacionais entre 1994 e 1997, e estabelecendo um recorde de 39 corridas vencidas em 49 possíveis em 1996. Aos 16 anos, buscando aprimorar suas habilidades como piloto, Danica se mudou para a Inglaterra, onde estreou na Fórmula Vauxhall em 1998. Sempre que possível, ela voltava aos Estados Unidos para competir no kart, e se matriculou em uma escola própria para pilotos da Fórmula Ford no Canadá. Tantas atividades simultâneas fizeram com que ela não se destacesse em nenhuma delas, mas em 1999, em sua primeira temporada completa na Vauxhall, terminou em nono lugar no campeonato. No ano seguinte, ela se transferiu para a Fórmula Zetek, e correu algumas corridas pela Fórmula Ford inglesa, inclusive a Brands Hatch Festival, onde terminou em segundo, melhor colocação de um piloto norte-americano na história do evento.
Em 2001, Danica correu mais uma temporada na Fórmula Zetek, mas decidiu que era hora de retornar à sua América natal. Após testes em várias categorias, ela conseguiu um contrato de cinco anos com a equipe do ex-piloto Bobby Rahal, tricampeão da Fórmula Indy, fazendo sua estréia na Barber Dodge Pro Series de 2002, com promessa de se transferir para a Toyota Atlantic Series, de mais renome, no ano seguinte. No fim de 2002, Danica venceu de ponta a ponta a Toyota Pro Celebrity Race, um evento festivo da montadora realizado nas ruas de Long Beach, Califórnia, mais um feito expressivo, que lhe acabou rendendo um convite da equipe inglesa Prodrive para correr uma prova da American Le Mans Series, sua primeira experiência em uma categoria turismo, em Atlanta, em 2003, onde terminou em décimo.
Correndo pela Rahal-Letterman na Toyota Atlantic Series em 2003, Danica se tornou a primeira mulher a subir ao pódio na história da categoria, com um terceiro lugar em Monterrey, México, e um segundo lugar em Miami, terminando em sexto lugar no campeonato. Sua temporada de 2004 foi ainda melhor, incluindo um novo terceiro lugar em Monterrey, um novo segundo, desta vez em Portland, e a primeira pole position de sua carreira, também em Portland, a primeira de uma mulher na história da categoria. Danica foi ainda a única piloto da temporada a completar todas as voltas de todas as corridas - ou seja, não foi ultrapassada pelo líder nem abandonou em nenhuma delas - terminou entre os cinco primeiros em 10 das 12 provas, e se tornou a primeira mulher na história da categoria a liderar um campeonato, terminando em terceiro ao final da temporada.
Rahal ficou tão impressionado com o desempenho da moça que decidiu "promovê-la" em 2005, aos 22 anos, para sua equipe da IRL (Indy Racing League), conhecida por aqui como Fórmula Indy. Suas três primeiras corridas não tiveram nada de especial, mas a partir da quarta, em Motegi, Japão, Danica se tornou um acontecimento bombástico na categoria: não somente se classificou em segundo lugar, como liderou 32 das 200 voltas, e acabou completando em quarto. Com todos os holofotes sobre ela, Danica quase conseguiu uma proeza histórica na prova seguinte, as 500 Milhas de Indianápolis: durante o aquecimento para a qualificação, ela conseguiu a velocidade média de 369,956 Km/h, que lhe renderia a pole com folgas caso repetida durante a qualificação; infelizmente, ela cometeu um erro logo na primeira curva, e acabou ficando com a quarta melhor média - na Indy a quailificação é feita por média de velocidade, e não por tempo de volta. Ainda assim, Danica se tornou apenas a quarta mulher a conseguir se classificar para largar em Indianápolis, e sua quarta posição de largada era a melhor de uma mulher na história do evento. Durante a corrida, ela faria ainda mais, se tornando a primeira mulher a liderar a prova, o que fez durante 19 voltas. Talvez por nervosismo, ela acabaria deixando o carro morrer em uma das paradas nos boxes, e mais tarde rodaria na pista danificando o bico do carro, o que a obrigaria a uma parada não programada, mas, mesmo com estes contratempos, Danica ainda conseguiria terminar a prova na mesma quarta posição em que largou, o melhor resultado de uma mulher na história das 500 Milhas. Seu desempenho ainda lhe renderia o prêmio de melhor estreante do ano na prova.
Os quarto lugares em Motegi e Indianápolis seriam os melhores resultados de Danica no ano, mas na oitava prova do calendário, no Kansas, ela conseguiria sua primeira pole position na IRL, se tornando a segunda mulher a conseguir tal proeza, após Sarah Fisher em 2002. Danica ainda repetiria a pole no Kentucky e em Chicagoland, para um total de três, recorde de maior número de poles em uma temporada de estréia, empatada com Tomas Scheckter. Danica terminaria o campeonato na décima-segunda posição, ganhando o título de Estreante do Ano na categoria. Ela também seria eleita a Atleta do Ano pela Academia de Esportes dos Estados Unidos, e Piloto Mais Popular da IRL por uma votação entre os fãs. De fato, ela se tornou tão popular que muitos iam aos autódromos ou assistiam às corridas pela TV apenas para vê-la, o que acabou aumentando a popularidade da IRL e gerando um fenômeno apelidado pela imprensa de "danicamania": nunca na história da Fórmula Indy um piloto havia vendido tanto merchandising quanto Danica Patrick.
Durante as férias da Indy, Danica se casou com o médico Paul Hospenthal, 16 anos mais velho que ela, a quem conheceu em 2002 após machucar o quadril fazendo ioga. Poucas semanas depois do casamento, ela teria uma nova experiência com carros de turismo nas 24 Horas de Daytona de 2006, a corrida mais longa da qual já participou. Correndo ao lado de Rusty Wallace, Danica terminou a corrida em décimo quarto.
Embora a danicamania não parasse de aumentar, a temporada 2006 de Danica na IRL foi bem menos espetacular que a 2005. Ela se classificou em terceiro para a primeira prova do ano, em Miami, mas um acidente fatal com seu companheiro de equipe Paul Dana durante o aquecimento para a corrida fez com que a Rahal-Letterman decidisse não largar. Danica conseguiu se classificar mais uma vez para as 500 Milhas, mas largou em oitavo e terminou em décimo. Após a quinta corrida da temnporada, a Rahal-Letterman mudou dos chassis Panoz para os Dallara, e Danica não conseguiu se adaptar muito bem, brigando com o carro a cada corrida. Ainda assim, ela conseguiu dois novos quarto lugares em Nashville e Milwaukee, e terminou em nono na classificação geral, sendo também eleita Piloto Mais Popular da IRL pela segunda vez seguida.
Ainda durante a temporada de 2006, Danica anunciou que não renovaria seu contrato com a Rahal-Letterman. Na temporada de 2007, ela correria pela Andretti-Green, mesma equipe do brasileiro Tony Kanaan, de propriedade do ex-piloto Michael Andretti, filho do campeão de Fórmula 1 e Fórmula Indy Mario Andretti. Em uma equipe maior e mais famosa, ela tinha tudo para ir além dos bons resultados de seu ano de estréia. Nas 500 Milhas de Indianápolis, ela largou em oitavo, chegou a ficar em segundo, e poderia ter até vencido caso a chuva não tivesse interrompido a corrida duas vezes, o que acabou atrapalhando sua estratégia e fazendo com que ela terminasse na mesma oitava posição em que largou. O resto da temporada seria cheio de acidentes e abandonos, mas em pelo menos três provas Danica conseguiu resultados espetaculares: no Texas, ela não somente liderou mais uma corrida, algo que não fazia desde 2005, como também terminou em terceiro, melhor resultado de sua carreira. Um novo terceiro lugar viria em Nashville, e um segundo lugar viria em Detroit, fazendo com que sua primeira vitória parecesse apenas uma questão de tempo. Danica terminou a temporada de 2007 na sétima posição, e foi eleita pela terceira vez consecutiva a Piloto Mais Popular.
Em 2008, correndo mais uma vez pela Andretti-Green, Danica não começou muito bem, largando em segundo em Miami, mas completando em sexto. Na segunda corrida da temporada, em St. Petesburg, Flórida, ela largou em décimo-nono, mas conseguiu chegar em décimo. E aí, finalmente, veio a corrida do Japão, em Motegi, a de número 50 na carreira de Danica na IRL.
Para quem não sabe, é proibido correr em circuitos ovais com chuva, devido a questões de segurança. Como choveu muito em Motegi, não foi possível realizar a qualificação. A corrida deveria ser realizada a partir de uma da tarde de sábado, dia 19, horário do Japão, mas a largada acabou só acontecendo às 11 da manhã de domingo, dia 20, 11 da noite de sábado aqui no Brasil. Como não houve qualificação, os pilotos largaram nas posições que ocupavam no campeonato, com o brasileiro Helio Castroneves na pole, e Danica na sexta posição. Helio liderou as 92 primeiras voltas, mas perdeu a liderança nos boxes para o neozelandês Scott Dixon, que liderou mais 101 voltas. Pelo menos três acidentes atrapalharam as seqüências de abastecimento - já que, quando há um acidente, os pits ficam fechados por algumas voltas - o que fez com que se tornasse uma incógnita quem teria combustível suficiente para completar a prova sem ter de parar mais uma vez. Faltando 10 voltas para o final, Dixon teve de parar, deixando a liderança para o norte-americano Ed Carpenter, que havia reabastecido pela última vez junto com Danica. Carpenter, porém, também teve de parar a cinco voltas do fim, o que fez com que todos acreditassem que a vitória iria cair no colo de Helio Castroneves, que assumiu a liderança. Mas Danica, que então ficou em segundo, ainda tinha bastante combustível e estava bem mais rápida que Helio. A três voltas do fim ela conseguiu a ultrapassagem, e daí por diante foi só acelerar até a primeira vitória de sua carreira, a primeira de uma mulher na Fórmula Indy e em qualquer outra das principais categorias do automobilismo mundial.
Durante toda a sua carreira, Danica sofreu muito preconceito, na maioria das vezes simplesmente por ser mulher em um esporte dominado pelos homens. Grande parte da imprensa norte-americana chegou até a apelidá-la de "Anna Kournikova do automobilismo", em referência à tenista russa que se tornou mais famosa por sua beleza que por suas conquistas esportivas. Houve quem a criticasse por ter posado para revistas como Maxim e Sports Illustrated, quem insinuasse que ela teria uma vantagem desleal por ser menor e mais leve que os demais pilotos, e até quem dissesse que ela só conseguia ser bem sucedida porque os carros de Fórmula Indy eram mais "fáceis de pilotar" do que, por exemplo, os de Fórmula 1. Danica teve de ouvir comentários sexistas de outros pilotos, ex-pilotos e comentaristas de TV, desmentir boatos de que estaria se transferindo para a Nascar ou para correr pela Honda na Fórmula 1 devido a não conseguir vencer em seus primeiros três anos na IRL, e conviver com a incômoda pergunta "quando você vai vencer?".
Talvez a vitória em Motegi não sirva para acabar com o preconceito, mas pelo menos a pergunta já está respondida - e ainda gerou uma tirada genial de um repórter da ESPN durante a coletiva, que perguntou "quando você vai vencer de novo?". Todos os que já viram entrevistas de Danica sabem que ela é uma simpatia de pessoa, e os que convivem com ela no dia a dia da equipe atestam que, apesar de muito competitiva, ela é sempre correta, sorridente e simpática. A torcida, portanto, é para que esta vitória tenha servido para aliviar a pressão que ela vinha sofrendo, e para que agora ela corra mais confiante e relaxada, transformando este triunfo no primeiro de muitos. Carro e talento ela tem até para ser campeã, só falta aquele pequeno componente inindentificável que faz com que alguns cheguem lá e outros não, e que pode muito bem se manifestar a qualquer momento a partir de hoje.
Mas, mesmo que ele jamais se manifeste, Danica já entrou para a História. E isso preconceito nenhum poderá tirar dela.
E que venha Indianápolis!
Parabéns Danica, estamos com você!!!
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