Não sei bem porque eu nunca tive um War meu. Provavelmente porque alguma outra pessoa tinha, então eu não via necessidade de "ter dois" - a mesma coisa aconteceu com o Jogo da Vida, então não é tão improvável que este tenha sido o motivo. Seja como for, depois dessa pessoa ter perdido o contato comigo, eu nunca mais pude jogar, e creio que só não me arrependi de nunca ter comprado um porque já estava mais ligado em videogames do que em jogos de tabuleiro. Há alguns anos, porém, a prática de jogar jogos de tabuleiro na Casa da Vovó foi ressuscitada, e qual não foi minha surpresa ao descobrir que minha namorada tinha um War, um pouco velhinho, mas que ainda podia ser perfeitamente jogado - e ela também tinha um Jogo da Vida, embora isso não venha muito ao caso agora. Assim, o que podia ter se tornado um estímulo para que eu finalmente comprasse um War acabou tendo justamente o efeito contrário: se a minha namorada tem um, não há necessidade de "termos dois".
O fato de que eu não possuo um War foi mais uma vez suprimido da minha vida, até que, há alguns meses, eu vi numa loja algo que despertou novamente a vontade de comprá-lo: um War Império Romano. Se invadir Mackenzie e Vladivostok já era divertido, imagine a Gália e a Macedônia! Infelizmente, além de muito divertido, o jogo também é muito caro, então eu ainda não consegui comprar um. Mas pelo menos isso me motivou a escrever um post para compartilhar com vocês.
War é um dos jogos mais famosos e mais antigos do Brasil, tendo sido lançado pela Grow no ano de 1972 - aliás, foi o primeiro jogo da empresa, recém-fundada quando o pôs no mercado. O que pouca gente sabe é que o jogo não foi inventado pela Grow, mas adaptado (com permissão, evidentemente) de um jogo norte-americano lançado pela Parker Brothers em 1959 chamado Risk. E, para completar a confusão, o próprio Risk é adaptação de um jogo francês, lançado dois anos antes. Ou seja, sob um certo ponto de vista, este ano War completa 50 anos.
Tudo começou na década de 1950, quando o cineasta francês Albert Lamorisse decidiu inventar um jogo de tabuleiro. Situado na época napoleônica, o jogo permitiria a cada jogador controlar um exército, que enfrentaria os exércitos dos demais jogadores em busca de um objetivo um tanto audacioso: conquistar o mundo. Após muito rascunhar as regras, ele as mostrou ao seu amigo Jean-René Vernes, que o ajudou a torná-las mais de acordo com o gosto dos jogadores, e ofereceu o jogo à fabricante Miro. O jogo seria finalmente lançado em 1957, com o simples e óbvio título de La Conquête du Monde ("a conquista do mundo"). Graças a um acordo entre a Miro e a Parker Brothers, uma das mais famosas fabricantes de jogos de tabuleiro norte-americanas, em 1959 o jogo foi lançado também nos Estados Unidos, com algumas modificações nas regras para que ficasse mais de acordo com o gosto dos americanos, e com o nome mais comercial de Risk ("risco"). Risk se tornaria um grande sucesso, sendo lançado em vários países ao redor do mundo, e até mesmo voltando à França, onde foi relançado pela Parker com o nome de Risk (e as regras norte-americanas), substituindo o jogo original. Na hora de lançá-lo no Brasil, a Grow manteve as regras, mas decidiu mudar seu nome para War, que significa "guerra" em inglês, talvez por em português Risk ser um nome meio ambíguo para um jogo (alguém poderia achar que é um jogo onde devemos sair riscando as coisas, sei lá).
War é um jogo majoritariamente de estratégia, embora a sorte também tenha um certo papel, já que os ataques e defesas são feitos com lances de dados. É um jogo para de dois a seis jogadores, cada um controlando um exército, composto de pastilhinhas pintadas nas cores tradicionais dos peões dos jogos de tabuleiro (amarelo, azul, vermelho, verde, branco e preto). Uma pastilhinha pequena representa um exército, enquanto uma pastilhinha maior representa dez exércitos. No Risk original, os exércitos eram representados por blocos e pirâmides de madeira, mas, para baratear a produção, na década de 70 eles foram substituídos pelas pastilhinas de plástico. Desde 1993, o jogo norte-americano é até mais bonitinho, pois os exércitos passaram a ser representados por bonequinhos, de três tipos: soldadinhos que representam a infantaria, correspondente a um exército; cavalinhos para a cavalaria, correspondente a cinco exércitos; e canhõezinhos para a artilharia, que representa dez exércitos. Aqui no Brasil foi lançada em 1997 uma Edição Especial do jogo, em comemoração aos 25 anos de seu lançamento, que seguiu mais ou menos este modelo, com soldadinhos para representar um exército e tanquezinhos para representar dez exércitos.
Pois bem, voltando às regras, cada jogador controla um exército, e terá de derrotar os demais em busca da pura e simples dominação do mundo (derrotando todos os demais exércitos do jogo) ou de cumprir um de 12 objetivos diferentes, sorteado no início do jogo (tipo "conquistar a Europa, a Oceania e um terceiro continente à sua escolha"). Estes objetivos estavam presentes no jogo original, e faziam parte das versões européias do jogo desde o início, mas, curiosamente, no jogo norte-americano eles só foram introduzidos em 1993, como uma opção chamada Secret Mission Risk; até então, dominar o mundo todo era a única escolha para os jogadores norte-americanos que quisessem ganhar o jogo.
O tabuleiro de War representa o mapa do mundo, dividido em 6 continentes, cada um em uma cor própria, que são por sua vez subdivididos em territórios. São 42 territórios ao todo, sendo que nem todos eles correspondem exatamente a países. Alguns continentes têm menos territórios (e são mais fáceis de serem conquistados), outros têm mais (e são mais difíceis); isto se reflete nos objetivos (conquistar a Europa e a Oceania é mais fácil que a Ásia e a África, por isso o primeiro objetivo exige um terceiro continente à sua escolha) e nos prêmios que você ganha por conquistá-los (os quais veremos mais adiante). Os continentes e territórios são: América do Norte (amarelo, 9 territórios - México, Califórnia, Nova York, Labrador, Ottawa, Vancouver, Mackenzie, Alasca, Groenlândia), América do Sul (verde, 4 - Brasil, Argentina/Uruguai, Colômbia/Venezuela, Peru/Bolívia/Chile), Europa (azul, 7 - Islândia, Inglaterra, Suécia, Alemanha, Espanha/Portugal/França/Itália, Moscou, Polônia/Iugoslávia - ou "Pologoslávia" como costumávamos chamar), África (rosa, 6 - Argélia/Nigéria, Egito, Congo, Sudão, Madagascar, África do Sul), Ásia (laranja, 12 - Oriente Médio, Aral, Omsk, Dudinka, Sibéria, Tchita, Mongólia, Vladivostok, China, Índia, Japão, Vietnã) e Oceania (vermelho, 4 - Bornéu, Sumatra, Nova Guiné, Austrália).
No início do jogo, 42 cartas são embaralhadas e distribuídas entre os jogadores (caso 4 ou 5 estejam jogando, 2 recebem duas cartas a mais cada); como era de se esperar, estas cartas representam os territórios, e cada jogador tem o direito a colocar um exército em cada um destes territórios. Estas cartas são posteriormente reunidas e reembaralhadas, adicionadas de duas cartas-curinga; isto porque cada uma destas cartas também possui um símbolo (quadrado, círculo ou triângulo; a carta-curinga tem os três), e um jogador, se conquistar pelo menos um território em seu turno, tem direito a uma destas cartas, escolhida de forma aleatória. Juntando três cartas com o mesmo símbolo (por exemplo, três quadrados), ele tem direito a trocá-las por mais exércitos: da primeira vez que trocar, ganhará mais 4 exércitos, da segunda 6, e então 8, 10, 12, 15, 25, 30, 35 e 45 exércitos (as regras incluem algo como "e daí por diante", embora eu nunca tenha visto alguém trocar mais de 30 exércitos). Se uma das cartas envolvidas na troca representar um território que está sob seu controle, você ganha dois exércitos a mais na troca (para um máximo de seis, caso todas as três cartas representem territórios seus), mas estes exércitos devem obrigatoriamente serem colocados no território mostrado na carta.
Se um jogador conquistar um continente em sua totalidade (mesmo que isso não faça parte de seu objetivo) ele também tem direito a um número de exércitos extra, que ganhará no início de cada turno seu em que esteja com o continente totalmente conquistado (ou seja, se outro jogador tomar pelo menos um dos territórios deste continente, naquele turno ele não ganha os exércitos extra). O número de exércitos extra depende do número de territórios do continente, portanto, o que rende mais exércitos (7) é a Ásia, que tem mais territórios; depois vêm América do Norte e Europa (5 exércitos cada), África (3) e América do Sul e Oceania (2 cada). Finalmente, no início de cada turno seu, cada jogador conta quantos territórios estão sob o seu controle, divide este número por dois e arredonda para baixo, recebendo o resultado em exércitos (por exemplo, 13 territórios rendem 6 exércitos). O mínimo de exércitos que um jogador pode receber desta forma é três, mesmo que ele controle menos de seis territórios.
Mas o jogo não é feito só de trocar e distribuir exércitos, também é preciso conquistar territórios: Durante seu turno, após trocar, receber e distribuir seus exércitos, um jogador pode, se quiser, atacar os exércitos do oponente, desde que eles estejam localizados em um território adjacente a um dos seus (que faça fronteira com ele, ou que esteja ligado a ele por uma linha pontilhada). O jogador pode atacar com um, dois ou três exércitos (mas não mais), desde que siga uma regra básica: se conquistar o território, deverá mover uma igual quantidade de exércitos à que atacou para o território conquistado, deixando pelo menos um no território de onde partiu o ataque. Em linguagem menos confusa, isso significa que, se seu território tem três exércitos, você só poderá atacar com no máximo dois, pois, se conquistar o território do oponente, deverá mover os dois para o território conquistado, e manter um no território de onde partiu o ataque. Territórios que tenham dois exércitos só podem atacar com um, e territórios com apenas um exército não podem atacar.
O ataque é feito com uma jogada de dados: o atacante pega os dados vermelhos, e joga um número de dados igual ao número de exércitos que estejam atacando; o jogador que controla o território atacado, por sua vez, usa os dados amarelos, e joga uma quantidade de dados igual ao número de exércitos defendendo o território - é perfeitamente possível, por exemplo, que o atacante ataque com apenas dois exércitos e o defensor defenda com três, ou que o atacante ataque com três e o defensor defenda com apenas um, mas o defensor deve sempre defender com uma quantidade igual ou maior que o número de exércitos atacando, a menos que não possa; por esta razão, quanto mais exércitos o território tiver, melhor defendido ele estará. Após o atacante e o defensor rolarem os dados, eles são comparados da seguinte forma: o resultado mais alto do atacante é comparado com o mais alto do defensor, o segundo mais alto (se houver) é comparado com o segundo mais alto, e o terceiro mais alto (se houver) é comparado com o terceiro mais alto do defensor - assim, se o atacante tirar 5, 4 e 2 e o defensor 6, 3 e 1, o 5 é comparado com o 6, o 4 com o 3, e o 2 com o 1. Em cada comparação, quem tirar o número menor perde um exército (no nosso exemplo, o atacante perdeu um exército, e o defensor perdeu dois). A vantagem é sempre da defesa, ou seja, se ambos os dados comparados forem iguais, a defesa ganha; assim, todo 6 do defensor e todo 1 do atacante resultam automaticamente na perda de um exército para o atacante. Caso atacante e defensor tenham jogado um número de dados diferente, somente os resultados mais altos são comparados, ou seja, se o atacante jogou 3 dados e o defensor 2, o valor mais baixo do atacante é ignorado; se o atacante jogou 1 dado e o defensor 3, somente o valor mais alto do defensor é levado em conta.
Um jogador pode fazer quantos ataques quiser durante seu turno, atacando quantos territórios quiser, partindo de quaisquer territórios seus, desde que tenha exércitos suficientes para isso. Não é possível, porém, "combinar exércitos", usando, por exemplo, dois exércitos de um território e um de outro para atacar três exércitos de um território com o qual ambos façam fronteira. Quando o jogador não quiser ou não puder mais atacar, ele poderá mover seus exércitos; qualquer quantidade de exércitos pode ser movida de um território para outro adjacente do mesmo jogador, desde que se sigam três regras: pelo menos um exército deve permanecer em cada território (senão ele vira "terra de ninguém", e a regra não permite isso), exércitos movidos para territórios recém-conquistados não podem ser movidos neste turno (mas mais exércitos podem ser adicionados a eles), e exércitos que já foram movidos de um território para outro não podem ser movidos novamente (ou seja, nenhum exército pode "atravessar" territórios ao se mover). Uma vez que mova seus exércitos, o jogador não poderá mais atacar (a única exceção é se ele só moveu os exércitos porque conquistou um território, neste caso ele pode continuar atacando), devendo encerrar seu turno (por outro lado, um jogador não é obrigado a mover exércitos ao final de seu turno, podendo encerrá-lo imediatamente após finalizar seus ataques) e dar a vez ao jogador seguinte. No final de seu turno, se tiver conquistado pelo menos um território, o jogador receberá uma daquelas cartas usadas para fazer as trocas; caso tenha eliminado outro jogador (ou seja, conquistado o último território que ele tinha no jogo), também receberá todas as cartas que estavam com este jogador.
O jogo prossegue com cada jogador fazendo isso tudo em seu turno (se possível), até que alguém complete seu objetivo. Neste momento, o jogo termina, e este jogador é declarado vencedor.
Atualmente, War é encontrado no mercado em cinco versões, sendo que duas são a mesma, a versão original, mas nos modelos "tradicional" e "edição especial". A Edição Especial, como já foi dito, traz soldadinhos e tanquezinhos no lugar das pastilhinhas que representam os exércitos; além disso, tem um tabuleiro maior e mais bonito, uma embalagem reforçada, e acompanha um copo para rolar os dados. As regras da versão normal e da Edição Especial são exatamente as mesmas.
A segunda versão de War a chegar ao mercado foi criada por Mario Seabra, o maior criador brasileiro de jogos da história. Lançado pela Grow em 1981, War II usa as mesmas regras básicas do jogo original, mas com novos objetivos e novos elementos, como espionagem, centros estratégicos, e os infames aviõezinhos, capazes de atacar territórios que não sejam adjacentes àquele de onde o ataque está saindo (algo que faz com que eles sejam odiados pelos fãs do War original). Curiosamente, em War II a América do Norte tem um território a mais, Cuba.
Se War II costuma ser criticado por ser muito complexo, em 2000 chegaria às lojas uma versão simplificada, batizada de War Júnior. Destinada a jogadores iniciantes, War Júnior não tem as cartas das trocas, conquistar um continente inteiro não rende exércitos extra, e cada jogador recebe três novos exércitos no início de cada turno, independente de quantos territórios controle. Curiosamente, War Júnior permite que os jogadores ataquem outros territórios usando mísseis, sendo que estes devem atingir territórios que estejam dentro do alcance de um radar que parte do território de onde os mísseis sairão. Estas novas regras tornam o jogo mais fácil e rápido, mas também mais dependente da sorte que da estratégia.
A versão mais recente de War foi lançada este ano, o War Império Romano. Nesta versão o mapa representa as províncias controladas pelo Império Romano no ano 140 d.C., dividido em 42 territórios situados em sete continentes: Europa Ocidental (roxo, 8 territórios), dividida em Britannia, Belgica, Lugdunensis, Aquitania, Narbonensis, Terraconensis, Lusitania e Baetica; Europa Central (verde claro, 5) com Germania Superior, Germania Inferior, Raetia/Noricum, Pannonia e Illyricum; Europa Oriental (verde escuro, 10), que tem Dacia, Moesia, Thracia, Macedonia, Epirus/Achaea, Creta, Taurica, Bithynia, Galatia e Asia; Ásia Menor (laranja, 7), com Pontus, Armenia, Assiria, Mesopotamia, Cappadocia, Lycia/Cilicia e Cyprus; Península Itálica (vermelho, 4), composta por Italia, Corsica, Sardinia e Sicilia; África Setentrional (marrom, 4), com Mauretania, Africa, Numidia e Cyrenaica; e Médio Oriente (rosa, 4), cujos territórios são Aegyptus, Arabia Petraea, Judaea e Syria (caso ninguém tenha reparado, os nomes dos territórios são em latim). O jogo é para apenas quatro jogadores (que podem escolher as cores preto, verde, vermelho ou bege), e os exércitos são representados por bonequinhos de legionários (um exército), cavalos (cinco exércitos) e catapultas (dez exércitos). Fora estas excentricidades, as regras são as mesmas do War "comum".
No exterior, é comum que Risk seja lançado em versões temáticas, como a de Star Wars, onde ao invés de territórios temos planetas (essa, se eu não me engano, chegou a vender por aqui na época do Episódio I), a do Senhor dos Anéis, com territórios da Terra-Média, ou até mesmo a dos Transformers, cuja batalha se desenrola em Cybertron. Nos Estados Unidos também existe a curiosa versão Risk 2210 AD, ambientada no futuro, onde é possível lutar pelo controle de colônias lunares e suboceânicas, e com vários territórios impossíveis de serem dominados por terem sido devastados na Guerra Nuclear. Igualmente curioso é o francês Risk Édition Napoléon, assim como La Conquête du Monde ambientado na época da expansão napoleônica, mas que traz navios para batalhas em pleno oceano, e fortalezas para melhor proteger exércitos em terra.
Pode-se argumentar que War é um jogo belicoso, e que nos dias de hoje as crianças deveriam estar aprendendo os valores da amizade ao invés de querer invadir as terras dos outros e dizimar seus exércitos, mas mesmo assim há de se admitir que o jogo é muito bem bolado. Afinal, não são todos os jogos de tabuleiro que exigem noções de estratégia, matemática, e talvez até um pouco de geografia. Talvez por isso War tenha conquistado seu lugar na galeria dos grandes clássicos do tabuleiro.
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