Como eu costumo dizer, eu tenho poucos ídolos, mas todos do mais alto escalão. Lee está entre eles. Confesso que nunca tinha me interessado por ele até assistir ao filme Dragão: A História de Bruce Lee, de 1993 (mas que eu devo ter assistido em 1996 ou 1997). Achei o filme tão legal que resolvi assistir aos demais filmes de Lee, bem como a alguns documentários. Acabei descobrindo que o filme exagera um pouco, que nem tudo do que aconteceu ali foi daquele jeito. Mas, mesmo assim, Bruce Lee tem uma história de vida impressionante, de um ser humano obstinado, que se dedicou de corpo e alma a uma paixão, no caso as artes marciais.
Bruce Lee nasceu no Hospital Chinês de São Francisco, Estados Unidos, no dia 27 de novembro de 1940. Foi o terceiro filho de um casal de Hong Kong, Hoi Chuen Lee, um ator da Ópera de Cantão, que estava se apresentando na cidade naquela época, e Gracie Lee, de ascendência chinesa e alemã. Quando nasceu, seus pais lhe deram o nome de Jun Fan, mas, por sugestão da Dra. Mary Glover, decidiram registrá-lo nos Estados Unidos - afinal, por ter nascido lá, ele era um cidadão americano - com o nome de Bruce. Seus pais, porém, não se refeririam a ele por nenhum destes dois nomes, mas por Sai Fung, um nome de mulher que significa "pequena fênix"; isto porque seu pai, muito supersticioso, acreditava que havia uma maldição que atacava a todos os homens da família, e, chamando-o por um nome de mulher, estaria confundindo os demônios, que não o atacariam.
Seja qual nome tivesse, Lee teve uma infância difícil, vivida em plena ocupação japonesa durante a Segunda Guerra Mundial. Por sorte, logo após o fim da Guerra, a indústria de entretenimento de Hong Kong começou a se reerguer, e seu pai conseguiu diversos papéis como ator, inclusive no cinema, que começava a ganhar força. Graças a seu pai, aos seis anos Lee ganharia papéis em três filmes produzidos na cidade. Seu primeiro papel no cinema, porém, foi antes mesmo de voltar a Hong Kong, "interpretando" um bebê em uma co-produção entre China e Estados Unidos, enquanto ele ainda estava em São Francisco. Lee teria uma bem sucedida carreira cinematográfica em Hong Kong, sob o nome artístico de Siu Lung, que significava "pequeno dragão", um contraponto ao seu nome feminino de "pequena fênix", e uma referência ao ano em que nascera, 1940, o Ano do Dragão no horóscopo chinês. Ele atuou em 18 filmes entre 1948 e 1959, sendo o mais famoso The Orphan, lançado em 1960, onde interpretava um delinquente juvenil.
Apesar disso, Lee vivia desencantado com a vida, achando que jovens chineses como ele não tinham espaço na sociedade de Hong Kong da década de 50, onde, segundo suas próprias palavras, os brancos ficavam com todos os bons empregos, e aos chineses só restava trabalhar para eles. Esta desilusão fez com que Lee se tornasse um adolescente problemático, incapaz de fazer progressos na escola, e que passava a maior parte do tempo nas ruas arrumando brigas. Aos 14 anos, seus pais o matricularam no colégio La Salle, que tinha aulas em inglês e era gerido pela Igreja Católica, para ver se a rigidez do ensino o livrava das ruas, mas acabou acontecendo justamente o contrário: Lee foi expulso do colégio por mau comportamento.
Sem desistir, seus pais o matricularam em um novo colégio católico, o St. Francis Xavier's College. Sem sossegar, Lee insistia que queria aprender uma arte marcial, para se defender dos valentões da escola. Seu pai era praticante de tai chi chuan, e começou a instruí-lo, mas ele achava o tai chi muito lento, e insistia para que seus pais o deixassem aprender kung fu. Cedendo a seus apelos, seus pais o matricularam na escola do lendário mestre Yip Man, onde a prática era que os alunos mais experientes ensinassem aos iniciantes. Nenhum aluno, porém, queria treinar Lee, por causa da tal maldição que rondava sua família. Lee acabou, então, sendo treinado pelo próprio Yip Man. Este treinamento mudou completamente sua vida, dando-lhe disciplina e concentração. Deixando um pouco a violência das ruas de lado, Lee chegou a se matricular em um curso de dança, e se tornou campeão de cha cha cha de Hong Kong.
A cada ano, o interesse de Lee pelo kung fu crescia, principalmente pela filosofia da arte marcial. Apesar disso, Lee sabia que, em uma situação real de combate, de nada adiantariam os movimentos coordenados e o respeito às antigas tradições que ele aprendia durante as aulas. Aos 18 anos, ele começou a tentar desenvolver sua própria forma de combate, cujo objetivo era ser extremamente adaptável, eliminando qualquer elemento surpresa do qual dispusesse o oponente. Lee não chegou a levar suas idéias muito longe, porém. Em 1959, os alunos da escola de kung fu Choi Li Fut desafiaram os alunos de Yip Man para um tira-teima. Supostamente, deveria ocorrer apenas uma exibição, sem contato físico, mas um dos alunos de Choi Li Fut atingiu Lee no rosto, deixando-o com um olho roxo. Enfurecido, Lee partiu para cima do rapaz, com uma seqüência de socos e chutes que deixou atônitos os observadores, mas resultou em apenas um dente quebrado no rival. Mesmo assim, os pais do rapaz deram queixa na polícia, que expediu uma ordem de prisão contra Lee. Além disso, o pai do rapaz era membro da gangue conhecida como Tríade, a mais temida de Hong Kong. Para que ele não tivesse sua juventude arruinada, seus pais decidiram enfiá-lo no primeiro navio rumo a São Francisco.
Durante a longa viagem, Lee ensinou cha cha cha aos passageiros, enquanto aproveitava para treinar seu inglês. Ao desembarcar nos Estados Unidos, ele já falava um inglês perfeito, e estava disposto a vencer como cidadão americano. A princípio, ele continuou com as aulas de dança, mas o que ganhava era muito pouco, então ele decidiu aceitar um convite de uma amiga de seu pai, Ruby Chow, que tinha um restaurante em Seattle, onde ele trabalharia como garçom em troca de um quarto e de um salário. Enquanto trabalhava, Lee estudava na Edison Technical School. Em 1962, após se formar, ele decidiu cursar filosofia na Universidade de Washington.
Enquanto estudava na Universidade, Lee, a pedido dos colegas, começou a ensinar kung fu, primeiro para um pequeno grupo de entusiastas, e mais tarde para qualquer um que quisesse aprender. Nesta época Lee já começava a desenvolver os princípios do que seria sua própria arte marcial, uma versão do kung fu que pudesse ser utilizada em situações reais que requisessem auto-defesa, e não somente em exibições e torneios. O fato de Lee estar bulindo com o kung fu, e ensinando ocidentais, irritou os donos das demais academias de Seattle, que só ensinavam as artes marciais clássicas, e apenas para descendentes de orientais. Um mestre de caratê decidiu tirar suas diferenças com Lee no braço, e o desafiou para uma luta, vencida por Lee em poucos segundos com uma seqüência devastadora de socos, finalizada com um chute na cabeça. A partir daí Lee começou a ganhar fama como um artista marcial excepcional, e o número de estudantes que queriam treinar com ele se multiplicou rapidamente. Em 1963, para poder ensinar um número maior de alunos, ele decidiu usar suas economias para abrir o Jun Fan Gung Fu Institute, que ele esperava ser o primeiro de uma grande cadeia de kwoons (o local onde se treina kung fu). Os professores do instituto seriam o próprio Lee e Jesse Glover, um lutador de judô que Lee havia conhecido em 1959, ainda na Edison Technical School, e que havia sido seu primeiro aluno de kung fu na América, tendo-lhe ensinado judô em troca.
Na mesma época, Lee começou a namorar sua futura esposa, Linda Emery, uma colega da Universidade de Washington, que também havia começado a treinar no Jun Fan Gung Fu Institute. A família da moça ficou desesperada ao saber que ela estava namorando um "china", mas Linda não estava nem aí, disposta a enfrentar a família e sofrer com o preconceito em nome de seu amor. Em junho de 1964, Lee viajou para Oakland, Califórnia, para abrir uma nova escola de artes marciais. Linda ficou em Seattle, e por um momento imaginou que Bruce jamais retornaria. Pouco tempo depois, porém, ele retornou e a pediu em casamento. Apesar de todos os esforços da família Emery para que o casamento não se concretizasse, Bruce e Linda Lee se casaram em 17 de agosto de 1964.
Após o casamento, Linda foi com Lee para Oakland, onde seu recém inaugurado Oakland Gung Fu Institute já era um enorme sucesso, lotado de estudantes. Mais uma vez, porém, o fato de Lee estar ensinando artes marciais a ocidentais irritou os demais mestres, que exigiram que ele parasse imediatamente. Lee ignorou a exigência, e acabou sendo desafiado para um novo duelo, desta vez contra Wong Jack Man, um dos maiores mestres de kung fu de Chinatown. Segundo os mestres, se Lee perdesse a luta, ele deveria fechar sua academia, ou passar a aceitar apenas alunos de ascendência oriental. Lee, irritado, aceitou o duelo sem hesitar, e diante dos mestres de Chinatown e de alguns de seus alunos terminou a luta contra Wong tão rápido quanto aquela contra o mestre de caratê em Seattle, novamente com uma devastadora seqüência de socos e chutes. Os mestres de Chinatown não importunariam Lee novamente, e Wong daria uma versão diferente para porque teria desafiado Lee a lutar: segundo ele, durante uma demonstração em um teatro em Chinatown, Lee teria dito que seria capaz de derrotar qualquer lutador de kung fu, e Wong o teria desafiado apenas para provar que ele estava errado.
Apesar de ter vencido a luta com facilidade, Lee achou que havia sido muito lento, e vencido apenas por sorte, tendo que treinar muito mais para alcançar seu verdadeiro potencial. Segundo alguns, sua busca pela perfeição nas artes marciais já estava beirando o fanatismo. De fato, Lee passou a treinar de forma quase obsessiva, levantando pesos para ganhar mais força na parte superior do corpo, correndo para aumentar seu vigor, e fazendo alongamentos para aumentar a flexibilidade. Para ele, a parte mais importante do corpo era o abdômem, pois, além de todo movimento relacionado às artes marciais usar movimentos abdominais, o abdômem protege órgãos vitais para o corpo humano. Com este pensamento em mente, Lee desenvolveu um treinamento próprio para fortalecer os músculos abdominais, que incluía condicionamento cardiovascular, bicicleta ergométrica, corrida e pular corda. Lee também desenvolveu uma dieta especial, evitando carne vermelha e comendo grandes quantidades de frutas e vegetais todos os dias, além de uma vitamina feita com leite em pó, água gelada, gemas e cascas de ovos, banana, óleo vegetal, amendoim moído e sorvete de chocolate.
Graças a este intenso treinamento, Lee se tornou capaz de proezas físicas como fazer flexões de braço apoiado apenas nos dedos indicadores, destruir um saco de pancadas de 70 Kg com um chute lateral, ou percorrer 16 Km em 45 minutos na bicicleta ergométrica. Quanto mais Lee desenvolvia seu físico, porém, mais sua academia amargava prejuízo, pois, obcecado com a perfeição, ele passou a só admitir alunos que demonstrassem estar dispostos a praticamente abrir mão de suas vidas pessoais em favor dos treinamentos. 1965 foi um ano muito ruim financeiramente para o Oakland Gung Fu Institute, mas em sua vida familiar Lee teve uma grande alegria com o nascimento de seu primeiro filho, Brandon, em 1o de fevereiro. Infelizmente, Lee quase não teve tempo de comemorar, pois seu pai faleceria em Hong Kong, aos 64 anos, apenas uma semana após o nascimento de Brandon. Desanimado, Lee começava a não querer mais tirar do kung fu o seu sustento.
No final de fevereiro, Lee recebeu um telefonema do produtor William Dozier, que havia visto um filme de uma demonstração de Lee em Long Beach, e decidiu convidá-lo para fazer o papel do filho mais velho de Charlie Chan, em uma nova série para a TV do famoso personagem. Lee aceitou de pronto e viajou para Hollywood para um teste, onde obteve uma reação bastante positiva dos executivos da Fox, que iria levar o seriado ao ar. O tempo passou, e Dozier, principalmente devido ao grande sucesso da série de TV do Batman (aquela do pou! crás! soc!), abandonou a idéia da série sobre Charlie Chan, e decidiu fazer uma nova série sobre um super-herói e seu parceiro, O Besouro Verde (The Green Hornet, no original), versão televisiva de um programa de rádio que foi ao ar entre 1936 e 1952. Dozier fez questão de ter Lee no papel do ajudante, um oriental de nome Kato, que, quando o herói estava sob sua identidade secreta, atuava como seu motorista. Após firmar o contrato com a Fox, Lee recebeu US$ 1.800 adiantados. Como o início das filmagens ainda iria demorar, ele decidiu utilizar este dinheiro para viajar até Hong Kong, para finalmente apresentar sua esposa e filho para sua família. Ao voltar, Lee, Linda e Brandon se mudaram para Los Angeles, e Lee começou a ter aulas de interpretação - segundo Lee, as únicas que recebeu em toda a sua vida.
O Besouro Verde estreou em julho de 1966, e foi um grande fracasso; as crianças não o achavam tão divertido quanto Batman, e os adultos o achavam muito bobo. Isso fez com que o seriado fosse cancelado após 26 episódios, apenas seis meses no ar. Lee, porém, acabou bastante beneficiado: mesmo tendo de usar uma máscara durante quase todo o tempo que estivesse no ar - por decisão dos executivos da Fox, que achavam temerário ter um chinês em um papel principal na televisão - ele encantou o público com suas demonstrações de kung fu, e, após o cancelamento do programa, foi convidado para várias convenções e demonstrações de artes marciais, se tornando praticamente uma celebridade.
Sem o salário que recebia da Fox, Lee teve de voltar a contar com o que recebia do Oakland Gung Fu Institute, muito pouco nesta época. Visando construir uma carreira de ator, ele aceitou fazer pequenas participações em seriados e no filme Marlowe, de 1969, onde contracenou com James Garner. Lee, porém, era menos conhecido por suas atuações que por seu kung fu, e rapidamente começou a dar aulas de artes marciais para atores como Steve McQueen e James Coburn. Três jovens promessas das artes marciais, Chuck Norris, Joe Lewis e Mike Stone, também tiveram aulas com Lee, e, talvez graças a isso, ganharam todos os torneios de caratê que disputaram na época.
Em 19 de abril de 1969, Lee e Linda tiveram uma filha, Shannon Lee. No ano seguinte, porém, a vida de Lee teria uma nova reviravolta, quando ele contundiu as costas durante uma sessão de levantamento de pesos. O diagnóstico foi terrível: seu quarto nervo sacral havia sido afetado, o que não só faria com que ele ficasse vários meses de cama, como impediria que ele voltasse a lutar, sob o risco de ficar paraplégico. Deprimido, Lee ficou em casa enquanto Linda trabalhava como recepcionista. Incapaz de se mover e com bastante tempo livre, Lee decidiu reunir seus pensamentos e conhecimentos em um livro, buscando finalmente criar sua própria arte marcial, algo que tinha em mente desde que começou no kung fu. Enquanto esteve de cama, Lee acabou escrevendo oito cadernos, que anos mais tarde seriam editados por Linda e publicados na forma do livro O Tao do Jeet Kune Do. Jeet Kune Do significa "o caminho do punho interceptador". Mais tarde, Lee confessaria ter se arrependido por ter escolhido este nome, pois seu intuito era criar uma arte marcial sem parâmetros específicos, uma espécie de "estilo sem estilos", algo não muito claro no nome Jeet Kune Do.
Acreditando que a mente tinha um grande poder sobre o corpo, Lee se recusou a acreditar que jamais poderia lutar novamente, e, após sua recuperação, começou a lentamente voltar aos treinamentos. Em menos de um ano ele já estava de volta à sua antiga forma, embora dores nas costas o tenham acompanhado até o final de sua vida. Não estava nos seus planos, porém, voltar a lecionar artes marciais - o máximo que ele fez foi treinar três de seus amigos para serem professores de Jeet Kune Do, e ajudar a propagar a arte que inventara. O intuito de Lee após sua recuperação era investir em uma carreira artística, apresentando o kung fu ao mundo ocidental através do cinema e da televisão. Lee então teve a idéia de um seriado onde um monge shaolin vagaria pelo Velho Oeste americano em busca de aventuras, e a apresentou à Warner Brothers. A Warner adorou a idéia, e a transformou em um seriado de enorme sucesso chamado simplesmente de Kung Fu. Lee almejava ser o astro principal da série, mas a Warner, achando que seria muito arriscado produzir um seriado com um chinês como protagonista, decidiu dar o papel a David Carradine. Decepcionado, Lee decidiu viajar até Hong Kong para visitar a família e espairecer.
Chegando em Hong Kong, Lee teve uma grande surpresa: por lá, ele era uma grande celebridade, graças ao sucesso do Besouro Verde, que havia sido inclusive renomeado para O Show de Kato. Qualquer filme com Bruce Lee era passado nos cinemas à exaustão, e sempre com bom público. Tanto sucesso lhe rendeu um convite do produtor Raymond Chow, dos estúdios Golden Harvest, que lhe ofereceu US$ 15.000 para trabalhar em dois de seus filmes. Animado, Lee aceitou, e em 1971 começou as filmagens de Dragão Chinês (Tang Shan Da Xiong, ou The Big Boss, "O Grande Chefão", lançado nos EUA como Fists of Fury, "Punhos da Fúria"). As condições de filmagem, porém, eram péssimas: a vila onde as filmagens foram feitas era infestada de baratas, e a comida fresca e saudável com a qual Lee estava acostumado não estava disponível, fazendo com que ele tivesse de tomar muitas cápsulas de vitaminas para manter sua saúde. Também não havia equipamentos de segurança adequados, o que fez com que, logo durante a primeira semana de filmagens, Lee torcesse o tornozelo durante uma cena. Durante a recuperação ele acabou contraindo uma gripe, e logo a saudade de Linda e de seus filhos, que ficaram em Los Angeles, começou a incomodá-lo.
Apesar de todos os problemas, Lee prosseguiu com as filmagens até o fim, e tinha grandes expectativas em relação ao filme, programado para estrear em Hong Kong em outubro. Ao voltar para os Estados Unidos, Lee teve uma nova surpresa: havia se tornado uma estrela também por lá. A Paramount lhe ofereceu três mil dólares por uma participação em quatro episódios do seriado Longstreet, mas Lee os convenceu a pagar seis, mais um consultor técnico. A Warner, que não o quis em Kung Fu, lhe ofereceu US$ 25.000 pelo papel principal em uma nova série. E o produtor Run Run Shaw, rival de Raymond Chow, tentou convencê-lo de todas as formas a não fazer o segundo filme de Chow, e ao invés disso filmar com ele, chegando a enviá-lo um cheque em branco, com instruções de que ele preenchesse com o valor que quisesse.
Mas Lee era um homem de honra, e decidiu fazer o segundo filme que já havia acordado com Chow. Antes das filmagens começarem, ele levou Linda e os filhos a Hong Kong para a estréia de Dragão Chinês, onde foi aclamado como herói. Lee pediu para que sua família o acompanhasse durante as filmagens, então a Golden Harvest os alocou em um apartamento em Kowloon. Para não interromper os estudos de Brandon, eles o matricularam no colégio La Salle, mesmo onde Lee havia estudado. O filme recebeu o nome de Fúria do Dragão (Jing Wu Men, ou Fists of Fury) e foi lançado nos EUA como The Chinese Connection, "A Conexão Chinesa", um trocadilho com o nome do famoso filme italiano The Italian Connection (La Mala Ordina no original), lançado nos EUA no mesmo ano.
As filmagens foram mais uma vez confusas: não havia roteiro, com as falas sendo definidas antes de cada cena, e o diretor, Lo Wei, não estava nem um pouco interessado no projeto, tendo sido pego ouvindo uma corrida de cavalos no rádio enquanto deveria estar dirigindo uma cena de amor. Tanta confusão fez com que Lee ficasse filmando durante horas a fio, sempre chegando em casa após as três da manhã. O resultado, porém, valeu a pena: Fúria do Dragão quebrou todos os recordes de bilheteria do sudeste asiático, rendendo elogios não somente ao desempenho de Lee como lutador - neste filme, pela primeira vez, ele luta com um nunchaku, o que levou a platéia ao delírio - mas também ao seu desempenho como ator, tanto nas cenas de comédia quanto nas de drama. Graças a este filme, Bruce Lee se tornou o ator não-Hollywoodiano mais famoso dos Estados Unidos.
Logo, Lee deixaria de ser apenas um ator: por um tempo, ele considerou fazer mais um filme com a Golden Harvest, mas exigiu que houvesse um roteiro escrito por um roteirista profissional. O diretor Lo Wei foi contra, e Lee acabou desistindo do projeto. Lee e Chow, então, decidiram fazer uma sociedade para produzir seu próximo filme. Ele e Chow não conseguiram encontrar nenhum diretor disponível para o projeto, então Chow sugeriu que o próprio Lee dirigisse. Como eles também não encontraram um roteirista profissional, Lee decidiu ele também escrever o roteiro. Assim, em 1972 começaram as filmagens de O Vôo do Dragão (Meng Long Guojiang, ou Way of the Dragon, "O Caminho do Dragão"), o primeiro filme escrito, produzido, dirigido e estrelado por Bruce Lee.
O Vôo do Dragão é até hoje o filme mais bem sucedido de Hong Kong, tendo rendido só nas bilheterias de lá mais de cinco milhões de dólares. Graças a ele, Lee se tornou um homem rico, e comprou uma bela casa na área nobre de Kowloon para sua família. O intuito de Lee era que ele fosse o primeiro de uma trilogia; quase que imediatamente depois de encerradas as filmagens, ele escreveu o roteiro de uma segunda parte, e em pouco tempo já a estava filmando. Quando Lee já tinha cerca de noventa minutos de seu novo filme prontos, recebeu uma oferta irrecusável da Warner: o estúdio norte-americano ofereceu nada menos que meio milhão de dólares para que ele protagonizasse Operação Dragão (Enter the Dragon, "Entra o Dragão", no original). Animado com a possibilidade de finalmente fazer um filme de artes marciais para o mercado norte-americano, Lee guardou o material que já tinha e assinou o contrato com a Warner, planejando terminar seu filme tão logo Operação Dragão ficasse pronto.
Operação Dragão foi mais um filme de Lee a sofrer com problemas nas filmagens. Rodado em Hong Kong, mas com uma equipe norte-americana, teve como principal problema o choque cultural: a equipe tinha dificuldades em se comunicar com os figurantes, e alguns se recusavam a comer comida chinesa. Muitos atores, inclusive o próprio Lee, se machucaram devido ao uso de equipamentos de segurança inadequados. Alguns extras ameaçaram entrar em greve quando descobriram que as prostitutas de Hong Kong que apareceriam em uma das cenas foram mais bem pagas que eles. Lee até ameaçou desistir de tudo ao entrar em conflito com o roteirista Michael Allin, e até com seu amigo e produtor Chow.
Lee só agüentou até o fim por acreditar que seu futuro no cinema dependia do sucesso do filme. A fama, porém, começava a cobrar um alto preço: ele não podia mais sair à rua sem que um batalhão de fãs o interpelasse, todos os seus passos eram acompanhados por repórteres, e muitos oponentes o desafiavam por achar que nos filmes ele lutava com o auxílio de truques. Lee estava perdendo peso, demasiadamente estressado, e só confiava em uma pessoa, sua esposa Linda.
Em 10 de maio de 1973, Lee foi aos estúdios Golden Harvest dublar algumas cenas de Operação Dragão que ficaram com o som ruim. O estúdio estava muito quente, e durante a dublagem Lee vomitou e teve convulsões, desmaiando em seguida. Linda foi chamada, e Lee levado diretamente ao hospital, onde o médico declarou ter algo errado com seu cérebro, mas que ele não sabia o que era. Ele deu a Lee um remédio, e, se ele não apresentasse melhora, teria de operar. Lee melhorou, porém, e recobrou a consciência, mas ainda ficou vários dias incapaz de falar. Assim que saiu do hospital, Lee viajou a Los Angeles para um check up completo, que não detectou nenhuma anormalidade, nem em seu cérebro, nem em seu corpo. Os médicos norte-americanos chegaram à conclusão de que o desmaio em Hong Kong havia sido causado por um pequeno edema cerebral, e lhe prescreveram um remédio para melhorar a circulação sangüínea no cérebro.
Estes acontecimentos assustaram Lee, que decidiu terminar seu filme inacabado, juntar suas economias, e voltar com a família para os Estados Unidos. Lee e Chow escolheram para o filme o nome de O Jogo da Morte (Si Wang You Ju ou Game of Death), e começaram a discutir o que mais precisariam fazer para terminá-lo. Chow tentava convencer o ator australiano George Lazenby, que interpretou James Bond em 007 a Serviço Secreto de Sua Majestade a participar do filme, e combinou um jantar entre ele e Lee. Antes de ir ao restaurante, Lee passou na casa da atriz Betty Ting Pei, a protagonista feminina do filme.
Era dia 20 de julho de 1973. Lee teve uma dor de cabeça muito forte, e Betty lhe deu um remédio de nome Equagesic, à base de aspirina, e o aconselhou a deitar-se um pouco. Lee dormiu, e jamais acordou. Ao ligar para o restaurante e descobrir que Lee não havia comparecido ao jantar, Chow foi à casa de Betty, e encontrou Lee em um sono profundo, do qual ninguém conseguia acordá-lo. Lee foi levado ao hospital, mas já chegou lá morto, aos 32 anos de idade. A autópsia revelou que seu cérebro havia inchado, estando 13% maior que o normal.
Até hoje, a morte de Lee permanece um mistério. A versão oficial é a de que ele seria alérgico ao Equagesic, o que causou o inchaço cerebral e a morte. Outras teorias mais mirabolantes envolvem assassinato por membros da Tríade, por atores invejosos, overdose de haxixe, uma luta que Lee teria travado contra um oponente que recitou mantras secretos durante o combate, que teriam feito seu cérebro inchar pouco a pouco até sua morte, e a já conhecida maldição da família, que, segundo os supersticiosos de plantão, atingiu também ao seu filho Brandon, morto em um acidente durante as filmagens de O Corvo em 1993.
Operação Dragão só estreou após a morte de Lee. O bafafá só fez aumentar o interesse das platéias no filme, que acabou rendendo 25 milhões de dólares nas bilheterias dos Estados Unidos, se tornando o filme de artes marciais mais bem sucedido de todos os tempos. O Jogo da Morte foi mais tarde finalizado, com algumas cenas novas adicionadas ao material já gravado por Lee, e lançado nos cinemas em 1978. Seu livro, O Tao do Jeet Kune Do, foi publicado em 1975, ajudando sua filosofia a viver para sempre.
Bruce Lee viveu pouco, mas viveu intensamente. Após sua morte, ele se tornou um dos principais ícones das artes marciais e da própria China, sendo homenageado e parodiado em centenas de outros filmes, desenhos e até jogos de videogame. Graças a ele, as artes marciais ganharam uma projeção jamais imaginada no ocidente, e passaram a ser acessíveis a todos, ocidentais ou orientais. Se ele tinha alguma missão a cumprir, conseguiu com sucesso.
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